Capítulo 26
HARRISON FLINT
— Tem certeza que não precisa de ajuda?
A voz de Isabella veio do quarto, e sua insistência era bem irritante. Eu já havia feito isso várias vezes antes, agora não seria diferente. Senti uma pontada forte no ombro quando me inclinei para vestir a calça, mas não parei, subindo a peça até em cima.
— Eu já disse. Estou bem. — Afirmei.
Peguei uma camisa qualquer, passei primeiro a cabeça e depois passei o meu braço direito, percebendo rapidamente o meu erro. Eu deveria ter colocado primeiro o braço esquerdo, depois o direito, e apenas no final a cabeça. Eu não conseguiria levantar e dobrar o braço esquerdo agora para terminar de vestir a camisa. Olhei para o espelho, vendo a ridícula imagem de um homem vencido por um pedaço de pano, e suspirei frustrado.
— Ok, eu preciso de ajuda.
Saí do closet e Isabella me recebeu com um sorriso de pura satisfação no rosto, seus olhos até brilhavam, dizendo mesmo no silêncio do quarto um alto "eu avisei". Ela levantou da cama e veio até mim. Retirou a camisa do meu pescoço e a levou até a altura do meu pulso, e sem tirar o meu braço direito de dentro, ela passou com cuidado o meu braço esquerdo pela manga da camisa, e subiu a peça para passar a minha cabeça e eu finalmente conseguir terminar de me vestir.
— Não é nenhuma vergonha precisar de ajuda, Harry. — Ela falou, se afastando. — Não se pode fazer tudo sozinho. Todo mundo precisa de ajuda de vez em quando, até mesmo você.
— Eu sei disso. — Eu também não era estúpido. — Mas precisar de ajuda para vestir as minhas roupas é um pouco demais.
Ela balançou levemente a cabeça, sorrindo.
— Só precisa dar um jeito nesse cabelo e vai estar apresentável... Posso?
Assenti. Mas em questão de meio segundo entendi o que aconteceria a seguir e me arrependi da decisão, no entanto, já era tarde demais. Isabella voltou a se aproximar, ficou na ponta dos pés, e enfiou suas mãos em meu cabelo. Controlei a forte vontade de fechar os olhos, e fiquei olhando para ela... não que isso fosse minimamente melhor, era até mais difícil. Ela estava tão perto de mim que até mesmo respirar se tornava uma tarefa complicada.
Por mais que eu negasse e não quisesse admitir, tudo em Isabella parecia ter sido feito sob medida para me desestabilizar. Seus dedos que passeavam pelo meu cabelo de forma delicada, em uma relaxante massagem, seus grandes olhos castanhos que me olhavam com atenção e cuidado, concentrada no que estava fazendo, seu perfume floral que me inebriava mais e mais a cada segundo, sua pele brilhosa, sua boca... porra, a sua boca!
A sensação era a de estar caindo em um buraco profundo, tão fundo que a queda seria algo da qual eu nunca conseguiria me recuperar. Um grande sinal vermelho piscou em minha mente, me informando, ou melhor, ordenando que eu parasse e me controlasse. Eu não poderia ter esses tipos de pensamentos e vontades em relação a ela. Isabella Martins era apenas uma acompanhante. Daqui a um ano ela seria substituída por outra garota, e isso tinha que ser algo fácil. Suave. Se eu... se nós... isso complicaria tudo. Eu precisava me afastar antes que fosse muito tarde. Pensei que tivesse conseguido isso ao ir ficar com a Sarah, mas agora via que apenas havia tornado tudo pior. Esses pensamentos estavam mais recorrentes do que antes.
— Pronto?
— Quase...
Segurei o seu braço, impedindo que ela continuasse, e ao fazer isso, acabei puxando-a mais para perto de mim. E sendo honesto, a essa altura, eu já não tinha certeza se isso tinha sido apenas um ato falho ou completamente intencional.
— Acho que já está bom. — Sussurrei.
Isabella não contestou a minha decisão. Soltei o seu braço lentamente, e observei o seu rosto por um longo segundo, tentando adivinhar seus pensamentos. Ela realmente não me odiava? Eu tinha dado a ela todos os motivos para isso, mas ainda assim, ela estava ali, parada à minha frente. E ódio parecia ser a última coisa presente em seus olhos.
Não nos afastamos, apenas ficamos ali, respirando fundo com o coração disparado... ou pelo menos o meu estava. E sem aguentar estar tão perto e ao mesmo tempo tão longe, ergui a minha mão e toquei o seu rosto, sentindo a sua pele sedosa. Segurei o seu queixo e passei o meu polegar pelos seus lábios, sentindo a maciez deles, e foi impossível não desejar sentir o gosto deles. Dela.
Até que sem qualquer anúncio, Isabella abaixou a cabeça e colocou o meu dedo em sua boca, o chupando lentamente até que estivesse fora da sua boca. E qualquer resquício de auto controle ainda presente em meu corpo até esse momento foi pelos ares. Porra?! Olhei para ela completamente extasiado e desci a minha mão para o seu pescoço, erguendo o seu rosto com firmeza e deixando a sua boca à minha disposição. Me inclinei, sentindo sua respiração se misturar a minha e seus lábios roçarem contra os meus, mas antes que eu pudesse de fato prová-los, fomos interrompidos pela minha irmã. E eu não sabia se a agradecia ou xingava por isso.
— H? Harrison? — Olhei para Gwendolen. — Está no mundo da lua?
— Desculpe, o que foi que você falou? — Limpei a garganta e olhei melhor para ela.
— Nada, esquece! Você claramente não está aqui, nem comeu nada.
E eu realmente não estava. Sim, eu tinha esclarecido tudo com a Isabella ontem à tarde no jardim enquanto treinávamos, mas a lembrança do que aconteceu, ou melhor, quase aconteceu em meu quarto, parecia estar colada na minha mente, e eu simplesmente não conseguia apagar. Hipocrisia, eu sei, já que fui eu quem insisti tanto para que ela se afastasse de mim.
E como se eu já não estivesse estressado o suficiente com tudo, a merda do Seth Abrells havia voltado para me assombrar. Eu tentava me tranquilizar e dizer que tudo ficaria bem, eles não tinham nada, mas minha sorte não estava muito ajustada ultimamente. Eu precisava organizar a minha vida e acabar com todas as ameaças o quanto antes, ou, eu teria um ataque cardíaco aos vinte e sete anos. Um detetive esteve em minha casa ontem, por mais que eu tentasse me manter calmo, Gwen estava certa, isso foi o mais perto que eles já estiveram de mim.
— Me desculpe, são muitos problemas para eu pensar ultimamente.
Peguei a minha xícara de café e dei alguns goles, não estava com muita fome para algo além disso. Já Gwen, se deliciou com o bolo de abacaxi que Teresa havia feito.
— Tem certeza que é apenas isso? — Perguntou, sugestivamente.
— O que mais poderia ser?
— Você e Isabella pareciam estar bem próximos no primeiro dia em que cheguei. Eu interrompi alguma coisa? Não comentei nada antes, pois...
— Pois não há nada o que comentar. — A interrompi. — Ela estava apenas me ajudando com a camisa.
— Aham, sei.
Ela levantou as sobrancelhas, claramente não acreditando em minhas palavras, e eu suspirei, a cada segundo mais estressado.
— Devo aceitar o fato de que você não vai embora nunca mais?
Ela revirou os olhos.
— Eu vou embora hoje à noite, idiota, pode ficar tranquilo.
— Finalmente uma boa notícia. — Resmunguei.
Terminei o café na minha xícara e me servi um pouco mais.
— E eu tenho mais uma! Charles viajou ontem à tarde para a Holanda.
— Em que planeta isso é a porra de uma boa notícia? — A olhei sério.
Eu queria Charles aqui em Nova York, ao meu alcance, até mesmo em outra cidade ou estado seria bom para mim, mas não em outro país. Isso não me ajudava em nada!
— Você vai poder relaxar um pouco, tirar sua cabeça disso. Pelo o que papai disse, ele vai ficar uns oito dias por lá.
— Você contou sobre isso para o Deverell?
Larguei a xícara na mesa, irritado.
— Nem vem, Harrison, ele precisava saber! Eles são ou eram meio que amigos, e Charles atirou em você! Se um amigo seu atirasse no seu filho, você não gostaria de ficar sabendo?
Ela meio que tinha um ponto, mas eu não iria ceder. Não era nem a primeira, ou a segunda vez que ela não conseguia guardar um simples segredo. Muito provavelmente não seria a última também.
— Ainda bem que você vai embora hoje...
Peguei uma fatia de pão e mordi um pedaço, era melhor eu comer algo e melhorar o meu humor do que discutir com ela e acabar mais estressado.
— É, você deve estar feliz de poder voltar a ficar a sós com a sua namoradinha! — Provocou.
E quase engasguei com o pão.
— Você sabe muito bem que isso não é verdade, Gwen! — Peguei minha xícara e tomei alguns goles do café para ajudar a engolir.
— Eu não sei de nada! Você nunca ficou tão próximo assim de uma acompanhante antes. — Acusou.
— Ela descobriu tudo, caralho, o que você queria? Que eu ignorasse ela? — Me defendi, mas novamente, não consegui convencê-la. — Você vai embora de que horas mesmo, hein?
— Não mude de assunto, Harrison, você gosta dela, não é?
Fiz uma careta. Ela não precisava ter ido tão longe.
— É claro que não, Gwen. Você está sendo ridícula!
— Então é o que? Pois eu consigo sentir de longe que tem coelho nesse arbusto! — Continuou insistindo. — É só uma atração? Se sim, qual o problema disso? Ninguém vai te julgar se decidir agir em relação a isso.
— Eu vou me julgar por isso. Você sabe muito bem que eu não quero ser...
— Igual ao papai? — Me interrompeu. — Ninguém acharia isso, H. Nem mesmo a mamãe.
— Eu duvido muito. — Desdenhei. — Aliás, você nem tem como saber disso, já que não visita ela há o que... uns cinco anos?
Toda a sua expressão facial se fechou e ela abaixou a cabeça, desfiando uma fatia de bolo em seu prato com um garfo como distração.
— Eu a visitei no começo do ano, na páscoa. — Revelou, e eu não escondi a minha surpresa.
— Ela não me contou sobre isso... Como foi?
— Normal, eu acho. Nada demais. — Deu de ombros. — Você sempre foi o filho preferido dela, nada vai mudar agora.
Gwen tentava agir como se não se importasse, mas a mágoa em seu rosto era clara, mesmo eu não conseguindo enxergar bem os seus olhos, sabia que isso lhe afetava. Elas nunca tiveram uma boa relação, e quando tudo estourou e a traição foi revelada, as coisas só pioraram.
Gwen sabia que Deverell estava tendo um caso com a sua acompanhante há no mínimo três anos e nunca falou nada, manteve o segredo dele. A verdade só veio à tona quando eu descobri tudo e contei para nossa mãe. Ela decidiu se separar e voltar para a Inglaterra, eu tinha dezesseis anos na época, e Gwen tinha acabado de completar quatorze. Ela escolheu ficar com Deverell, enquanto eu escolhi ir com Annelise. No entanto, no final das contas, tudo acabou dando errado. Eu nunca soube bem o que aconteceu, mas Deverell internou ela em uma clínica psiquiátrica em Londres, e eu acabei ficando nos Estados Unidos com ele. Apenas quando eu já era de maior foi que tive a liberdade de ir visitá-la nos feriados, principalmente no natal.
Deverell pagava bastante dinheiro para aquela maldita clínica manter minha mãe internada, nem mesmo eu, seu próprio filho, conseguiria tirar ela de lá. Oficialmente, eles continuavam casados, já que ele se negou a lhe dar o divórcio na época. Então, apenas ele poderia tirá-la de lá e devolver a sua vida de volta. Mas claro, ele se negava a fazer isso, a fazer o mínimo, e eu o odiava por isso. Que tipo de homem faz isso com uma mulher? Que tipo de pai faz isso com a mãe de seus filhos? Eu não entendia como Gwen ainda continuava o apoiando, pois eu nunca conseguiria o perdoar por isso, ou esquecer. Apesar de tudo o que ele me ensinou, eu não queria ser como ele, acabar como ele.
As acompanhantes de Deverell tinham por volta dos vinte e um anos, pois ele sempre fazia essa proposta de trabalho para jovens desempregadas que acabaram de sair da universidade e estão cheias de dívidas para pagar. Principalmente o empréstimo estudantil extremamente caro que pegaram para pagar a universidade em primeiro lugar. Bem-vindos a América!
Quando eu finalmente completei vinte e um anos, saí de casa, e comecei a trabalhar, decidi fazer tudo sozinho. E consegui por alguns anos, mas esse trabalho pode ser incrivelmente difícil às vezes, e com uma acompanhante, tudo acabava sendo mais fácil. Decidi ceder ao modo operante de Deverell, no entanto, de um jeito diferente, para assim, evitar toda e qualquer possibilidade de acabar me envolvendo com uma acompanhante como ele.
Não fui às universidades, e sim, um orfanato. Deverell garantia o dinheiro para pagar as dívidas, mas no meu modo, elas já teriam o dinheiro para entrar em uma boa universidade sem se endividar. Pela idade jovem, não haveria qualquer risco de atração da minha parte, e para garantir ainda mais que nenhum laço afetivo fosse criado, nem mesmo amizade, eu restringi o contrato a apenas um ano. Ao contrário de Deverell, que não colocava tempo e já chegou a ficar quatro anos com a mesma acompanhante, ou melhor, amante. O que foi arriscado da sua parte, pois além de tudo, tinha a parte da mentira, elas nunca poderiam descobrir o que realmente fazíamos durante as viagens, qual realmente era o nosso trabalho.
Todas as mudanças e o contrato de um ano estava funcionando perfeitamente, isso é, até a chegada de Isabella. Não só ela havia descoberto toda a verdade, como estava conseguindo despertar vontades em mim que nunca deveriam estar surgindo. Quando Jenna se apaixonou por mim, eu cortei toda e qualquer ilusão que ela pudesse ter na mesma hora, assim como fiz com Camilla um ano depois, e fiz agora com a Isabella. Havia deixado bem claro que nada aconteceria entre nós quando discutimos no jardim, e ela pareceu entender.
O problema agora estava na minha maldita mente que insistia em reviver aquele momento em meu quarto, mas isso eu é quem teria que resolver. Sozinho. Eu tinha plena certeza de que nada aconteceria entre nós. Ela era jovem demais e eu não queria ser como o Deverell. Eu só precisava fazer o meu corpo entender essa merda.
— Fico feliz que a tenha visitado. Tenho para mim que ela também.
— Tanto faz. Podemos mudar de assunto? De preferência de volta para você e a Isabella?
— Definitivamente não. — Ela suspirou alto. — Quer assistir um filme? Passar um tempo juntos antes de ir?
— Mas você odeia assistir filmes.
Ela tinha razão, eu não tinha paciência ou tempo para ficar parado duas horas olhando para uma televisão, sua sorte era a de que eu estava ferido no momento.
— Eu abro uma exceção para você. Assisto até aqueles dramalhões que você tanto gosta.
— Tudo bem.
Ela sorriu, mais animada. Terminamos de comer e fomos para a sala de cinema, onde passamos o resto da manhã e boa parte da tarde. Teresa trouxe o nosso almoço e comemos aqui mesmo para facilitar, já que Gwen não queria ter que pausar o filme.
Assistimos vários filmes, dois inspirados nos livros de um tal de Nicholas Sparks, um sobre uma casa no lago com o Keanu Reeves que até que foi legal, apesar de eu ter que aguentar a Gwen chorando no meu ouvido o filme todo. Quando eu tinha certeza de que suas lágrimas já haviam se esgotado, ela ia lá e me provava errado, chorando um pouco mais em uma daquelas cenas "emocionantes". Eu não via o apelo que os filmes de drama tinham. Qual o sentido de assistir algo apenas para chorar? Na metade do quarto filme, que eu nem me importei de prestar atenção no nome ou sobre o que era, finalmente dei um basta.
— Chega. Não aguento mais!
Peguei o controle e desliguei a televisão. Gwen me olhou feio, mas não ficou irritada.
— Sorte sua que eu já assisti esse várias vezes, então tudo bem pararmos. — Ela pegou o seu celular para checar as horas. — Eu vou arrumar minhas coisas para ir embora. Você quer me ajudar?
— Eu estou ferido, não posso fazer esforço. — Tentei negar.
— Esforço eu vou fazer nessa sua cara se não vier me ajudar!
Ela jogou uma almofada na minha cara e se levantou. Desliguei tudo, e saí também, indo para o quarto de hóspedes que ela estava ficando.
— Você é ridícula. Onde já se viu pedir ajuda para arrumar uma malinha pequena dessa?
Olhei incrédulo para a pequena mala de mão que ela havia trazido consigo e estava aberta em cima da cama. Não demoraria mais do que dois minutos para arrumar tudo.
— Eu só quero passar mais tempo com você. Não sei quando vai me convidar novamente.
— Eu nem te convidei dessa vez, imagine outra. — Deitei na cama, encarando o teto, enquanto ela fazia sua mala sozinha. — Isabella te convidou, eu estava inconsciente na hora.
— Exatamente. Por que você nunca me convidou?
— Você tem sérios problemas de privacidade, Gwen, e eu gosto de ficar sozinho. — Disse por alto.
— Mas de onde surgiu isso?
— Você não está tentando me analisar, está? — Cerrei os olhos ao olhar para ela. — Se sim, é melhor parar.
Ela apenas parou o que estava fazendo e se sentou na cama ao meu lado, eu continuei deitado. Se passaram longos segundos até ela finalmente suspirar e falar o que estava pensando.
— Isso não é por causa do Ollie, é?
— Não, não é por causa do Ollie.
Ollie era um cachorro labrador que tínhamos, pertencia a nossa avó paterna, mas quando ela faleceu, nossa mãe o adotou a contra gosto do Deverell. Eu tinha uns cinco anos e cresci com ele, Ollie foi o meu melhor amigo durante anos, só que ele foi ficando bem velhinho e morreu dias depois do meu aniversário de quatorze anos. Eu fiquei muito triste na época, estava chorando de saudades em meu quarto quando Gwen entrou e me viu. Ela foi contar para o Deverell, que veio e reclamou comigo, dizendo que Ollie era apenas um animal e que eu deveria ser mais forte, e não, ficar chorando como um fracote... Três dias depois, ele me fez matar alguém pela primeira vez.
— Você tem um trauma, H, deveria ir ver isso com um psiquiatra.
Eu ri, amargamente.
— E falar o que? Nossa família inteira é mentalmente fodida, ele iria achar que eu sou louco... ou pior ainda, chamar a polícia.
— Conversa com a Isabella então, afinal, ela já te contou sobre a vida dela. Nada mais justo.
— Eu não quero conversar com ninguém, Gwen. Eu estou bem assim. — Eu garanti ao sentar na cama.
Meus problemas eram meus problemas. Falar sobre eles não os fariam ir embora.
— Tudo bem, você quem sabe.
Ela se levantou e voltou a arrumar sua mala. Apenas então, vendo quão tensa ela parecia estar enquanto dobrava suas roupas, foi que eu me dei conta de que algo estava errado e que toda aquela tensão não era apenas por mim. Sim, ela era minha irmã e me amava, mas Gwen nunca passaria quase uma semana aqui apenas para cuidar de mim. Tinha algo a mais nessa história.
— O que está acontecendo? — Perguntei seriamente.
— Nada...
— Gwen. — A interrompi antes que inventasse alguma desculpa.
Ela finalmente levantou o olhar da sua mala para mim e eu tive a confirmação, algo realmente estava a preocupando.
— Eu... então, você lembra do Josh?
— Como não lembrar do seu ex-namorado babaca. O que tem ele?
Josh O'Connor foi o namorado dela que eu menos gostei. Sempre foi um babaca e era extremamente ciumento, não gostava nenhum pouco das viagens a trabalho que minha irmã fazia. Na cabeça dele, Gwen o estava traindo com todos os homens possíveis, até hoje imagino o que ele faria se soubesse que na verdade ela estava os matando, e não, fodendo.
Um dia, quando ela voltou de uma viagem, eles acabaram entrando em uma discussão e ele deu um tapa nela. Gwen tentou conversar e o acalmar, mas tudo o que conseguiu foi levar um segundo tapa, e bem, esse foi o último. Ela quebrou o braço direito dele, fraturou duas costelas suas, e tenho quase certeza de que também o impossibilitou de ter filhos de tantos chutes que deu no saco dele. Tudo isso foi há uns quatro meses atrás, e desde então, ele havia desaparecido completamente. Não foi a polícia nem nada, apenas sumiu, provavelmente com vergonha.
— Eu acho que ele sabe. — Ela me olhou preocupada.
— O que quer dizer?
Ela tirou o celular do bolso e começou a procurar por algo.
— Três semanas atrás eu recebi uma mensagem dele dizendo que eu iria me arrepender pelo que fiz. Eu apenas bloqueei o número e ignorei, mas quando a Isabella me ligou há alguns dias atrás para falar sobre você ter levado um tiro, eu havia acabado de receber isso.
Ela me entregou o aparelho, me mostrando uma mensagem que havia recebido. "Eu já sei." a mensagem dizia, e junto dela, havia uma foto de Gwen com um homem em um bar.
— Eu não entendi, quem é esse?
— Um trabalho que eu fiz. Esse cara da foto está morto, e essa foto foi tirada na noite que aconteceu. Eu pedi para o Logan rastrear o número e conseguimos descobrir que a pessoa que me mandou isso está na Carolina do Norte. Eu tenho certeza de que é o Josh, só pode ser ele. Por isso, eu decidi vir para cá e passei todos esses dias aqui. É claro que eu estava super preocupada com você, mas também estava querendo espairecer e pensar um pouco sobre isso e o que eu iria fazer.
— Por que você simplesmente não o mata? — Era bem óbvio o que ela deveria fazer.
— Se ele sabe sobre mim, ele vai estar preparado. Talvez até tenha alguém me vigiando, eu não sei! Só sei que... você pode me ajudar. Ele nunca iria ver você chegando.
— Gwen...
— Eu sei, você está ferido. — Ela passou a mão pelo cabelo, nervosa.
— Não é isso. Eu só queria perguntar se você contou sobre isso para o Deverell? Ele poderia resolver isso facilmente.
Ela desviou o olhar para o chão.
— Não... e por favor, não conta! Eu não quero decepcioná-lo
— Tudo bem se for eu nos pondo em risco, mas que os céus caiam se for você, certo? — Ironizei.
Se ela iria me chamar de filhinho da mamãe, então eu também jogaria na sua cara o título de princesinha do papai.
— Harrison, por favor? — Suplicou.
E havia medo em sua voz. Se tinha algo que ela realmente temia, era decepcionar o Deverell. Eu não entendia essa sua ligação com ele, enquanto eu ia o ressentindo cada vez mais ao passar dos anos, Gwen parecia nunca deixar as merdas que ele fez abalar a relação deles, sempre o tratou quase como um ser supremo. Lágrimas brotaram em seus olhos, e eu comecei a me sentir mal por ela.
— Eu não vou contar. — Prometi. — E vou resolver isso também, não se preocupe.
— Obrigada, Harrison!
Ela enxugou as lágrimas que escorreram pela sua bochecha e engoliu o resto do choro. Chorar era algo fora dos limites segundo Deverell, Gwen como a ótima filha que era, seguia suas regras à risca. Raras foram as vezes que eu a vi chorar. E verdade seja dita, eu também não possuía esse costume.
— Acho que estou pronta para ir agora.
Ela fechou o zíper da mala e a tirou de cima da cama.
— Você não vai agora. Fica pelo menos para o jantar, se acalma e vai depois.
Ela pensou um pouco antes de tomar sua decisão.
— Tudo bem. — Concordou, colocando a mala de volta na cama. — Já que é uma despedida, eu é quem vou preparar algo, pode ser?
Concordei prontamente. Ao contrário de mim, Gwen possuía talentos culinários, ela havia feito alguns cursos online, mas isso não era nada quando já se tinha talento. Ela saiu do quarto animada, e eu tirei o meu celular do bolso, vendo as horas. Estava tarde. Isabella deveria ter chegado há horas atrás. Abri as mensagens e mandei uma para ela.
Aconteceu algo?
Me levantei, saindo do quarto de hóspedes e indo para o meu escritório. Enquanto ligava o notebook, a resposta chegou.
Saí com uns amigos, chego em breve.
Deixei o celular de lado e digitei a minha senha para entrar no notebook. Iria pesquisar tudo o que pudesse sobre o Josh, e o que eu não conseguisse encontrar, tenho certeza de que Logan conseguiria. Era por uma boa causa, afinal. Ele e Gwen claramente haviam se aproximado recentemente. Pensei que era por bobagens, como fofocar sobre mim e Isabella, mas o assunto era sério, ele não recusaria.
***
— O jantar estava uma delícia, Gwen. — Elogiei.
A comida de Teresa era maravilhosa, mas havia um sabor, ou sentimento diferente nos pratos que minha irmã fazia.
— Obrigada. — Ela sorriu. — Me acompanha até a garagem?
— Claro.
Peguei sua mala e a acompanhei até a garagem. Gwen foi na frente, mas emperrou na porta, olhando surpresa para algo. Dei alguns passos para a frente para ver o que havia chamado a sua atenção e presenciei Zach e Isabella aos beijos encostados em um dos meus carros. Se é que eu poderia chamar isso de apenas um beijo, ela estava suspensa e ele tinha as mãos na bunda dela. Isabella soltou um gemido e eu quase deixei a mala que segurava cair no chão ao ouvir. Mas que merda... Gwen me empurrou de volta para trás, acendeu a luz da garagem e limpou a garganta para chamar a atenção dos pombinhos.
— Olá... boa noite.
Ela acenou para eles e finalmente continuou o caminho. Segurei a mala com mais firmeza e voltei a andar, entrando no campo de visão deles. O choque foi claro no rosto de Isabella, já Zachary, desviou o seu olhar do meu e ajeitou a sua postura, adotando o ar profissional com qual eu estava acostumado, não aquela pouca verg... não. Eu não deveria estar me importando tanto assim com isso. Continuei a andar e fui até Gwen que já estava em frente ao seu carro.
— Nem acredito que você estava mesmo falando a verdade! — Ela me olhou surpresa.
— Como assim?
— Sobre a Isabella! Você realmente não tem nada com ela, ela escolheu o Zach!
"Escolheu o Zach"? Isso só poderia ser algum tipo de piada. Se ela apenas soubesse o que quase havia.... mas que merda eu estava pensando? Respirei fundo, tentando acalmar meus ânimos. Nem mesmo eu deveria estar pensando sobre isso, quanto mais a minha irmã. Se ela soubesse que eu quase havia beijado a Isabella, nunca mais sairia do meu pé sobre isso.
— Acho que sim. Será que dá pra me deixar em paz sobre isso agora?
— Não está nenhum pouco incomodado? — Ela cerrou os olhos.
Senti uma pontada na mão e olhei para baixo, vendo que eu estava segurando a alça da mala com muito mais força que o necessário, e o plástico havia deixado uma marca vermelha na palma da minha mão. Ótimo. Como se já não bastasse o ombro!
— Não. Nenhum pouco. Ela fica com quem ela quiser. Eu não tenho nada a ver com isso. — Garanti.
E pensando bem, Isabella ficar com o Zach era até melhor. Uma garantia de que nada realmente aconteceria entre nós. Apesar de me deixar com uma sensação amarga na boca, aceitar isso seria o melhor para mim. Notamos Isabella se aproximando de nós e o assunto morreu.
— Você já vai? — Ela sorriu.
Deveria estar bastante feliz mesmo depois do que acabou de fazer. Mas novamente, isso não era da minha conta.
— Sim. Tomei a decisão de ir antes que meu irmão me expulse. — Gwen brincou, e eu apenas a ignorei completamente. — Como pedidos de despedida, Harrison, por favor... seja menos ranzinza? — Nem perdi o meu tempo a respondendo, e ela apenas suspirou e se virou para Isabella. — E Isabella, cuide bem desse meu irmão chato, pode ser?
— Pode deixar. — Respondeu. Seu olhar cruzou brevemente com o meu, antes de continuar a falar. — Até mais, Gwen. Diria para voltar sempre, mas tenho certeza de que seu irmão me mataria por isso.
— É, tem razão, não vamos abusar da sorte. — Gwen riu.
As duas se abraçaram, e em seguida, Gwen me abraçou. Senti o meu corpo relaxar um pouco mais em resposta ao seu abraço, e derrubei todas as minhas barreiras para ser sincero com ela.
— Obrigado por ter vindo, mesmo sem convite.
— Sempre que precisar, estou aqui. Não deixaria você ferido nunca! Você sabe que eu me preocupo.
— É, eu sei... e eu te aprecio por isso, maninha. Boa viagem de volta.
Me afastei do abraço e Gwen estava sorrindo, feliz.
— Eu também te amo, "manão"! Porra de "eu te aprecio"! — Resmungou a última parte, fazendo todos rirem. — Mas é isso, até mais!
Sem mais delongas, ela entrou no carro. Coloquei a sua mala no banco de trás e Gwen deu partida, deixando Isabella e eu sozinhos naquela garagem. Fui até o painel para configurar a abertura dos portões para que minha irmã saísse da propriedade sem problemas, e então fui na direção da porta. Mas ao notar que Isabella não estava se movendo, virei e falei.
— Esperando alguém? — Como se acordasse de um transe, ela negou com a cabeça e me alcançou perto da porta, saindo primeiro. — Prepare uma mala pequena antes de dormir, amanhã iremos viajar. — Informei. Eu precisava lidar com isso do Josh o quanto antes.
— Viajar? Para onde nós vamos? — Seus olhos abriram um pouco mais de curiosidade.
— Carolina do Norte. É a trabalho, então escolha roupas discretas.
— Não é muito cedo? As coisas com Brad ainda nem esfriaram...
Respirei fundo. Eu entendia que ela estava preocupada, mas eu não estava muito no clima para ser questionado.
— Isabella...
— Tá bem. — Se apressou em dizer. — Mas eu tenho treino pela manhã, então terá que ser à tarde.
— Treino em um sábado? — Estranhei.
— Sim, eu... entrei para as líderes de torcida.
A imagem de Isabella em um uniforme de líderes de torcida invadiu minha mente, e logo em seguida veio a dúvida: será que Zach já havia a visto em um? Tão rápido quanto veio, eu expulsei o pensamento da minha mente. Eu precisava de paz para focar no trabalho, não possuía tempo para ficar pensando besteiras. Contanto que os seus treinos não atrapalhem os meus planos, não havia problema algum. Era até melhor, ela tendo algo com o que se ocupar era uma garantia a mais de que ela ficaria longe de mim.
— Tudo bem, partiremos à tarde então.
— Perfeito.
Assentiu, só não sei se estava animada ou nervosa. O que quer que fosse, ela teria que lidar, não poderia haver nenhum tipo de erro nesse trabalho. Muita coisa poderia estar em jogo aqui.
— Era só isso. Boa noite, Isabella. — Me despedi, e voltei a andar.
— Boa noite, Harr... Harrison? — Parei, olhando para trás. — Podemos falar sobre o que houve?
Eu definitivamente não queria ter essa conversa.
— Não precisamos.
Senti os resquícios da dor causada pela alça da mala em minhas mãos, e as coloquei no bolso, tentando não pensar no porquê de eu ter reagido assim. Estava tentando não pensar em muitas coisas ultimamente.
— É só que, o que você viu... eu e o Zach...
Eu e o Zach. Eu não conseguiria aguentar mais um segundo dessa merda.
— Você não precisa me explicar ou me dar qualquer satisfação sobre isso, Isabella. Com quem você... enfim, não me interessa.
— Sério? — Perguntou, claramente surpresa.
— Contanto que não atrapalhe o meu trabalho, eu realmente não ligo.
— Ok... eu acho.
Assenti, voltando a andar. Por mais que a ideia me incomodasse, eu não poderia exigir que ela parasse de ver o Zachary. Ela não era nada minha, tínhamos apenas um contrato profissional. Eu não tinha o direito de exigir nada dela. E pelo pouco que eu já conhecia da Isabella, se eu a impedisse, era possível até que ela fizesse do mesmo jeito ou pior, só para me contrariar, me provocar... Parei de andar, olhando para trás.
— Você não vai tentar fugir com o meu chofer, vai? — Ela abriu um sorriso fofo em resposta.
— Eu nem mesmo tentaria. Você me acharia em qualquer lugar do mundo.
Olhei bem para ela ali em pé na meia luz daquele corredor. Pensei que iria me responder de forma atrevida, mas suas palavras foram simplesmente perfeitas para o momento.
— Que bom que já sabe.
Sorri de lado em resposta e voltei a andar, indo para o meu quarto. Precisava preparar tudo para o início de mais um trabalho.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro