SEVEN, six of crows
SETE, seis de corvos.
❛ É assim que o mundo termina, não
com um estrondo, mas com uma
choradeira. ❜ ───── T. S. Eliot
QUANDO CRIANÇA, Nikolai Lantsov era um rebelde sem causa que adorava chamar a atenção, principalmente da pessoa que mais admirava. Seu irmão mais velho. Vasily era importante e um dia seria rei. E Nikolai gostaria de ser como ele, fazer tudo o que fazia, se Vasily estudasse geografia e táticas de batalha, Nikolai também. Se Vasily montava ou fazia aulas de esgrima, era isso que Nikolai queria. Talvez assim ele também pudesse chamar a atenção e a amizade de seu irmão. Mas para Vasily, Nikolai era apenas um pirralho irritante.
Então Nikolai tinha um acordo inconsciente com si mesmo. Se Vasily lhe dava atenção e brincava com ele, Nikolai era comportado e seguia seus passos... mas se seu irmão sequer o olhava - o que acontecia bastante, Nikolai era terrivelmente mal comportado, e isso incluía mandar embora centenas de babás e descontar em funcionários reais e em seu tutor toda a rebeldia.
Certa vez, ele estava planejando como sairia sorrateiramente de seu castigo e assistiria ao pedido de desculpas de seu próximo tutor sobre como ele iria renunciar à rainha e se despedir de seu emprego. Então Nikolai ficou na janela, vendo Vasily sair com alguns amigos, mas uma nova carruagem chegou naquele dia e iria direto para o Pequeno Palácio. Foi fácil sair pela janela de seu quarto e entrar em um dos quartos desocupados, então ele correu pelos corredores do Grande Palácio e decidiu observar as novas crianças Grishas.
Havia duas meninas. O Darkling estava com elas, assim como o soldado Grisha Ivan e uma Hidro. Uma delas devia ser quatro anos mais velha que Nikolai, a outra provavelmente tinha a idade dele. Ambas tinham cabelos tão ruivos e quase idênticos. Nikolai sorriu enquanto observava a mais jovem acanhada e agarrada ao braço de sua irmã.
Elas se instalaram e passaram dias tentando praticar a Pequena Ciência, sobre a qual Nikolai poderia confessar que não sabia nada na época. Elas frequentaram a escola Grisha e tiveram aulas com Botkin. Nikolai começou a observar essas aulas de longe. A mais velha, que mais tarde descobriu que se chamava Natalya Kamenova, era uma exímia lutadora, mas a mais nova ainda precisava de prática. Horas se passaram e Nikolai se viu parado ali por algum tempo, observando como o cabelo da garota mais nova tendia a ficar depois e durante cada luta.
Ele tinha nove anos e na semana seguinte Nikolai levou uma xícara de chá para onde a menina mais nova estava descansando sozinha depois de mais uma luta. Ksenya e Nikolai conversaram por horas, nada importante ou realmente útil. Mas uma semana depois eles pregaram uma peça no novo tutor de Nikolai. Um mês depois, eles fizeram dois professores e duas babás desistirem. Ela o contou sobre seu passado em Novokribirsk e em como sentia falta de sua família, mas que estava feliz por ter Natalya por perto. Nikolai nem parou para assistir quando Vasily voltou de suas viagens, ele acordava e a primeira pessoa que queria ver no dia era Ksenya e seu cabelo incrivelmente avermelhado.
─ Você é muito bonito, Nikolai ─, disse a garota em um dia de verão, depois que Nikolai elogiou os seus cabelos quando eles estavam descansando no jardim do Pequeno Palácio, ─ mas você também ficaria bem se fosse ruivo.
Foi nesse dia que ela se despediu deixando um beijo em sua bochecha. Ele havia corrido para contar para o irmão sobre sua mais nova melhor amiga e sobre como ela era bonita, mas Vasily simplesmente gritou e trancou a porta do quarto ao manda-lo para fora. Nikolai descontou isso em sua babá, derramando tinta azul em seu vestido novo. A mulher se despediu no mesmo dia por não aguentar mais.
Certa noite a rainha e o rei tiveram uma conversa realmente seria. Sabiam que Nikolai passava a maior parte de seus dias na companhia da garota Grisha Ksenya Kamenova. Então decidiram que a usaria para fazer com que Nikolai se portasse como o filho de um rei. Mas essa ideia não foi para frente quando perceberam que o Darkling poderia se zangar. Machucar uma Grisha para tentar manter o príncipe na linha não era uma boa ideia se não quisessem que a cabeça do tutor fosse decepada.
Então, alguns dias depois, Nikolai não se sentou sozinho na sala de aula. Havia um garoto novato que foi apresentado a ele como Dominik e tinha sua idade. Ele estava quieto e parecia bastante assustado, mas Nikolai estava determinado a tentar fazê-lo falar e até brincar com ele às vezes. E, pensando que seu plano seria um bom motivo para fazer rir seu mais novo colega, Nikolai correu para a mala do tutor e deixou ali um roedor que havia encontrado no dia anterior. E quando seu tutor colocou as mãos lá e de fato gritou, Nikolai que tinha planejado ficar neutro não pôde se conter e riu alto.
Até que Dominik foi chamado à frente da sala e forçado a estender as mãos. Nikolai assistiu horrorizado enquanto o tutor batia nas mãos de Dominik com uma vara. Nikolai gritou para os guardas, até chorou enquanto implorava para que parasse. Mas o garoto só foi solto quando a carne vermelha de suas palmas pôde ser vista e seu rosto estava imensamente molhado de lágrimas.
─ Por que você fez isso?! A punição deveria ser minha! ─ gritou Nikolai quando ninguém apareceu para parar o tutor.
Mas ninguém levantaria a mão para um príncipe.
─ Toda vez que você cometer uma travessura, Dominik será punido.
No dia seguinte, o príncipe sentou-se em silêncio em sua cadeira e falou apenas para se desculpar com Dominik.
─ Eu estou aqui para isso, moi tsarevich.
Mas Nikolai lhe prometeu que faria melhor. Que Dominik aprenderia a ler e escrever. Ele ficou em silêncio todos os dias depois disso e até mesmo Ksenya achou estranho seu novo comportamento. O novo Nikolai. Aquele que a havia feito falar e ter numerosas ideias para pregar peças. Nikolai que não era mais tão rebelde.
Ksenya quem havia ido atrás do garoto otkazat'sya uma vez. Levou-o ao lago e esperou Nikolai chegar. Dominik ainda era tímido o suficiente para ficar perto da garota grisha, mas os dias passaram-se e os três realmente se tornaram um trio silencioso, mesmo que ninguém desconfiasse. Eles aprenderam e ensinaram a Ksenya que, desde que não perturbassem a ordem do palácio, ninguém se importava com o que faziam com seu tempo livre.
Eles começaram a se esgueirar antes do anoitecer e depois de cada aula e visitavam a família de Dominik fora do Palácio. Nenhum Grisha realmente se importava se alguém tivesse comida extra, então quando Ksenya estivesse livre ela pegava uma mochila cheia de pão e bebidas para a família de seu mais novo amigo, Nikolai fazia o mesmo.
Com doze anos Nikolai trabalhou nos campos enquanto ajudava a família de Dominik, aprendeu a concertar equipamentos agrícolas e até a ordenhar vacas. Ksenya ajudava a mãe e os irmãos de Dominik em muitas outras tarefas, inclusive quando alguns deles ficavam doentes, apesar de Dominik ter aceitado o seu pedido de não os contar que ela era grisha.
─ Veja só isso ─ Ksenya estendeu uma mão para Nikolai ver o mais novo relógio de bolso que ela havia adquirido na cidade, graças a umas moedas que Fedyor a havia emprestado. ─ Você acha que Dominik vai gostar?
─ Estou começando a sentir ciúmes ─ Nikolai havia brincado, estudando o objeto na palma da mão. Era uma peça antiga, as costas do relógio cintilavam a luz do sol e havia um desenho quase apagado de um coração adornado.
Certa vez, os dois realmente decidiram conversar sobre a família de Dominik, que tiveram alguns privilégios por causa do status de seu filho no palácio, e ainda assim mal subsistiam com o que colhiam de sua fazenda. Ele viu a maneira como vizinhos ao redor sofriam sob os impostos do rei de Ravka. Foi ali que Nikolai percebeu que gostaria de fazer algo, não só por Dominik, mas pelo seu país. Ele iria livra-los de um desgraçado rei. E quando Ksenya decidiu apoia-lo, ele sabia que um dia isso iria acontecer.
No entanto, aos quatorze anos, Nikolai e Ksenya estavam se mantendo escondidos enquanto voltavam ao Palácio uma noite. Vasily os esperava enquanto sorria. Não importava que eles inventassem alguma mentira para o príncipe mais velho, ele sabia onde os dois estavam. Nikolai implorou a Vasily que não contasse, mas estava claro que sua boca se abriria. No outro dia eles receberam a notícia de que Dominik havia sido barrado do palácio e mandado para voltar para casa.
Ksenya estava certa de que Vasily merecia punição, mas Nikolai a segurou e encurralou seu próprio irmão.
─ O que eu fiz por você foi um favor, ─ Vasily disse, ─ você não é um camponês para divagar com pessoas assim.
─ A família de Dominik dependia de seu salário. E ele será convocado no próximo ano!
─ Desta forma ele aprenderá seu lugar. Ele pertence à Coroa e é para ela que vai servir.
Ksenya estava realmente se segurando e se levantou no momento em que os dois irmãos ficaram cara a cara. Vasily era mais velho e mais alto, e se ele ousasse levantar uma mão contra Nikolai, ela iria agir independente do lhe foi pedido.
─ Você deveria sentir vergonha.
Vasily colocou um dedo no peito de Nikolai. ─ Você não me diz o que devo fazer, sobachka. Eu serei um rei e você continuará sendo um ninguém.
Mas quando Ksenya olhou nos olhos levemente enfurecidos de Nikolai entendeu o porquê devia se manter quieta, simplesmente ergueu a cabeça ao prever o que aconteceria.
Nikolai passou muitos dias com os camponeses e quando havia uma briga ninguém sabia em quem estavam batendo ou por quem estavam sendo derrotados. E os instrutores de Vasily jamais foram ousados o suficiente para bater com força. Nikolai sabia como se defender.
E ele agarrou o dedo de Vasily e, sem repensar em sua ação, torceu. Vasily gritou e caiu perante Nikolai.
─ Um rei nunca se ajoelha, irmão.
𓅂
Sankta Alina. Sankta Alina. Sol Koroleva.
Alina estava no centro de toda a prece, todo o choro, lamento e gemido. Ela iria ser estraçalhada por todas aquelas pessoas ao seu redor.
Ksenya não se permitiu ficar apenas assistindo e correu, disparando entre toda multidão. Empurrando todos que estivessem em seu caminho. Abriu um enorme espaço com apenas um gesto virando as mãos para cima. Dois jovens e um homem adulto caíram ajoelhados no chão, mãos apertando o próprio peito.
─ Saíam! ─ ela gritou, ganhando passagem apenas por causa do poder Grisha que levava as pessoas a se ajoelhar por onde passava, algumas desmaiadas, outras simplesmente ajoelhando sem intenção de fazê-lo.
Quando achou ter perdido Alina de vista ouviu um grito chamando pelo seu nome. Em seguida um berro de raiva. Um grande desespero se infiltrou no corpo de Ksenya, as pessoas estavam berrando e chorando e ela não conseguia saber se ouvira mesmo o seu nome ou foi apenas alucinação e ansiedade.
─ Para trás! ─ então ouviu Tamar berrar, virando o pulso. Três peregrinos se sentaram, piscando os olhos, sonolentos.
Um homem velho tentou pular em seu encalço e alcançar Alina que havia sido pega por Tolya. Ksenya de repente se colocou na frente deles, virando os pulsos; o homem colocou uma mão na cabeça e tentou se apoiar em outras pessoas, sangue pingando de seu nariz.
─ Vão! ─ Ksenya disse para Tolya levar Alina para longe, ao mesmo tempo em que ela e Tamar desacelerava batimentos cardíacos e acalmavam os fanáticos.
Tamar tirou suas lâminas, ameaçando qualquer um que ousasse se aproximar mais. Os três dispararam. Tolya e Alina na frente, o corporalnik avançando e derrubando qualquer um a sua frente. Os guardas tinham acabado de ver o tumulto crescendo e começaram a fechar os portões.
Ksenya foi a última a deslizar sobre o mínimo espaço antes que os portões batessem e os peregrinos ficassem de fora, esticando seus braços entre as aberturas e levantando dolorosamente a voz pela sua santa do sol, como animais feridos. Tolya deixou Alina no chão, a garota parecia bastante assustada, encarando os peregrinos que já não mais a viam do outro lado do muro. Antes que ele dissesse qualquer coisa, Ksenya avançou em sua direção.
─ O que merda você tem nessa sua cabeça? ─ Alina deu um passo para trás. Não parecia estar exatamente com medo, parecia mais confusa enquanto gritavam pelo seu nome. ─ Você está louca? Não sabe que é considerada uma santa? Aquelas pessoas são fanáticas!
─ Ksenya ─ Tamar repreendeu, a voz rude e raivosa. Mas Ksenya sabia que seu tom nada tinha a ver com ela.
Tolya imediatamente se colocou na frente da Conjuradora do Sol.
─ Eu concordo com o sermão ─ ele expressou para Ksenya, ─ mas esse não é o momento.
Ksenya lançou uma mão no ar e se virou, irritada e sem dar importância as palavras ditas por Tolya. Então avisou que eles podiam ir na frente, que os encontrava no caminho da floresta já que devia pegar o seu cavalo. Mas antes que saísse, tirou o manto preto e carmesim que vestia por cima da roupa e jogou para Alina.
─ Vê se passa despercebida dessa vez ─ disse, depois saiu.
Ao encontrar o cavalo na frente da pousada, Ksenya pulou em sua sela, resmungando e falando sozinha. O céu já estava claro e estava nevando pouco quando ela começou a cavalgar, pensando no que teria acontecido se não estivessem os três Corporalki ido ao acampamento. Quando chegasse no Pequeno Palácio teria uma bela de uma conversa com Oretsev, era seu posto e ele deixou Alina sozinha e ninguém sabia o que se passava pela cabeça do raio de sol.
Como pensou, ao passar pela cidade e agradecer pelo tumulto não ter chego ali ainda, encontrou os gêmeos e Alina no meio do caminho. Tolya lhe ofereceu um olhar ainda intrigado, mas nenhum deles disse nada no caminho.
Ksenya não sabia se estava ainda eufórica do incidente ou se estava realmente ouvindo vozes, passos e batimentos extras. Obviamente continuava pensando em todas aquelas pessoas fanáticas, buscando qualquer espécie de milagre que tocar na Sankta do Sol poderia supostamente lhe trazer. Os gritos e os gemidos ainda estavam em sua mente. Pessoas jovens, velhas, fortes, fracas, saudáveis e doentes... todos desesperados em busca de um milagre que não poderiam ter.
Mas só quando ela finalmente enxergou a resta de uma sombra atrás de uma árvore, seguida de um mão enluvada segurando um machado, Ksenya percebeu que o que ouvia não era nenhuma lembrança. Era algo que acontecia naquele instante.
─ Abaixem! ─ gritou.
Ao contrário dos outros, que graças ao seu grito conseguiram se abaixar para se proteger, Ksenya caiu do cavalo quando uma flecha foi disparada no animal. O relinxar do cavalo indefeso repleto de dor pôde ser ouvido por ela antes de cair na neve.
Com agilidade Ksenya engatinhou para trás dos arbustos, torcendo para que os outros tivessem encontrando um lugar para se esconder. Sua mente viajava rapidamente enquanto procurava com os olhos qualquer armadilha ou...
─ Drüsje! ─ bruxa.
... Fjerdanos. Em território ravkano.
Sem esperar, e torcendo mentalmente por sua vida e de seus amigos, Ksenya ergueu as mãos e virou os pulsos. O soldado sangrou pelo nariz e pela boca antes de desferir o seu primeiro golpe. Seu machado caiu antes de seu corpo, manchando a neve de vermelho.
Ksenya levantou rápido ao ouvir as vozes de outros fjerdanos, correu e levou o machado consigo quando foi na direção do rio, onde havia uma estreita estrada de terra molhada que levava para um outro caminho. Seus pés escorregaram no instante em que bateu de frente com outro soldado, o machado dele foi lançado e Ksenya desviou e escorregou com facilidade graças a neve. Em seguida jogou com força o machado roubado, que cravou gloriosamente no meio do peito do homem. Botkin estaria orgulhoso desse golpe.
Então tudo ficou no mais assustador silêncio.
Com cuidado e leveza, Ksenya levantou e encarou o homem no chão, seus olhos arregalados e assustados não traziam nenhum sentimento de arrependimento para ela. Mesmo assim, quando ele, ainda vivo, se mexeu e agonizou, tossindo sangue e pedindo silenciosamente pela morte... Ksenya atendeu ao seu pedido. Bastou juntar as mãos em um gesto conhecido pelos Corporalki, ela procurou seus batimentos cardíacos, em seguida baixou as mãos e o homem parou de agonizar, morto.
Ksenya respirou fundo, olhou para os dois lados e deixou o corpo do Druskëlle, os olhos assombrosos encarando o nada.
Matar alguém, mesmo alguém que merece, nunca era fácil. Em menos de cinco minutos mais duas pessoas haviam entrado para a sua terrível lista de mortos. Nunca era fácil.
Voltando pelo caminho que cruzou, ela encontrou o cavalo no chão, a flecha cravada em um ponto onde seria impossível salva-lo. Društvo, como Ksenya o chamava, fazia sons que quebravam em pedaços o coração da mulher. Ela passou as mãos pelo corpo do animal, que se acalmou aos poucos.
─ Está tudo bem, eu estou aqui ─ Ksenya disse. ─ Yest' spaseniye na drugoy storone ─ há salvação do outro lado. Sussurrou, acariciando a crina do animal quando ele finalmente parou de se mexer ou chorar.
Era o que Natalya costumava dizer quando perdiam um animal de estimação na época que moravam em Novokribirsk, ou quando começaram a servir e perdiam alguém em batalha. Mas isso também fazia lembrar da última frase que sua irmã lhe disse, contrária à que costumava acreditar: "Não há salvação"... desde então Ksenya torcia para que ela estivesse errada. Porque tudo o que Natalya merecia era a salvação depois da morte.
De volta a estrada estreita, Ksenya decidiu que chamaria pelos gêmeos e por Alina do outro lado do rio, contudo, ao enxerga-los, Tamar acenou perto de uma das árvores. Ksenya então sentiu uma leve esperança tomar conta de seu corpo. Sentimento esse que foi tomado no instante em que a dor avassaladora feriu sua perna esquerda.
Sua perna falhou e ela caiu de joelhos. A Sangradora tentou virar e enxergar seu alvo, mas uma corda foi lançadas com rapidez e agilidade, prendendo-se em suas mãos. Ksenya não possuiu forças e condições suficientes para impedir que um soldado armado corresse e puxasse seus cabelos, obrigando-a a se manter ajoelhada.
─ Não! ─ ela gritou, sua perna ferida e falha, a dor insuportável ─ Solte-me!
Então soube que havia perdido ao ver que os gêmeos e Alina não fizeram nenhum movimento brusco ao serem cercados. Eles pensaram em Ksenya e o que poderia acontecer com ela caso tentassem algo. Havia uma besta apontada diretamente em sua nuca.
─ Tig, Drüsje! ─ o Fjerdano gritou, puxando-a pelos braços amordaçados ─ Djel comenda!
Um passo em falso e uma flecha seria enterrada na cabeça de Ksenya.
Normalmente eles a levariam para Fjerda e fingiriam existir alguma espécie de julgamento que, por fim, a levaria a morte. Contudo, quando o soldado levantou a besta acima da cabeça da Sangradora, ela soube que ele havia mudado de ideia e o que estava fazendo não era o desejo de seu deus Djel, mas sim a vingança por Ksenya ter matado dois dos seus.
Quando ela imaginou que não sentiria mais nada, um barulho muito alto foi ouvido. A arma da mão do Druskëlle caiu, em seguida o corpo com uma marca certeira de bala no centro da testa despencou. Ksenya se jogou para o lado, deixando o soldado morto cair.
Antes que os outros três soldados pudessem perceber de onde veio a bala, eles despencaram, sendo atingidos no mesmo local que o primeiro em menos de dez segundos.
Tamar e Tolya ficaram em alerta, cada um ao lado de Alina, buscando protege-la, apesar dela fazer isso por si só. Ksenya ouviu com atenção os movimentos virem de trás das arvores. Alguém gritou: ─ Eu tenho o rosto perfeito demais para morrer tão novo! Então, por favor, abaixem as mãos!
Ksenya tentou seu máximo para se manter de pé. O estranho dono da voz jogou uma pistola, que deslizou pela neve até os pés dela.
Primeiro surgiu uma mulher, uma Sangradora que Ksenya conhecia muito bem.
Depois mais três pessoas.
─ Há quanto tempo, Ksenya ─ disse Nina Zenik. ─ Que saudades!
Quando seu máximo não foi suficiente, Ksenya tentou se apoiar em qualquer coisa, com eficiência Nina correu até ela, a segurando antes que caísse.
─ Onde é que você estava, Zenik? ─ perguntou ela, a dor profunda na perna a deixando irritada.
─ Também é bom te ver, velha amiga ─ Nina tirou uma lâmina do bolso e cortou a corda que prendia Ksenya.
─ Eu amo reencontros ─ disse o garoto que jogou a pistola.
Ksenya o ignorou totalmente, gemendo quando soube que precisava sentar.
─ Precisamos tirar a flecha ─ disse Nina, ─ você vai ficar bem.
Tamar ainda encarava com desconfiança os recém chegados. Quando Tolya se aproximou com cuidado e esteve prestes a rasgar a barra de sua calça, Ksenya gritou: ─ Espera!... espera... vocês estão ouvindo?
De repente todos entraram em modo de ataque ao ouvirem os cascos de cavalos se aproximarem. Nina tentou proteger Ksenya, então, de trás das árvores surgiram um Príncipe e duas Etherealki.
Nikolai Lantsov sequer olhou para as outras pessoas, quando desceu do cavalo foi diretamente para onde Ksenya estava.
─ Moi tsarevich ─ Nina o reverenciou. Nikolai assentiu em cumprimento, ajudando-a com Ksenya.
─ O que houve? Quem são essas outras pessoas? ─ ele perguntou. ─ Você está machucada? Pelos Santos, sente-se, Ksenya.
Tamar ficou de olho nas outras três pessoas que vieram com Nina. Ksenya fez o que Nikolai pediu quando Nina, Zoya e Tolya se aproximaram.
─ Eu posso cuidar disso ─ disse Ksenya.
─ Sabemos que pode ─ Nina assentiu, ─ mas deixe-me ajudá-la.
Zoya a ignorou totalmente, quebrando a flecha ao meio e rasgando a parte de baixo de sua calça sem permissão. Ksenya respirou fundo e fechou os olhos com força ao sentir a dor se aprofundando.
Então soube que o silêncio que se instalou no local foi devido a enorme cicatriz em sua perna, que fazia caminho até acima da cintura, mas isso eles não podiam ver. Contudo, só metade da cicatriz fez todos - exceto a própria Zoya e um dos recém chegados que carregava uma bengala de corvo - arregalarem os olhos.
Nikolai provavelmente tinha numerosas perguntas para Ksenya. Mas ele decidiu guardar todas elas para outro momento.
─ Isso foi na Dobra? ─ perguntou o mesmo garoto que havia atirado nos soldados fjerdanos.
Ksenya o encarou, em seguida o resto do grupo. ─ Quem são vocês mesmo? ─ questionou, impaciente, ao sentir Nina tocar sua perna.
─ As pessoas que salvaram a sua vida miserável ─ um deles respondeu, passando as mãos enluvadas pelo corvo adornado na bengala. ─ Podemos nos contentar com agradecimentos. Por enquanto.
Galena ficou surpresa por ouvir alguém falar assim com Ksenya. Ninguém jamais havia feito isso. Ninguém exceto Darkling... e Zoya, mas Zoya era impaciente com todos.
Ksenya encarou o homem que a respondeu. Ele não desviou o olhar. ─ Esses são Kaz, Jesper e Inej ─ disse Nina com um sorriso nervoso.
─ Você e eu, Nina, temos muito o que conversar.
─ Eu sei...
─ Zoya ─ disse Nikolai, interrompendo o pequeno sermão, ─ leve Tolya e dêem uma olhada ao redor. E Ksenya, fique quieta para que Nina cuide logo disso.
─ Cale a sua boca ─ Ksenya agarrou um punhado de neve e jogou nas botas do príncipe.
Nikolai chutou a neve para o lado, balançou a cabeça e se virou para o trio novato. Inej, em passos surpreendentemente leves, acompanhou Tolya e Zoya na pequena verificação.
─ De onde vieram?
─ Eles estiveram aqui ─ Alina quem respondeu a pergunta de Nikolai. ─ Estavam no esquife na travessia.
Ksenya olhou Kaz e Jesper de cima a baixo.
─ Não os vi.
─ Como não? ─ Jesper pareceu indignado ─ Fizemos uma grande entrada.
─ Acho que eu estava mais ocupada em tentar salvar minha própria vida.
𓅂
Ksenya decidiu permitir que Sergei desse uma olhada em sua perna, de qualquer forma ele havia sido a primeira pessoa a fazer isto após a tentativa de atravessar a Dobra com o Darkling. Era fato que a cicatriz feita pelo volcra que a atacou não iria mais desaparecer. Contudo, a parte perfurada pela flecha dos soldados de Fjerda estava perfeitamente saudável e curada após o ótimo trabalho de Nina Zenik.
Quando Sergei se retirou mais cedo do laboratório de anatomia, Ksenya permaneceu sentada na mesa de alumínio durante um bom tempo, pensando e repensando no que havia feito de errado para ser atingida tão facilmente. Para a sua surpresa, sua solidão não durou muito quando as portas pesadas de madeira avermelhada foram abertas e Nikolai Lantsov entrou, acompanhado por um copo de chá, que estendeu para Ksenya no momento em que se aproximou.
Ela não queria chá, mas não desejou fazer desfeita, então pegou o copo e tomou muito pouco antes de deixa-lo de lado. Ela já usava outra calça de tecido leve, o kefta carmesim por cima. Não disse nada, e Nikolai também demorou falar.
Ele examinou o local como se fosse a primeira vez que estivesse dentro, só que não era.
─ Você pode, por favor, dizer alguma coisa? ─ Ksenya revirou os olhos ─ Caso contrário jogarei esse chá ruim em você.
─ Sei que estava escuro quando fomos ao lago naquela noite, não pude ver ─ Nikolai começou. Ksenya sabia que ele se referia a cicatriz. ─ Mas por que nunca falou sobre? Eu iria querer saber caso...
─ Caso a Dobra tivesse me deixado marcada? ─ Ksenya levantou, ignorando de vez o copo de chá, ela apontou para a própria perna ─ Isso aqui não é nada, uma mera cicatriz, você sabe exatamente a marca que eu carrego.
Não foi sua intenção descontar sua raiva em Nikolai. Nunca era. E achou que merecia qualquer tipo de sermão que ele pudesse lhe dar, mas a maneira como ele agiu a deixou mais impaciente ainda.
─ Então me diga, Ksenya. Grite, chore, faça qualquer coisa. Me fale o que houve com você e com Natalya dentro da dobra.
Ksenya balançou a cabeça e se virou, pronta para se fechar mais uma vez. Mas Nikolai atravessou a maca e ficou de frente para ela, não se importando com o que Ksenya achava daquela aproximação.
Não se importando se isso fazia ambos lembrar da sua pergunta enquanto estavam no píer.
─ Você me contou o que houve entre você e o Darkling. Agora coloque para fora o que houve com Natalya. É para isso que eu estou aqui agora.
─ Se quer que eu seja sincera com você, seja sincero comigo ─ Kamenova retrucou, de repente.
─ E o que você quer saber? ─ Nikolai permitiu que o tom de voz normalizasse e deu um passo para a frente, Ksenya permaneceu parada no lugar. ─ Em qual momento não fui verdadeiro contigo?
─ Dominik. Você jamais fala sobre ele.
Nikolai parecia surpreso dessa vez. Seu corpo enrijeceu e ele se tornou de repente distante ao dar alguns passos para longe de Ksenya.
─ O que quer saber sobre Dominik? ─ perguntou Nikolai, seriamente, sentando-se em uma das cadeiras. Pronunciar esse nome era estranho depois de tanto tempo.
─ Quero saber como ele morreu ─ respondeu Ksenya.
─ E como você tem tanta certeza de que ele está morto?
─ Se ele não está morto, cadê ele aqui?
Nikolai respirou fundo. Não era exatamente difícil falar sobre seu passado para Ksenya, só era complicado relembrar quem já se foi quando deveria continuar ali.
društvo = tradução croata.
significado: companhia.
SKYLANTSOV | 2022
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