XVII: Ponto de Partida
O NOSSO JOGO foi divertido, não tem como negar. O próximo jogo, Nike de um lado da equipe e Ares do outro. Os filhos da deusa da vitória eram competidores natos, e os chatos de Ares só se aborreciam por ter uma espada e não poder ferir os vencedores.
Na manhã seguinte me aprontei muito cedo. Meus nervos pulavam para fora enquanto meu coração batia tão rápido que poderia marcar um compasso musical com seu ritmo.
Na Casa Grande não tinha ninguém na varanda. Aquela hora da manhã, o Sr. D sempre jogava pinochle com Hanks, que, segundo ele, é o melhor jogo dos mortais.
Eu vi alguém que sorriu para mim, a pessoa que mais desejei ver ao acordar. O Yushami aqui não está sendo clichê, mas Alice estava mais bonita do que mundo.
- Vai ficar babando e não vai me cumprimentar, bobo?! - Ela disse primeiro vendo minha boca aberta.
Já que não completaram a beleza dela cara a cara, vou descrevê-la - sem malícia - para vocês.
- Tem alguma coisa de errado comigo?! - Percebeu meu olhar sobre o seu corpo e ela mesma se olhou. Neguei bobo com a cabeça.
Procurei algum detalhe preto no seu visual e não encontrei, apenas seu colar de caveira que habitualmente se tornara seu símbolo. Seus cabelos bem penteados só possuía uma mecha violeta, mais clara do que todos os outros dias. Seu rosto e suas maçãs totalmente definidas davam um toque angelical combinando com seus olhinhos castanhos sem lentes violetas.
Essa garota é minha namorada, que sortudo! Pulei de euforia sem que ela entendesse. Quer dizer, ainda não éramos namorados - ainda.
- Você tá muito linda hoje, Licy - disse malicioso ao me aproximar e beijar seu rosto rapidamente.
- Para! - Alice disse receosa olhando para os lados. Segurou meu rosto que passava sobre seu pescoço e me fitou seriamente. - Alguém pode nos ver...
- Não tem problema - disse sem dar atenção. A única coisa que eu ligava era para o seu cheiro delicioso e seu beijo insubstituível. - Nós doi arranjamos uma desculpa.
Alice tocou seus dedos sobre minha bochecha quando encostados na pilastra nos beijamos. Cada vez mais, provava o quanto aquilo era bom, tocar meus lábios nos seus famintos por paixão.
Passos fortes tocaram o chão da varanda e fizeram barulho. Me afastei rapidamente e nos olhamos amedrontados.
- Por que você tá com cara de cachorro assustado, Alice? - Trevor perguntou com seu cenho franzido à reação de sua gêmea.
- É que... - ela então me olhou e entendi que precisava de alguma desculpa. - Yushami pegou na minha bunda. Pervertido!
Maldito momento que todos os meus amigos chegaram à varanda.
- Você não perde uma, Yushi. - Dillan indagou num tom malicioso. - Até a gótica.
Alice me fitou brava pelas palavras de meu amigo e justifiquei dando os ombros vergonhosamente.
- Espera aí, cara! - Trevor pediu com um gesto ao loiro. Sua expressão dizia que alguma coisa o incomodava. Voltou-se a irmã com o cenho ainda franzido. - Todos os garotos que tocam na sua bunda você sempre chuta suas partes baixas e minúsculas!
Alice olhou para justamente àquelas "partes".
- Ei! - Exclamei histérico para Trevor.
- As partes baixas dele não são...
Alice se prendeu a não terminar a frase quando todos perceberam o que iria dizer. Nos entregar assim, poderia acabar com a diversão de nos relacionar secretamente.
- Esse metido não merece meu esforço! - Alice me olhou com falso desdém e piscou sem que ninguém visse. Foi ao encontro do irmão e o puxou para dentro.
Kaique e Dillan se aproximaram feito bobos com a situação. Eu apenas ri da cara dos patetas que não sabiam de nada.
- O que foi aquilo? -Kaique perguntou confuso apontando para a direção que os gêmeos entraram.
- Nada! - Disse com um sorriso torto. - Vamos entrar logo, babacas.
Meus pés tremeram quando finalmente comecei a pensar porque estava ali. Não tinha me esquecido, neguei a esquecer que era sábado, 19 de julho, que eu partiria para trazer para casa um meio-sangue.
Não seguimos para a sala de jogos, entramos na sala de Nelson Hanks que estava limpando seus pequenos objetos rústicos na prateleira.
Olhei à minha volta e notei cada um de meus amigos.
Posso dizer que até mesmo a destemida e corajosa Airam Mulky tinha preocupação em seu rosto. Mira transmitia tensão no seu fôlego. Todos os outros, até mesmo Luara, estavam com feições amedrontadas e tensas.
- Nunca pensei que surgiria uma missão tão perigosa assim - Hanks disse sem olhar para trás. Continuou a limpar seus apetrechos e àquela altura já notava a presença de todos sem nem mesmo nos observar. - Quíron ficaria orgulhoso em ver tantos heróis juntos.
Sorrimos gentilmente quando o centauro se virou. Com seus olhos unicamente negros, começou a observar cada um de nós.
Seu olhar parou em mim. Hanks quase lacrimejou os olhos quando, de cima a baixo, leu toda a minha anatomia.
- Achei que poderia não voltar vivo em seis meses - ele disse especialmente olhando aos meus olhos, como Alice fazia quando parecia ler a minha alma. - Eu vi a evolução de um garotinho de doze anos se transformar num herói destemido e valente.
Ele olhou para o meu colar de contas. Talvez fosse a quantidade de pedrinhas de argila ali que lhe contasse, mas dentro de mim sabia que era muito mais que isso.
- Hoje você parte liderando essa missão, Yushami - disse orgulhoso e caloroso. - E que todos vocês saibam, os deuses os acompanharão nessa perigosa jornada. E a bênção deles está sobre você Yushami!
Ouvi um sorriso estúpido de Trevor no canto da sala.
- Arrumem todas as suas coisas e me encontrem na Praia dos Fogos em uma hora - indagou nos olhando preocupado novamente. - É hora de dizer adeus aos seus amigos.
- Espero que não seja um adeus definitivo, senhor. - Kaique quase choramingou. - Quero ver todos os idiotas dos meus irmãos de novo!
Naquele dia o tempo pareceu mais rápido. Num piscar de olhos me vi colocando as minhas poucas peças de roupa dentro da mochila. Quis dizer adeus para o meu chuveiro, ficaria sem um banho por um bom tempo.
Olhei para a fonte de água no canto do quarto. No fundo os dracmas de ouro reluziam e me lembro de todas as mensagens que enviei para o meu querido pai.
Por que estou dando valor nas mínimas coisas? Esse era um dos meus maus pressentimentos daquele dia.
Estávamos na praia. Semideuses curiosos e fofoqueiros fizeram uma fila logo atrás da praia. Um grupo de centauros e membros do Conselho do Casco Fendido acompanhou Hanks até nós.
Vi o sátiro Minniot no meio dos outros, que aparentemente parecia o mais novo.
Voltando a atenção para nós, olhei para alguns metros da praia e achei um barco ancorado no mar.
- A Guarda-Herói precisava de um transporte de locomoção, não é mesmo? - Hanks disse depois de nos ver todos estupefatos.
- Uau! - Dillan e Kaique exclamaram em uníssono.
- Bem que essa equipe precisava de um Batmóvel! - Trevor disse impressionado.
- O que é um Batmóvel? - Luara perguntou confusa.
- Não é possível que você não conhece o Batmóvel, gata! - Trevor disse incrédulo e ofendido.
- Ela não conhece! - Respondi de cenho franzido para ele. - Luara não conhece nada de supérfluo e mortal do mundo lá fora.
- Que vida triste!
Realmente todos, até mesmo os meio-sangues curiosos atrás de nós, se admiraram com o barco, ou melhor, o iate atrás de nós.
Ao mundo mortal, especialmente à classe rica, aquele iate seria uma das invenções mais modernas do século XXI. E talvez você possa estar o imaginando da maneira errada, vou tentar ser o mais descritivo possível.
Aquele iate parecia um jatinho, mas sem asas. Os deuses poderiam ter nos dado o cruzeiro mais caro do mundo, mas ser chamativos não era a nossa praia.
A lataria era bege e branca. Não era tão grande como um cruzeiro. Na verdade precisaria de uns 100 iates daqueles para dar um cruzeiro, mas mesmo assim cabia a todos nós dentro dele.
- Achei que fôssemos em uma belezura um pouco menos chamativa - ouvi Trevor dizer com desdém atrás de mim.
- Melhor que o barco que trouxemos as garotas de Afrodite da França, com certeza é melhor! - O olhar de alívio de Dillan me tirou um sorriso.
- Que bom que gostaram! - Hanks viu nossas satisfações e bocas abertas. - Hefesto construiu muito bem com a arquitetura da deusa Atena.
E para quem achava que os deuses eram marmanjos que só coçavam as calças enquanto comiam uvinhas na boca pelas mãos de ninfas, fiquei muito decepcionado.
- Então já podemos entrar? - Kaique apontou com o polegar para trás rumo ao barco. Seus castanhos olhos estavam tão admirados quanto eu que uma hora ou outra admirava Alice.
- Antes - Hanks gesticulou com o indicador - , precisam saber que a exata localização de Animália está ao leste, no Pacífico.
Aquilo não era bom. As famosas lendas que nós semideuses ouvimos a vida toda fez minhas pernas tremerem.
- Di immortales! - Até Airam, a mais valente e sábia teve medo do que o centauro nos dissera. - Tem certeza, senhor?
- Por que vocês estão com tanto espanto? - Trevor retrucou ignorante.
- Se tivesse aprendido mais nas aulas de mitologia grega, Trevor - Hanks indagou quase como o nosso medo - , saberia que vossos espantos são quanto a lenda do Mar de Monstros.
Nem mesmo os mais corajosos heróis dos deuses sobreviveram às turbulências do Mar de Monstros. Os que sobreviveram naufragaram, já outros acharam muitas coisas ruins até seu destino final.
- Triângulos das Bermudas - Luara explicou com pavor. - Animália tem grande fonte de poder, por isso precisamos passar pelo triângulo para encontrá-la.
O silêncio brincou com todos nós. Até os sátiros berraram de tensão. Umas náiades pularam nos rios assim que Hanks nos espantou.
- Heróis não temem. Heróis são temidos! - Hanks usou de sua motivação para nos dar coragem. - Quero vocês oito dentro daquele poderosíssimo iate construído para levá-los à uma das coisas mais poderosas de nosso mundo.
Apertei a alça da minha mochila com coragem. Embora dentro de mim soubesse que aquela era uma missão suicida, ao ver iate pude saber que pelo menos teria um banho de jacuzzi -era impossível não ter uma em um iate mágico.
Uma porta de escada desceu assim como a de um avião. Dillan e Kaique foram os primeiros a entrar. Por fim, olhei para trás e admirei mais uma vez o meu lar.
Hanks sorriu para mim com orgulho. Pude ver os chalés brilhando com o sol da manhã. O lago calmo, os campistas escalando, os sátiros na quadra de voleibol, tudo parecia ser único para mim. No fundo, tive medo que aquela fosse a última vez que eu via a minha casa.
E eu, Yushami Thunder, estava pronto para partir. O meu Ponto de Partida para a morte acabara de começar.
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