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5 - Glissando

Glissando (ital.): passagem de uma nota a outra por meio de um portamento, ou seja, uma curva no som.


Passaram-se alguns dias, precisamente uma semana, desde a carona que Rick deu à Duda. Ela procurou se desligar daquela noite — sem muito sucesso, pois, volta e meia, o pensamento enquadrava a cena em que ele, de modo trivial, brincava com a fumaça do cigarro enquanto a encarava através do ouro em seus olhos.

Sempre que rememorava o momento, ela se repreendia por ter dado tanta importância ao ocorrido. Não apenas ao momento em si, mas ao contexto todo, como o auxílio desprendido de segundas intenções que ele prestou ajudando-a a ajeitar as coisas no bar, depois a carona, e como terminou por desvendá-la acerca de sua vivência com a música.

Devido aos pensamentos reincidentes, e por tê-lo visto mais de uma vez no bar ao longo da semana, ela andava distraída e ansiosa. A manhã passava muito mais lentamente do que ela gostaria, tanto pela falta de movimento quanto por se lembrar das mesmas cenas em looping.

Não via a hora de pegar o turno no bar para se distrair de tais pensamentos, e por que não dizer, para ver novamente o cabeludo tatuado. Quando o expediente chegou ao fim, ela se despediu de Jorge, o dono da loja, e seguiu apressada pela galeria rumo à saída. Agitada, caminhava pelo corredor quando, surpreendentemente, o avistou.

Rick mantinha os braços cruzados, recostado displicentemente no corrimão da escada de acesso ao térreo. A visão do tipo másculo, todo de preto, coberto de tatuagens, cordões e pulseiras de couro, irritou-a por deixá-la tão entusiasmada. Disfarçou o aturdimento e seguiu adiante pois, inevitavelmente, teria que cruzar com ele.

[...]

Rick a viu caminhando em sua direção e, mais uma vez, aquela sensação de borboletas na barriga o surpreendeu. Os cabelos soltos se moviam e pintavam de laranja o cenário cinzento do pavimento. Ela usava jeans rasgados e apertados, e sua camiseta preta de banda de metal, estrategicamente recortada na bainha para ficar mais curta e feminina, erguia-se conforme ela caminhava, proporcionando vislumbres do ventre e do umbigo onde reluzia outro piercing. Os braços, como sempre, estavam cobertos por cordões e pulseiras.

Ela esconde os braços, mas mostra a barriga. Que intrigante...

Subitamente, sentiu uma vontade estranha de tocar ali, onde o abdômen aparecia em pequenas parcelas, e a vontade lhe causou uma reação inesperada, abaixo da cintura.

— O que você tá fazendo aqui? — Duda perguntou assim que se aproximou.

Nem um "oi" ou "boa tarde". Será que ela é sempre assim?

Mesmo intrigado, ele apenas sorriu, e o sorriso a desconcertou. Duda ficou ainda mais irritada, porque parecia que ele estava sempre sorrindo, mesmo quando não estava. Talvez fosse devido ao traço bem-humorado dos olhos, tão leves e tão afáveis.

Lembrou-se das vezes em que o viu no bar ao longo da semana. Não tiveram nenhum contato direto e os vislumbres foram muito breves, porém o ar petulante mascarado de bom-humor do produtor a confrontava pelo contraste que os polarizava: o fanfarrão e a emburrada; o feliz e a zangada; o bêbado e a equilibrista.

— Tá com fome? — ele foi direto, já que ela mandara um "foda-se" à boa educação.

Duda pensou em responder que não estava, mas acabou descartando o antagonismo gratuito. Já passara da idade de ser besta a esse ponto, e ficar irritada sem motivo não estava nos seus planos. Respirou fundo, buscou desarmar as defesas e só então respondeu:

— Sim, mas eu vou direto pro bar e já como alguma coisa por lá.

— Você precisa mesmo entrar tão cedo?

— Não, mas não tenho nada em casa pra comer, e não tô a fim de preparar.

— Almoça comigo.

O jeito como ele a convidou a fez sentir um calorzinho gostoso no corpo. Mais uma vez, sua primeira reação foi recusar, mas se conteve, afinal, que mal teria? Ele parecia ser um cara interessante, cheio de histórias para contar, e ela estava livre, desimpedida e faminta.

Em silêncio, ela o seguiu escada abaixo até uma lanchonete no piso inferior. Ele puxou uma cadeira e ela ficou encarando seu braço musculoso e fechado de tatuagens.

Então é aí que vão parar as tatuagens do pescoço e do ombro... Será que tem mais?

Ela tentava identificar as figuras difusas em estilo blackwork que lhe cobriam o braço desde os bíceps até a superfície da mão, onde havia símbolos cheios de nós e cruzes, comuns do folclore céltico; até que a comida chegou e a despertou do devaneio.

Eles comeram em silêncio. Rick a observava movendo os lábios enquanto mastigava, hipnotizado. Estava encantado com a pele tão clara que até os cílios e as sobrancelhas eram aloirados. Ela lembrava uma fada da Disney, e a semelhança física entre ela e uma pianista que conhecera na Europa era impressionante.

Não era para menos, já que a tal pianista era Isadora Ferri, a mãe biológica de Duda.

Sim, ele conheçera a mulher: Isa Ferri. Também soubera que Duda era filha de um músico francês. Isa nunca falava do homem, então ele ignorava a natureza da relação de Duda com o pai.

Eram muitas as camadas que precisavam ser descascadas até ele poder perguntar algo à garota. Entretanto, se ele não começasse, nunca a conheceria. Pensou por um tempo, então criou coragem para arriscar algumas perguntas neutras, só para quebrar o gelo.

— Faz tempo que você trabalha com o Júlio?

Ela demorou algum tempo para responder, tanto que ele chegou a se questionar se ela ouvira a pergunta.

— Seis meses.

E foi só o que ela respondeu.

— Você gosta de trabalhar com ele? — ele insistiu.

— Irrelevante.

Irritado porque ela não se desarmava, ele tentou uma abordagem mais direta.

— Você toca o quê? Violão? — Ela arregalou os olhos e parou de comer. Ele percebeu que o assunto era delicado. — Eu deduzi devido aos calos nos seus dedos e ao formato das unhas.

Ela olhou para as próprias mãos e soltou o ar, lentamente.

— Sim, um pouco. Você também toca violão?

Uma brecha. Aleluia!

— O contrabaixo é meu principal instrumento, mas também toco violão, guitarra e piano.

— Você é produtor, certo? Deve tocar tudo muito bem.

É claro que além de lindo, o homem toca uma porrada de instrumentos. Ela tentou não parecer tão interessada, porém sua mente já estava na dele.

— Eu tento — respondeu, despretenicioso.

— Ouvi no bar que você voltou ao Brasil recentemente. Por onde você andou?

— Eu morei na Irlanda na maior parte do tempo, mas dei um bom giro pela Europa antes de me estabelecer em Dublin.

— Deve ser muito lindo lá... Tenho curiosidade de conhecer a Irlanda.. A Europa no geral.

Posso te levar lá um dia...

Surpreso com o pensamento, ele afastou a imagem dela caminhando ao seu lado pela Grafton Street em meio às lojas de luxo, boutiques, artistas de rua e música ao vivo.

— Você passaria facilmente como nativa — ele gracejou, desconfortável com o rumo dos próprios pensamentos.

— Curioso, não é? Talvez eu tenha alguma ascendência celta, vai saber... você ficou lá por muito tempo?

— Estive fora do Brasil por cinco anos.

— Caraca! E o idioma, você aprendeu todos de onde visitou?

— Não, claro que não! — Rick sorriu com a pergunta fofa. — Seria muito trabalhoso. Eu uso o inglês para o básico, pro resto uso as mãos; afinal, ninguém espera que eu fale, só que eu toque. Na Irlanda, por exemplo, se fala muito mais o inglês do que o gaélico, a língua nativa deles.

— Interessante... E o Júlio? Vocês parecem muito amigos, então deve conhecer ele há mais tempo.

— A gente se conhece há, sei lá, uns doze anos. Ele foi o primeiro que me deu oportunidades de verdade no meio musical e me encaixou em muitos trabalhos de estúdio. Foi quando eu comecei a produzir e me especializei nisso.

— Que bacana! E que tipo de som você produz?

Ela estava mesmo conversando. O fato a surpreendeu mais do que a ele. Não que ela não soubesse conversar, não se tratava disso. Ela não gostava era de conversar com músicos.

Há muito tempo ela cortara a música da própria vida. O motivo? Traumas relacionados ao abandono da mãe e aos maus-tratos do pai. Por tudo o que viveu, ela criou uma ideia na cabeça de que músicos eram como bruxos, feiticeiros malignos de um mundo onde a fama e a fortuna são como cláusulas de um contrato de compra e venda de almas para o Príncipe das Trevas.

Nada demais.

— Agora, muito por acaso, estou produzindo bandas de metalcore — Rick respondeu, alheio às viagens da cabeça dela. — Não é bem o som que eu costumo fazer. A oportunidade surgiu porque eu dei uns palpites on-line para uma banda, eles me convidaram para produzir o som deles, e a coisa acabou dando certo.

— E qual é o seu estilo? — Ela estava cada vez mais curiosa sobre ele.

Putz... é até difícil responder. Eu gosto de tudo, do jazz ao metal, mas acho que se fosse fazer um som meu... eu escolheria o hard rock.

Duda sorriu imaginando-o de joelhos num palco, dedilhando solos ferventes de guitarra ou girando com um pedestal enquanto emitia agudos com a voz, ou jogando os cabelos para frente enquanto fazia pulsar o contrabaixo...

E todos os cenários a lembravam do fatídico comentário sobre a calcinha molhada.

Não viaja, Duda!

Rick se calou, encarando-a, fascinado com a boca delicada curvada no primeiro sorriso real desde que a vira. Era um sorriso lindo, inocente, mas que enviava faíscas por todo o seu corpo, o que o deixou desconcertado. Talvez estivesse apenas feliz por fazê-la relaxar um pouco, mas o fato era que... ele queria vê-la sorrindo mais.

Duda não percebeu que estava sorrindo. Sentia-se repentinamente mais leve, tranquila ali ao lado de um recém conhecido, e teve vontade de passar mais tempo com ele, desfrutando dessa calmaria, conversando e conhecendo suas histórias.

O pensamento fez com que seus monstros interiores, os quais ela apelidava de "vampiros" — pois eles tinham a capacidade de sugar a vida da sua alma — se escondessem dentro dos armários, afugentados pelo pouco de luz que entrava no espaço empoeirado onde habitavam os seus sentimentos.

Subitamente, ela não teve vontade de sair correndo para a solidão que era sua existência.

— Queria ouvir você tocar — ela deixou escapar, surpresa por expressar o desejo em voz alta.

Rick se aprumou na cadeira, animado com a oportunidade passarem mais tempo juntos. De alguma forma, um pouco do verniz estava se dissolvendo, e o resultado era empolgante.

— A gente pode ir pro bar. Tem algum instrumento lá? — ele sugeriu.

— Tem, um piano e a bateria, mas o piano tá desafinado. O pessoal costuma levar os instrumentos quando vai tocar. Mas, de boa, fica para outra hora.

Decepcionado pela perda de oportunidade, ele se viu ansioso. Não queria que ela recuasse, que erguesse novamente a barreira da indiferença, nem que os minutos que passaram ali jogando conversa fora terminassem de uma hora para outra.

— Vamos pra minha casa, então. Eu tenho tudo lá.

***

Será que existe alguém

Ou algum motivo importante

Que justifique a vida

Ou pelo menos este instante?"

(Lágrimas e Chuva - Bruno Fortunato / George Israel, Kid Abelha)

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