Capítulo 29. Jardim
Terra, chuva, frio. Precisei tocar o chão repetidas vezes, até colidir com duas portas pesadas de madeira lisa. Girei a maçaneta e as abri me jogando para frente e tocando o piso frio.
— Senhorita! Meu deus! Você está encharcada! — Alguém disse, uma voz desesperadamente preocupada.
— Não. Fique bem aí. — Pedi, sem saber de onde ela vinha. Me levantei e procurei em volta.
Não via nada além da completa imensidão obscura. Tentei controlar a respiração, mas o frio estava me fazendo ofegar.
— Toalhas, busquem toalhas e roupas secas! — Mandou, olhei em volta, mesmo com algo cobrindo meus olhos.
Ouvi um relâmpago quebrando no céu, a casa era grande, mas neste ponto já estava próxima o suficiente. Segui em frente, cruzei um longo corredor e parei em frente a uma porta, a abri. Outro relâmpago cortou o céu.
— Não foi tão difícil, foi? — Ele disse, me aproximei, passei direto por ele e estendi a mão na direção do berço. — Está pingando, vai deixá-la doente.
— Quero sentir ela. Eu mereço isso. — Pedi, ele não respondeu, estendi a mão na sua direção nas hesitei. — Quando poderei vê-la?
Dei as costas para o berço, ele foi até a porta, o ouvi perambular em silêncio. Quando dei o primeiro passo, ouvi minha filha resmungar. Ela já havia me visto, estava sentindo minha falta.
— Ela sente sua falta. — Ele disse impressionado com a percepção da criança, cerrei os punhos. — Espero que entenda. Para o bem dela, precisa lidar com o verme primeiro.
— Quanto tempo vai demorar?
— Vai depender da sua capacidade. — Ele me deu um ultimato e deixou o quarto, me virei para o berço.
— Não se preocupe Namie. Vou me esforçar para retirar este inseto o quanto antes. — Sussurrei, outro relâmpago quebrou no céu.
— Me deixe vê-la Kaori. — Geto disse ao meu lado. Depois que lhe retirei a visão, sua voz continuou surgindo na minha cabeça. Hanami começou a chorar, segurei na borda do berço com tanta força que quase quebrei a madeira com minhas próprias mãos.
— Eu vou te matar. Vou trazê-lo de volta. — Afirmei, o ouvi rir bem atrás de mim. Quando me virei rapidamente, não senti mais sua presença.
Seis meses se passaram, Hanami estava começando a resmungar feito um bebê comum. Ela estava crescendo com saúde, e eu não estava vendo mas a sentia cada vez mais pesada. Os empregados de Gojo cuidaram de tudo, enquanto treinava ainda sem minha visão. Lutar contra algo dentro de mim, era mais difícil do que imaginava. Ao menos, consegui evoluir meus outros sentidos, e minha agilidade na luta com espadas ou bastões sem ver uma pessoa sequer.
Hanami completou seus nove meses, senti inveja por Gojo vê-la crescer. Mesmo diante de mim, mesmo tão perto, era algo que estava perdendo e que Kenjaku havia roubado de mim. Minha raiva por ele crescia cada vez mais... ao menos conseguia ouvi-la balbuciar algumas vezes, poucas palavras como "mama" ou "dada". Pensava em Satoru, acima de tudo. Ele não pôde nem vê-la nascer...
— Se esforce um pouco. — Gojo pediu, tentei sentir o verme dentro de mim, nada, era praticamente impossível.
Haviam apenas boatos do quê Kenjaku havia feito com o Gokumonkyou, a prisão que usou para conter Satoru. Mas nenhuma informação era verídica, Yuta confirmou-me durante suas missões. Yuji continuara foragido, Nobara ainda estava em coma, e Megumi sentia-se culpado por sobreviver à tudo isso.
— Porra. — Caí de joelhos no chão, o suor pingava formando uma poça sobre meus pés.
— Você é fraca.
— Fraca? Eu estou tentando. Não há vejo há meses! Não sei onde estamos há meses! Como posso ser fraca?! — Gritei, me levantei, neste ponto já conseguia mentalizar Gojo bem na minha frente.
— E funcionou muito bem. Ele ainda não nos encontrou não é? — Ele disse, suspirei. — Continue tentando.
Minha filha completou seu primeiro ano, um ano sem vê-la crescer... ou engatinhar, ou dar seu primeiro passo.
— Mamãe! — Ouvi, junto de seus passinhos curtos na minha direção. — Mamãe! Mãe! Mãe!
Me virei e abri os braços, ela me abraçou com força. Toquei seus cabelos e depois seu rostinho, ela tinha uma pele delicada.
— A mamãe está aqui. — Eu disse, e toquei seus ombrinhos, a levantei para sentir seu peso, era a única forma de saber o quanto ela cresceu.
— Papai.
— O-o que? — Hesitei, ela tocou minha orelha, depois o meu rosto, e a faixa em meus olhos. Segurei sua mão. — Você disse...
— Papai!
— Namie. O papai... não está aqui. — A coloquei no chão, ela puxou minha mão e me guiou.
Senti uma barreira de energia amaldiçoada surgir em volta de mim, segurei sua mão com firmeza.
— Namie. O-o que você... — Me agachei, ela puxou minha faixa com facilidade. Senti incômodo ao primeiro contato, a luz quase me deixou cega. — O-onde nós...
Me vi nos meus sonhos, era o mesmo jardim de cerejeiras em que me encontrei com aquela garota. A lembrança me veio rapidamente, e então, quando olhei para Hanami, notei sua semelhança com aquela garota. Ela era... minha filha.
— E-era você? — Franzi o cenho, ela saiu correndo. Prambulando com suas perninhas curtas, seu cabelo platinado pulava em pequenas ondinhas. A segurei no lugar, ela riu e apontou para uma fonte no fim do jardim.
— Papai! — Continuou apontando, senti meu rosto ferver, meus olhos começaram a lacrimejar.
— O papai não está lá amor. — Olhei em volta, o jardim era tão pacífico.
— Papai! — Ela me puxou, a acompanhei até a fonte.
— Eu me lembro. Mas. Não deveriam ter dois peixes? — Olhei para a água, havia apenas um peixe totalmente branco. Estendi minha mão na sua direção, a água se iluminou levando-me à outro lugar.
— Disse que seus pais não estavam em casa. — Satoru entrou no meu quarto e olhou em volta, suspirei e me joguei na cama.
De repente, me vi em meu quarto outra vez, quando ainda éramos adolescentes. Era uma memória.
— É, não estão. Mas você não devia estar aqui. — Resmunguei, notei que ele parecia observar demais. — O que foi? Não é o que esperava do meu quarto?
— Seu quarto é arrumado demais, não combina com a sua personalidade. — Brincou, arremessei uma almofada, ele a pegou no ar e se jogou na minha cama.
— O que está fazendo?! Eles podem chegar a qualquer momento! Satoru, vai embora! Agora! — O empurrei, ele colocou a almofada atrás da cabeça e fechou os olhos.
— Pensei que este fosse justamente o nosso acordo. Vai deixá-los doidinhos. — Ele riu, puxei seus ombros e o empurrei.
— Não. Não aqui. Meu pai vai te matar!
— Relaxa. Eu sou Satoru Gojo. — Ele sentou, seus cabelos caíram sobre os olhos como uma franja. — Sou mais forte que aquele velhote.
— Argh. Esquece! Exibido. — Resmunguei, ele virou a cabeça e apontou para mim.
— Espera. Está com medo? Não quer que eu me machuque? — Me perguntou, corei, dei as costas.
— Eu disse esquece! Saí do meu quarto!
— Ta legal! Ta legal! Eu saio... — Ele levantou e andou pelo quarto com as mãos para cima. — Se... me der uma beijo.
— O quê?! Não! Esquece!
— Vai, só um beijinho. — Ele se inclinou sobre a cama e ficou diante de mim, senti minhas bochechas vermelhas feito tomate. Suspirei.
O tecido da cama cedeu e Satoru caiu por cima, nos deixando ainda mais próximos. Seus olhos me encararam tão profundamente que, mais alguns segundos encarando, fariam me afogar na imensidão do oceano azul cristalino herdado pela genética do clã Gojo.
Aquele dia mudou todos os meus planos, e por este mesmo motivo... não consegui dizer adeus. Foi um dos motivos pelo qual pedi para Geto apenas dizer à ele que eu estava morta. Porque se Satoru viesse atrás de mim, ele iria me convencer a voltar com apenas um olhar.
Foi quando segurei o seu rosto e selei nossos lábios, não por um contrato estúpido, mas porque eu quis. Fiz parecer que foi apenas por obrigação, mas ambos sabíamos que eu não faria se não... quisesse.
— Ouviu isso? — Ele disse depois de me beijar, ficamos alguns segundos em silêncio. Ouvi a porta do carro bater.
— Meus pais! Vai, já fiz, agora vai! — Levantei e o empurrei, ele foi até a porta. — Não! Pela janela! Agora!
— Só mais um beijinho de despedida. — Ele brincou e esticou os lábios, empurrei sua cara.
— Cai fora!
— Ai, assim você me magoa.
O fechei para fora, ele desceu com facilidade e saiu com as mãos em seus bolsos andando estranhamente animado. Me virei e suspirei, dei um sorriso sozinha.
— Idiota.
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