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25🌑

Jenny

Meu corpo se choca contra o de Akira e nossos braços se enlaçam; sua respiração ofegante próxima ao meu ouvido me dá a certeza de que o mesmo deu o máximo de si para vencer uma luta que estava quase perdida. Desejei, desejei que a inconsciência não tivesse me derrubado e que eu pudesse o ter ajudado, mas aquela era a única forma de nos dar alguma chance.

- Achei que tudo estava perdido...

- Você pode me contar tudo mais tarde, porque vai haver um mais tarde - o interrompo apertando a sua mão - vamos, estamos quase lá, eles precisam de nós lá em baixo...Scott...- engulo em seco e aperto os olhos.

- Ele está bem - Akira fala - tenho certeza que está. Ele é um guerreiro, está no sangue, vai ficar bem.

- Sim - digo e afasto o pensamento. Ou pelo menos tento.  - vamos...

- Sim - ele respira fundo - vamos.

Caminhamos novamente a passos largos para trás do relógio antigo; os mecanismos confusos nos saudam, mas uma peça que não vimos antes nos chama atenção. Uma pequena alavanca de prata brilha e se destaca. Nela, há uma escritura em uma língua que eu não saberia distinguir se não tivesse passado pelo que passei a horas atrás.

- Pause - leio em voz alta, e nos entreolhamos.

- Juntos? - pergunta Akira. Suas roupas estão esfarrapadas e sujas, e há hematomas em seu rosto.

- Juntos - digo tomando sua mão, e, juntos, puxamos a alavanca.

                                 ***

A primeira coisa foi o silêncio.

Tudo foi como se o volume de um aparelho de som fosse abaixado ao máximo em um só clique deixando tudo num silêncio ensurdecedor,  permitindo que eu pudesse ouvir meu próprio coração bater.

É agonizante.

A segunda foi o vento.

Meus cabelos que antes voavam na frente de meu rosto atrapalhando minha vista voltou ao lugar como num passe de mágica. Depois veio o calor, e a sensação estranha de estar presa a um lugar mesmo estando livre para ir onde quisesse.

- Eu poderia gritar agora, e meu grito provavelmente seria ouvido do outro lado do mundo - fala Akira melancólico, olhando tudo ao redor.

- Eu diria que agora temos todo o tempo do mundo - falo numa tentativa de amenizar a tensão - estou tentada a aproveitar e curtir um pouco enquanto tudo está parado, e só depois voltar a realidade.

- É uma opção tentadora - responde Akira vindo para perto de mim - fugir do mundo por um tempo, até que tudo fique bem - ele balança a cabeça - mas não importa quanto tempo adiemos, nada vai ficar bem se não fizermos nada agora. - ele pega minha mão - vai ficar tudo bem. - o mesmo se contradiz.

- Sim - digo sentindo um aperto no coração por conta do peso daquela única palavra - vai ficar tudo bem.

- O que fazemos agora? - pergunta Akira para mim, me surpreendendo. Eu nunca fico no controle, então não sei como agir quando estou no mesmo. Porém, algo me diz que essa não é a hora de demonstrar insegurança.

- Podemos descer lá e acabar com eles - digo olhando ao longe, o exército é só uma mancha imóvel. Por um momento, Scott me vem na mente, e me pergunto se ele está bem, se ainda está vivo. Afasto este pensamento; ele tem que estar vivo - ou, podemos acabar com eles daqui. Mas não vejo como atingir um só exército, e não o nosso. - mais uma vez, o peso da palavra "nosso" pesa em meu peito.

- Não temos como atingir os nossos - Akira diz - não há como, é magia antiga. Porém - ele se vira para mim - usar muito poder de uma vez só pode nos matar, ou nos deixar bem mal mesmo - ele suspira e fecha os olhos por alguns segundos - eu não devia ter pedido para vir comigo. - fala, e sua voz está carregada de culpa.

- Eu teria vindo de qualquer jeito - digo e ponho a mão em seu rosto - você não vê que não podemos mais nos separar? Não sente?

- Sinto - Akira admite e cola os lábios nos meus por um breve instante, só para se afastar logo em seguida me fazendo sentir um vazio.

- Me dê a mão - ele obedece, e ficamos um ao lado do outro. - não sei como fazer isso. - suspiro derrotada.

- Apenas deseje, Jenny - ele comanda com a voz suave - trate como se tudo aqui fosse apenas um sonho, onde pode desejar tudo o que quiser.

Eu fecho os olhos. Penso no que quero para agora, e calor sobe por todo o meu corpo, e sinto o mesmo emanar da mão de Akira. Algo me diz que a montanha está sob nosso controle; o tempo está sob nosso controle. É tudo ou nada.

Tudo é silêncio, um silêncio tão ensurdecedor que me deixa agonizada. O ar começa a escapar de meus pulmões, e estranhamente, sinto meu corpo leve, tão leve que eu poderia levitar. Segundos depois, meus pés são erguidos do chão, e uma rajada forte de vento que não era para estar ali circula ao redor de mim e Akira, que também está no ar. 

Abro os olhos, o mestre espião encara o ar a frente com as íris negras e olhar duro, esperando por algo que eu também sei que vai vir. Naquele breve instante, que separa a realidade do que está por vir, minha vida inteira passa por meus olhos, tudo num pensamento difuso.

Então, de repente sem aviso prévio, algo começa a sugar tudo que existe dentro de mim como se tentasse roubar minha alma a força. Eu grito de dor e fecho os olhos quando tudo começa a ficar intenso demais, e sinto Akira apertar mais a minha mão, lutando contra a própria agonia.

Eu sinto como se toda a minha essência fosse tirada de mim, como se anos e anos de dor acumulada viesse a tona agora. Sinto o cheiro da morte, histórias de soldados Glions passam pela minha mente como um redemoinho, histórias de dor e rendição, como se tudo tivesse acontecido comigo, como se fosse eu a aguentar tudo aquilo uma vida inteira. Vidas inteiras. Como se eu tivesse que viver aquilo para o resto da eternidade.

Em algum momento quando tudo estava ficando ruim demais, pesado demais, quando comecei a sentir que meu corpo estava sendo queimado vivo, e talvez estivesse mesmo, resolvo tomar a dor daquelas criaturas horrendas como minha. Resolvo me entregar aquilo e sentir, sentir a agonia deles. As lágrimas que estava prendendo descem como cascatas pelos meus olhos amenizando a pressão que se formava em minha cabeça.

E então, exatamente como começou, aquilo acabou, e, naquele último segundo em que estavamos suspensos no ar eu sinto a morte passar pelas minhas mãos, fria e irredutível como uma espada que atravessa um coração sem dó nem piedade, e uma onda de energia passa onde minha mão e a de Akira ainda estão unidas.

Despencamos no chão quando a tontura me vem. Olho para o lado e Akira está imóvel, os olhos fechados e a boca entreaberta, me dando a certeza de que em pouco tempo eu também despencarei de vez. 

Em um último esforço, me arrasto até a alavanca que controla o tempo, e em um puxão forte - ou o mais forte que eu poderia fazer naquele momento - eu a ponho de volta no lugar.

Sinto a brisa bater em meu rosto de novo e o canto dos passarinhos alcançarem meus ouvidos quando me arrasto de volta para Akira e tomo sua mão. Uma lágrima solitária desce pelo meu rosto quando minha consciência começa a fugir do meu controle e meus olhos se fecham, para encontrar as estrelas mais uma vez.


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