Capítulo 12.
Torcia os dedos das mãos sem parar enquanto Leonardo se aproximava, esperando que ele não tivesse notado o meu rosto mortalmente surpreso.
— Caralho, tomei um susto quando eu te vi — ele chegou perto de mim, uma mão no bolso da jaqueta e a outra apoiando seu machado nos ombros. Havia uma bandana amarrada em sua testa, empurrando seus cabelos para trás. — Tá fazendo o que aqui fora?
Tentei controlar minha respiração, ignorando o coração acelerado. Como já tinha pensado em uma mentira, dei minha desculpa, mas minha voz não estava tão confiante quanto eu queria:
— Vim aqui fora fumar — tirei o pacote de cigarros do bolso e ofereci a Leonardo, que aceitou.
Levei um à boca e fingi procurar um isqueiro, para pelo menos tentar deixar minha atuação mais plausível.
Uma luz brilhante apareceu ao meu lado, seguida de um calor confortável. Leonardo piscou para mim, o isqueiro que ele segurava a alguns centímetros da minha boca. Aceitei seu fogo — afinal não tinha outra opção — e em seguida ele acendeu seu próprio.
— Veio fumar sem ter fogo? — Perguntou, depois de guardar o isqueiro no bolso. Havia uma provocação em sua fala, e mesmo fazendo minhas mãos suarem, ele não parecia querer me incomodar. — Merda, que saudades disso... — Ele tragou profundamente e assoprou a fumaça para cima — Paulina odeia dividir os dela.
Mordi o lábio inferior, pensando em alguma resposta que pudesse distraí-lo da pergunta inicial, mas após soprar a fumaça para cima, ele apoiou o ombro na parede, observando-me de cima como quem olha para uma presa.
— Foi visitar alguém do seu grupo?
Quase engasguei com a fumaça, sentindo meu coração cavalgar. Quando olhei para Leonardo, parecia uma sombra assustadora na escuridão, encarando-me com um sorriso malicioso, como se me desafiasse a negar. Ele era bem mais alto que eu, e por um momento senti que estava em verdadeiro perigo.
Encarei-o friamente por alguns segundos, querendo demonstrar que não estava assustada. Eu estava completamente desarmada, e se ele quisesse, poderia acabar comigo com um golpe do seu machado. Por mais que meu coração doesse, se ele fizesse um movimento em falso, estava preparada para enfiar meu cigarro aceso no seu rosto e dar-lhe um chute no meio das pernas.
Para minha surpresa, recebi uma risada alta.
— Relaxa, princesa, não precisa me atacar — fitei desconfiada o seu rosto bem-humorado, mas ele direcionou o olhar para o céu, apoiando as costas na parede. — Se o seu casaco já não denunciasse, eu vi quando Tomas desapareceu na tarde em que você se machucou, e reapareceu algum tempo depois, vindo do lado de fora. Depois que eu e Paulina deduzimos a armação, desconfiávamos de que alguém estava de vigia em algum lugar.
Ainda estava pronta caso ele fizesse algo que me ameaçasse, mas fiquei quieta por algum tempo, pensando se haveria como enganá-lo.
— Está me ameaçando? — Perguntei, nessa altura já tendo esquecido o cigarro queimando na minha mão. Dei mais uma tragada, tentando parecer relaxada.
Leonardo sorriu de novo, divertindo-se com as minhas reações. Fiquei tentada a dar-lhe um soco para mostrar o quão séria a respeito disso eu estava.
— Não, Rebeca. Não queria te deixar desconfiada, já falei que entendia os motivos que levaram vocês a tomarem esse cuidado para se aproximarem. — Ele me olhou de canto — e quem você acha que eu sou para vir te ameaçar depois que o seu grupo nos ajudou hoje?
Respirei fundo o ar gelado, tentando me acalmar. A postura de Leonardo era tranquila e ele realmente não parecia estar tentando me intimidar.
— Olha a forma que você chega em mim — respondi, um pouco mal-humorada.
— Não foi a minha intenção. Mas você deveria tomar cuidado, Gustavo talvez não encarasse uma escapada noturna tão bem — ele deu de ombros — quando você voltar, diga que essa jaqueta é minha.
— Obrigada... Pelo isqueiro também — falei, na esperança de tornar o clima mais leve.
Ele deu uma risada curta, mas não respondeu nada. Ao invés disso, voltou sua atenção para o céu, fumando distraidamente e imitei seu comportamento. Por um impulso bobo, olhei para fora do portão do colégio, na direção da casa cuja janela ficava apontada para o pátio, onde Hector estava. Perguntei-me se ele estava me vendo e se já estaria com armas em punho antecipando um erro em nosso plano.
Então lembrei do motivo de ter ido até lá e sem perceber comecei a mordiscar o lábio, meu cérebro funcionando a toda a velocidade. Não, com certeza não queria envolver o meu grupo em mais alguma missão. Melissa nem queria ter vindo e Tom já se arriscara o suficiente, tendo mulher e filhos em casa... Sem conseguir evitar, meus pensamentos foram até Guilherme, lembrando de suas palavras: vocês não precisam colocar a vida em risco o tempo todo. Ele falou vocês, mas eu sabia que se referia principalmente a mim.
Lembrei-me do que havia discutido com Victória em mais de uma ocasião. Ela nos via como pessoas diferentes naquele mundo: eu era alguém que havia me adaptado, que sabia viver além do medo e principalmente que jamais deixaria de lutar por uma vida que valesse a pena viver; ela vivia de acordo com o medo, fazia o possível para nos ajudar, e mesmo que negasse, eu sabia que lutaria por sua vida caso precisasse, mas... Victória não era como eu, não lutaria por algo melhor, não correria um risco maior do que o necessário.
O pior era que naquele momento, em uma noite fria e solitária, fumando ao lado de um homem que eu mal conhecia e com aquele misto de paz e constante medo na garganta... Eu me sentia confortável. Se pudesse voltar atrás, mesmo que visitar a escola só houvesse me trazido um enorme machucado e obrigações para com outras pessoas, teria feito tudo de novo. A verdade era que a vida pacífica e segura atrás dos muros do condomínio talvez não fosse o suficiente para mim.
— No que você está pensando? — Segui a voz e meus olhos encontraram com os de Leonardo, que me observavam atentamente, uma diversão evidente em sua face.
— Em nada.
— Não pode ser que seu lábio seja simplesmente tão gostoso assim — seu sorriso se alargou — não que eu esteja duvidando.
Senti um calor bem vindo, e finalmente consegui sorrir. Leonardo era o tipo de pessoa que eu poderia gostar de ter por perto.
Subitamente, focada naqueles olhos verdes, soube que não era justo manter o que Hector me falara em segredo. Independente dos motivos que me trouxeram até ali, mesmo em tão pouco tempo havia cultivado um carinho especial por pelo menos algumas pessoas daquela escola. Hector tinha razão: talvez eu não pudesse confiar em todo mundo. Mas mesmo que não quisesse colocar o meu grupo no meio do problema, era injusto deixá-los às cegas naquele assunto.
Leonardo já me pegara em minha mentira mais de uma vez, e se quisesse enterrar aquele machado no meu crânio por desconfiança, com certeza já o teria feito.
— Eu fui ver alguém do meu grupo — ele ergueu uma sobrancelha, surpreso com a confissão. — Além de nós, tem um garoto, ele está de vigia na casa à frente. Está lá desde o dia que chegamos, atento caso precisasse de ajuda.
Fitei Leonardo, atenta aos seus movimentos, mas ele somente me encarava, curioso. Fora pego de surpresa, mas não parecia mais desconfiado do que antes da revelação. Como ele não respondeu nada, continuei:
— Ele pediu que eu fosse sozinha para me contar sobre algo que viu hoje cedo. Conversamos sobre o que fazer, e decidi que não era dever do meu grupo se meter mas...
O cigarro queimava entre os dedos de Leonardo, que mantinha a atenção em mim.
— É justo que pelo menos vocês saibam. Não estou acusando ninguém, tampouco dizendo o que você e seu grupo devem fazer, só vou repassar a informação de alguém que confio, e você quem deve decidir o que é melhor.
— Rebeca, pode falar. Você está me deixando nervoso.
— Meu colega viu Celso hoje cedo no pátio carregando a van com caixas de comida antes de sair — vi como as sobrancelhas de Leonardo se ergueram um pouco, mas ele ainda não havia falado nada. — Não parecia ser uma quantidade de comida somente para ele enquanto estivesse fora, mas cerca de nove caixas lotadas.
O garoto desviou um pouco o olhar, sua expressão difícil de ler. Apesar da surpresa inicial, agora sua testa estava um pouco franzida e temi que ele não acreditasse em mim.
— Não estou acusando ele de nada. Hector me falou porque ele me enxerga como líder e achou que eu deveria saber e tomar alguma decisão sobre. A minha decisão foi não me meter no assunto e nem pretendia te meter, mas acabei pensando que talvez não seja justo, se nós vimos algo errado nisso.
— O seu amigo tem certeza do que viu?
— O suficiente para botar tudo a perder pedindo que nos encontrássemos de madrugada.
— Mas a filha de Celso está aqui. Não faz sentido que ele esteja tirando comida de nós, Rebeca.
Dei de ombros e traguei meu cigarro novamente, não querendo falar mais nada. Eu não iria acusá-lo para Leonardo. A informação estava entregue e ele deveria fazer o que achava melhor com ela, afinal era o grupo dele.
O silêncio caiu sobre nós, enquanto Leonardo olhava com as sobrancelhas franzidas para o chão. Observei discretamente seu perfil por alguns segundos tentando pescar alguma informação, mas sua expressão era difícil de ler.
— Não estou te chamando de mentirosa, só é algo difícil de acreditar. Mesmo que ele estivesse fazendo isso, por que motivo? Ele é um pouco nervoso e quieto, mas quem de nós pode dizer que virou uma pessoa mais simples de lidar depois do apocalipse?
— Leonardo, apenas repassei uma informação, você decide o que fazer com ela. Não ficarei nem remotamente chateada se preferir ignorar — falei, séria.
Ele voltou a olhar para mim, sua expressão agora um pouco menos dura.
— Não, me desculpa. Só era algo que eu não esperava ouvir... Que Celso possa estar fazendo algo embaixo dos nossos narizes. Desculpa se fui grosseiro, é só que...
— Temos que nos manter sempre desconfiados, eu sei — completei por ele, sem sequer saber se era isso que ele queria dizer.
Ele respirou fundo, deu o último trago no cigarro e o apagou na parede onde nos apoiávamos.
— Eu não estava esperando por isso. Vou precisar pensar no que fazer. Obrigada por me contar, de qualquer forma. Fico feliz que se importe o suficiente conosco para se colocar nessa posição difícil — ele passou a mão pelo moicano, bagunçando um pouco seu cabelo.
— Disponha. Obrigada por não interpretar errado.
Apaguei o meu próprio cigarro, perguntando-me se Leonardo me acharia errada em jogar a bituca no chão.
— Eu só fico feliz em saber que ainda existem pessoas com quem vale a pena dividir este mundo apodrecido — murmurei, distraída, pensando no que Leonardo falara sobre me importar com seu grupo.
— O que esperava encontrar quando resolveu vir até aqui?
— Perigo. Problemas...
— Nenhuma parte de você pensava que talvez ainda houvesse algo bom no mundo?
Voltei a morder o lábio, e sabia que os olhos de Leonardo desceram até minha boca. Eu com certeza o havia pego de surpresa com aquela revelação e isso havia mudado o clima, mas não era boba para não perceber como havia um tom de flerte em suas palavras.
Leonardo tinha vinte e um anos, o que não era uma enorme diferença, mas no mundo de antes era o suficiente para separar um aluno de colégio de um estudante da faculdade. No mundo de antes, eu não era o tipo de garota que se interessava por homens mais velhos.
No mundo de antes eu também não mataria um zumbi usando só um canivete.
— A parte que eu normalmente tento fingir que não existe — dei um sorriso cansado, apoiando-me na parede com meu ombro de maneira que ficasse de frente para ele — a parte que às vezes não está tão errada quanto eu penso.
— Não, não está. Com certeza ainda existem coisas boas nesse mundo — seu sorriso se alargou mais, e mesmo sob a luz da lua percebi como seus caninos eram pontiagudos e seus lábios grossos. Lentamente toda a ansiedade decorrente do encontro com Hector se esvaía de mim.
Antecipando o fim que aquele encontro teria, permiti-me olhá-lo bem e dar palavra final com uma sugestão em tom divertido:
— Uhum, tenho certeza que existem.
Leonardo deixou um riso divertido escapar com a minha abertura, então aproximou-se, as mãos indo diretamente até a minha cintura para levar-me mais para perto. Somente pelo seu aperto percebi como ele era forte.
Logo o frio da noite deixou de ser um problema conforme seu corpo quente se aproximava do meu. Leonardo me beijou sem maiores rodeios em uma avidez faminta, da mesma forma como retribuí. Senti um leve gosto de cigarro que não me incomodou, somente fez mais daquela adrenalina pulsar em minhas veias.
Ele não era particularmente paciente, e nem eu me importava. Logo seu corpo me pressionava contra a parede, aquele beijo se inflamando a cada segundo. Ele era seguro até nos mínimos atos, e pensando novamente em sua idade, senti-me até um pouco inexperiente.
Mesmo lutando contra aquilo, era impossível não perceber um contraste. Guilheme não fumava, mesmo sua avidez era mais gentil, e o sentimento que me proporcionava lembrava mais a segurança do que a adrenalina — mesmo quando terminávamos nos agarrando após uma discussão calorosa.
Senti uma pontada estranha no coração, subitamente um peso na consciência me dominando. Era certo eu estar fazendo isso? Parecia claro que não havia mais nada entre nós, mas eu falava aquilo tendo a certeza de que assim que voltasse para o condomínio nos encontraríamos de novo naquela casa afastada.
O beijo era ótimo e a forma como Leonardo enroscava os dedos pelos meus cabelos ainda mais atrativa, alguns suspiros pesados como quem se controlava para não passar dos limites, mas a força com a qual o meu coração batia era ainda mais intensa. Não saberia dizer se para ou para o mal, mas logo senti a desagradável iminência de um ataque de ansiedade se formando.
Afastei-me do garoto, um pouco cedo demais, mas ele não parecia abalado, somente curioso.
— Me desculpa — murmurei e por impulso comecei a apertar o lugar onde ficava meu coração, como se de alguma forma conseguisse controlar seus batimentos. Talvez no começo do apocalipse eu ficaria com medo que ele me achasse infantil, mas naquela altura, as coisas que passavam diante da minha mente... Aquela insegurança parecia distante e boba.
— Fica de boa — ele se afastou de maneira respeitosa, ainda me observando. — Tem alguém para quem voltar no seu grupo?
Olhei para ele, um pouco chocada em como ele conseguia saber sobre aquilo também. Não pensei que ele poderia estar blefando, mas continuei:
— Mais ou menos — não me dei ao trabalho de dar maiores justificativas, nem Leonardo parecia ansioso para buscá-las. — Só estou confusa.
— Relaxa. De qualquer forma, foi bom trocar ideia com você — ele piscou para mim, não contendo um riso malicioso que acabou me arrancando um sorriso — eu preciso voltar a fazer ronda.
Sua atitude ainda permanecia segura, e apesar de tudo aquilo não havia sido tão desconfortável quanto podia. Leonardo parecia ter entendido onde estava se metendo, mas não arrependido de ter investido. Pela primeira vez agradeci por não estar lidando com outro adolescente de sentimentos instáveis.
Ele me desejou boa noite e fui capaz de ocultar os meus sentimentos conflitantes, mas assim que me vi sozinha sobre as estrelas, tudo voltou com força. O medo do que Hector me contara há alguns minutos, a incerteza sobre que decisão tomar, a saudades de casa conflitando com a vontade de continuar explorando o que aquele mundo tinha para me oferecer... Senti-me bombardeada de sentimentos, e meu coração parecia prestes a descarrilar.
Por sorte nem mesmo aquilo era novidade.
✘✘
Nota da autora:
Olá amigos, tudo bom com vocês? A atualização veio um pouco atrasada porque hoje é feriado e como também sou filha de Deus passei a manhã inteira jogando Skyrim, espero que me perdoem por isso hehe
Eu lembro que quando escrevi esse capítulo eu definitivamente não tinha gostado dele, mas revisando para postar eu percebi que na verdade gostei muito?? vai entender, achei muito legal a progressão de sentimentos da Rebeca. Eu to adorando trabalhar com esse constante amadurecimento pós traumático dela.
Quero pedir um feedback sincero para vocês. Eu não gosto muito de fazer isso com a história em andamento, e não pretendo mudar meu planejamento, mas é algo para pensar durante uma revisão: o que vocês estão achando do desenvolvimento desse livro? Falei um pouco semana passada sobre como ele tem um ritmo diferente de Em Decomposição, mais lento e baseado em relacionamentos interpessoais e desenvolvimento emocional dos personagens (inclusive, vocês perceberam isso?). Para quem gosta mais de ação e porradaria rolando solta, ele demora um pouco mais a engatar, mas acham que tá demorando demais? Ou que os acontecimentos que estão tendo compensam o passo mais lento? (eu sou suspeita para analisar isso porque sei o que acontece, então né...)
Enfim, se puderem me dar esse feedback me deixaria muito feliz mesmo ❤ Como falei, não pretendo alterar o planejamento porque o livro já está rolando, mas posso pensar em ser mais sucinta em uma revisão. Me contem o que estão achando!
Muito obrigada por lerem essa história e me acompanharem até aqui! Por favor, não esqueçam de deixar seus likes e comentários se estiverem gostando!
Um beijão, bom feriado e até semana que vem!
E por favor, não baixem a guarda e não sejam mordidos.
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