
Narrativa em terceira pessoa (parte I)
☔ 𓏲 𝓕𝓪𝓲𝓻𝔂 𝓸𝓯 𝓢𝓱𝓪𝓶𝓹𝓸𝓸 ! ﹆
Escolher a voz narrativa que vai dar vida a nossa história pode ser um verdadeiro pesadelo para muitos escritores e, apesar de não parecer uma escolha tão crítica para alguns céticos — que pensam que o importante é que a história seja contada e não por quem ou como ela é contada — é, na realidade, uma das decisões mais importantes a serem tomadas na hora de começar um novo livro ou conto.
Quem conta a sua história é extremamente relevante, sim! E escolher com carinho a melhor narração possível pro seu livro pode fazer toda a diferença. Essa escolha, porém, vai muito além do que simplesmente decidir se a sua história tem como ponto de vista um narrador personagem (primeira pessoa) ou um narrador observador (terceira pessoa).
E como uma usuária assídua da narração em terceira pessoa, hoje eu decidi vir aqui te mostrar um leque de possibilidades dentro desse tipo de narração — e, com sorte, te ajudar a encontrar a voz perfeita para o seu novo projeto.
O narrador em terceira pessoa é o queridinho de muitos autores iniciantes e não é por menos: é uma voz extremamente versátil e amplamente utilizada por grandes nomes da literatura fantástica, como J.K. Rowling, Neil Gaiman, Stephen King e George R. R. Martin; donos de obras que influenciaram toda uma geração. Ela é perfeita tanto para livros com muitos personagens principais, quanto para livros com apenas um. E a boa notícia é que existem muitas formas de você utilizar ela!
「𝟏」 𝐄𝐬𝐜𝐨𝐥𝐡𝐞𝐧𝐝𝐨 𝐨 𝐧𝐚𝐫𝐫𝐚𝐝𝐨𝐫 𝐞𝐦 𝐭𝐞𝐫𝐜𝐞𝐢𝐫𝐚 𝐩𝐞𝐬𝐬𝐨𝐚
♒︎ A primeira coisa que você deve se perguntar ao escrever uma história em terceira pessoa é: "O quanto o meu narrador sabe sobre os meus personagens?" — ou melhor, o quanto você quer que seus leitores saibam e o quanto você quer deixar aberto a interpretação. Essa pergunta vai ser importante para definir qual dos três principais tipos de narrador em terceira pessoa encaixa melhor no que você quer para sua história. Isso porque o narrador em terceira pessoa pode variar em níveis de onisciência, que mudam de acordo com a proximidade da voz narrativa com os personagens.
Ficou confuso? Calma que você já vai entender tudo.
「𝟐」𝐎 𝐧𝐚𝐫𝐫𝐚𝐝𝐨𝐫 𝐨𝐛𝐣𝐞𝐭𝐢𝐯𝐨
♒︎ O narrador objetivo é um narrador que está o mais distante possível dos personagens e não tem qualquer conhecimento sobre os seus pensamentos ou emoções. Pense nele como um voyeur, bem longe, apenas observando tudo.
Esse narrador se limita em descrever os eventos da história — e o que se passa na mente das pessoas dentro dela tem que ser interpretado pelo leitor a partir de reações visíveis e falas dos personagens. Por exemplo, numa história com esse tipo de narração, um autor não escreveria "Marcos lhe deu um beijo na bochecha e Letícia sentiu o rosto queimar de vergonha", ele escreveria algo como: "Marcos lhe deu um beijo na bochecha e o rosto de Letícia ficou vermelho como um pimentão".
Viu a diferença?
Podemos dizer, então, que esse narrador não é onisciente, porque ele só sabe aquilo que ele observa . Aqui a regra do "mostre, não conte" é muito importante, porque se você optar por esse tipo, não terá acesso à mente dos seus personagens para dizer como eles se sentem. A linguagem corporal e as falas (e a forma como elas são entregues) são um ponto-chave. Para que o leitor tenha uma boa experiência; a escolha certa de palavras é tudo.
Esse tipo de narração é interessante se você, por algum motivo, não quer se aprofundar no psicológico dos seus personagens, dando prioridade a outros elementos da história que acha mais importantes; ou se você pretende escrever um mistério em que as intenções do protagonista e secundários precisam estar ocultas, por exemplo.
Contudo, não é o tipo de narração mais indicado para quem pretende escrever um drama, tragédia ou outras histórias em que o contato com o psicológico dos personagens é importante. Para isso nós temos os dois tipos abaixo.
「3」𝐍𝐚𝐫𝐫𝐚𝐝𝐨𝐫 𝐎𝐧𝐢𝐬𝐜𝐢𝐞𝐧𝐭𝐞
♒︎ O narrador onisciente sabe tudo sobre a história e os personagens que a compõe. Ele pode entrar na mente de qualquer personagem a qualquer momento e caminhar livremente entre elas, expondo as sensações que estes estão experienciando e opiniões daqueles que desejar, em determinada cena ou capítulo, não estando preso a apenas um. Ele tem acesso a todos os psicológicos e a todas as informações. Usando o narrador onisciente, você tem a possibilidade de exibir as emoções e os pensamentos de diferentes personagens, sem a necessidade de uma mudança de capítulo para trocar o "ponto de vista".
Um exemplo de livro que faz uso dessa forma de narração é Orgulho e Preconceito da Jane Austen que, apesar de possuir apenas uma personagem principal, a Elizabeth Bennet, também dá aos leitores um acesso mais profundo a outros personagens que a cercam. Outros autores que fazem isso muito bem são Neil Gaiman e Terry Pratchett em Belas Maldições (Good Omens).
O narrador onisciente permite que o escritor explore múltiplas facetas dentro da história, entretanto, é preciso tomar cuidado para não "saltar" muito rapidamente entre muitos personagens em uma mesma cena, porque isso pode causar um efeito contrário, atrapalhando o leitor e fazendo com que ele perca a intimidade com o(s) personagem(s) foco dessa cena em questão. Uma dica, para não confundir seus leitores ao usar essa forma de narração, é tentar restringir o acesso do narrador ao consciente de apenas um ou dois personagens por cena.
「4」𝐍𝐚𝐫𝐫𝐚𝐝𝐨𝐫 𝐎𝐧𝐢𝐬𝐜𝐢𝐞𝐧𝐭𝐞 𝐋𝐢𝐦𝐢𝐭𝐚𝐝𝐨
♒︎ O narrador onisciente limitado se assemelha ao narrador onisciente quando estamos falando da proximidade com a mente dos personagens, mas com uma diferença importante: nesse tipo de narração, o narrador só tem acesso ao consciente de um personagem no livro todo ou, em alguns casos, um personagem por capítulo. Esse narrador sabe somente aquilo que o personagem foco sabe e está restrito aos seus pensamentos, emoções e experiências.
Esse é o tipo de narração empregado na série de livros Harry Potter da autora J.K. Rowling, por exemplo, onde o ponto de vista de terceira pessoa permanece próximo ao Harry o tempo todo. Em Deuses Americanos (Neil Gaiman) encontramos o mesmo caso, sendo empregada uma narração em terceira pessoa próxima e restrita ao consciente do Shadow Moon, o personagem principal. Nos livros das Crônicas de Gelo e Fogo, contudo, George R. R. Martin usa esse tipo de narração mudando o ponto de vista a cada capítulo ao trocar o personagem foco; então em alguns capítulos temos uma narração com proximidade restrita ao consciente de Sansa Stark e, em outros, temos uma narração com proximidade restrita ao consciente de Tyrion Lannister, por exemplo.
O ponto de vista em terceira pessoa limitada permite ao autor proporcionar, aos seus leitores, uma experiência mais íntima com os personagens, além de limitar a perspectiva, controlando quais informações os leitores sabem, já que eles são obrigados a caminhar junto ao personagem principal do livro (ou ao principal daquele capítulo).
Esse tipo de narrador vai variar, porém, no nível de onisciência que possui. Ele pode ser um narrador que apenas conta o que esses personagens estão pensando, utilizando termos como "ele pensou/ela pensou", mantendo ainda certa distância, ou estar tão próximo ao personagem que acaba se misturando com ele em alguns momentos. É como se o personagem se infiltrasse na narração. Um exemplo de narrador se mesclando ao personagem seria esse aqui:
"Amanda viu quando Carmélia saiu apressada pela portinhola, voou pela calçada e sumiu na esquina da rua. O que estaria aquela mocreia aprontando dessa vez?"
Quem acha que a Carmélia é uma mocreia? O narrador? Não, é a Amanda. Mas perceba aqui que não existe uso de aspas na pergunta e nenhum indicativo de uma narração externa, como "ela pensou". É como se Amanda dissesse isso através do narrador. Isso é um exemplo de um personagem que se infiltra na narração, um narrador que se mistura no personagem de tão próximo que está dele. Chamamos isso de discurso indireto livre e é um recurso que pode ser usado também no narrador onisciente que não é limitado.
O uso desse discurso proporciona ao leitor uma experiência similar ao da narrativa em primeira pessoa, mas ainda mantendo um ponto de vista em terceira — e é o máximo da proximidade a um personagem que um narrador em terceira pessoa pode alcançar, dando quase a intimidade de um livro narrado em primeira, dependendo da frequência em que você escolhe usar esse discurso.
Pronto! Agora que você já conhece os três principais tipos de narrador observador, nós saímos do básico e eu vou te mostrar algumas formas interessantes de brincar com esses tipos de narração... na Parte II desse guia.
↳ Mas, por hoje, para finalizar o nosso 101: nunca esquecer que na hora de escolher um narrador, é necessário você pensar se, para sua história, é interessante ou não que o leitor tenha acesso à mente dos personagens. E se sim, de quais personagens. Isso é importante, não só para ditar a proximidade do leitor com as pessoas dentro do seu mundo fictício, como para influenciar diretamente a percepção dele sobre a sua história. Essa é a escolha que vale um milhão.
Espero muito que vocês tenham gostado dessa parte, mas segura que eu já volto.
Beijinhos e até mais.
꒱࿐♡ ˚.*ೃ Espero que tenham gostado e até a próxima!
☔ 𓏲 𝓕𝓪𝓲𝓻𝔂 𝓸𝓯 𝓢𝓱𝓪𝓶𝓹𝓸𝓸 ! ﹆
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro