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𝙻𝚞𝚌𝚒𝚎𝚗.
Já estou acordado, observando a imagem abatida no espelho do meu banheiro bem apertado.
Os azulejos num tom de bege escuro e com traços desenhados parecem ganhar vidas em formas estranhas... Fico olhando muito tempo, a fome está afetando minha imaginação.
Perdi alguns quilos durante este período desempregado.
Acredito que uns 10.
As olheiras profundas e a barba por fazer sob minha pele morena deixam um aspecto relaxado, não quero passar essa impressão.
Pego a gillette fechada sob a pia cinza e tiro a tampinha, vou fazer com espuma de barbear mesmo, por que se entrar no chuveiro a pressão pode cair e eu passar mal... E provavelmente vai levar dias até alguém vir ver o que aconteceu comigo e neste tempo já estarei dead.
A iluminação alaranjada da luz faz meus olhos doerem, mas vai assim mesmo.
Termino de raspar a barba que era um misto de loiro claro puxado para o ruivo e limpo o queixo com a toalha azul pendurada no suporte.
Caminho pelo corredor e entro no meu quarto, evito acender as luzes quando não está de noite para economizar.
Minhas condições não permitem o luxo de manter a luz acesa sem necessidade.
Agora tenho que esperar a chamada, meu celular tem um plano e por sorte o prazo para pagar se estende até uns dias a mais... Sorte.
Ficando sem Wi-Fi eu posso pelo menos usar a Internet do celular (que não é lá estas coisas, mas quebra o galho) para manter a atenção nas vagas de emprego e informações que chegam pelo e-mail.
Por enquanto nada relevante.
Não tenho redes sociais, só o básico que é o WhatsApp. Dei um celular usado para minha vó a alguns anos quando ainda tinha trabalho, para que ela pudesse entrar em contato ou comunicar qualquer coisa séria.
Tenho ela e alguns "amigos", que me mandam mensagem só quando eu recebo o seguro, obviamente por puro interesse. Quando eu preciso, por exemplo, agora — ninguém se prontifica a ajudar em nada, sequer perguntam se eu preciso de comida ou remédios para o meu pai (coisa que eles sabem claramente a resposta).
Procuro algo para enganar o estômago nas prateleiras da pequena geladeira e no armário castanho-avermelhado, só encontro formigas e teias de aranha... Achei um pacote de massa para tapioca e um pouco de leite condensado.
Não estão vencidos, então posso comer.
Abro a parte inferior do armário e pego uma frigideira velha, a coloco sob a chapinha do fogão e ligo no médio, formo a tapioca e ajeito com uma colher.
Acabei de ter uma ideia! Eu podia me candidatar para trabalhar em algum restaurante ou fast food, já que tenho habilitação para moto (vendi a minha a anos atrás por necessidade) não custa tentar. Não posso depender só da espera sobre o cargo da empresa Maldonado —, tenho que ter um plano B, C, e etc. Pode não dar certo.
Sem muitas alternativas.
Termino de modelar a tapioca e recheio com o leite condensado, coloco-a sob um prato e sento à mesa pequena de madeira pesada, mastigo devagar analisando as mensagens no e-mail.
Disseram que se aprovada minha candidatura, em breve estariam ligando para agendar a entrevista.
Espero que seja logo, o mais rápido possível.
Após comer a iguaria da culinária brasileira, mexo nos cabelos loiros escuros bagunçados e suspiro fundo. Estou com muito sono ainda.
Preciso me acostumar a acordar cedo. Isto exige esforço e responsabilidade é ter esforço... Ânimo.
Tri tri tri >>>
O celular toca e eu ligo o visor para atender.
Número desconhecido.
Provavelmente é uma oferta ou promoção banal — mas vou atender mesmo assim.
— Alô, quem fala?
— Bom dia, estou falando com Lucien Hernández? — Resmungo que sim.
— Senhor Lucien, você se candidatou a vaga de secretário pessoal, sou da Empresa Gaia Century. — As palavras se repetem vagarosamente na minha mente.
Gaia Century.
— Sim, sim, sou eu mesmo. — Tento não parecer exageradamente empolgado.
— Seu perfil nos chamou atenção, gostaria de vir fazer uma entrevista? Será às dezesseis horas hoje... No edifício...
— Sim! Eu estou à disposição. — Digo antes que a mulher educada continue falando.
— Ótimo, traga seus documentos pessoais e assim que chegar se identifique no saguão principal dizendo seu cargo de interesse e eles te encaminharão para a seleção. — Seleção, que seleção?
— Ok, eu só tenho uma dúvida.
— Pode dizer. — Respondo atenciosa e gentil.
— A seleção, serão feitos testes sobre os conhecimentos citados no currículo?
— Sim, creio que a senhora Maldonado e seus assistentes serão bem rígidos nos questionamentos. — O tom da mulher é bem específico, será que suspeita que eu não sei metade do que coloquei no currículo?
— Obrigado. — Agradeço e ela se despede, desligando.
O que vou fazer se perguntarem algo em inglês para mim? Ou usando os critérios que coloquei naquela droga de currículo falso?
Talvez tenha exagerado e não pensei nas consequências disto.
Mas se não fizesse tal coisa — poderia nunca ter sido chamado.
Um bom currículo garante oportunidades maiores. Conhecimento é importante. Amplia caminhos e abre portais.
12:30.
Vou procurar minha carteira para pôr os documentos... Capaz de perdê-los durante o percusso até a empresa.
Não fica longe, mas os bolsos podem rasgar e eles caírem no chão seria ruim o suficiente para tudo ir por água abaixo.
Por enquanto não irei avisar meu pai e minha avó, eles já estão muito preocupados por meu bem-estar e isso pode causar uma ansiedade ruim neles.
Colocar esperanças sobre algo ainda não concretizado e depois dar tudo errado é a maior decepção que alguém pode sofrer.
É como se a tal poderosa herdeira dos Maldonado fosse uma hipnotizadora, que faz as pessoas nem sequer tocarem seu nome... Tão estranho.
Nenhuma foto, nenhuma informação, nenhuma fofoca... Absolutamente nada.
Espero que seja agradável.
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15:20
Estou pronto, só preciso passar uma graxa nos sapatos.
Os documentos em ordem no bolso e a aparência estão nos conformes para uma boa apresentação.
Agora é hora de ir.
Minutos depois.
Adentro o grande saguão (entrada principal) do edifício e vejo a movimentação compreensível entre os muitos candidatos, a maioria são homens.
Vou até o balcão de atendimento e aguardo a recepcionista com uniforme da empresa terminar de atender o telefone.
— Boa tarde, sou Lucien Hernández, vim pela vaga de secretário. — Faço menção para tirar os documentos do bolso, mas ela insinua que não é necessário.
A mulher de cabelos pretos curtos e levemente ondulados mexe no mouse do computador acima do balcão à sua frente.
— Se junte à fila dos candidatos, senhor, é só aguardar que serão chamados pelo nome. — Um sorriso gentil se forma nos lábios pintados num vermelho intenso dela.
— Ah! Não entre com nenhum pertence desnecessário na sala da Senhorita. Maldonado. — Avisa antes que eu me coloco a caminhar em direção a fila no canto da parede do outro lado.
Os olhos, cor ébano da recepcionista me encararam por segundos muito mais longos do que parecem e eu me despeço sem jeito.
A fila está bem grande, e todos de pé — pois não tem lugar para sentar aqui.
Não dá para contar ao certo quantos tem aqui, mas todos parecem bem interessados e qualificados... diferentes de mim, são homens elegantes e preparados.
Com um ar de superioridade invisível.
Sinto uma onda negativa sob meus ombros, mas preciso tentar.
O grande saguão, em maior parte branco, se encontra até vazio demais, sem contar os candidatos a vaga na fila e os funcionários, têm seguranças aqui próximo à entrada e um arco especial para revista, identificar objetos de metal... Nunca se sabe quando alguém entrará com uma arma.
Pensando bem, esta mulher não deve sair sem no mínimo uns quatro seguranças escoltando. Alguém provavelmente já deve ter tentando algo contra ela.
Tem alguns lustres bem elegantes aqui, são tão intensas as luzes que deixam quase alguém cego... O balcão da recepção é marrom e comum num formato arredondado, a direita tem outras salas e mais a fundo (atrás do balcão) um elevador.
À esquerda tem mais salas, e um banheiro feminino e um masculino, pouco à frente tem a escada rolante única que dá acesso ao corredor de cima que não se dá para ver muito.
— Lucien Hernández. — Olhando o lugar extremamente elegante e limpo, mal percebi a fila se desfazendo.
Avanço alguns passos e paro na frente da mulher bem vestida e jovem que tem uma prancheta e caneta em mãos a frente da sala de vidro escuro que está com a porta pouco aberta.
— Aguarde dois minutos que o último candidato já vai sair e a senhorita Maldonado te chamará. — Informa anotando algo na prancheta bege escura.
Apenas concordo em silêncio.
Dou uma olhada nas minhas roupas e estou apresentável o suficiente... Claro que não chegarei aos pés dos homens com seus ternos de no mínimo 500 reais, mas tenho um charme.
A ansiedade está fazendo meu corpo esquentar como uma fogueira.
Como será que é a tão misteriosa, Maldonado?
Será que é bonita? Será ela arrogante? Talvez tenha piedade da minha condição?
Continua...
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