01 ₂
Os cílios de Olivia deslizaram suavemente, cedendo ao despertar gradual de sua consciência.
A intensidade da luz invadiu sua percepção, instigando uma sensibilidade incômoda em seus olhos. Um leve franzir de sobrancelhas denotou seu desconforto, enquanto erguia a mão em um gesto instintivo para proteger-se da brilhante invasão, a fim de mitigar a cegante claridade que a envolvia.
Ela tentou levantar-se, contudo, o aguilhoante desconforto que permeava sua coluna e ventre ergueu-se como uma barreira intransponível.
Nesse instante, um par de mãos providencialmente pousou sobre seus ombros, gentilmente coibindo sua tentativa prematura de movimento, compelindo-a a recostar-se novamente. Uma cortina de névoa turvava sua visão, dificultando a identificação do benfeitor.
— Não faça muito esforço, por favor. Sua ferida ainda está recente, embora devidamente tratada — a voz feminina ecoou nos ouvidos de Olivia, ressoando com uma aura reconfortante.
Num esforço visível, ela conseguiu enfim discernir a identidade da interlocutora, contorcendo levemente os lábios em uma careta de surpresa e alívio.
— Abby? — indagou a mais jovem, enquanto, desconsiderando a angústia que a assolava, confiou seu peso aos ombros da outra, erguendo-se gradualmente, sustentando a coluna com uma firmeza determinada.
— Está se sentindo melhor? — perguntou a mais velha, enquanto se posicionava diante da improvisada maca em que Olivia repousava, cuidadosamente observando-a — Finn disse que você desmaiou logo após o impacto.
— Mas... eu pensei que você estivesse na nave Exodus — expressou Olivia, sua confusão refletida em uma testa enrugada, denotando sua perplexidade. Ainda sob o efeito do impacto, sua mente pairava entre a consciência e um estado ligeiramente turvo.
— Não estávamos.
Antes que Abby pudesse articular uma resposta, uma voz grave, tingida de rudeza, interveio, preenchendo o ambiente. Olivia reconheceu-a instantaneamente.
Um turbilhão de emoções a invadiu: um misto desconcertante de temor, surpresa e, paradoxalmente, até mesmo uma pontada de contentamento. Seu pai estava ali, presente. A mesma figura paterna pela qual havia passado uma noite inteira imersa em um sentimento doloroso de culpa e remorso por sua aparente indiferença. Ele estava ali, vivo.
— Olá, Olivia — foram suas palavras ao se aproximar da filha. Abby, por sua vez, dirigiu um suave sorriso à jovem antes de deixar o recinto, concedendo-lhes um momento a sós.
Os lábios de Olivia entreabriram-se repetidas vezes, num esforço mudo para encontrar as palavras que expressassem sua estupefação. Diante do inesperado desdobramento da situação, ela mal conseguia conceber a realidade daquele momento. A incredulidade a envolvia como uma névoa densa, obscurecendo seu raciocínio.
E, no ímpeto do silêncio que a assaltava, apenas uma única frase emergiu de seus lábios, refletindo o único pensamento que ecoava em sua mente.
— Eu... não morri, né? — questionou ela, os olhos dilatados em surpresa. Marcus, ao ouvir a inquirição da jovem, ergueu as sobrancelhas em uma expressão de perplexidade.
— Não, Olivia. Você não morreu — respondeu ele com serenidade — Abby planeja fechar o ferimento que você sofreu, mas preferiu aguardar sua plena consciência.
— Entendi — ela murmurou, um leve franzir de lábios adornando seu rosto enquanto buscava nos olhos distantes e imperturbáveis do mais velho alguma pista — Meus amigos estão aqui?
— Seus amigos? — ele indagou, arqueando uma das sobrancelhas, enquanto cruzava os braços deliberadamente.
— Clarke, Bellamy, Raven... — enumerou a jovem, mencionando alguns nomes, embora não todos. Kane simulou um breve momento de reflexão antes de assentir afirmativamente com a cabeça.
— Raven e Finn estão aqui — afirmou o mais velho.
— E os outros? — indagou ela.
— Olivia, estou com muitas responsabilidades no momento, está bem? Se quer saber onde eles estão, que tal ir procurá-los? — o homem esbravejou, soltando os próprios braços e permitindo que eles caíssem inertes ao longo de seu corpo.
Olivia franziu a testa diante do tom de voz do homem, mas optou por não questionar. Com um aceno de cabeça, ela consentiu silenciosamente enquanto o mais velho se virava para sair.
— Você poderia chamar a Abby, por favor? — ela solicitou, consciente de que a dor que experimentava naquele momento era eminentemente física.
— Vou verificar o que posso fazer — foi a única resposta do homem antes de sair do ambiente, sem sequer se virar.
Olivia soltou um suspiro profundo, como se estivesse exalando toda a tensão de seus pulmões. Desde sua chegada à Terra, ela nunca se sentiu verdadeiramente pertencente a algum lugar. Agora, com a presença de seu pai, essa sensação de inadequação se intensificava. Sentia-se não apenas pressionada, mas também julgada.
Não se passaram muitos minutos até que Abby retornasse, ostentando um sorriso amplo nos lábios, embora sua expressão denotasse nervosismo e preocupação com o desaparecimento de Clarke e dos outros.
A médica tratou rapidamente, mas com meticulosidade, o ferimento de Olivia. Apesar das instruções de Abby para evitar esforços, segundos após sua saída, Olivia não resistiu e se levantou da maca. Saindo da tenda improvisada onde estava alojada, a jovem desbravou o ambiente ao seu redor.
O sol escaldante fez arder os olhos da jovem, que prontamente baixou o olhar. Ao seu redor, vislumbrou crianças brincando, membros da guarda patrulhando incansavelmente e uma atmosfera vibrante de atividade entre os habitantes de Arkadia, que seguiam com suas vidas cotidianas.
Desafiando todos os conselhos de Abby, Olivia decidiu seguir até o local onde a mais velha indicara que encontraria Raven.
— Olá, princesa — Raven murmurou ao avistar a garota adentrando o recinto.
Finn estava ao lado de Raven, sua expressão carregada de aflição.
— Abby me disse que eu encontraria vocês aqui — Olivia sorriu de leve.
— Vejo que está se recuperando — Raven referiu-se à ferida de Olivia.
— Me recuperando? Ah, não — Olivia coçou a testa e sacudiu a cabeça — Abby mandou que eu ficasse descansando, mas assim que ela se afastou, eu saí correndo daquele lugar.
— Eu adoraria fazer o mesmo, mas parece que não consigo sequer andar — a expressão de Raven se contraiu no momento em que as palavras escaparam de sua boca.
Finn, ao lado dela, pigarreou, tentando dissipar a tensão no ambiente.
— Você tem alguma ideia de como Bellamy está? — o rapaz perguntou.
Olivia arqueou uma sobrancelha ao lembrar que Marcus não mencionara nada sobre Bellamy estar presente.
— Meu pai só me disse que vocês estavam aqui, não se deu ao trabalho de mencionar o resto — a morena falou, contraindo os lábios ao final.
— Parece que seu pai está se autoproclamando chanceler dos Arkadianos — Raven resmungou, revirando os olhos.
Algumas palavras simples foram trocadas entre os três jovens antes que Olivia alegasse ter algo a fazer e se despedisse de Raven e Finn.
A determinação impulsionava os passos rápidos e firmes de Olivia pelo terreno que os Arkadianos haviam ocupado em questão de horas. Embora o desconforto persistisse em seu interior, ela se esforçava para ignorá-lo. Ao chegar ao seu destino, ergueu o dedo indicador e o pressionou contra um ombro específico.
Quando Marcus se virou, um suspiro escapou involuntariamente dos lábios do mais velho ao reconhecer quem o havia tocado. Olivia estava ali parada diante dele, os braços cruzados em determinação.
— Por que não me contou que Bellamy está aqui? — ela perguntou diretamente. A testa de Marcus se enrugou em confusão, incapaz de compreender o motivo da pergunta da garota.
— Por que está interessada em Bellamy? — Marcus perguntou, adotando um tom autoritário — Neste momento, não precisamos dele. E parece que ele não consegue agir como um ser humano civilizado.
Olivia levantou as sobrancelhas, surpresa com o que acabara de ouvir.
— Está brincando? Sem Bellamy, nem metade dos prisioneiros que vocês enviaram para morrer estariam vivos! — ela exclamou, apontando para seu pai no meio da frase.
— Olivia, modere o tom de sua voz! — o mais velho ordenou, abaixando rapidamente a mão da garota — E eu não me importo com o que aconteceu enquanto estávamos ausentes! Eu sou o chanceler, e você, mais do que ninguém, sabe que eu não tolero desrespeito. Eu não a ensinei a agir como um animal.
— Você não me ensinou a agir de forma alguma! — ela retrucou. Marcus admitia, no fundo de sua mente, que nunca tinha presenciado sua filha agir daquele jeito, e temia que a culpa fosse dele.
Marcus negou sutilmente com a cabeça e passou a mão pelos olhos. O homem estava ficando impaciente, sentindo que Olivia estava ultrapassando os limites com ele. Pelo menos, ele não estava mais acostumado com a personalidade da garota.
— Olivia, venha comigo — ele falou, virando-se de costas na direção da Arca.
Olivia juntou as sobrancelhas, mas optou por não questionar, apenas seguindo-o em silêncio. Os dois caminhavam pelos corredores gélidos, ladeados por guardas, em completo silêncio.
— Por que me trouxe aqui? — a mais nova perguntou quando Marcus parou de andar.
Eles estavam na parte mais próspera da antiga Arca, precisamente no local que consideravam como seu lar. Embora tudo parecesse diferente desde a última vez que a garota estivera ali, ainda era familiar. Olivia cresceu ali, embora não estivesse cercada por muitas pessoas.
— Não quero que esqueça suas origens, Olivia — ele afirmou, observando a garota passar por ele.
Olivia caminhava lentamente, observando as mínimas mudanças que Marcus havia implementado ali desde sua prisão. O ambiente já não parecia tão acolhedor como antes, mas ainda guardava vestígios das memórias de uma família que ela nunca pôde experimentar plenamente.
Agora, não restava nada além de desordem e um sabor amargo do estilo de vida imposto por seu pai.
Ela franziu a testa ao encontrar uma pequena caixa familiar. Estendeu a mão direita em direção à caixa e a pegou. Dentro, encontrou o colar que seu pai lhe havia dado em seu décimo sexto aniversário.
— Por que ainda não vi a vovó? — ela perguntou, sem se virar para olhar nos olhos de seu pai. Um silêncio pesado se instalou no local, ele não respondeu.
Olivia pegou o colar com delicadeza, soltando um singelo sorriso antes de voltar-se novamente para o homem. Agora, seu semblante estava sério.
— Sua avó faleceu, Olivia — ele falou diretamente, engolindo em seco. Talvez ele não soubesse lidar com esse tipo de notícia, ou talvez não soubesse lidar com a própria filha.
Olivia permaneceu em silêncio, agora fitando os olhos castanhos do mais velho com uma intensidade penetrante. Uma miríade de pensamentos tumultuavam sua mente, oferecendo diversas palavras que poderia dizer, porém nenhuma delas encontrou coragem para emergir de seus lábios.
— Se você quiser saber como... — o mais velho foi interrompido antes que pudesse continuar a falar.
— Eu não quero — respondeu ela, apertando os dedos contra a corrente gelada que repousava em sua palma, antes de rapidamente guardá-la no bolso de sua calça jeans — Acho que vou sair para respirar um pouco de ar fresco.
— Não — Marcus segurou um dos braços da garota quando ela tentou passar por ele. Com uma certa firmeza, ele empurrou Olivia pelo braço, fazendo-a recuar para o mesmo lugar onde estava — Quero que fique aqui.
— Não é como se isso fosse um problema meu — a garota deu de ombros, mantendo-se firme mesmo quando seu pai deu dois passos para trás — O que está fazendo?
— Mantendo você segura de si mesma — ele falou.
Olivia não compreendeu de imediato, mas seus olhos se arregalaram quando, em passos largos e surpreendentemente rápidos, Marcus saiu do cômodo em que estavam e fechou a porta com violência, deixando Olivia lá dentro.
— Ei! — ela exclamou, correndo até a porta. Tentou de todas as formas abri-la, mas percebeu que estava trancada ali. Seu coração pulsava com intensidade enquanto a realidade da situação se instalava em sua mente.
— Eu voltarei amanhã. Talvez uma noite aqui a faça repensar suas atitudes! — ecoou a voz rouca e arrogante de seu pai do lado de fora, ressoando com determinação — Você já passou por isso antes, já está acostumada.
Olivia estava tomada por uma fúria avassaladora, incapaz de expressar em palavras a intensidade de sua raiva naquele momento. Um soco foi desferido contra a porta de metal, e não demorou muito para que as costas da garota deslizassem pela superfície fria, até que ela se sentasse encostada na mesma.
— Você não resistiria nem mesmo por uma hora no inferno que você mesmo criou para mim! — exclamou ela em voz alta, consciente de que suas palavras poderiam ser ouvidas do lado de fora, embora não tivesse certeza se ele ainda estava presente.
Em menos de um dia, sua vida havia sofrido uma transformação radical, mais uma vez. Ela contemplava a ideia de que talvez devesse começar a se habituar com mudanças, pois elas ocorriam com uma frequência maior do que ela imaginava no passado.
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