Parte II, "Os Proibidos" - Capítulo 31
Parte II, "Os Proibidos"
"Não te amo mais.
Estarei mentindo dizendo que
Ainda te quero como sempre quis.
Tenho certeza que
Nada foi em vão.
Sinto dentro de mim que
Você não significa nada.
Não poderia dizer jamais que
Alimento um grande amor.
Sinto cada vez mais que
Já te esqueci!
E jamais usarei a frase
EU TE AMO!
Sinto, mas tenho que dizer a verdade
É tarde demais..."
— Clarice Lispector.
Notas do autor: Para quem não conhece o poema, fica aqui uma informação importante: ao se ler os versos de baixo para cima o sentido é mudado por completo. Experimentem.
Capítulo 31, relatos.
Inspira. Expira. Inspira. Expira.
Estava sozinha, havia nada nem ninguém ao alcance dos meus olhos. Apenas escuridão e mais escuridão. Era agonizante, mas não deixaria de preferir a segurança de ser apenas eu e o ébano sem fim à presença de alguém como ela... eu a sentia, mesmo não estando visível.
Recordei-me novamente a voltar respirar, pois os meus pulmões não sabiam mais trabalhar sozinhos. Sentia as palmas das minhas mãos pegajosas, preenchidas com um líquido viscoso. Neguei-me olhar o que havia nelas, os meus olhos estavam atentos demais assistindo uma neblina branca e fria surgir repentinamente. Ela dançava e vinha até a mim, unindo-se e tomando a forma de um rosto aterrorizado com os buracos dos olhos vazios e a boca aberta em desespero.
O suor escorreu da minha nuca ao decorrer da espinha cervical, meu corpo estava completamente em alerta e queria correr, correr para longe daquilo. Porém, os meus pés ficaram grudados ao chão sob eles. Apenas fui capaz de finalmente passar o foco da neblina para meus pés nus e mãos, todos cobertos com uma substância vermelho-bôrdo, intensa e grossa... Sangue.
De imediato assisti meu corpo congelar por inteiro. A névoa tinha me alcançado e agora tomava conta de todo o meu eu, não deixaria que me livrasse daquela sujeira. Então levantei meus olhos novamente para frente e cada nervo do meu corpo soube de quem era aquele rosto. Tive certeza, pois agora ela fazia parte também de mim...
— A-April — gaguejei, lutando contra as lágrimas escorrendo sem cerimônia nos cantos do meu rosto.
Ela não reagiu, nela não existia mais vida. Era apenas um parasita procurando por um hospedeiro. Eu era seu hospedeiro.
— Cadê ele? — disse.
Como não tinha capacidade nenhuma de responder, ela gritou. Prosseguia, porque estava a fim de deixar aquele nome gravado em minha mente para sempre.
"AXEL!"
E foi assim que acordei hoje...
Peguei a caneca de chá em cima da mesa de madeira, vendo aquele sol tímido começando a aparecer entre as altas e verdes árvores do Inferno.
— Obrigada — agradeci a garota do Quatro, que pôs um pouco mais de água fervente para mim.
Mas por dentro estava xingando. Não ela, quem eu nem sabia o nome, mas por quem quer que tenha escrito aquele bilhete — "Você vai pagar por isso."
"Era tão a cara de Aubrey que chegava ser óbvio demais," pensei.
A garota abriu um sorriso tímido, pronta para demonstrar toda a sua gratidão por ter me ajudado. E, simplesmente, não estava com cabeça para aturar toda a comoção relacionada a Alice Blair. Portanto, levantei-me antes que pudesse dizer qualquer coisa e fui em direção ao meu verdadeiro refúgio.
[...]
— Bom dia, Harriett — disse, tentando amenizar a raiva dentro de mim.
— Bom dia, Alice! Mais um péssimo dia? — perguntou sorridente.
Era tanto lamentável quanto reconfortante ela já ter se acostumado com as longas horas comigo reclamando sobre a vida.
— Exatamente — disse, forçando um sorriso e passando o indicador pela borda da xícara.
Estávamos no inverno, o que significava dias com temperaturas razoavelmente desagradáveis para se viver no meio de uma floresta. O vapor vindo do chá ajudava a aquecer temporariamente as pontas dos meus dedos enquanto esperava a bebida estar morna o suficiente para não queimar minha língua.
— E qual era a novidade que tinha para me contar ontem, lagartinha? — perguntou curiosa.
Harriett me deu esse apelido semanas atrás por acreditar que eu era uma pequenina lagarta esperando para me tornar uma linda borboleta.
"As lagartas muitas vezes podem até ser perigosas ou letais, mas na verdade só não estão prontas para mostrar o que há em seu interior," relembrei as palavras dela.
Era lindo de se ouvir, mas Harriett sempre foi uma romântica incurável. Queria me ver bem.
— Consegui convencer Ira a me deixar participar da vigilância noturna. Agora eu tenho uma função.
— Isso é incrível... — consegui notar como a sua voz soou forçada. — Mas você não precisa fazer parte da vigilância, sabe disso.
— Eu sei muito bem, sou a Alice. A filha de Robert e Alexandra e quem agora deve obediência a um homem nojento chamado Moore ou serei julgada como uma assassina.
"As minhas aulas com a senhora Perry terminaram há quase um mês, agora tenho mais tempo para mim do que gostaria de ter. Necessito fazer alguma coisa ou ficarei definitivamente maluca.
Além do mais, ele conseguiu a autorização de Garrett, então não se preocupe."
Eu sabia que Harriett não gostava quando eu falava mal de Moore, era perceptível. Só que dessa vez foi inevitável.
— Tudo bem, se acha que irá lhe fazer bem. Entretanto tome cuidado. A vigilância às vezes pode ser um trabalho arriscado.
— Já esperava que fosse, afinal serei responsável por nos manter seguros.
Porém, a pura verdade era que eu não tinha mais muito medo do perigo, se devia ser prima de primeiro grau dele.
— E quando vai começar?
— Hoje mesmo. Ira irá me buscar às onze da noite — informei. — Mas antes disso, tenho que visitar Ruby. Eleanor me informou hoje durante o café da manhã que ela estava pulando sobre uma mesa e acabou caindo. Nada grave, mas quebrou um dente. E sabendo como Ruby é, está fazendo drama.
Harriett riu, arrumando a pilha de papéis na bancada.
— Tem algum livro infantil que me recomendaria? Ela não para de me perturbar com isso. Axel a acostumou assim...
— É, acho que ele leu quase todo o nosso acervo a ela. Mas tenho um em mente que agradaria a pequena Ruby.
— Pois bem, reserve para mim — pedi.
— Pode deixar — disse para logo completar. — E para você?
— Ah, eu não gosto muito de livros de autoajuda, se é o que pretende me oferecer.
— Eu indicaria os romances.
— Desculpas, mas eu não estou capacitada — rebati seca.
— Incrível como se tirando um determinado ponto no meio de infinitos muda toda uma reta, não acha? — perguntou no meio de um devaneio.
— Como assim? — disse desentendida e sentindo os indícios de fadiga e enxaqueca.
Dei um profundo gole no meu chá, que desceu rasgando e expandindo um calor em todo meu corpo.
— Se você lesse o que te indico, estaria capacitada para muitas coisas — comentou, voltando ao assunto.
— Tudo bem — soltei, um tanto derrotada pela sua persistência. — Lerei o que quiser.
Ela abriu um sorriso de vitória. Finalmente, eu tinha cedido para o seu papo de bibliotecária.
[...]
Compreendia o porquê de Harriett ter escolhido "Romeu e Julieta", uma tragédia escrita entre 1591 e 1595 por William Shakespeare, para mim. Ela não desistia.
Retirando o fato de ter lido uma das adaptações mais antigas e ser sobre um amor impossível e, especificamente, trágico, achei suficientemente bom. Por sinal, ela tinha uma ligação grande demais com a minha atual realidade para me animar com a leitura.
Não era apta a entender o que se passava na mente da senhora Wilson. Ela achava que lendo uma história dessas me motivaria? O famoso "se consolar com os casos similares e procurar conforto em outro sofrimento." Em 80% dos casos poderia dar certo e eu até concordava, mas comigo só me convenceu ainda mais de que eu e Axel somos algo trágico e impensável. Deixei de encarar a vida pelo lado bom há um bom tempo, estava mergulhada na minha própria amargura.
Moore comentou sobre a possibilidade de um casamento entre Axel e eu. Particularmente, abominava a ideia, mesmo já tendo sentido — ou sentir — muito por ele. Viver ao lado de alguém que, mesmo dando a entender me amar, me evitava com a mesma força... Era terrível. Além de todo o enredo que um casamento entre nós dois nos levaria, a tal tragédia de final de livro, a história de amor com um fim tão lindo quanto triste.
Um dia tanto eu quanto ele já aceitamos isso e até quisemos, mas não mais. Pretendia apenas achar o meu digno final feliz, se existisse. Era fato.
Alguém bate na porta do meu quarto, não preciso perguntar quem é.
— Senti sua falta — disse Jack, entrando.
Fechei a porta atrás dele.
— Faz doze horas desde a última vez que nos vemos — rebati, rindo.
— Eu sei, é só para parecer fofo — disse, esticando-se para me beijar e envolvendo minha cintura com os braços.
Botei a mão em sua boca.
— Vai com calma. Acho que estamos tornando tudo muito excessivo.
— E quem liga? — perguntou com seu sorriso encantador, amava poder observá-lo tão de perto. — Quero apenas poder beijar a minha namorada quando quiser. Mesmo se sinto vontade de fazer isso o tempo todo.
Ri, pois a verdade é que eu também estava com vontade. Estar com ele sempre me fazia bem, eu era a minha melhor versão. A Anne, que ligava mais para o passado do que o próprio presente, se escondia. E Jack era isso, era o presente.
Abracei o seu pescoço e deixei que me beijasse. Meus dedos escorrendo pelos seus cabelos recém cortados e ele me apertando com cada vez mais firmeza. Estávamos nos beijando gradativamente com mais vontade, sabia o que viria depois... por isso o interrompi.
— Está começando a ultrapassar aquela linha, senhor Howard — comentei, afastando-me um pouco.
— Eu não ligo para essa linha — comentou, beijando o sorriso que surgiu em meu rosto.
— Mas eu ligo... — disse por fim e dando um tapinha em sua mão. — Sabe o porquê de estarmos juntos. Não quero ficar desse jeito com você, se não me tem por inteiro.
Ele me soltou e me olhou triste.
— De novo essa história, Anne? — perguntou, pondo o meu cabelo atrás da orelha. — Eu não me sinto como se estivesse apenas com uma parte de você.
— É porque não está dentro da minha cabeça.
— E aonde estaria essa outra parte? Porque eu quero achá-la — brincou.
Ele viu que não respondi de imediato, pois tanto Jack quanto eu sabíamos qual era a verdade. Desde que aceitamos este namoro sabíamos que ele podia acabar a qualquer momento, era tão instável quanto o meu subconsciente.
— Eu espero que ele nunca mais volte — Jack comentou. — Não quero ter que acabar com Axel por ele tentar roubar o que é meu de novo.
— Não toque no nome de Axel — reprimi. — E não fale dele como se fosse impossível você fazer o mesmo. Eu já perdi coisas demais para acreditar que alguém nunca vá me deixar.
— Anne, eu te dou a minha palavra que nunca irá me perder — disse, segurando o meu rosto.
Axel fazia o mesmo quando queria que eu prestasse a atenção nele, não aguentei e acabei me soltando imediatamente das mãos de Jack.
— É o que sempre dizem — retruquei.
— Eu não seria capaz de te deixar, como não percebe? — disse indignado. — Eu estou aqui, não estou? Eu já te deixei alguma vez?
"Não, pelo contrário," pensei.
— Você promete? — cedi.
Ele segurou minha mão.
— Prometo.
Minha visão ficou turva. Escondi o rosto no peito de Jack e ele me abraçou. Eu não me soltaria dele nem tão cedo, podia passar a noite consigo — como andávamos fazendo ultimamente. Porém, agora eu tinha uma função a cumprir.
— Desculpas, preciso ir.
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