Capítulo 8 - Incidente na praia
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Estou deitada na minha cama, ainda namorando o meu colar novo. Por algum motivo, simplesmente amei essa joia de uma forma que eu não poderia imaginar, e quanto mais olho para ela, mais encantada eu fico. Faço questão de manter o colar preso ao meu pescoço, na tentativa de me sentir um pouco mais segura.
Fecho os olhos e penso, lembrando-me de ontem, quando Brian me deixou em casa e disse que se manteria por perto. Bem, isso foi quase seis da tarde, anoiteceu, dormi, fui para minha aula pela manhã e voltei para casa... E para variar, nenhum sinal do meu até então "guardião" nesse meio tempo.
Com certeza ele está usando o colar como uma desculpa para ficar longe e sem fazer absolutamente nada. Eu não duvido nenhum pouco que ele faria algo assim.
Dou um suspiro, soltando o colar e levando minhas mãos para atrás da minha nuca, olhando o teto fixamente. Deixo uma perna sobre a outra, logo as levanto e balando os pés no ar por algumas vezes, dando mais um suspiro. Tédio.
Se supõe que eu deveria fazer alguma atividade aleatória da minha faculdade, mas nem isso eu tenho vontade. Olho para a janela, sem esboçar o menor sinal de querer levantar da cama. Presto atenção na chuva pesada, nos clarões dos raios incessantes, apesar desse clima, continua abafado.
Olho para mim mesma por alguns segundos, analisando a regata branca folgada e o curto shorts jeans que estou vestindo, do jeito que gosto de usar em casa. E principalmente, perfeitas para esse calor.
Ta bom, tenho que fazer algo, senão esse tédio vai acabar comigo.
Jogo as pernas para fora da cama, sentindo o gelado do chão subindo dos meus pés e espalhando lentamente pelas minhas pernas. Caminho para fora do meu quarto, indo em direção as escadas. Quero assistir algo, qualquer filme que seja vai me distrair.
Passo pela porta da sala, olhando pela janela, ignorando o que vejo a primeiro momento. Pisco por alguns segundos, voltando meu olhar. O que... Uma Mercedes preta, e o único que conheço com um carro desses é Brian, mas... O que ele está fazendo ali?
Subo correndo ao meu quarto, procurando algum calçado. Pego o primeiro tênis que vejo, pego as chaves e pulo para fora de casa.
As gotas de chuva são tão pesadas que me surpreendo de não doerem. Meus cabelos voam acompanhando o vento forte, me forçando a manter a mão em frente aos olhos, retirando os vários fios do rosto, e claro, como se não bastasse, está muito calor, se não fosse pelas gotas da tempestade molhando meu corpo e minhas roupas por inteiras, eu poderia jurar que estou suando.
Aperto o passo me protegendo da chuva como eu consigo, alcançando o carro momentos antes de se concretizar o meu banho de chuva. Bato na janela por alguns segundos, e logo a porta do carro é aberta.
Eu salto para dentro e fecho a porta, dando um suspiro aliviado, mesmo estando encharcada com a regata agora transparente, e talvez com um decote mostrando mais do que deveria. O ar frio dentro do carro abraça minha pele, causando arrepios imediatos.
Olho para Brian de soslaio, ele está boquiaberto me observando por inteira com as sobrancelhas no alto, pelo jeito surpreso de me ver aqui e ainda mais nesse estado.
- Por que veio até aqui no meio dessa chuva? – Ele questiona, me analisando de cima a baixo com um olhar de estranheza, misturado a curiosidade.
- Eu vi um carro familiar na frente da minha casa, eu estou sozinha... – Dou de ombros, sem parar de olhar para ele, não conseguindo conter minha vontade de rir – Eu não tinha opção além de vir aqui para confirmar quem é.
Brian da um pequeno riso de deboche – Se aquela entidade não te matar, acho que uma pneumonia vai fazer o serviço... Ou talvez uma hipotermia. – Diz, fechando o livro em suas mãos. Livro esse que eu sequer havia notado.
Ele mantém seus olhos em mim por alguns segundos, ainda me avaliando. Agora que percebo que estou tremendo de frio, e instintivamente me encolho no banco, abraçando a mim mesma esfregando as mãos nos braços na tentativa de me aquecer um pouco.
- A quanto tempo está aqui fora? – Pergunto, me encostando melhor no banco e olhando em volta. Começo a prestar atenção na música que compõe um clima agradável no carro. É um suave e muito relaxante toque de piano. Espiando a tela do computador de bordo, vejo o nome música correndo lentamente pela tela e o nome de uma lista de músicas particular de Brian.
Ele termina de me olhar, dando um suspiro e deixando o livro sobre o painel do carro. Presto melhor atenção na capa do livro, não existe nenhuma palavra escrita na frente. Tudo que tem é a capa escura, e linhas em tons dourados em suas bordas e pela capa formando algum desenho que não consigo ver qual é. – Serei bem sincero, eu não sei.
Dou risadas com a resposta dele.
- Perdi a noção do tempo enquanto lia... E ouvir música só ajudou nisso. – Ele comenta, olhando para o painel por alguns segundos.
Ele permanece em silêncio, batucando os dedos no volante e então vira seu olhar para mim. Repentinamente ele abre a porta do carro e sai. Antes que eu pense em questionar onde ele vai, a porta é imediatamente fechada.
Ver isso me causa uma sensação estranha, de que ele simplesmente não quer nenhum tipo de proximidade de mim, não quer fazer amizade... O mínimo de contato...
Realmente, Brian deve me ver só como um trabalho, um bem irritante.
Escuto o som do porta malas sendo fechado, o que atrai minha atenção. Observo Brian retornando, e ao entrar novamente no carro, ele deixa algo sobre meu colo, e da alguns toques rápidos na tela do computador de bordo, assistindo ele aumentando a temperatura do ar.
Olho novamente o que ele deixou comigo, percebendo se tratar de uma manta felpuda bem macia. – Desculpe, vou ficar te devendo uma toalha. Pelo menos é bom te manter aquecida.
Olho dele para a manta, abrindo e me cobrindo como consigo. Me aconchego no banco sentindo o calor do ar junto ao conforto da manta, fechando meus olhos – Obrigada... É agoniante estar toda molhada e se enrolar em uma manta... Mas é melhor do que ficar com frio.
- É, eu concordo. – Brian diz, e escuto ele se encostando melhor no banco.
Espero com que Brian diga algo, mas isso não acontece. Abro um olho, e ele apenas alcançou novamente seu livro, folhando por alguns segundos e logo parando, enquanto passa o dedo por uma das páginas. – Você não é de falar muito... – Sussurro.
Mantenho meus olhos nele, que apenas assente com a cabeça, erguendo as sobrancelhas.
- É que gosto de falar bastante... Não gosto de ficar muito tempo calada, isso me irrita bastante sabe? – Respiro antes de continuar, enquanto que Brian me encara de soslaio, sem mover um dedo sequer. – Eu me sinto muito presa ficando calada por muito tempo. Eu gosto de falar, e falar bastante, expressar tudo de mim. Precisa ver quando eu e minhas amigas começamos a conversar, ficamos por horas a fio falando de mil coisas.
Brian agora me olha, apoiando o rosto na mão quase como se estivesse entediado com tudo que estou falando, talvez implorando para que eu me cale... Mesmo que bem no fundo dos seus olhos pareça denunciar que ele está um pouco interessado, mas é só uma impressão minha. Agora percebi que estou sendo uma verdadeira matraca.
- Desculpe se eu estiver te incomodando... – Digo, contendo minha voz e me encolhendo um pouco. A forma como ele me olha acaba me desconcentrando de um jeito estranho, e não sei ao certo como reagir a isso.
- Fazer o que, isso acontece... Eu acho... – Ele diz, dando de ombros.
Começo a sentir algo no meu pescoço, um tipo de calor. Olho para meu colar, o segurando em minha mão e olhando fixamente. Tenho a impressão de que ele se aqueceu por um segundo, mas ele não mudou. Percebo que Brian está me olhando, mas ele mesmo não diz nada.
Escuto batidas de leve no vidro, atraindo meu olhar. – Quem será agora? – Escuto Brian resmungando em voz baixa, e logo o vidro é abaixado, revelando uma garota do outro lado, precariamente acuada embaixo de um guarda-chuva.
Olho melhor a vendo se abaixando, É Marina – Olha só quem eu vejo aqui, olá Clara, olá moço estranho que só vi uma vez. – Ela cumprimenta animada.
- Brian... – Escuto ele a corrigindo, me fazendo rir.
- Isso, Brian! O cara do Velozes e Furiosos! – Ela diz em risos, olhando dele para mim.
Olho para Brian por cima do ombro. Ele semicerra o olhar com essa comparação que Marina acabou de fazer, claramente ele não esperava por isso. Olhando bem, a única semelhança que vejo entre eles é a barba rala, tirando isso, Brian é completamente diferente do ator falecido.
- O que está fazendo aqui menina? – Digo, ainda entre os risos e olhando para Marina.
Ela ergue uma sobrancelha, dando um sorriso – Nós duas combinamos que eu viria aqui hoje para podermos ver filmes, ou será que esqueceu?
A realidade é que esqueci sim, mas não preciso contar isso a ela.
Pisco algumas vezes, lembrando vagamente de termos combinado algo para hoje – Ah sim, acha que eu esqueceria? Minha pergunta então é, como soube que eu estava aqui e não dentro de casa?
- Um carro preto parado em frente da casa da minha melhor amiga... O mesmo carro, e o mesmo cara que te encontrou na faculdade e fez todo mundo começar a comentar, e um vidro que não é escurecido, preciso mesmo dizer? – Ela diz em tom de zombaria, olhando novamente para Brian, dando um sorriso de canto. – Acho que você tem outras coisas a resolver, será que cheguei em má hora? Posso vir outro dia Clara.
- Que isso, chegou em má hora nada. – Dou risadas, olhando para casa – Já eu entro, só preciso resolv... Quer saber, por que não entra também e vê uns filmes com a gente Brian? – Digo repentinamente, olhando para Brian.
- O que? – Ele diz surpreso, olhando para mim e para Marina. – Pode esquecer...
- Por que? – Marina diz, fazendo uma voz manhosa, debruçando-se para frente, apoiando o braço para dentro do carro – Vai ser divertido, prometemos não escolher nenhum filme muito meloso.
- Desculpem, mas não estou afim... – Ele diz, desviando o olhar para frente.
Dou uma risada, querendo sair do carro, mas quero atiçar só um pouco – Ah é senhor Brian, então me diga... O que você tem pra fazer de tão interessante aqui fora, que não pode entrar com nós duas?
Ele fica em silêncio e um pouco acuado, olhando para mim e para Marina – Por acaso teria uma ideia melhor do que ver filmes? – Marina questiona rindo.
- Sei lá... – Ele diz em um fio de voz, passando uma mão pelo cabelo. – É que eu tinha passado só para ver se a Clara queria beber algo, jogar conversa fora e resolver algumas coisas... Mas ela disse que já tinham esse combinado... E só ficamos de papo...
Espera, ele está jogando as coisas nas minhas costas de novo?
- Mas menina, ele estava te chamando para beber? – Marina questiona rindo.
- Vocês gostam? – Brian questiona, quase como se seus olhos se iluminassem.
Marina da uma risada – Não só gostamos, adoramos sair para beber.
Meu Deus, Marina está mais parecendo uma boêmia do que qualquer outra coisa. Apesar disso, eu estou gostando o rumo que essa conversa está tomando – Entra então, posso levar as duas a um lugar que conheço. A comida e a cerveja são ótimas.
Antes que eu perceba, Marina já está se colocando para dentro do carro, fechando seu guarda-chuva e jogando atrás do banco de Brian. – Então meu potencial novo melhor amigo, o que está esperando? Um convite?
Dou risadas, dando tapas no ombro de Brian – É, nos convidou e agora tem que arcar com os gastos.
Brian da um sorriso de canto, ligando o carro. – Certo, se é assim que desejam.
Eu admito que gostei muito da ideia de sair para beber com minha melhor amiga, e de quebra meu guardião estar por perto. Imaginei que poderia ser a chance perfeita para poder conhecer mais sobre Brian, ao mesmo tempo em que me divertia um pouco.
É... Eu realmente sou ume menina iludida.
Neste exato momento eu estou no banco de trás com Marina, e nós duas estamos encolhidas e abraçadas debaixo das cobertas por causa do ar condicionado, olhando a rodovia que tomamos a quase duas horas. Na hora eu imaginei que estaríamos indo em direção a um restaurante, ou então ao bar perto da faculdade... Tipo, moramos em São Paulo, bares e restaurantes é o que não falta, então por que estamos pegando uma rodovia?
Tudo que vi foi a rodovia, várias arvores de ambos os lados, algumas pontes muito altas e desfiladeiros gigantes que me enchem de receio apenas de olhar para eles, mesmo não sendo a primeira vez que passo aqui. São visões bonitas, mas me assustam por causa da altura... E Brian não dizer nada ajuda a me assustar ainda mais.
Definitivamente, Marina e eu vamos morrer aqui, só pode.
Olho por uma placa, vendo nomes de várias praias do litoral de São Paulo, apesar disso, não é difícil saber isso pelo caminho que tomamos e pelas cidades e praias bem ao nosso lado.
Passam alguns minutos, e todo o matagal que rodeava a estrada vai desaparecendo, dando lugar a algumas casas, e logo estamos atravessando uma cidade. A praia está bem ao lado, mas ao que parece, ainda não chegamos em sei lá onde. Brian apenas continua seguindo pela estrada, logo deixando a cidade para trás.
Pelo menos o clima chuvoso ficou para trás também, e tudo que resta no céu agora é um clima ensolarado e com poucas nuvens. Na verdade, só existe sol desde que saímos de São Paulo.
Penso em questionar onde estamos indo, já me sentindo irritada. Mas antes de falar, percebo Brian estacionando o carro em frente a um restaurante. Marina e eu nos entreolhamos, e logo saímos do carro, claramente desconfiadas do que está acontecendo.
A primeira coisa que sinto é o refrescante ar litorâneo invadindo meu olfato, o incessante som das ondas quebrando a alguns metros daqui inundam meus ouvidos, e sentir o calor que o sol proporciona ao meu corpo em contraste com o suave vento daqui me fazem suspirar em relaxamento. Olho em volta vendo alguns carros passando calmamente, o chão coberto com uma fina camada de areia característico desses lugares.
Sinto uma vontade imensa de correr em direção da praia, arrancar minha regata e dar um bom mergulho pra sentir tudo ainda mais... Sentir o mar seria relaxante agora... Mas fazer isso de shorts e sutiã não é uma boa ideia.
Sou retirada dos meus pensamentos quando Marina me puxa lentamente para seguirmos Brian até o restaurante, e assim o fazemos. Caminhamos lentamente e entrando no local extremamente barulhento por tantas pessoas. Passo meus olhos em volta, vendo ser um lugar pouco sofisticado, mas com uma estranha personalidade.
Existem cerca de quinze mesas espalhadas pelo local e mais da metade está ocupada, todas possuem toalhas em tons de xadrez, cada uma se destacando da outra. Umas com cores branco e vermelho, outras com azul e branco, e segue esse ritmo em tons amarelos, verdes, purpura e preto. Cada uma das mesas possui quatro cadeiras de madeira rustica e pelo menos um cardápio fechado ao centro de cada mesa vazia.
Viro meus olhos em direção ao balcão feito caprichosamente de alvenaria, ali existe um espaço vago para algumas pessoas comerem, bem ao lado alguns vidros com salgados aquecidos dentro, e do outro lado existe duas geladeiras, uma apenas com refrigerantes e outra apenas com variadas cervejas. Olho para Brian, que já se acomodava em um dos bancos e nos observava.
Olho para Marina, que apenas da de ombros. Sem opções, seguimos até onde ele estava.
Me acomodo em um dos bancos, e Marina está ao meu lado. – Bem, podem escolher o que quiser, eu irei pagar. – Brian diz, sinalizando algo para o senhor que assistia uma pequena televisão de tubo, escondida por detrás do balcão.
- Certo... – Marina diz, um pouco hesitante. – Então, o que acham de um pastel, ou melhor... Estamos na praia, será que tem alguma porção?
- Algumas. – Brian diz, cumprimentando o senhor com um aperto de mão, e eles trocam um sorriso. Logo o senhor abre uma das geladeiras, pegando uma garrafa de cerveja e entregando ao meu guardião – Frutos do mar, mas também porção de mini pasteis, coxinhas, batatas fritas. Só escolher.
- Antes de qualquer coisa... – Digo, um pouco vacilante quando ele me encara. – Nós estávamos em uma cidade que tinha mil lugares. Era realmente necessário vir a praia só para isso?
Ele da um sorriso de canto, abrindo sua garrafa e dando um gole – Sim, era necessário.
Pisco algumas vezes, apoiando meus cotovelos no balcão – E por que mesmo?
- Vocês duas fazem faculdade, certo? – Ele diz, erguendo as sobrancelhas – Além disso, me perguntaram se eu teria um plano melhor, e definitivamente eu tenho, um dia diferente da rotina. Ou acharam que eu as trouxe aqui só para beber algo?
Marina da uma risada, me fazendo olhar para ela. Ela viu algo que eu não entendi – É, tem lógica. Senhor, uma porção de mini pastéis para mim, por favor! – Ela diz, dando um aceno ao senhor, que logo concorda com um gesto de cabeça.
- Com certeza, gasolina custa caro. – Brian contém uma risada – Depois daqui, podem descansar um pouco e ir curtir a praia, nesse ponto da praia não é nada lotado. Imagino que isso seja mais relaxante do que ver filmes.
Cerro meu olhar para ele, sem entender sua real intenção em nos trazer até aqui, não consigo acreditar que seja só isso. Junto as mãos a minha frente, decidindo por me manter só observando.
Sinto um calor novamente no meu pescoço, me fazendo pegar meu colar e olhar por alguns segundos. Tenho a sensação de ver algum brilho vindo de seu interior, mas logo desaparecendo e voltando ao seu estado normal. Solto o mesmo e me viro, olhando em volta pelo restaurante.
Vejo a quantidade de pessoas aqui, todos distraídos com suas próprias refeições e restritos em seus próprios grupos, envoltos em risadas, olhares em celulares e afins. Todos tão distraídos de nós, mesmo claramente nenhum de nós sendo daqui. Acho que fico feliz por isso.
Olho novamente a mim mesma, revendo minhas roupas de ficar em casa. Nesse momento começo a me preocupar se não estou decotada demais, ou com um shorts mais curto do que deveria. Mesmo estando no litoral e as pessoas mostrando mais do que isso, me sinto um pouco incomodada por estar vestida assim e "mostrando demais".
Acabo olhando para Marina, que já está com uma lata de cerveja em mãos e dando os primeiros goles. Ela está vestida de forma parecida com a minha, um shorts quase do mesmo tamanho do meu, uma camisa de flanela folgada no corpo com os botões abertos, e uma camiseta regata sem estampa por baixo, bem menos decotada que a minha, e mantinha o cabelo preso em um rabo de cavalo mal feito, acho que pra fugir do calor que estava em São Paulo.
Já Brian estava como sempre. Passo os olhos por ele, que ainda mantinha o terno escuro fechado, a camisa branca por baixo estava com os botões do pescoço abertos e não usa gravata. Além que ele está vestindo o mesmo sobretudo cinzento, claramente bem pesado para esse clima quente que está fazendo aqui na praia. Ele deve estar morrendo de calor, me pergunto como ele não está suando nesse momento.
- Não vai comer, nem beber nada? – Brian me questiona, me fazendo sair do transe que me encontro. Ele está me olhando, esperando por uma resposta minha, porém nem eu mesmo sei o que dizer a ele – Pode pedir qualquer coisa.
Hesito por um segundo, balançando a mão. – Não se preocupe com isso, estou bem.
Ele da de ombros sinalizando ao senhor por um salgado. Ele prontamente pega uma grande coxinha, embalando em alguns papeis e entregando ao rapaz. Brian da um longo gole em sua cerveja, a deixando sobre o balcão e logo se levantando, indo em direção a porta do estabelecimento. – Você quem sabe... – Ele diz, se afastando de nós.
Eu e Marina o acompanhamos, até sair do nosso campo de vista. Dou um suspiro e me encosto melhor no balcão. – O que tem de errado com você Clara? – Marina resmunga.
- Comigo nada, mas isso está estranho Marina. – Digo bufando, enquanto ela ergue uma sobrancelha em minha direção – Por que ele faria esse tipo de coisa para nós?
- Ser legal talvez? – Ela diz, dando de ombros e recebendo sua porção de mini pastéis. Ela pega um e mordisca lentamente – Não se esquece que precisamos dele para pagar por isso, e também para voltarmos para casa. Então seja gentil com ele, e aproveite para comer bastante.
Olho para minha melhor amiga, incrédula com o que ela acabou de dizer. – É sério isso? Você sabe que ele pode ter saído daqui, acabou de entrar no carro e está para ir embora, não é?
Marina da uma risada, que me deixa irritada. – Ele não vai a lugar nenhum... Pelo menos não sem aquilo ali... – Ela diz em um tom divertido, apontando em direção a garrafa. Eu me viro, encontrando a chave do carro bem ao lado da garrafa de cerveja.
Me permito respirar um pouco mais aliviada, tentando não surtar novamente pela possibilidade de ele ter uma cópia da chave do carro consigo. – Certo, estou mais tranquila... Mas do mesmo jeito, eu acho que prefiro evitar a teoria do pastel.
Vejo minha amiga começando a rir, se debruçando no balcão tentando se controlar. Ver essa reação dela me faz descontrair e rir junto – Por favor né amiga. Nada de teoria do pastel por aqui, você já namora.
A teoria do pastel é algo que ouvi a um tempo nos meus primeiros dias com 17 anos. É basicamente algo que eu escutei quando estava no shopping, prestando atenção na conversa de um grupo. Parece que caso uma pessoa pague um pastel, ou qualquer coisa alimentícia para outra pessoa, a primeira irá garantir "direitos" de usufruir o corpo da segunda da forma que desejar, e esses direitos aumentam à medida que são oferecidas mais coisas, normalmente envolvendo alguma intenção mais intima ou até sexual... É quase a mesma ideia das pessoas que pagam jantares para as outras e tendo segundas intenções.
Apesar de ser uma verdadeira maluquice, eu tenho que admitir uma coisa... Eu gostaria de cumprimentar o inventor dessa coisa, essa teoria é maluca, criativa, e ela me agrada.
Dou um sorriso enquanto olho para Marina – Eu sei que namoro, por isso que estou evitando... Mas não deixa de ser uma boa ideia boa ativar essa teoria com certas pessoas. – Digo dando risadas.
- E depois fala de mim, francamente Clara, você é uma tarada. – Marina da de ombros, sem parar de comer. Ela se vira para mim, dando um gole de sua cerveja e volta a rir – Eu to sabendo desses seus interesses, por isso não aceito nada de você.
- Idiota, eu não quero essas coisas com você. Aliás Marina, se for assim o Brian já garantiu alguns direitos em cima de você! – Digo em tom brincalhão. – E ironicamente, o que você pediu foram justamente pastéis.
Marina pisca algumas vezes, ficando pensativa. – Nossa... Isso é verdade. Mas acho que não tem problema, eu estou solteira mesmo. – Ela diz com um sorriso de canto, erguendo suas mãos.
Ta bem, admito que lembrar desse pequeno detalhe acabou me causando um desconforto momentâneo. Ergo as sobrancelhas em um gesto, mantendo um sorriso sem jeito no rosto.
Percebo algo, novamente meu colar parece se aquecer. Eu o tomo em minhas mãos, sentindo que realmente existe calor sendo emanado dele. Eu o observo, tomada por surpresa e dúvidas. Mantenho meu olhar nele, quando escuto um grito a poucos metros de mim.
Eu e Marina olhamos na direção do grito, vendo que uma família se ergue de uma mesa pela aparição repentina de uma pessoa... Espera, está de cabeça baixa, sem camisa, calça esfarrapada... Não, o meu pesadelo está aqui?
Esse colar falhou?
- Meu Deus, o que é aquilo? – Ouço Marina questionando com temor em sua voz.
Olho novamente para a entidade. Ele está de cabeça baixa, mas eu sei que seus olhos estão cravados em mim. Olho melhor para ele, sua aparência me parece diferente. Ele está com as mesmas cicatrizes, mas seu corpo parece mais pálido, além de que protuberâncias estão aparentes em seus ombros, antebraços e pernas, como se seus ossos estivessem tentando desesperadamente saltar para fora do corpo... Isso é, se ele tiver ossos.
- Olá olá... – Ouço a entidade dizendo em uma voz arrastada, acompanhado de uma agoniante risada seca.
Sua mão esquerda se agarra na mesa, a erguendo com extrema facilidade e arremessando em direção a outras mesas com muita força, a fazendo se arrebentar em vários pedaços com o impacto em mesas próximas. Pessoas gritam de susto. Eu e Marina nos colocamos contra o balcão, eu estou assustada e ela está da mesma forma.
Marina puxa meu braço repentinamente – Temos que sair daqui Clara. – Ela diz ao meu ouvido, me fazendo levantar, tentando alcançar o que eu puder do balcão. Por sorte alcanço a chave do carro de Brian e lançando ao bolso de trás do meu shorts, derrubando a garrafa no processo.
Nós duas nos colocamos a correr apressadas em direção a porta, precisamos sair daqui. Olho para trás de relance já a poucos passos de conseguirmos sair do restaurante, e vejo que a entidade está com uma cadeira em sua mão, arremessando em nossa direção.
- Abaixa Marina! – Eu berro e puxo minha amiga para baixo e nos jogando no chão. Um segundo antes de tocarmos o chão gelado e áspero pela areia, sinto o vento passando pelas minhas costas por causa da cadeira arremessada, me fazendo imaginar o quão perto a cadeira passou de nós.
- Obrigado, salvou meu pescoço... – Marina me da um meio sorriso, se erguendo de uma vez e me puxando ao mesmo tempo, me fazendo tropeçar por errar meus passos ao tentar acompanha-la, mas não me permito cair. Como consigo eu me endireito e sigo minha amiga.
A luz do dia nos aguarda, mais um passo... Espera, algo está a nossa frente, Brian?
- Surpresa!!! Não vão a lugar nenhum!!! – Ouço sua voz macabra junto a uma risada... Não... É a entidade, ele está de frente a Marina, a socando de uma vez em um baque tão forte que parece ter se espalhado por todo o ambiente, erguendo ela em minha direção e derrubando a nós duas.
Pisco algumas vezes pelo impacto, ouvindo minha melhor amiga tentando recompor o ar desesperadamente. Viro meus olhos em direção a ele, a entidade ri de maneira esganiçada. Esse monstro está se divertindo.
Ele está vindo na minha direção, com um sorriso distorcido. Seus passos são pesados, me dando a sensação de que ele pode quebrar o chão a qualquer momento. Ele arranca um dos bancos com extrema facilidade, arremessando em direção as pessoas, sem deixar de me encarar. Eu ouço os gritos desesperados deles, mas não consigo tirar meus olhos da entidade.
Ele estica seu braço em minha direção e da um salto, dando risadas ainda mais altas, e nesse momento sinto algo no meu colar, me fazendo olhar para ele no último segundo. O colar no meu pescoço está se aquecendo ainda mais do que antes, e uma luz de tonalidade branca é emitida e se espalha como uma explosão.
A luz não ofusca minha visão em nenhum segundo, posso ver tudo perfeitamente. Antes de me tocar, a entidade parou no ar um pouco acima de mim, sendo repelida violentamente na mesma intensidade da explosão causada pela joia que uso.
Vejo que a criatura foi arremessada e ganhou altitude, consequentemente batendo contra o teto causando muito dano no mesmo, e logo caindo ao chão em um impacto abafado. Estou surpresa com o que acabei de presenciar, e acabo encarando meu colar... Ele realmente funcionou...
Encaro outra vez a entidade, que está se levantando lentamente, com a surpresa estampada em sua feição.
- Como você... – A entidade diz em um rosnado furioso, me fazendo recuar um pouco. Uma fúria queima como intensas chamas em seus olhos.
A nevoa enegrecida emana de seu corpo a medida que a fúria ardente cresce em seus olhos, se espalhando pelo restaurante tornando o ar muito mais pesado. Seus punhos se fecham tão violentamente de forma que as falanges de seus dedos saltam para fora como estacas afiadas.
Ele salta novamente em minha direção, tomado pela fúria crescente. E então, tudo se repete. O brilho vindo da pedra do meu colar, crescendo a medida que a entidade se aproxima, a explosão e a entidade sendo repelida com força, agora indo contra a parede e novamente se encontrando no chão.
Agora entendo... O colar me protege da entidade, repelindo antes que possa me tocar.
Um sorriso surge em meus lábios, finalmente comecei a entender como meu colar funciona, e posso usar isso a meu favor.
Deixo Marina sentada no chão, encostando suas costas no balcão e então me ergo, olhando para a criatura com meu melhor ar de superioridade. Essa entidade está muito ferrada – O que foi? Você não vai vir me pegar? – Provoco.
A entidade continua me encarando com espanto, acho até mesmo que está assustado pela forma como as coisas estão andando. Eu sinto que agora, finalmente, eu estou no controle da situação.
Saber disso me agrada e muito.
Vejo sua raiva se espalhando, o ar se torna mais denso. O corpo da entidade parece enrijecer ainda mais, e apesar de estar assustada com a reação da entidade, eu não deixo isso transparecer, não permitirei que ele veja meu medo. Me mantenho firme, ainda com meu sorriso, levando uma mão a cintura e chamando a entidade com o dedo indicador. – Pensei que me queria... Vem cá, porque não tenta pegar um pedacinho meu?
Se tudo for como estou pensando, então dará certo. Eu estarei segura.
A criatura ruge, saltando na minha direção com seu punho fechado em minha direção com muito mais velocidade que antes. Um choque percorre meu corpo ao presenciar tanta velocidade, mas a entidade não consegue chegar nenhum pouco perto de mim. A luz branca surge ainda mais rápido que antes e uma explosão mais violenta ocorre, e vejo a entidade sendo repelida contra o chão com ainda mais força do que antes. Deu certo!
Não sei como, mas consigo conter toda minha euforia nesse momento. Eu estou no comando da situação, finalmente.
Mantenho um sorriso, passando a língua nos lábios me deliciando com essa situação, caminhando em direção da entidade o olhando de cima. Eu quero que essa coisa entenda quem é que decide as coisas agora. Ele me olha assombrado, e a cada passo meu em sua direção, ele se arrasta para trás, sentindo os efeitos de repulsão do meu colar.
Deixo a entidade contra a parede, encurralado e incrédulo. Ver essa expressão dele, com raiva mas impotente a minha frente, incapaz de me fazer mal, isso me causa uma satisfação incomparável. Farei com que ele pague pelo mal que me causou, e dessa vez sem precisar da ajuda de Brian.
Mantenho uma mão na cintura, e lentamente ergo o pé em sua direção, pisando em seu peito e apertando a entidade, fazendo uma fumaça branca surgir de onde piso. Meu colar brilha com uma intensidade incomparável nesse momento, sinto o calor emanando de dentro dele com uma força inacreditável, por mais que a pedra ainda esteja estranhamente fria.
Mais e mais flashes irradiados do meu colar, extremos e destrutivos, e em nenhum momento ele para. Os impactos ecoam pelo lugar, em cada explosão as janelas do lugar tremem, as mesas e cadeiras sentem o impacto, a estrutura do lugar se abala com as ondas de energia. Ele ruge e briga, tentando escapar sem sucesso.
Posso perceber como a parede atrás dele está rachando conforme aperto junto ao poder do meu colar, mas eu não vou parar.
A entidade tenta me tocar, segurar minha perna, mas suas mãos são repelidas. Me divirto com isso, apertando mais. A entidade bate sua mão e suas pernas contra o chão, e de tanto tentar ele consegue mover seu corpo, sendo arremessado pelo chão do estabelecimento.
Eu o observo de soslaio, mantendo meu sorriso no rosto. – Ei... Por que fugiu? – Faço minha voz mais meiga. Endireito minha postura, o encarando de cima, da mesma forma de antes.
-... Vaca... Como... Como fez isso? – Ele diz com os dentes rangendo.
Ergo as sobrancelhas, contendo o riso e mantendo minha pose – O que foi? Não gosta quando não é você quem tem o poder da situação? – Digo em total afronta na minha voz.
A criatura se ergue, bufado enfurecido. – Você vai se arrepender por isso... – Sua voz se torna ainda mais assombrosa, ecoando pelo lugar. A nevoa enegrecida no local se torna ainda mais intensa, parecendo não estar aqui, mas também do lado de fora do estabelecimento.
O lugar parece tremer com tamanha força vinda dele, seu corpo treme e pende para frente, o olhar da criatura é completamente tomado pela intensidade de sua fúria, seus dentes apertam e posso ouvir um rosnado vindo dele.
Ele da um estrondoso grito semelhante a um poderoso rugido, tão alto e aterrador que o ambiente inteiro treme sem parar, a névoa ao seu redor é repelida violentamente e sinto o impacto desse rugido atravessando meu corpo e me fazendo recuar um passo e me fazendo suar frio.
Inevitavelmente sinto o temor me consumindo no momento que sue olhar crava em mim – Eu vou te estraçalhar!!!
- Eu acho que não... – Escuto uma voz calma, e uma lâmina atravessa o peito da entidade de repente. Uma mão agarra seu cabelo, puxando a cabeça da criatura para trás, e nesse momento posso ver Brian com um sorriso no rosto – Posso brincar também?
A criatura rosna enfurecido, tentando se debater, mas Brian o força contra a lâmina. A entidade me encara, e desaparece. Lentamente o ambiente retorna ao normal, e a nevoa desaparece.
Olho em volta, procurando por Marina. Ela estava sentada sobre os joelhos, me encarando com surpresa no rosto. Corro até ela, me abaixando ao seu lado – Está tudo bem?
- O que foi isso Clara? – Escuto Marina me questionando, com a voz um pouco rouca.
Olho para ela, balançando a cabeça negativamente sem conseguir pensar em uma explicação para tudo que aconteceu. – Não sei, mas... Acho que acabou, por enquanto... – Digo e me viro para Brian, que tem uma lâmina maior em sua mão, semelhante a uma espada, que lentamente desaparece. – Onde você estava?!
Brian se vira para mim – Estava dando uma volta pelo quarteirão. Quando cheguei, vi que estava lidando sozinha com a situação... Decidi assistir a tudo.
De verdade, eu não sei o que fazer com esse cara. Me levanto, e lentamente Marina também se levanta comigo. Brian olha para o estabelecimento, erguendo suas mãos com se fizesse um gesto de "pare". Lentamente tudo começa a ser reconstruído, mesas e cadeiras voltam aos seus devidos lugares. Rachaduras e danos nas paredes desaparecem.
Deve ter sido isso que ele fez para meu quarto voltar ao normal, e ver assim em primeira mão me espanta por inteira.
Ele da um suspiro quando tudo volta ao normal, e se vira para nós. O rapaz vem caminhando, levando suas mãos aos bolsos do casaco – A chave do carro, por gentileza. Acho que está na hora de voltarmos... Provavelmente não estão com ânimo para praia.
Desvio o olhar, sem saber o que dizer. Olho para Marina, que se mantém calada. Pego a chave do carro no bolso do meu shorts e entrego a Brian. – Quando podemos repetir a dose? – Ouço minha amiga dizendo, tentando uma piada.
- Não está falando sério, não é? – Digo, erguendo uma sobrancelha.
- Talvez... Por que não? Saímos vivas, não é? – Marina deu de ombros. – Mas quer saber, vamos para casa, acho que já deu por hoje.
Apenas concordo com o que ela diz. Olho para trás, vendo que o lugar não está vazio, todas as pessoas estão acuadas, se levantando devagar. Aproveitando a deixa, saímos do restaurante, entramos no carro e pegamos o caminho de volta.
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