³⁸|Olhe à sua volta
A casa que estou olhando agora certamente já foi bonita antes, mas hoje está em óbvia deterioração. As tábuas de madeira que compõem a estrutura parecem desgastadas e algumas estão visivelmente apodrecidas. A varanda da frente está em ruínas, com tábuas soltas e uma estrutura que parece instável. A pintura da fachada está desbotada e descascada, revelando as marcas do tempo e dos elementos. O gramado, que um dia deve ter sido bem cuidado, agora está tomado por ervas daninhas e tem grandes áreas com grama morta.
Cerrando os dentes, tento imaginar como foi para Dean crescer aqui. Eu me orgulho de ter tido um bom lar e pais que me mantiveram seguro em uma casa boa. Obviamente não foi o mesmo que a mãe do Dean fez.
Descendo de Bessie, trago minha pasta comigo enquanto passo pelo jardim que já viu dias melhores e pelas escadas com tábuas não muito confiáveis.
Toco a campainha e depois confiro o relógio em meu pulso. Oito e trinta e seis. Achei que seria uma horário apropriado, mas pela demora de abrirem a porta, posso ter julgado errado.
Bem, que se foda, não estou indo embora sem fazer o que vim fazer aqui.
Dou várias batidas na porta. Paro apenas porque sinto que posso derrubar a porta se continuar batendo, mas também porque ouço passos vindo de dentro da casa.
Quando a porta é aberta, deparo-me com uma mulher negra, de olhos vermelhos e cansados. Ela é muito magra para o seu hobby, e parece mais velha do que os seus trinta e nove anos. Conheço essa aparência. Eu já estive lá.
Talvez seja por isso que a raiva que nutri por essa mulher não me atinge de imediato. Até alguns meses atrás, eu não era muito diferente dela, mergulhado no álcool e nas drogas.
— Bateu na porta errada. — Renée Barnes – ela ainda usa o nome do marido falecido –, tenta fechar a porta de volta, mas a impeço com as minhas palavras.
— Sou amigo do seu filho.
Ela para, mantendo a porta entreaberta enquanto me encara pela fresta.
— O que você sabe sobre o meu filho?
— Ele está na casa dos meus pais.
Renée abre de vez a porta novamente, seu olhar desconfiado me perfurando.
— Por quê? O que está fazendo com meu filho? Você é da assistência social?
— Sim, ele está bem. Não. Não, sou da assistência social. Mas vim falar sobre o futuro do seu filho. Posso entrar?
A mulher ainda está hesitante, mas concede um espaço para que eu passe.
Ao entrar na casa, sou recebido por paredes manchadas de umidade e descascados de tinta, revelando a deterioração subjacente. O chão de madeira range a cada passo que dou até a sala, mostrando os sinais de desgaste. As duas janelas estão quebradas e cobertas de sujeira, permitindo apenas uma fraca filtragem de luz. A pouca mobília presente está em um estado de considerável desgaste, com estofados desbotados e rasgados. Há uma escada para o andar de cima e não posso ver muito da cozinha, além de embalagens de comida e paredes com o mesmo problema que as da sala.
Ocupo um lugar no sofá e espero Renée sentar numa cadeira à minha frente.
Olho em volta.
— Seu namorado não está?
Ela se mexe desconfortável na cadeira, ajustando seu hobby. Noto que, apesar do desgaste físico causado pelos vícios, Renée deve ter sido uma mulher elegante um dia, pela forma como ela se porta, como se nem o vício tivesse conseguido tirar isso dela.
— Não. Abel está… procurando um emprego. — Nem ela mesma acredita nessa mentira. — Você disse que sabe onde o meu filho está. O que você quer?
— Quero a custódia dele.
Por um segundo, Renée não tem reação. Depois, uma carranca surge em seu rosto.
— Como é que é? Eu jamais daria a custódia do meu filho a um estranho. Isso é algum tipo de chantagem? Você nem mesmo me disse seu nome!
— Khalil Blackburn. Pode pesquisar sobre mim na internet.
— Você parece um homem importante. Não entendo o que você quer com o meu filho.
— Você está certa. Sou um homem importante e serei breve quanto às minhas intenções porque tenho uma empresa para dirigir. — Faço uma pausa, dizendo a mim mesmo que tenho que me acalmar. — Conheci o seu filho em um beco quando seu namorado estava prestes a agredi-lo. Eu ajudei Dean e ele tem estado com a minha família desde então. — Observo-a engolir em seco, desviando o olhar. — Dean me contou das outras agressões que sofreu nesta casa. E que você sabia.
— Abel pode ser um pouco temperamental.
Rio sem humor. Eu vim decidido a ouvi-la primeiro antes de julgar, mas com essa simples frase ela mostrou que está do lado do namorado.
Ou muito fundo no poço para ajudar seu filho.
Aperto a ponta do meu nariz, suspirando e depois entrelaço minhas mão.
— Aqui está minha proposta, Sra Barnes: darei uma ajuda financeira a você todo mês até o Dean ter dezoito anos e, em troca, você assina um documento que autoriza que eu tome decisões em relação à educação, saúde e bem-estar do Dean, sem a necessidade de um envolvimento com o judicial. — Tiro da minha pasta o documento, colocando-o em cima da mesa junto com uma caneta e cinco maços de notas. — Aqui tem cinquenta mil.
Os olhos de Renée se detém no dinheiro por um momento antes de ela levantar, olhando para mim furiosa. Todo o seu corpo está tenso e suas mãos estão cerradas ao lado do corpo.
— Como você ousa?! Eu jamais venderia um meu filho! — esbraveja, então aponta para a porta da frente. — Vá! Saia daqui e leve seu dinheiro sujo com você. E traga o meu filho de volta. Ou irei até a polícia e denunciarei você por sequestro.
— Olhe a sua volta, Renée — peço calmamente, sem me intimidar com a sua explosão. — Você acha que ele estará melhor aqui?
— Ele é meu filho!
— E você não o protegeu! — explodo de volta. — Sim, você é a mãe dele. O colocou no mundo e criou ele sozinha quando seu marido morreu, mas você também desistiu, Renée. E Dean merece mais do que uma mãe que escolha a bebida e o álcool em vez dele.
— Você não sabe de nada. — Todo seu corpo começa a tremer e lágrimas deixam seus olhos castanhos iguais aos do filho. — Acha que pode vir aqui, vestindo seu terno caro, cheirando a riqueza, e me dizer como devo criar meu filho?
— Tudo o que eu sei, é que Dean é um garoto brilhante. Ele é inteligente e cheio de sonhos. E ele não te odeia. Todas as vezes que ele fala de você, é com carinho. Porque ele é bom, Renée. Ele sabe que não foi fácil para você criá-lo. — Enquanto ela cai de volta na cadeira, chorando, continuo: — Sabe o que ele me disse? Que era melhor que Abel batesse nele do que em você. Ele só tem treze anos.
Eu não deveria ter pena dela, mas também não sou hipócrita. Não posso ser totalmente insensível a dor dela, o que me surpreende porque eu estava decidido a odiá-la.
— Eu estava tão cansada — vem seu sussurro, sua cabeça descansando em suas mãos. — Tão cansada de estar sempre sozinha. Eu tinha Dean, é verdade, mas ele é apenas uma criança. Então eu conheci Abel e as coisas apenas… saíram do controle.
— Eu entendo.
Ela ergue a cabeça para me encarar.
— Você tem filhos?
— Não. Sou alcoólatra em recuperação e ex-viciado. Eu entendo o sentimento de perder o controle… de ver a vida passar diante dos seus olhos com uma névoa. E quando você finalmente acordou, muita coisa tinha passado. Anos. Tantos aniversários e festas e momentos importantes com a sua família que você perdeu porque escolheu o fundo da garrafa e uma carreira de coca. — Faço uma pausa, mas as palavras continuam vindo sem nenhum controle. — Não sou muito melhor do que você nisso. A diferença é que tenho uma família que nunca desistiu de mim. Mas demorou anos para que eu aceitasse ajuda. Hoje faz sete meses, três dias e oito horas que eu estou sóbrio. Mas todo santo dia, eu desejo uma garrafa de vodka. E todo dia eu luto contra essa doença. Você pode não confiar muito mais em mim nesse momento para cuidar do seu filho agora que sabe disso, mas eu garanto que Dean está em boas mãos. Meus pais são boas pessoas, as melhores desse planeta, por isso Dean está com eles e não comigo. Ele está sendo bem alimentado e bem cuidado. Meu pai o ensina em casa por enquanto e minha mãe lhe ensina a cozinhar. Ele está seguro, Renée.
Depois de um momento absorvendo minhas palavras, ela pega o documento que pedi para o meu advogado preparar. É mais conhecido como "Delegação de Autoridade Parental". E como eu disse a Renée, ele me permitiria tomar decisões em relação à educação, saúde e bem-estar do Dean, sem que precisássemos levar isso ao tribunal. É totalmente legal. Claro, menos a parte do dinheiro, mas eu não poderia convencê-la apenas com as minhas boas intenções.
— Eu não posso… Não posso simplesmente desistir dele… de novo. — As mãos de Renée tremem e mais lágrimas molham suas bochechas.
Dou outra olhada na casa. Eu não prestei muita atenção nos portas-retratos, mas há alguns deles nas paredes. Dean está em todos. São claramente fotos tiradas antes de Renée se entregar de vez aos vícios. Eles pareciam felizes. Provavelmente são essas as lembranças que mantêm o amor de Dean pela mãe, inteiro. Ele com certeza gostaria que ela voltasse a ser o que era antes. Posso imaginar sua felicidade se sua mãe largasse as drogas e a bebida, se deixasse Abel, e voltasse a ser feliz outra vez com ele.
— Aprendi uma coisa recentemente — volto a falar, chamando sua atenção. — Não dá para ajudar quem não quer ser ajudado. Então vou perguntar apenas uma vez: você quer largar essa vida, voltar a ver o seu filho e ser uma mãe responsável?
O olhar de Renée encontra uma das fotografias, onde uma versão mais nova de Dean está sentado em seu colo, ambos sorrindo.
— Sim. Eu quero… quero tentar… por ele. — Ela fecha os olhos, estremecendo. — E por mim, porque eu quero ser uma boa mãe para ele outra vez. Eu quero ser digna de ser mãe dele.
Sinto um orgulho estranho por essa mulher que eu mal conheço, mas que tem algo em comum comigo: manter o bem estar daquele garoto.
— Você vai precisar de algumas malas.
☠️
Deixei Renée na mesma clínica de reabilitação que eu fiquei. Os profissionais de lá são excelentes e sei que cuidarão bem dela. Renée também assinou a Delegação de Autoridade Parental. Ela não pode cuidar de Dean enquanto estiver na reabilitação porque o tratamento dura três meses, no mínimo. Mas prometi que levarei Dean para visitá-la. Estamos indo com calma para não decepcionar o garoto. Se tudo der certo e Renée conseguir ficar limpa, lhe darei um trabalho aqui na empresa para que ela possa começar do zero.
Vim para a Blackburn Empire depois de deixar Renée na clínica, quase não chegando a tempo de uma reunião. Felizmente é apenas um "quase". Quando chego na sala de conferências, encontro ninguém menos que Kathryn, fazendo os últimos preparativos para a reunião.
Faz dois dias desde o casamento de Eros. Dois dias que minha comunicação com Kathryn tem sido estritamente profissional. Algo mudou desde que ela decidiu que deveríamos sair com outras pessoas. Era um assunto que eu já tinha dado como decidido até que ela trouxe à tona de novo. Eu não gostei nem um pouco disso. Mas eu não queria fazer uma cena no casamento do meu irmão, então aceitei. Péssima ideia. Precisei vê-la dançando com outros e não pude fazer nada.
Pior. Dois dias se passaram e as coisas entre nós só tem esfriado. Eu tenho esperado, no entanto. Já entendi que Kathryn gosta do seu próprio espaço, então darei mais alguns dias a ela, então, atacarei com tudo para que ela entenda que não existe espaço para outra pessoa entre nós. Tenho planejado ótimas maneiras de fazê-la entender isso.
Após a reunião acabar, venho para o meu escritório. Poucos minutos depois, o telefone em minha mesa toca.
— Sim?
— Harper Recklees está na linha. Devo transferir?
Penso por um momento, confuso com o que Harper possa querer comigo. Dançamos na festa, mas apenas porque Donna empurrou a garota para mim. Durante todos os trinta minutos que dançamos, ela só soube falar da namorada, o que tornou fácil suportar sua presença. Acabei levando-a embora depois que recebeu uma ligação da tal namorada, que disse que estava no hospital por causa de uma intoxicação alimentar. Eu fiz a cortesia de levá-la até o hospital e então fui para casa depois.
— Pode passar a ligação — aviso a Kathryn.
— Ok. — É apenas uma palavra, mas posso jurar que há algo diferente na sua voz.
Um segundo depois, a voz de Harper preenche meu ouvido.
— Khalil? É a Harper.
— Oi, Harper. No que posso ajudar você?
— Nada. Na verdade, só queria agradecer por ter me levado até o hospital. Só consegui ligar hoje, então, valeu.
— Não foi nada.
Depois de nos despedir, nós desligamos.
Perto do meio dia, resolvo sair mais cedo para almoçar com Dean, já que prometi isso a ele hoje de manhã. Fora do escritório, passo pela mesa de Kathryn, mas ela não está aqui. Não acho que ela tenha saído mais cedo, então é provável que esteja fazendo uma pausa para ir ao banheiro. De qualquer modo, decido deixar um bilhete avisando que saí.
Ela tem um bloco de notas e várias canetas, então uso isso para deixar o recado. Quando estou quase saindo, o celular de Kathryn, que está em sua mesa, vibra e a tela do celular acende. Meus olhos rapidamente lêem as mensagens na tela. Mensagens enviadas por Brody.
Ok!
Vou chegar do trabalho cedo, então às 20h está bom para mim também.
Você vai adorar o restaurante, Kate.
Vejo você mais tarde.
☠️
Sei que o capítulo foi pequeno, mas foi importante! Vou tentar postar outro domingo...
Eu disse que o negócio do Khalil saindo com outra ia ser explicado KAKAKAKAK
Enfim, o que acharam do Khalil ajudando a mãe do Dean? Espero que tenham gostado!
Até 💘🖤
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2bjs, môres♥
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