PARTE II - 12. O Outro
***
Estive muito tempo procurando sua voz...
Seu corpo. Sua palidez.
Estive a procura da lentidão que seus movimentos exalam.
Estive a procura de um ser que desconheço.
O vento e o mar, tudo me engole,
Como se eu não tivesse forma;
Mas eu existo, e tudo existe
Afinal, estive a procura do real
Do que possa me trazer prazer...
Mas...
Essa sensação ainda permanece incógnita.
Eu quero poder entender
Encontrar motivos para ser eu mesmo
Tocar o desconhecido me entorpece
E entrar nesse pequeno pedaço do paraíso...
Eu preciso dele...
Além do que eu estava acostumado, preciso de sua impertinência, toda sua loucura..
...mas nós dois éramos pedaços distintos de um todo inacabado.
O vento e o mar, tudo me engole..
Como se eu não tivesse forma..
O mundo é um pedaço, nós somos um terço...
Me parece que
Eu me acorrentei a um ser
Que desconheço...
Estive a muito tempo a procura de algo,
um ser inacabado, que se escondia dentro do mundo...
Todo esse universo que não vejo...
Diante do meu nariz...
Afinal, do que eu estou a procura?
Um instante irrealizado, uma cura...?
Estive a procura de algo real,
Mas nada parece fazer sentido
Afinal: Quem sou?
Só o que sei é que ainda estou vivo.
O perfume das rosas tão vermelhas
Exala lentamente pelo quarto
Seus olhos me rodeiam
Me desmentem, me resguardam...
Desejo que isso seja o bastante
Como se estivéssemos tão imprevisíveis quanto em uma fantasia
Pois me sinto previsível o bastante para que leia meus pensamentos...
Mesmo com mentiras,
Mesmo que desenhêmos tantos rascunhos,
Eu quero nunca desviar os meus olhos...
Quero reconhecer quando os seus procuram os meus...
... seus olhos
Vorazes como o sol escaldante...
Tão verdejantes como a folhagem daquelas laranjeiras.
Quando a noite cai,
Eu procuro: as estrelas que você me apresentou...
Mas faz tanto tempo, que os séculos as mataram.
Seus olhos estão sempre nublados como a imensidão além do horizonte..
Não me permitem invadi-lo uma vez sequer.
Tenho medo de enganar-me,
De que seja menos real do que deveria ser...
Abra seus braços e me deixe agasalhar-me...
Querido... Estive muito tempo procurando sua voz, sua luz, sua cor. Sua palidez.
Estive a procura da lentidão que seus movimentos exalam.
Estive perdido através das folhas de meus pensamentos
Resguardado sem temor, ao relento
Sem fuga, sem tormento..
Eu quero poder desejar que se torne um sorriso
Todas as curvas de sua face...
As estrelas detém minhas verdadeiras formas
Que não se distinguem
Que me entorpecem..
O vento sussurra palavras através dos minutos..
Eu ainda desejei acreditar
No que suas palavras me prendiam
Porém, seus olhos negavam
O que seus lábios me exigiam.
Você que é tão quente como o sol de verão,
Mostre-me como não suicidar-me
No mistério deleitoso de seu corpo,
Mostre-me como lembrar
Dos instantes precisos em que me apaixonei por você.
...
Depois de um tempo eu cheguei a reproduzir aquele quadro, entretanto, não havia mais nada de mim nele.
Havia mastigado demais aquele sentimento, agora eu tentava superar a paisagem da esquerda inclinando o olhar para a direita. Não havia como ser o mesmo quadro, não era o rosto do quarto branco, era uma coisa que eu queria esconder a todo custo.
... De mim mesmo.
Mesmo sabendo disso, ainda assim mentia, e quanto mais mentia, mais sabia que, no fundo, nada jamais seria como era antes. O rosto no quadro sequer sorria mais. Somente me encarava como o alguém digno de pena que havia me tornado.
Perdido no sufocante daquela mansão, me vi encarando a falta de algo. Um propósito? Nunca me via perdido antes. Era simples; entrar na universidade de artes, conseguir um bom lugar no centro, nada extravagante, porém sutil, onde pudesse esticar os dedos, e ainda assim trabalhar duro. O lugar perfeito para reproduzir... aquele quadro? Então, era esse o problema?
Tempos depois, eu ainda tenho aquele quadro (o original), no mesmo lugar detrás do espelho. Minha ideia confusa de nunca abandoná-lo entusiasmava Patrick, que sentado contra a luz que surgia suave entre as cortinas, me observava reproduzi-lo uma trigésima vez, tão obcecado por seus escritos quanto eu seria com meus pincéis.
Enfim, é óbvio agora pra mim o quanto eu procurava encontrar em outras retinas o que a luz parecia ter cegado. Simplesmente não podia olhar diretamente para ela novamente. Fugir de sua própria sombra deveria ser assim.
No silêncio do meu novo mundo, tudo que deveria existir era um artista procurando reproduzir algo digno de beleza. Porém, apenas acabei assustado, e esclarecido demais para notar que, não era apenas o meu egoísmo falando. Pela primeira vez.
Quando silenciei; para tentar dissipar a neblina inquietante que tomava todos os meus atos, aquela mesma certeza, ou dúvida, vinha brotando, rastejando pelas paredes, sobressaltando-me nas noites confusas onde meu nariz não eram o suficiente para respirar, tocando pelos pés, até o meu peito, como uma estranha sensação de dominação interior, lenta e vagarosa como se caminhasse pensante pelos dias.
Dias de correria, dias estranhos, observando a busca pela inspiração, pelo movimento perfeito, sem encenar uma emoção. Porém, o que aconteceria depois de tê-lo nas minhas mãos novamente?
Estávamos num empasse, a cada segundo, a cada encarada, era inegável o poder que tinha sobre mim. Novamente...
Um poder entregado de bandeja.
Podia fugir, entretanto. Claro que podia.... Não é ? Conclui, num riso vergonhoso. Então, fugi como um rato a procura de tocas, experimentando cada uma delas. Fugi dele atrás das costas de Michael, até mesmo atrás daquele quadro. De costas, talvez por isso não vi quando de fato, chegou.
E ah, não foi sutil como seus olhares azuis, veio num golpe, como derrubar o pincel no assoalho, chocado, sem ver mais nada ao redor, enfim, a certeza germinou, azul e macia.
A certeza do que um dia eu soube, que nós sabemos, naquele pôr do sol, e muito antes, antes do antes, antes de notar que o mundo poderia ser caloroso e risonho, eu já havia perdido.
O exato instante dos olhos fixos em mim, enquanto eu tentava reconhecer meu próprio semblante num azul distinto. Patrick rastejara até mim, estranho, sonolento, sem saber bem como posar, "posso sorrir?", então mexia os ombros, "que tal assim?". Eu não me importo, apenas fique quieto. Apertava o pincel nos dedos, o nariz e o queixo, a paciência inflando até...
Vê-lo. Tão ridículo. Quero dizer, como podia ser tão míope? Mas falo sério.
Num instante, a galeria desapareceu diante de mim, um estalo e... eu era o outro, e ele também, perto e longe de mim, distinto do que eu o desenhava, e o seu corpo... era uma descoberta assustadora.
Existe um momento que, como ser humano, você descobre a existência do corpo. Não só do seu corpo, mas justamente que existe "outros".
É como um sonho, em que, em vez do próprio rosto, você se vê, como outro alguém. Pode ser qualquer pessoa, inclusive... seu melhor amigo. Então você quer tocar, e não pensa em aquecer-se ou proteger, você quer possuí-lo. Apalpar os cantos, a massa, sentir o que de tão inconstante e indomável há naquela criatura. Isso é normal, geralmente. Mas eu não soube entender, a princípio, porque tinha que ser Patrick, e afastava aqueles sonhos e imagens, tentando desmembrá-los e montá-los como um objeto selvagem, um desconhecido perverso que eu nunca poderia invadir. Seus pensamentos... era meu limite.
Bastasse olhar, seus movimentos, seu pensamento, ele estava sempre tão entregue e amostra, não me julguem por querer jogar com ele. Mas não, não fui eu quem iniciou o jogo. Voltemos ao passado, as suas mãos livres, seus dedos agarrados no meu calcanhar, de verdade, quem era o desesperado?
Negava, tão intensamente negaria.
Negações eram boas, sim, a princípio, eu havia conseguido sobreviver muito tempo com elas.
Quem se importaria, afinal, com as indagações repentinas de seu próprio corpo? Ser jovem significa sentir-se. Patrick uma vez o disse. Sentir-se a as vezes, usar os outros para isso, para fazer coisas que você não pode fazer, como abrir a concha com os dedos, e sugar até o mais fundo que seus lábios podem alcançar. Você geralmente só chega a borda. Dizia indiferente, deleitando-se com uma taça de vinho.
Imagino se Patrick tivesse me dito isso naquela época, o que eu poderia ter tido coragem de fazer.
Fitando aquele sorriso quente, pela primeira vez, eu duvidei de mim mesmo, fitando a tela borrada e inconstante, tão límpido como o mar azul de seus orbes quietos, a dúvida desnudou imoral como seus anseios; Eu estava me apaixonando por Patrick Kennedy.
Estávamos na galeria e eu simplesmente joguei aquele pincel como uma verdade dura demais. Me virei, lavei as mãos, em choque. Percebi que naquela sala, nós dois nós tornamos pequenos. Michael me cutucava, com seu sarcasmo tímido, repetindo qualquer coisa sobre uma fila. Não havia filas, somente pilhas de medo. "Do que diabos você está falando?", acho que nunca tive muita paciência com ele. Foi o primeiro a me dizer para parar de injetar-me tantas mentiras, para parar de fugir e assumir a derrota.
Penso se Patrick conseguiu ver as palavras subentendidas, gravadas no meu sorriso frouxo.
Nossos reflexos que não se olhavam, não se permitiam invadir, apenas contemplando o mistério que o outro representava, andando sempre atrás dos ombros. Aquele olhar que percorria entre pena e admiração. Depois de ter aceitado aquela resposta, não raramente me vi ignorando-o.
O medo e a ansiedade me impediam de raciocinar claramente, então eu fiz o que sempre fazia quando me sentia incapaz de encarar qualquer incerteza: voltei para aquele quarto novamente. Eu era só um garoto. Não havia maneira possivelmente saudável na minha mente de lidar com aquilo. O inverno mal começava, e não seria nada agradável.
Havia algo realmente importante, cheio de ego, desejo por vitória e uma casca grossa de egoísmo. Todos nós temos ou tivemos algo assim.
Foi imprescindível nos afastar, apesar de não ter sido a única razão, é óbvio, para Patrick o meu ego deve ter refletido alguma coisa muito menos pior.
Michael me conhecia, de uma forma grosseira, serpenteando por ambiguidades, e até infantil, um jeito estranho de me ver como um tipo de projeto pessoal.
Ah, não, ninguém escolhe alguém assim para ser seu confidente.
Tudo o que ele descobriu foi sozinho, com os próprios olhos e ouvidos. E acho que foi mais chocante pra ele do que pra mim.
Enquanto bebiamos, numa festa de Patrick, veio no meu ouvido me perguntar, casual como quem te pede as horas: "Por que ele?".
Quase um subtendido "Por que um cara? Um cara? Você?", e logo em seguida, a noite derreteria todas as hipocrisias e falsas moralidades, quem diria; que ironia bela, estaria forçando sua língua na minha garganta.
Risível. Os dois, ambos, hilariantes com nossas máscaras quebradiças.
Não foi por Mercedes. Ou só por Mercedes. E sim, o quão bem ele ficava com ela.
Patrick me impediu por tanto tempo de deleitar qualquer desejo que, Michael estava ali. Sua boca estava ali, suas mãos...
Então, quando acabou, o que me restou se não o vazio que nunca foi, de fato, preenchido?
Todo o futuro que eu havia construído, as noites em claro buscando mais e mais aquele reflexo... Uma parte do caminho já estava construída, só faltava afundar as duas mãos e então os pés, sentir o chão por debaixo da água, a areia farelenta, enxergar o porto e caminhar. Apenas caminhar. Estava tudo certo, bastasse trabalhar tão arduamente que nada no mundo poderia destruir aquela muralha, feita de tinta, pano e pincéis, mentiras, enganos e... medo. Eu queria apenas dormir, falando sério. Dinheiro fama, resistência...? Falhos sorrisos, honras momentâneas, como toques de lábios tão frios, tão gélidos, tão...
Desproporcionalmente diferente dos desejados.
Tão clichê. Podem rir, é pra rir mesmo. Buscando no alto da montanha algo além do vento passageiro e mórbido da solidão.
Podem rir, eu estou rindo. Naquela época, eu não queria imaginar que existia algo fora do mundo de cartas de papel que eu havia construído. Para o que eu realmente deveria proteger, eu apenas acenei com indiferença.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro