Capítulo XXX
— Pegou os cartões de vacina, preta?
— Peguei, amor. - terminei de amarrar o tênis do Djevá - Pronto, garotão.
Me olhei no espelho pela última vez e gostei do que vi. Meu body branco de renda era decotado e se encaixou perfeitamente com a saia jeans curta, além da sandália rasteira que era super confortável.
Peguei minha bolsa junto com as minhas chaves e desci as escadas segurando a mão do Djevá.
— Vamos, meninos? - perguntei pros gêmeos e eles assentiram, mas antes de sair andando novamente, senti o impacto do tapa de Rodrigo na minha bunda - Ai, amor. Que isso?
— Só pra não perder o hábito! - ele piscou um dos olhos e eu dei outro tapa em seu braço.
Hoje é dia de levar a Ísis para tomar vacina, já que ela completou 2 meses de vida ontem, e os gêmeos que também precisam completar o cartão de vacina. Só que, como os meninos não tem aula e o Rodrigo está de folga, eu resolvi tirar o dia pra curtir a minha família.
Benjamin e Miguel foram no Audi comigo, enquanto o Djevá e a Ísis foram no Mustang do Rodrigo. Os meninos sempre ficam animados quando eu ligo o rádio, então o trajeto foi ainda mais rápido que o normal.
Chegamos no estacionamento do hospital e eu segurei a mão dos gêmeos enquanto o Rodrigo, que estava com a Ísis no colo, fazia o mesmo com o Djevá.
— Você vai? - ele perguntou estendendo a bebê para mim.
— Nem a pau. Odeio ver meus filhos chorando! - ele revirou os olhos - Vai lá, papai.
Eu tenho muita dó de ouvir crianças chorarem, ainda mais se for um bebê recém nascido.
Coloquei Djevá sentado em meu colo, enquanto os meninos esperavam sentados nas cadeiras ao meu lado.
— Vai doer, mãe? - Miguel perguntou.
— Não, meu amor. - eu respondi acariciando seu cabelo, mas imediatamente pudemos ouvir o choro estrondoso da Ísis - Quer dizer, vai, mas é rapidinho. Prometo!
Pouco tempo depois, vi o Rodrigo sair de dentro do consultório balançando a bebê em seus braços.
— Pronto, princesa. Já passou!
— Eu seguro ela pra você ir com os meninos. - eu disse e ele desviou.
— Acho melhor você levar eles, preta.
— Por que? - franzi o cenho.
— Porque sua filha tá assustada e eu preciso acalmá-la!
— Mas, eu posso fazer isso, amor.
— Você sabe que eu faço isso melhor que você! - semicerrei os olhos e ele sorriu.
— Vamos, meninos. - segurei suas mãos.
Entramos no consultório e os meninos estavam visivelmente nervosos. Enquanto as enfermeiras preparavam a vacina, escutei alguns de seus comentários sobre o Rodrigo.
— Menina, você viu que gato?! - sorri cinicamente.
— Pois é. Será que aquela menina é filha dele?
— Duvido. Ele é loiro dos olhos azuis e a bebê claramente vai ter a cor da pele mais escura! - revirei os olhos internamente.
Miguel escorou a cabeça em minha barriga para me abraçar e evitar de ver a agulha, em seguida, Benjamin fez o mesmo. Foi bem rápido porque nenhum deles chorou.
— Parabéns, rapazinhos. - a enfermeira disse sorrindo - Quando chegarem em casa, podem mostrar esse certificado de bravura pra mãe de vocês!
— Como assim "quando chegarem em casa"? - perguntei repentinamente.
— Você é babá deles, não é? - meu sangue fervilhou.
— Quer dizer que eu não posso ser a mãe deles porque sou preta e eles são brancos?
— Não me entenda mal, mas é que isso seria um pouco improvável de acontecer!
Arqueei uma das sobrancelhas por não acreditar que ela realmente tinha dito aquilo.
— Benjamin e Miguel, vão até o pai de vocês e falem pra ele me esperar no estacionamento! - os gêmeos fizeram o que eu pedi - Eu não sou babá deles, os dois são meus filhos! - rebati seu comentário - Pra sua informação, o homem que entrou antes de mim é sim muito gato, como esposa dele eu posso te assegurar isso. E respondendo sua pergunta, aquela bebê é nossa filha, assim como os gêmeos e nosso outro filho que, graças a Deus, não precisou entrar aqui!
— Me desculpa, eu só estava pensando alto.
— Ah é? - falei indignada - Então faz um favor pra si mesma e pro resto da sociedade, na próxima vez que você pensar alto desse jeito, deixa só seu cérebro escutar esses comentários. Já que, provavelmente, só ele deve concordar com essas baboseiras que passam na sua mente!
Peguei os cartões de vacina dos meninos e saí batendo a porta da pequena sala.
Eu já sabia que um dia isso iria acontecer, mas mesmo assim senti um ódio indescritível.
Você cria, protege e educa seus filhos com o maior amor do mundo para as pessoas te chamarem de babá só por ser preta?
— O que houve? - Rodrigo perguntou quando me aproximei.
— Eu disse que você é quem deveria ter levado os meninos!
Estava tão brava que nem lhe dei chance de resposta, apenas peguei os gêmeos e coloquei-os dentro do Audi.
Senti algo ser tirado do meu bolso e me virei para recuperar.
— Me dá minhas chaves. - estendi a mão e ele levantou o braço, me impedindo de tomá-las de sua mão.
— Não até você me dizer o que aconteceu pra ficar tão irritada.
— Não brinca comigo, Rodrigo.
— É só me contar o que aconteceu, Aksa. - deu de ombros e eu passei a mão pelos cabelos.
— Rodrigo, os meninos já estão dentro do carro, os quatro podem ficar sem ar! - ele usou as chaves para abrir as janelas dos dois carros - Você não vai desistir, não é?! - negou com a cabeça.
Ele cruzou os braços e se escorou no capô do carro. Respirei fundo e me rendi.
Contei tudo que aconteceu dentro daquele consultório enquanto caminhava de um lado para outro. Quando terminei, pude ver que ele também estava estressado, mas não tanto quanto eu.
— Vem cá. - fiquei entre suas pernas - Qual das enfermeiras disse isso? A mais baixinha? - assenti.
Me pegando completamente desprevenida, Rodrigo aproximou nossos corpos ao puxar minha cintura e entrelaçar os dedos nos cabelos da minha nuca. Em segundos, ele já estava me beijando de um jeito que facilmente me fez perder o fôlego.
— Achei que você não fosse me deixar respirar. - sorri depois de senti-lo prender meu lábio inferior com os dentes - O que foi isso, amor?
— Agora ela tem certeza absoluta que somos casados! - disse sorrindo.
Olhei para trás e vi a enfermeira nos encarando boquiaberta.
— Acho que ela ficou impressionada com a pegada que você tem!
— Agradeço todos os dias por você ser a única que tem passe livre pra usar e abusar disso. - ri e ele me deu mais alguns selinhos - Quer que eu resolva esse assunto? - pensei um pouco - Você pode processar o hospital!
— Deixa isso pra lá. - encarei seus olhos - Quero curtir meu dia com a minha família, e não vou deixar que uma enfermeira sem noção estrague isso!
— Você que sabe, preta. - acariciou meu rosto - Eae, pra onde vamos?
— Quero levá-los pra conhecer as ONG's! - falei animada e ele concordou.
Depois de me afastar e ir em direção ao meu carro, me lembrei de um detalhe mínimo.
— Amor, eu preciso das minhas chaves pra dirigir.
— Já coloquei elas no seu bolso! - franzi o cenho e apalpei a parte de trás da minha saia.
— Como fez isso sem eu ver?
— Você é que tava concentrada demais em como eu tava apertando sua bunda e não percebeu! - ri enquanto entrava no lado do motorista.
Levar os meninos para conhecer as minhas ONG's foi uma das melhores ideias que já tive na vida. Os meninos interagiram de uma forma incrível tanto com as crianças, quanto com os animais.
De um jeito completamente divertido, senti que consegui fazer o sentimento de altruísmo e empatia dos meus filhos aumentar naturalmente.
Depois deles brincarem muito, Rodrigo sugeriu levá-los pra casa por estarem cansados, mas falei que queria levá-los pra conhecer só mais um lugar!
Durante o trajeto, não revelei onde estávamos indo, só pedi para Rodrigo me seguir.
— Achei que nunca voltaríamos nesse lugar! - ele disse ao sair do carro e eu sorri.
Peguei a Ísis no colo, enquanto Rodrigo fazia o mesmo com Djevá.
Por estar na primavera, todas as árvores ao redor estavam cheias de flores, fazendo aquele lugar parecer ainda mais lindo que o normal.
Segurei a mão de Miguel e Rodrigo segurou a mão de Benjamin para nos aproximarmos daquela espécie de "morro". Estendi no chão um pano qualquer estava no carro e me sentei puxando meu filho para ficar entre as minhas pernas, enquanto meu marido fez o mesmo.
— Que lindo, mamãe! - Miguel disse ao olhar o pôr do sol.
— Também acho, filho! - encarei a paisagem - Antigamente, eu chamava esse lugar de "meu cantinho de paz" e seu pai foi a única pessoa que veio aqui antes de vocês. - eles sorriam - Foi aqui que ele me pediu em namoro, depois em casamento, e agora estamos aqui com vocês!
Rodrigo me olhou sorrindo e estendeu o braço esquerdo, indicando que era para eu me aproximar. Escorei a cabeça em seu ombro enquanto ele acariciava meu cabelo e Benjamin se ajeitava em seu colo.
Sorri ao olhar para baixo e ver a Ísis me encarando curiosamente enquanto mexia as mãozinhas animadamente.
— Acho que ela vai ter os olhos da minha mãe! - falei e Rodrigo sorriu.
— Ela já se parece comigo, então eu deixo ela puxar os olhos da sua mãe! - ri.
— Só nos seus sonhos que ela se parece contigo. Olha aqui, ela é a minha cara!
— Coitada de você. - rimos.
A Ísis conseguiu fazer a mistura perfeita entre eu e o Rodrigo, mesmo seus olhos grandes sendo milimetricamente parecidos com os da minha mãe. Atualmente seus olhinhos estão em uma tonalidade azul por ela ser muito pequena, mas acredito que ficarão verdes com o tempo. Sua pele é mais clara que a minha, mas ligeiramente mais escura que a de Rodrigo, além de seu cabelo que já começou a formar pequenos cachinhos.
— Imagina se ela puxar minha personalidade?!
— Isso seria muito injusto! - ele disse e eu franzi o cenho.
— Por que?
— Os meninos já tem sua personalidade. Os três são altruístas, fofos, super prestativos e muito educados, além de serem incrivelmente inteligentes!
— Mas, você também é assim, amor!
— Eu aprendi a ser assim, vocês já nasceram com esse dom. - ri - Essa princesa vai ser igual ao papai!
— Bom, pelo menos os quatro já têm garantia de emprego pro resto da vida! - ele franziu o cenho.
— Como assim?
— Tenho quatro empresas e quatro filhos. Cada um pode ficar com uma! - ele riu.
— Na verdade, são cinco empresas. A G-Arts agora é sua! - concordei.
— Nosso filho mais velho ainda tem 6 anos e já estamos planejando o futuro deles. - olhei para Benjamin que já havia caído no sono.
— Mas, falando sério agora, já parou pra pensar que os meninos podem se tornar grandes empreendedores como você, e essa neném pode seguir a mesma profissão que eu? - ele disse animado - Acho que se algum dia eu ver essa garota usando um distintivo, eu desmaio!
— E eu acho que tenho um treco se ver meus príncipes vestidos de terno comandando a rede de empresas Fernández! - ele riu e me deu um beijo rápido.
Totalmente sem querer, encarei os olhos de Rodrigo como uma adolescente apaixonada. Parece que em apenas 10 segundos meus olhos descreveram, com detalhes, todo meu sentimento pelo meu marido de uma forma que nunca consegui fazer com palavras.
— Eu não poderia ter escolhido uma pessoa melhor pra dividir minha vida. - disse me encarando também com olhos apaixonados - Acho que nunca vou conseguir demonstrar realmente o quanto eu te amo, preta.
— Você já faz isso todos os dias sem perceber, e foi exatamente por isso que eu te escolhi sem pensar duas vezes, delegado! - ele sorriu e voltamos a encarar o pôr do sol.
Meu nome é Aksa Fernández González, tenho 37 anos, e perdi minha família, vivi um relacionamento abusivo, fui humilhada, enganada durante anos, estuprada, sequestrada, agredida, e fiquei entre a vida e a morte três vezes.
Aos 11 anos eu fiz as três promessas mais difíceis da minha vida para minha mãe antes dela morrer, aos 16 eu as refiz para a minha avó, e depois de anos acreditando que minha real felicidade só existia na imaginação de outras pessoas, eu me perdi nos olhos azuis de um delegado que me deu os maiores presentes da minha vida.
Situações ruins moldam pessoas fortes através da dor e do sofrimento, fazendo-as acreditar que aquilo nunca vai passar, mas acredite, passa. Eu sou prova disso!
Nossa trajetória na vida é como o sol que se põe deixando a lua aparecer quando necessário, mas que, mais cedo ou mais tarde, volta!
Assim como o meu, seu sol está prestes a iluminar seu dia novamente. Eu sei disso!
That's it! ❤️
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