1
Anos 2000
Hollow Stones, 23:15.
"Oh, minha vida está mudando todos os dias
De todas as maneiras possíveis
E ah, meus sonhos
Nunca é exatamente o que parece "
— Dreams, The cranberries.
Beijar o cara da jaqueta preta.
Era só isso que eu tinha que fazer para ganhar os cinquenta dólares e acabar com a maldita aposta da Holly, que disse que eu nunca teria coragem de beijar um cara estranho em uma noite. Não que eu nunca tivesse beijado antes, mas, definitivamente, eu preferia conhecer primeiro.
A música aumentou conforme o guitarrista atingia o solo. Eu amava aquela música, e seria mais que eletrizante beijar alguém na melhor parte do meu rock preferido. Senti uma coragem maluca surgir. A adrenalina pulsava em minhas veias com a ideia.
— Tem que ser aquele? — senti minhas mãos suarem. Holly deu de ombros.
— Foi o primeiro que vimos, e ele parece um gato.
— Ele está de costas. — argumentei. E se ele fosse horroroso?
— Não amarele, Lena. — ela ergueu as sobrancelhas. — Cinquentinha.
Beatrice me olhou, como se avisasse que aquilo não era uma boa ideia. O que eu tinha a perder? Era só um beijo, e o som estava alto. Eu queria me arriscar a fazer algo impulsivo pelo menos uma vez na vida.
Precisava quebrar o muro de sofrimento que eu carregava e começar a me divertir. Eu beijava e saía correndo. Além disso, eu definitivamente precisava daqueles cinquentinhas.
Arfei, andando em direção ao cara que estava de costas.
Cutuquei seu ombro, sentindo meu coração prestes a sair pela boca. O led girando me deixou ainda mais nervosa. Quando ele se virou, arqueando as sobrancelhas grossas e escuras que combinavam com o tom preto do seu cabelo, senti meu chão desabar sob meus pés. Ele não. Definitivamente, ele não.
Meu estômago se revirou enquanto eu tentava controlar minha respiração. Ele era alto. Não tão mais alto, mas ainda assim... era alto. Eu teria que erguer meus pés para beijá-lo. Rápido. Me inclinar e beijar.
Talvez me apoiar no corpo dele. Um corpo incrivelmente atraente. Era absurdo. Não ele ser atraente, apesar de que era um absurdo alguém de 18 anos ser tão atraente como ele era, mas era absurdo continuar.
Eu não iria beijá-lo.
Beijei.
Esperei que ele me afastasse.
Ele não me afastou.
O grito das minhas amigas ao fundo me tirou do transe. Soltei meus braços do pescoço dele.
Augusto Vescovi. Eu havia acabado de beijar Augusto Vescovi.
O melhor amigo do meu irmão.
— Você não devia ter feito isso, Lena. — ele sussurrou em minha boca, me causando um arrepio pelo apelido. Como se fôssemos íntimos e já tivéssemos feito aquilo antes...
Era loucura da minha cabeça. Me virei e corri de volta em direção às meninas, tentando controlar minha respiração.
— Eu não acredito que você fez mesmo! — Holly gritou, batendo palmas. Olhei para trás, percebendo que ele já havia desaparecido.
— Meus cinquenta dólares. — estendi a mão.
— Ela nunca vai te pagar. — Bea disse, colocando uma das trancinhas atrás da orelha.
— Ei! Eu sempre cumpro as minhas apostas.
— Se não me pagar eu quebro seu carro, Holly! — disse, furiosa.
— Não tenho certeza se valeu. Não pareceu ter sido de língua.
— Eu não ia enfiar a minha língua na boca dele!
— Quem era? Alguém do nosso colégio? Não conseguimos reconhecer daqui. — Bea perguntou.
— Era... — soltei a respiração.
— Era...? — as duas perguntaram juntas.
— Augusto.
— Qual Augusto?
— O da aula de biologia?
— Não. — olhei para trás novamente, no impulso de talvez vê-lo de novo. — O da classe de Paco.
— Paco, seu irmão? — Holly pensou por três segundos. O grito veio, junto com o movimento brusco do cabelo loiro platinado. A franjinha já estava suada. — NÃO!
— Augusto Vescovi? — Bea abriu a boca. — Lena, você está muito ferrada!
— Eu sei. Vamos embora. — peguei minha bolsa, vendo os olhos arregalados das duas.
— Eu não acredito que você beijou ele! Se o seu irmão souber...
— A culpa é sua Holly! Você e essa sua aposta idiota. Foi só um selinho sem importância.
Que pareceu ter durado bem mais do que devia e que foi melhor do que qualquer beijo completo, meu cérebro fez questão de corrigir.
— Eu não fui lá e colei sua boca na dele. — ela pegou as chaves do carro enquanto andávamos até a saída. — Além do mais, quando viu que era ele você podia ter desistido.
— Quem desistiria? Todas as garotas dariam um rim para beijá-lo. — disse Bea, ajeitando o vestido amarelo.
— Um rim é exagero. — entrei no carro da Holly, um Dodge Dart GT vermelho clássico. — Eu só quero chegar logo em casa e esquecer a vergonha que passei.
Mesmo faltando duas músicas para o show terminar, nenhuma das duas reclamou. Elas sabiam como eu estava encrencada. Se Paco descobrisse que eu agarrei o melhor amigo dele em um show ele me daria um sermão que, provavelmente, durará pela eternidade.
Não, o meu irmão não era totalmente ruim como parecia, mas ele conseguia ser superprotetor ao extremo e, o pior de tudo é que eu não podia reclamar. Ele pegava no meu pé porque se importava.
Desde que os nossos pais morreram, ele meio que assumiu o papel de adulto da casa cedo demais e começou a trabalhar cedo demais também.
Como um bom exemplo, ele só namorou uma garota uma vez, que o chutou por ele não fazê-la prioridade, e me instruiu que eu fizesse o mesmo. Certamente, beijar um cara em uma festa à noite não estava no manual permitido, principalmente se esse cara fosse o melhor amigo de confiança dele.
Suspirei, apoiando a testa na janela enquanto o carro antigo de Holly sacudia.
— Lena, relaxa, ele não vai contar.
— Como você pode ter certeza? — encarei Bea no banco do carona.
— Porque claramente ele também teria que dizer que gostou e te beijou de volta. A gente não é cega. — Holly pontuou. — O único problema é o Paco descobrir que você está chegando em casa escondida agora.
Encarei o relógio, sentindo o meu coração bater forte. Já tinha passado das onze e meia. Eu tinha demorado mais do que devia no show. O plano era voltar até onze e vinte, que era o horário exato que o meu irmão chegava do trabalho.
— Eu estou mesmo ferrada.
— Seu irmão é um careta Lena, mande ele ir pastar!
— Não fale assim dele, Holly. Você não entende.
O carro parou. Bea me abraçou, me olhando como se me dissesse em silêncio que ela entendia, e eu desci do carro, nervosa demais para me despedir da loira que me irritava.
— De nada pela carona! — Holly gritou, e saiu pisando fundo.
Entrei correndo em casa, tomando o máximo de cuidado para não fazer barulho, mas não adiantou. Paco me esperava na sala, em pé, com o celular na mão e uma expressão raivosa. Seus olhos castanhos fulminaram os meus.
— Eu posso saber onde você estava, Selena?
— Paco, eu posso explicar...
— Explicar? — ele me interrompeu, jogando o celular no sofá e aumentando o tom de voz. — Já são quase meia noite, Lena! Imagina o quão desesperado eu fiquei quando eu cheguei em casa e você não estava!
— Eu fui em um show, tá legal? Não precisa gritar comigo por causa disso, eu já tenho dezesseis anos!
— Está agindo como se tivesse oito!
Engoli o nó que se formava em minha garganta. Eu detestava que ele me tratasse como se eu fosse criança. Eu o entendia, mas agora, estava com raiva. Com raiva porque uma parte de mim dizia que Holly estava certa e que ele era um careta que me impedia de viver a minha própria vida.
— Desculpa...
— Desculpa não vai resolver, sair nesse horário é inadmissível...
— Pare de gritar comigo! Às vezes... às vezes eu só queria que você me desse um tempo, desaparecesse! Caramba, você não é o meu pai!
Explodi. A frase dele parou na metade, e para o meu completo arrependimento, ele abaixou a cabeça e saiu da sala.
— Paco, espera, eu não quis dizer...
Ele não quis ouvir. Senti meus olhos se encherem de lágrimas. Eu tinha ido longe demais.
Andei até a cozinha para beber um copo de água enquanto o arrependimento me corroía quando a campainha tocou. Olhei o celular para ver se as garotas tinham mandado alguma mensagem sobre passar aqui quando Paco desceu e abriu a porta.
A voz de Augusto do outro lado fez as minhas pernas tremerem.
— E aí. Trouxe sua carteira.
— Oi cara, obrigado por trazer, nem percebi que tinha perdido.
— Sem problemas.
— Você poderia ter me entregado amanhã, eu sempre acabo te dando trabalho. Você não estava no tal show?
— Resolvi vir embora mais cedo, passar aqui era caminho. Você não parece muito bem. — o olhar dele atravessou a sala e encontrou o meu. Minha garganta ficou seca.
— Estou com uma dor de cabeça terrível.
— Alice?
— Quem dera fosse. — meu irmão suspirou. — Briguei com a Lena, ela também estava nesse tal show. Inclusive, você viu ela lá?
Meu olhar de desespero deve ter tocado ele, porque ele falou como um verdadeiro ator.
— Sua irmã? Não, não vi, tinha muita gente.
Respirei, e voltei a me esconder na cozinha. Os dois conversaram mais algumas coisas sem importância e, depois de um tempo, a porta se fechou, e eu escutei o meu irmão subir as escadas.
Depois de esperar um tempo razoável, subi também e me fechei em meu quarto, abrindo a janela. O vento gelado fez a minha pele arrepiar, me envolvendo em uma sensação estranha. Meu coração acelerou e eu senti... medo.
O relógio apontou meia noite, e não tinha uma única estrela no céu.
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