14 | o vento levou
Apreensiva, Emily andava de um lado para o outro pelo cômodo, pensando em algo que pudesse servir de explicação para Jack. Ela sentia a pressão no olhar do esqueleto que, em silêncio, esperava pacientemente por alguma resposta que trouxesse um pouco mais de alívio ao seu coração atordoado. Por outro lado, Emily temia a verdade, mesmo não devendo. Ela tinha medo de partir o coração de Jack através de suas palavras. Ele tentou uma nova investida: — Se está pensando por onde começar, comece pelo começo. – pediu — E diga a verdade.
Com um suspiro, a noiva, vencida, virou-se para Jack finalmente, o encarando nos olhos como se estivesse prestes a confessar um crime.
— Primeiro – ela começou, receosa — Devo reforçar que o rapaz com quem me casei há dez anos já tinha uma noiva. Isso não foi o bastante para que eu desistisse dele, no entanto, não depois de seus votos naquela noite. Seu real desejo era retornar ao Mundo dos Vivos e conquistar de volta sua antiga vida e, na verdade, esse não foi o grande estopim do problema, não totalmente. A grande questão era que nosso casamento não poderia ser aceito por nenhum dos Lados porque um casamento vale apenas “até que a morte os separasse”.
— E ela já os tinha separado. – Jack concluiu — Já tinha…
— Ainda sim – Emily deu um passo à frente — Havia um modo para que pudéssemos ficar juntos. Lhe foi proposto algo que, ao fazê-lo, traria fim a sua vida. Isso paralisaria seu coração para sempre. – em seguida, Jack notou algo nos olhos de Emily. Seria culpa? — Eu não queria, mas ele aceitou, aceitou fazer parte disso. Sendo assim, fomos para o Outro Lado para que pudéssemos nos casar na igreja. – ela deu risada — Devo admitir que meus amigos se empolgaram muito, assustaram todos da cidade naquela noite porque não foram capazes de esconder sua felicidade. Foi nesse momento em que os Vivos descobriram o que havia depois da morte. Foi minha culpa. Eles nos viram porque fomos lá para cima.
Não havia muito a ser dito por Jack, não de imediato. E por isso, sem palavras, ele passou a andar de um lado para o outro, tentando organizar tudo o que Emily tinha acabado de dizer. Ele parecia inconformado.
— Você amava mesmo aquele Vivo ou era apenas obcecada com a ideia de se casar por causa do que aconteceu com você? – Jack perguntou a ela, lhe causando surpresa.
Emily pensou por um instante.
— Por algum tempo pensei que sim. Mas depois, percebi que não passava de uma ilusão, algo criado por mim mesma apenas para que… para que eu me sentisse melhor.
— Então os Vivos sabem o que existe depois da morte por sua causa? Você interferiu no Mundo dos Vivos, Emily, permitiu isso…
— Jack, eu–
— Se você fez isso e obteve sucesso, eu também sou capaz! – exclamou o esqueleto, causando estranheza à noiva.
De longe, Victor observava tudo, atentamente. A história por trás daqueles dois era muito interessante, tão interessante quanto os livros que ele costumava ler. Era de sua vontade tornar-se escritor, aventurando-se em pequenos textos cheios de aventura que jamais seriam lidos por ninguém a não ser ele mesmo. Ele era possuidor de uma mente cheia de criatividade, é verdade. Por que não escrever, em algum momento, sobre uma noiva cadáver e um esqueleto chamado Jack, que vivia em um mundo estranho denominado de “A Cidade do Halloween?”
Era uma ótima ideia, claro que sim, mas difícil de ser posta adiante porque sua mãe não o apoiaria certamente. Livros não dão dinheiro, segundo ela.
— Jack, quer dizer que ainda pensa em descobrir quem realmente é? – Emily o questionou, intrigada — Eu ainda quero te ajudar, mas por agora, precisamos voltar ao Mundo dos Vivos e devolver Victor para sua mãe. Imagino que ela esteja preocupada. – concluiu ela.
— Vamos dar um jeito, menino. É uma promessa. – disse o esqueleto, abrindo um grande sorriso no rosto.
E com isso, não havia outra coisa que pudesse ser feita por Victor a não ser manter a esperança acesa dentro de seu peito.
A Cidade do Halloween não parou de falar sobre Jack e sobre a noiva misteriosa. O alvoroço despertou esperteza em suas cabeças, os obrigando a agir com cautela a cada passo que davam enquanto estavam ali. Teriam que tomar cuidado dali para frente ou então, teriam ainda mais problemas impossíveis de serem resolvidos, algo que estava fora de cogitação.
Voltaram para casa naquela noite em total silêncio, tentando desenvolver um bom plano, mas infelizmente, nada parecia se encaixar. Como se não bastasse, Jack Esqueleto notou algo do lado de fora de sua casa: sem nenhuma descrição, os vampiros pareciam ter se tornado vigias de Jack.
O esqueleto procurava algo em seus livros desesperadamente, mas o que era? Uma página em específico pareceu chamar sua atenção depois de muito folhear as páginas de forma voraz.
— O que está escrito aí? – perguntou a Larva, curiosa, em cima do ombro de Jack. Ele se assustou, é claro.
Jack revirou os olhos – é irônico mencionar algo assim –, a pegando entre os dedos. Delicadamente, a colocou em cima da cabeça da noiva.
— Emily é sua hospedeira, fique nela, não em mim.
E de longe, cansado de apenas olhar o que os outros dois faziam, Victor foi até Jack, pegando o livro de suas mãos. Os deixando com um ponto de interrogação em cima de suas cabeças, Victor passeou pelo quarto tentando decifrar o que aquelas palavras cheias de mistério queriam dizer.
— Não entendo o que está escrito aqui.
Foi então que Jack traduziu os textos, explicando a Victor o que estava escrito ali. E então, após isso, foi como se tudo tivesse parado de funcionar.
É verdade que a mãe de Victor estava preocupada com o sumiço do filho. Com a aura envolta a tristeza, ela, Victoria Everglot, encontrava-se sentada debaixo de uma árvore enquanto pensava no que deveria fazer. O que seu marido faria se estivesse vivo? Ela riu ao pensar que, muito provavelmente, ele entraria em pânico, assim como fez quando estavam prestes a se casar.
O vento lhe trazia boas lembranças, lhe dando a sensação de leveza, como se o vento levasse a tristeza e trouxesse a felicidade de voltar para o seu coração.
Borboletas voaram diante de seus olhos e, para ela, foi como se uma luz tivesse brilhado no escuro, dando lugar à esperança dentro de seu peito mais uma vez. “Que sensação estranha”, pensou ela, levando sua mão ao peito. Aflita sem que soubesse dizer o porquê, ela se levantou, sentindo que logo encontraria seu filho. Algo dizia – pedia – para que ela não tivesse medo.
— Eu sei onde devo ir… – com as mãos na barra de seu vestido, Victoria começou a correr pelas ruas da cidade, cheia de determinação e coragem — Eu sei onde devo ir! Por favor, Victor, esteja lá, não vou me importar por ter sido desobediente se estiver lá!
Durante sua infância, Victor ouviu sua avó contar histórias sobre a casa da família Hoult, histórias assustadoras e ao mesmo tempo, cheias de tristeza. Muitas pessoas estiveram dentro dela, acreditando que ela poderia servir como uma ótima moradia, mas a verdade era que havia algo muito maior por trás dela. Havia a história de uma mulher que teria dado início a tudo, e Victoria sabia sobre ela.
“Vamos, Victor”, pensou ela, em frente a grande mansão abandonada. “Quando tinha sua idade também era curiosa, gostava de aventuras, explorar lugares novos, mas à medida em que fui crescendo, isso foi tirado de mim aos poucos. Algo que me diz que essa casa pode me ajudar, mas como? Preciso de uma pista, apenas uma pista.”, ela continuou. “Se ao menos eu tivesse uma única informação…”.
A essa altura, os moradores daquela pacata cidade certamente tinham conhecimento sobre o que estava acontecendo nas ruas, não escondendo o pavor em seus rostos, mas ao mesmo tempo, a vontade de fazer a vida voltar ao seu antigo normal. As pessoas sabiam ou pelo menos imaginavam que a mansão tinha algo a ver com aquelas estranhas criaturas. Não estavam errados, mas também não estavam certos. Havia uma pequena relação.
A mãe de Victor observava as paredes do interior da casa com atenção, até que sua atenção se voltasse a passos não tão distantes dela, mas de onde eles vinham? Ela se virou, assustada com a estranha movimentação.
— Eu sei o que existe aqui. – gritou Victoria, subindo as escadas que rangiam a cada passo — Me ajude a achar o meu filho e eu te ajudarei no que precisar. Conheço a história desse lugar... Seja quem for, não vou te fazer mal. Na última noite Victor esteve aqui e simplesmente desapareceu... – porém, não houve uma resposta — Eu sei que está aí, sei que tem alguém me ouvindo, eu não estou louca.
E ao notar que seu desespero a levou até ali, Victoria se pôs a chorar, desistindo de abrir a porta na sua frente.
— Não chore.
A voz suave de um menino foi ouvida, a assustando. De olhos bem abertos, Victoria encarou o garoto atrás dela.
— Você...
— Eu me lembro de você. – ele afirmou — Você cresceu bastante.
— Cresci...
— Victoria. — ele concluiu.
Victoria teria continuado prestando atenção em Benjamim se aquela menina não estivesse ali, no canto escuro do quarto, boquiaberta. Desde sua morte, Amélia sonhou em rever o irmão mais novo, mas nunca foi capaz de fazê-lo. Ela sabia que Benjamim esteve dentro da casa durante todos esses anos, mas que não desejava falar com ela porque ela não voltou para buscá-lo naquela noite. Pobre Benjamim, se soubesse o que fizeram com ela, talvez pudesse reconsiderar.
Benjamim notou a presença da irmã: — Eu não estou falando com você, Amélia.
E em seguida, para o desespero de Victoria, Benjamim desapareceu nas sombras do corredor.
— Não, não vá embora! – ela exclamou, girando em torno de si tentando achá-lo, mas em vão — Por favor, volte, fale um pouco mais.
— Ele está magoado comigo. Benjamim tornou-se um pouco rancoroso, visto que há mais de cem anos ele não fala comigo. – disse Amélia, entristecida — E a culpa é minha. Prometi a ele que o salvaria, mas não pude sequer salvar a mim mesma. Há cem anos eu tento aceitar que estou morta, mas sinto que nunca serei capaz disso. Dizem que aqueles que não aceitam a morte, nunca descansam, principalmente quando morrem jovens. Quero dizer, uma pessoa jovem não deveria ter que aceitar que tudo simplesmente acabou para ela, que ela perdeu tudo.
Victoria se aproximou de Amélia, tentando
— Mas não foi sua culpa você não ter voltado. Ouvi sua história, você era uma criança, não poderia fazer nada. Por muitas vezes minha avó me disse para sequer chegar perto dessa casa, mas se eu soubesse disso tudo, teria vindo antes há muito tempo. Agora entendo o motivo pelo qual Victor parecia tão obcecado com esse lugar.
— Acho que se eu tivesse tido um pouco mais de coragem, isso não teria acontecido. Às vezes, tudo o que nos falta é coragem. Seu filho é corajoso.
Victoria sentia-se culpada por algo que não deveria. Estar diante de uma situação como aquela fez algo retornar a mente de Victoria, algo que aconteceu há dez anos. E para ela, foi como se estivesse vivendo aquilo de novo. A diferença era que dessa vez, se tratava de seu filho. Tudo se repetia, Victoria temia que as coisas não terminassem bem como naquela época.
|NOTA|
Gente, que capítulo cheio de mistério! O que a Victoria pretende?
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