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Cᴀᴘɪᴛᴜʟᴏ ᴇsᴘᴇᴄɪᴀʟ ᴅᴀ Rᴀǫᴜᴇʟ.
𝑅𝑎𝑞𝑢𝑒𝑙.
Muitos dizem ser fracos, e lamentam a toda hora os erros do passado e coisas que não podem ser mudadas. Todavia, a verdade é que de aguentarem até chegar ao ponto de dizer: "Eu sou fraco, não aguento mais", já é prova suficiente de que a pessoa aguentou tanto, que nem percebeu.
Sua capacidade já ultrapassou e ainda continua aguentando.
Fui covarde eu admito, cruel e egoísta. Quando meus pais morreram, foi tão doloroso e sufocante que não consegui aguentar de pé. Deixei a dor me tornar fraca, tornando-me uma fugitiva medrosa.
E soltando da mão dela quanto mais precisava. Me arrependo.
Um dos seguranças do meu pai foi responsável por ajudar na "fuga", e esteve comigo até pouco antes que voltei.
Passei muita dificuldade e pensei em largar tudo para o alto e tacar o foda-se. Mas não seria covarde novamente. Ergui a cabeça e me reergui das cinzas do que um dia fui.
Toda a inocência e ingenuidade foi por água abaixo. Roubei para não passar fome, roubei para ter o que vestir — invadi casas para dormir e foi manipulada por diversas formas... Ele me manipulou, fazendo com que fizesse o trabalho sujo enquanto ficava com o rabo sentado o dia todo.
Quase foi morta uma vez por um carpinteiro. Tenho cicatrizes das corridas desesperadas que fazia quando roubava algo e era pega.
Vou contar tudo isto à minha irmã, ser sincera.
— Podemos conversar? — Chamo sua atenção tocando no braço direito sutilmente. A loira submersa nos próprios pensamentos se volta pra mim, inexpressiva.
— Se for sobre o Lucien e a discussão...
— É sobre mim. — Sento à sua frente no gramado sob o céu acinzentado.
Violet apenas se cala. Não pretende questionar se é verdade o que o namorado disse sobre mim.
— Vou contar do início sobre o tempo em que estive longe. — Tomo coragem o suficiente para prosseguir.
Minha irmã presta atenção silenciosa. Os olhos viram um nevoeiro misterioso. A qual ninguém quer adentrar e explorar profundamente.
— Naquela noite, foi Paulo quem me ajudou... Levou até a estação de trem, depois para a rodoviária e seguimos para o Maranhão. Não deve ter percebido ao amanhecer por estar chateada com minha partida. — Me refiro ao fato de Paulo ter desaparecido também.
As lembranças daqueles dias invadem minha mente com toda força.
Dolorosas.
— Eu era imatura, estava confusa, com medo. — A garganta arranha pra continuar contando.
O céu parece escurecer cada vez mais e as nuvens se fecharem sufocando meus sentidos.
Tenho que continuar. Manter a determinação e contar tudo.
— Ficamos dias viajando, quando cheguei lá olhei para trás e pensei... O quê eu fiz. — Relembro o momento perfeitamente.
A angústia e medo de nunca mais ver minha irmã.
— Ele tinha dinheiro e eu peguei uma parte da mesada que guardei antes do acidente, mas logo acabou e estávamos à mercê da sorte... Paulo fazia de mim sua isca, como se eu fosse sua parente... Sua filha, manipulou tantas vezes que perdi a conta. — Odeio esta parte estúpida de mim que não me permitia ver... mesmo sendo muito nova na época.
— E depois? Por quê não voltou? Tinha medo dele? — Questiona curiosa. Envolvida pela história.
— Eu furtava, invadia casas e até cheguei a agredir pessoas, tudo pelos caprichos dele e sua preguiça de se esforçar para conquistar alguma coisa para nós dois. Até porquê ele comia e bebia e necessitava do mesmo que eu. — A dor invade meu peito feroz.
Violet suspira, abismada.
Levanto a camiseta branca e mostro a cicatriz na lateral do abdômen, na costela melhor dizendo.
— Tem várias outras, mas está foi quando estava pulando um muro com arame farpado. — Abaixo a camiseta novamente.
Isto assusta Violet.
Sempre foi sensível em relação à ferimentos e cicatrizes.
— Por quê Paulo não te abandonou, por quê tinha interesse em se manter do seu lado todo este tempo Raquel. — Não consegue encontrar a resposta dentro da própria mente.
Esta parte deixarei para outro dia. Ainda não estou preparada.
— Não quero falar sobre isto hoje... Paulo foi gentil até certo ponto e dizia não fazer por nenhum interesse mais afundo, e sim por gostar de mim, da minha companhia desde quando começou a trabalhar na casa. Acreditei que nutria algum sentimento por mim e auto-questionei se aquilo era ou não correto pela minha idade e imaturidade.
Levanto do gramado descruzando as pernas. Conversa encerrada.
Pelos olhos dela ainda há dúvidas, mas não faz objeção e nem as coloca sob a roda. Respeitando meu despreparo para falar do restante.
Unai e eu combinamos de jantar juntos... Na verdade ele me convidou e eu aceitei.
Um homem educado e gentil que pisa em ovos comigo. Faz tudo que pode para me tratar bem. Não sinto desconforto com sua presença.
O local é bem agradável e arejado. As luzes dão contraste aos sofás encostados nas paredes azuis contendo mesas no meio e as paredes coloridas numa boa combinação.
A movimentação não é muita também.
— Gostei do lugar — digo olhando tudo ao redor de nós dois.
Unai sorri contente. Mantém os olhos escuros em mim. — A expressão neutra.
— As coisas na empresa não andam bem. — Arranjo algum assunto para falar. Não estou muito apta pra dialogar no momento.
— Não vamos falar de trabalho Raquel. — Unai se inclina um pouco para frente sobre a mesa de madeira.
— Então, pode me contar mais sobre você... Até agora só sei que é um ótimo profissional e confesso que a pessoa mais calma que já conheci. — Damos risada juntos aliviando a tensão.
O clima fica mais leve quando estou com ele. É como se meus problemas virassem só uma pontadinha de agulha.
Preciso de um amigo, alguém que me escute e compreenda... Não espero que concorde com todas as minhas atitudes, mas é bom ser escutada e aconselhada. Compartilhar este peso tão doloroso.
— Agradeço sua impressão sobre mim, só cumpro minhas funções... Já você, sabe muito bem lidar com situações delicadas como o protesto. — Seu tom é sedutor e envolvente, não quero desgrudar os olhos dele.
— Me diga... Como foi sua viagem? — Mudo o assunto após tomar um gole da água que pedi. Unai mexe as sobrancelhas, espontânea.
— Foi ótima, vi minha família e entre em contato com a natureza, a cultura do meu povo — Explica bem imerso na sensação que teve lá, posso ver em seus olhos de coruja.
— Qual o nome da sua tribo? — Pergunto interessada em explorar sua história.
Unai retorce o nariz, incomodado.
— O termo certo é povo, não me leve a mal... É que a desconstrução ainda não chegou em praticamente todo o país. — Unai está sendo gentil ao me explicar, pois realmente não sabia. A pergunta não foi intencionada a ofender.
— Certo... — pigarreo — Me conte, quais costumes vocês tem lá? Quero tanto saber, sempre quis viajar para Amazônia. — Vejo o garçom trazendo nossos pedido ao longe.
— Bom, tem muita coisa... Ficaria a noite toda contando e não seria suficiente, mas respondendo sua pergunta inicial, nós nos chamamos Umukomasã. — Sua dicção é perfeita, porém a palavra não entra muito bem na minha mente.
— Vocês tem divisões ou são uma parte territorial em conjunto? — Mal toco na minha comida, ansiosa pela resposta.
Conhecer culturas diferentes é uma das minhas grandes paixões, embora tenha pouco tempo para aproveitar o o que o mundo tem a me oferecer.
Unai se remexe na cadeira com um sorrisinho.
— Existem aproximadamente trinta divisões entre os Desana, entre chefes, rezadores, ajudantes e mestres de cerimônia. — Gesticula com a mão esquerda enquanto ajeita os talheres para comer.
— E de que divisão você faz parte? — O mundo à minha volta simplesmente sumiu.
Os olhos escuros dele parecem brilhar.
— Era rezador. — Sorri orgulhoso ao dizer, percebo agora que sua mão está sobre a minha ingenuamente.
— Imagino que tenham tantos animais lindos lá... Sou fascinada pela vontade de conhecer a fauna Amazonense. — Quase me sinto no próprio cenário extraordinário.
— Qual seu animal favorito. — Questiona enquanto corta um pedaço de tomate.
— A arara azul, é tão incrivelmente linda. — Este animal é o primeiro que conheceria se tivesse a oportunidade.
— E o seu? — Questiono deixando a conversa fluir como tem que ser.
Seu olhar é tão agradável e sincero que não consigo desvecilhar minhas írises esverdeadas dele.
E aí gente, gostaram do capítulo?
Logo mais vão saber mais sobre o Unai.
Shippam os dois?
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