³⁵|Noventa por cento
No domingo, recebi uma visita desagradável: minha menstruação. E por causa disso, eu fui embora da casa de Khalil antes que ele acordasse, lhe deixando apenas um bilhete dizendo que eu precisava alimentar Warrick.
As cólicas me distraíram durante metade do dia. Passei boa parte do domingo sob os efeitos do remédio e comendo muito sorvete e chocolate.
Mas mesmo enquanto comia minhas duas coisas preferidas, eu ainda pensava na voz sussurrada de Khalil enquanto me confidenciava seu maior segredo, achando que eu estava dormindo.
Sua voz me acordou. Precisei manter o ritmo da minha respiração como se eu estivesse dormindo, o que não foi fácil quando eu queria desesperadamente chorar. Ouvi cada palavra com o coração pesado e sabendo que eu não podia abraçá-lo como eu queria. Ele não teria continuado se soubesse que eu estava ouvindo, e mesmo sabendo que era errado, continuei a escutá-lo.
A dor na sua voz… Eu consigo ouvir toda vez que fecho os olhos. Por isso fui embora mais cedo, pois sabia que não conseguiria olhar para ele no dia seguinte sem chorar pelo relato que ele fez.
Quatro anos. Ele passou por tudo isso por quatro anos e precisou outra pessoa lhe dizer que aquilo era abuso, para que ele entendesse. Como é possível que aquelas pessoas foram capazes de se aproveitar dele dessa forma?
Eu ainda estou pensando nisso quando chego para trabalhar na segunda-feira. Não consigo olhar para Khalil sem imaginar um garoto de quatorze anos que foi seduzido e teve sua inocência roubada. Tantas coisas teriam sido diferentes se isso não tivesse acontecido com ele. Pelo o que entendi, ele começou a beber e a usar drogas por causa de Victoria e Richard. Se não fosse por eles, Khalil não teria sido arrastado para esses vícios. Pelo menos não tão cedo. Talvez em algum momento na faculdade, mas não quando ele ainda era uma criança.
— Kathryn? — Sua voz me tira desses pensamentos. Piscando, percebo que estava encarando a tela do tablet, mas não estava digitando nada do que Khalil estava falando.
— Desculpe. Você poderia repetir?
Ele faz, mas vejo em seu olhar que ele está intrigado. Nenhuma coisa boa vem disso. Se ele descobrir que eu sei, com certeza irá me odiar ainda mais.
Leva algum esforço, mas consigo manter o profissionalismo e não pegar sua mão ou fazer algo mais estúpido, como abraçá-lo.
Felizmente, Khalil está com a agenda cheia pela manhã e não tem tempo para questionar meu comportamento estranho.
No almoço, eu ignoro uma ligação de Alexander. Tenho dor de cabeça, cólica e sentimentos tristes por um garoto de quatorze anos que hoje tem trinta e seis. Não preciso de Alexander para me sobrecarregar ainda mais.
— Ei, você está bem? — Anthony pergunta depois que fazemos nossos pedidos. Somos só nós dois hoje.
— TPM.
— Urgh, que droga.
Solto uma risada. Sim, é uma droga ser mulher às vezes.
— Como vai aquele projeto que você tem estado tão ansioso ultimamente e do qual não me contou nada? — pergunto, não apenas porque quero tirar o foco de mim, mas porque estou curiosa sobre o assunto.
— Está indo bem. Se tudo der certo, até o final do mês poderei contar a vocês. — Anthony dá aquele sorriso que as mulheres não são capazes de resistir.
— Tudo bem. — De repente, lembro de uma coisa. — E aquela loira que foi com você ao baile, no sábado?
— O que tem ela?
— Ela é sua namorada?
— Nah.
— "Nah"? O que isso quer dizer?
— Quer dizer que não tenho uma namorada.
Cutuco seu lado.
— Por que, hein? Você está guardando seu coração para uma mulher específica?
Anthony dá um sorriso triste.
— Não. E aqui vai um conselho: nunca entregue seu coração a alguém, a menos que essa pessoa esteja disposta a entregar o dela.
☠️
De volta na empresa, acompanhei Khalil em uma reunião, mas quando acabou, ele disse que queria falar comigo no escritório.
Se isso for um código para uma rapidinha, ele ficará muito decepcionado.
No entanto, quando entramos na sala, Khalil não vai se sentar na sua poltrona. Em vez disso, ele para na minha frente. Eu encaro sua gravata por alguns segundos, buscando coragem para encará-lo sem que minhas expressões me entreguem. Quando finalmente tenho certeza que tenho minhas emoções sob controle, ergo os olhos para encará-lo.
Parece que ele estava esperando por isso, porque só então fala.
— Sinto muito por ontem.
Pisco repetidamente enquanto absorvo suas palavras, por um momento sem entender. Porém, acho que sei do que ele está falando: a mesa de centro quebrada e todas as coisas que ele me disse depois. Eu não deixei aquilo me afetar, eu sabia qual era sua intenção. Ele queria me assustar, então me afastar. Deve ter feito isso uma centena de vezes, mas comigo não funcionou.
— Tudo bem — digo com sinceridade. Nos resolvemos ontem, de qualquer forma.
Como ele não diz mais nada, faço menção de sair, mas sua mão em meu cotovelo me impede.
— É sério. Eu… — Pigarreia, suas bochechas ganhando cor. — Eu não estava muito bem ontem. Desculpe ter gritado com você.
— Acredito em você. Está tudo bem.
— Então por que você não está me olhando nos olhos?
Engulo em seco. Ele está certo. Estou encarando sua boca para não ter que enfrentar seu olhar de esmeralda porque sei que minha mente irá invocar aquela imagem mais nova dele outra vez.
Mas Khalil não sabe disso, então ele segura minhas bochechas e ergue meu rosto, fazendo com que eu o encare.
— Desculpe, ok? — pede de novo. — Eu fui um idiota.
Fecho meus olhos quando sinto a ardência atrás deles. Ouvi-lo pedir desculpa não está ajudando. Eu que deveria me desculpar por ter ouvido sua confissão. No entanto, muitas coisas fazem sentido agora, então não sei se me sinto tão culpada por isso.
— Estou de TPM — explico, abrindo os olhos. Khalil está franzindo as sobrancelhas conforme usa os polegares para limpar as duas lágrimas teimosas que escapam. — Não estou me sentindo muito bem hoje, não é nada com você.
Eu tento não notar como seus ombros e sua expressão relaxam. Porém, não sou cega, ele estava preocupado… Mas com o quê? Que eu não o desculpasse por ter sido um idiota ontem?
— Certo. — Sinto falta do seu toque quando ele se afasta. Khalil põe a mão nas minhas costas e me conduz até o sofá. Não sei porque eu o acompanho, mas quando percebo, já estou sentada. — Deite-se.
Olho para ele.
— Por quê?
— Você precisa descansar.
Quero recusar, mas realmente não tenho forças para isso, então me deito, entrelaçando minhas mãos sobre a barriga. Eu deveria dizer que isso não é adequado também, mas nunca fui um exemplo de funcionária. Além disso, eu gostaria de descansar um pouco nesse sofá que é mais aconchegante que a minha cadeira.
Khalil senta na beira do sofá. Acho graça quando ele estende a mão e toca minha testa.
— Não estou doente — garanto a ele.
— Está com cólica?
— Um pouco, doutor. — Ele me dá um olhar sério que só me faz rir levemente.
— Precisa de alguma coisa?
Suspirando, fecho meus olhos e começo a divagar.
— Férias. Um coquetel. Bastante chocolate. Sorvete de menta. Massagem nos pés.
Sinto os nós dos seus dedos em minha bochecha quando Khalil acaricia meu rosto.
— Eu estava pensando em remédio e bolsa de água quente — murmura, sua voz um pouco divertida.
— Mmhmm… Já tomei remédio, mas a bolsa de água quente seria uma boa ideia.
Abrindo os olhos, fico imóvel diante do seu olhar. Sua expressão é tão suave quanto as carícias em meu rosto, mas a intensidade em seus olhos me hipnotiza. Não é algo novo, mas há algo diferente. Será que ele sabe que está me olhando assim, como se se importasse de verdade comigo? Por que ele está me olhando desse jeito? O que mudou entre nós?
Mas não faço nenhuma dessas perguntas a Khalil, deixando ele se levantar e ir até a sua mesa.
Estou pensando que devo levantar também, mas então ouço sua voz e percebo que ele está no telefone.
— Preciso de uma bolsa de água quente e chocolate — está dizendo. Ele encontra meu olhar e afasta o telefone do ouvido. — Alguma marca de chocolate específica?
Droga, estou sorrindo. O fato de ele perguntar isso, sabendo que sou vegetariana e que não como qualquer chocolate, mexe com alguma coisa dentro de mim.
— Hershey’s, linha Special Dark 60%. Sabor laranja, por favor.
Ele passa o recado e depois desliga o telefone.
— Então eu só devo ficar deitada aqui? — pergunto, nem um pouco ansiosa em ter que deixar este sofá.
— Sim. É uma ordem.
— Ok — murmuro. Talvez transar com o chefe tenha mesmo seus benefícios.
Alguns minutos depois, alguém bate na porta e Khalil levanta para atender, em vez de deixar eu fazer isso ou permitir que quem estiver do lado de fora entre. Fico grata por isso. Não preciso de todas as fofocas que surgiriam se as pessoas da empresa souberem sobre nós.
Depois de fechar a porta, Khalil vem até mim e põe a bolsa de água quente sobre meu estômago e me entrega uma sacola cheia de barras de chocolate.
— Obrigada.
Como pelo menos três barrinhas antes de ficar satisfeita. Bem, por enquanto.
Observar Khalil trabalhar enquanto fico confortável foi algo que nunca achei que fosse fazer. Mas também achei que nunca transaria com ele, então não é exatamente uma surpresa que eu esteja fazendo coisas que achei que nunca faria. É como se eu estivesse perdendo a minha sanidade. E é provável que eu esteja.
Após um tempo, começo a sentir minhas pálpebras pesadas. Dormi bastante na noite passada, mas os remédios e minhas alterações de humor por causa da TPM me deixaram cansada. Khalil disse que eu deveria descansar, então talvez ele não se importe se eu tirar um cochilo… certo?
Meus olhos já estão se fechando antes que eu termine de considerar se é uma boa ideia.
☠️
— Kathryn.
Solto um suspiro, lutando para abrir meus olhos. Está tão bom aqui, por que tenho que acordar?
— Porque estamos indo para casa — aquela voz que disse meu nome, volta a falar.
— Você é o Edward Cullen? — murmuro, ainda de olhos fechados.
— Por que eu seria um vampiro?
— Ele lê mentes também.
— Eu não estou lendo sua mente, você que está murmurando coisas.
— Hum?
— Vamos. Ou eu terei que carregá-la.
Parece uma ideia tentadora, mas essa conversa despertou meu cérebro e agora sou obrigada a abrir meus olhos. O rosto de Khalil está pairando acima do meu. Estendo minha mão e toco sua barba. Eu gosto de como arranha a palma da minha mão.
Khalil segura meu pulso e deixa um beijo lá.
— Você acabou de beijar minha mão? — pergunto, franzindo as sobrancelhas.
— Eu fiz? — Despreocupado, ele me coloca sentada.
— Fez. Por que você fez isso?
— Fiz o quê?
Semicerro meus olhos. Ele está tentando me enganar.
Não tenho energia no meu corpo para questioná-lo um pouco mais, então apenas fico de pé. Rápido demais. Acabo oscilando e Khalil me segura.
Ele franze a testa para mim.
— Tem certeza que você está bem?
— Claro que eu não estou bem. Tem sangue saindo da minha vagina nesse exato momento. Você acha que eu posso ficar bem com isso? — Ele é estúpido?
Suas sobrancelhas se erguem.
— Não, eu não acho, mas você parece drogada, Kathryn.
— São os remédios. Eu tomei mais do que deveria.
— Por quê?
Olho incrédula para ele.
— Não sei. Talvez porque parece que tem um alien dentro do meu útero fazendo pirueta? — Tirando seu braço de mim, reviro os olhos ao caminhar para fora do escritório. — Homens, sempre tão idiotas.
Acho que ouço-o suspirar atrás de mim.
Eu passo pela minha mesa, pegando minhas coisas e depois vou em direção ao elevador. Khalil aparece ao meu lado poucos segundos depois.
— Você veio de carro? — pergunta quando entramos.
Eu nego. Eu o peguei da oficina, mas não estava afim de pegar o engarrafamento de Chicago às sete da manhã, então vim de metrô novamente.
Khalil pega minha bolsa e depois aperta o botão do andar da equipe de marketing e publicidade enquanto digita alguma coisa em seu celular.
Quando as portas abrem, revela Anthony. Espero ele entrar, mas continua do lado de fora ao trocar chaves com seu irmão mais velho.
— Um arranhão e você está morto — Khalil diz a Anthony depois de trocar a chave da sua moto pela chave do carro dele.
— Vê as ameaças que eu tenho que aguentar? — Anthony arqueia a sobrancelha para mim.
— Isso não é nada. Tente ser assistente dele.
Ele começa a andar de costas, rindo.
— Eu cresci com ele. Você não pode competir com isso.
— Bem, droga. Você ganhou.
Eu o vejo dar uma piscadela antes das portas fecharem outra vez, a minha risada cessando junto.
— Você está bancando o motorista outra vez? — pergunto a Khalil. Ele anue calmamente.
Mais uma vez, não reclamo ou luto com isso. Ele deve estar sendo legal porque ainda se sente culpado sobre ontem.
Ontem. Pensar nisso traz aquele pesar em meu peito outra vez. Mantenho meus olhos longe do homem ao meu lado por precaução.
— Por que estamos aqui? — Franzo as sobrancelhas para o seu prédio. Eu estava meio sonolenta durante o caminho e não percebi que ele não estava me levando para o meu apartamento, mas sim para o seu.
— Vou pegar algumas coisas. Já volto. — Sem mais, ele sai do carro.
Não faço ideia de quanto tempo passa porque cochilei, e só acordo com o susto da porta batendo. Franzo as sobrancelhas para o homem barulhento atrás do volante. Khalil não diz nada ao colocar uma mochila no banco de trás e ligar o carro logo depois.
Quando paramos novamente e eu percebo mais uma vez que não é no meu apartamento, olho para ele de cara feia.
— Você não pode simplesmente me levar para casa e fazer suas coisas depois?
— Não. — Outra vez, ele sai do carro e então entra no supermercado.
Meu cérebro implora por outro cochilo, mas mantenho meus olhos abertos e uso meu celular para me distrair.
Quando Khalil volta, cheio de sacolas, consegui resolver os últimos acertos para a despedida de solteira de Genevieve. O casamento é nesse final de semana.
— Seu terno está pronto. Vou pegá-lo amanhã — informo a Khalil assim que ele entra no carro depois de colocar as compras no porta-malas.
— Obrigado.
"Obrigado", — ele sussurro, beijando meus cabelos. Meu coração apertado não tem nada a ver com o aperto que ele mantém em meu corpo. Quero desesperadamente abraçá-lo de volta, mas ele saberá que ouvi tudo. Pobre garoto…
Piscando, volto para a realidade.
Ao chegar no meu prédio, Khalil leva o carro para o estacionamento. Eu não questiono, apenas observo. Porém, quando ele sai do carro também, carregando sua mochila e depois pega as sacolas do supermercado no porta-malas, eu não consigo mais ficar calada.
— Para onde você pensa que está indo com tudo isso?
— Seu apartamento.
— Eu não lembro de convidá-lo. — Deixo para trás, indo chamar o elevador. Khalil está bem atrás de mim. — Olha, eu estou bem, você não precisa subir ou fazer o que quer que você esteja pensando.
— Tudo bem. — Entretanto, ele ainda está me seguindo quando entro no elevador.
Eu aprendi uma coisa nessas últimas semanas: não adianta discutir com Khalil Persistente Blackburn, ele sempre faz o que ele quer.
Então eu deixo que ele entre no meu apartamento quando chegamos lá. Talvez se eu o ignorar, Khalil vá embora. Sempre nos ignoramos no passado. Deve funcionar.
Eu faço minhas próprias coisas enquanto isso. Como, por exemplo, alimentar meu filho. Juro que Warrick consegue decifrar meu humor porque ele não sai do meu pé conforme rego minhas plantas e depois vou para o quarto. Na cozinha, ouço o barulho de panelas e talheres. Ele realmente vai fazer o jantar. Espero que ele faça algo como hambúrguer comum, mas Khalil nenhuma vez esqueceu que sou vegetariana. Hoje mais cedo é a prova.
Quando saio do banho, visto roupas confortáveis – um moletom tamanho G, com as siglas CSI atrás, calça de flanela e meias coloridas. Eu me acomodo no sofá na sala e ligo a TV, propositalmente ignorando o homem em meu apartamento. É um pouco difícil, no entanto, porque o cheiro do que quer que ele esteja fazendo, parece estar bom.
— O que vamos assistir hoje, filho? — Acaricio o pelo de Warrick enquanto zapeio pela Amazon Prime Video. Geralmente eu assistiria algum episódio perdido de CSI, mas preciso de alguma coisa para me fazer rir um pouco. Por isso ponho "2 Broke Girls".
Enquanto Max e Caroline lidam com mais um caos na lanchonete, eu abro meu celular e depois minhas mensagens. Então crio um grupo com as meninas. Depois, tiro uma foto de Khalil enquanto ele está de costas, mexendo em uma panela no fogão, e mando para elas.
Ele invadiu o meu apartamento, escrevo na legenda.
Genevieve é a primeira a responder.
GEN:
WTF???? Vocês já estão nessa fase
do relacionamento??
EU:
N existe relacionamento
GEN:
Então pq vc n manda ele embora?
LOLA:
Pq ela gosta dele
EU:
N gosto DELE. Gosto de transar
com ele. É diferente
Eu estou de TPM e ele está sendo legal
N sei como reagir a isso
GEN:
Vcs são fofos
LOLA:
Talvez ELE goste de vc, Kate
EU:
Ele literalmente disse que
me odiava ontem
GEN:
Eu dizia o msm sobre o Eros
LOLA:
Sim, Genevieve, lembre a todas
nós como vc vive um conto de fadas
GEN:
😘😘😘😘😘😘
Um conto de fadas com muito sexo, baby
Conversamos por alguns minutos, mas logo deixo meu celular de lado porque minha curiosidade fala mais alto e eu não consigo mais fingir que ele não está aqui.
Khalil está limpando a bagunça que ele fez na minha cozinha, mas tudo o que eu consigo notar é em como ele fica lindo até com molho manchando sua camisa. Ele se livrou do paletó e da gravata e também dobrou as mangas da camisa acima do cotovelo e seus sapatos foram descartados. Ele está à vontade, como se já tivéssemos feito isso outras vezes. E o que, exatamente, estamos fazendo é um mistério para mim.
Sento num banquinho da ilha, ainda observando ele se mover. Acho que nunca o vi cozinhar. Com certeza nunca para mim também. Eu deveria ter parado de besteira e ter vindo para cá antes, para vê-lo em ação. Mas tudo bem, posso me contentar em observá-lo limpando tudo. Quem diria que um homem limpando uma cozinha seria sexy?
Quando termina, Khalil aponta para o jantar. Reconheço o escondidinho de legumes porque já fiz, mas me surpreende ele saber fazer e que ainda pareça bom.
— Coma. Eu vou tomar banho.
— Tem toalhas no armário embaixo da pia.
Assentindo, ele pega o paletó e a gravata no banco, depois a mochila que ele deixou no sofá, então vai para o banheiro.
Eu não como, no entanto. O escondidinho está com uma cara boa e minha barriga realmente está roncando, mas Khalil fez o jantar, o mínimo que eu posso fazer é esperá-lo.
Khalil, eu percebo, é um homem de banhos. Ele demora quinze minutos lá e até penso em falar alguma coisa sobre ele ter gastado toda a água quente, mas perco as palavras quando ele sai do banheiro, cheirando tão bem quanto a comida. As roupas formais se foram, dando lugar a uma calça moletom folgada e uma camisa branca de mangas.
Além das camisas sociais, eu não lembro de vê-lo usando qualquer coisa que não fosse preto. Esse dia não podia ficar mais estranho.
Eu coloquei os pratos e talheres enquanto ele tomava banho e comecei a colocar a comida quando ele saiu. Também sirvo suco de morango para nós dois e depois sento no banquinho ao seu lado, porque era onde eu estava sentada antes.
— Droga — digo depois da primeira garfada. Essa não é a primeira coisa que você quer ouvir quando cozinha para alguém, mas é a reação que eu tenho porque isso está muito bom. — Não é justo.
Khalil está tomando um gole de suco e arqueia a sobrancelha para mim.
— Talvez, e isso é um grande talvez, eu te odeie apenas noventa por cento agora — conto a ele, dando outra garfada na minha comida.
— Então se eu cozinhar mais nove vezes para você, vai parar de me odiar por completo? — Não sei se ele está falando sério, mas dou de ombros mesmo assim.
— Se a comida for tão boa quanto essa.
Khalil assente.
Sinto algo em meu pé e sorrio para Warrick ao olhar para baixo e vê-lo lá. Ele faz aquele barulho de prazer que os gatos fazem quando eu acaricio sua cabeça peluda com meus dedos dos pés.
Quando ergo o rosto, Khalil está me encarando. Não consigo decifrar sua expressão, mas não é a primeira vez que vejo. Ontem, quando transamos no seu sofá, ele me olhou do mesmo jeito por uns segundos. E antes disso, no sábado, enquanto me ajudava a calçar o salto, esse olhar estava lá também. O que quer dizer? E por que meu coração está acelerado como nas outras vezes? Eu estou passando mal?
Eu desvio o olhar e bebo bastante suco antes de voltar a comer.
O silêncio que se segue é estranho. Não é exatamente desconfortável, mas estranho. Tudo o que estamos fazendo é estranho. Deveria ser apenas sexo. Nós nem vamos fazer sexo hoje, isso não é uma preliminar. Por que ele está aqui? Por que ele está sendo legal? Não somos legais um com o outro. Não jantamos juntos a menos que tenha outras pessoas. E ele com certeza não me traz em casa porque estou com cólica.
Khalil recolhe os pratos e talheres depois que terminamos de comer, colocando no lava-louça em seguida. Eu guardo o que sobrou da comida na geladeira e depois venho me esconder no banheiro.
Precisava de um tempo para pensar, mas tudo o que consigo fazer é ficar me encarando no espelho sem ter nenhuma resposta para as perguntas que meu cérebro tem feito.
Eu não deveria ter deixado Khalil entrar. Sim, a comida estava boa, mas ele está invadindo meu espaço, certo? Ele está agindo como se soubesse exatamente o que está fazendo enquanto eu estou no escuro, me sentindo uma tonta que precisa desesperadamente ir ao cardiologista para saber qual o problema com o meu coração, que tem acelerado de forma estranha.
Como não posso passar a noite toda aqui, saio do banheiro e vou para a sala, onde Khalil está sentado no sofá. Warrick está em seu colo. Ele não parece incomodado com meu gato, e até está fazendo carinho nele.
Cruzo meus braços e encaro os dois. Khalil conseguiu me fazer transar com ele, então ele invadiu meu apartamento e agora está tentando roubar meu gato também?
— Por que você está chorando? — ele pergunta, franzindo a testa.
— Não estou. — Fungando, sento na outra ponta do sofá.
Um segundo depois, as patas de Warrick estão em cima de mim. Olho feio para ele porque até pouco tempo ele estava miando feliz para Khalil, mas não consigo ficar brava com ele por muito tempo quando ele começa a lamber as lágrimas que escorrem por minhas bochechas.
Em pouco tempo, estou rindo. E me sentindo idiota também. Jesus, eu estava com ciúmes do meu gato?
Quando Warrick percebe que não estou mais triste, ele vai embora, como se seu trabalho já tivesse sido feito.
Olho para Khalil. Para seu crédito, ele não está me olhando como se eu fosse doida. Abro a boca para perguntar quando ele vai embora, mas Khalil é mais rápido que eu.
— Vem aqui.
Eu hesito. Ele está com uma perna estendida no sofá e a outra no chão. Seria bem fácil ir lá e me recostar em seu peito. É tão tentador que dói não fazer isso.
Em vez de deixar a emoção me dominar de novo, encaro-o seriamente.
— O que estamos fazendo, Khalil?
Ele aponta para a TV.
— Vamos assistir. Então depois vamos dormir.
Balanço a cabeça.
— Você sabe que não é disso que estou falando. Por que você está sendo legal comigo?
Posso estar louca, mas algo como dor se passa em seu rosto antes de sumir.
— Por que eu não posso ser legal com você? — devolve.
— Porque não é o que fazemos.
— Não? Então porque você foi a minha casa quando o porteiro ligou, no mês passado? Ou porque você não foi embora ontem? Por que você foi legal comigo, Kathryn? — E simples assim, ele me coloca contra a parede.
— É diferente. — Molho meus lábios, tentando pensar. — Você estava tendo uma crise. Você mesmo disse…
— E eu não fui agradável com você em nenhuma das vezes.
— Você nunca é agradável comigo.
— E você nunca vai embora.
Ficamos em um impasse. Eu poderia dizer que fiz essas coisas sem consideração a sua família, mas parece uma mentira, mesmo eu não sabendo por quê. Eu também o defendi e briguei com Eros por causa disso. Por causa dele. Ele, que gritou na minha cara que só me suporta porque sou seu brinquedo. Ele foi horrível. Ele é um idiota. Mas eu não fui embora. Por quê?
Eu não tenho respostas para isso.
Khalil deve ler minha mente, de alguma forma, porque diz:
— Não podemos admitir que gostamos um do outro?
— Você não gosta de mim. Você gosta de transar comigo…
— Eu gosto de você, Kathryn. — Ele parece tão, tão sincero. Como ele consegue manipular suas emoções tão bem assim?
— Até ontem, você disse que me odiava.
— E eu menti.
Solto um suspiro. Não sei se estou surpresa ou ofendida. Surpresa pela sua sinceridade e ofendida porque ele provavelmente está pensando que está conseguindo me convencer. E ele não está. Isso tudo é besteira. Ele não pode simplesmente ter mudado de ideia sobre me odiar. Isso não acontece de um dia para o outro.
— Você deveria ir embora. — Me levanto, então abraço meu corpo para ter o que fazer com minhas mãos.
— Não. — Irredutível, ele não move um músculo. — Não precisamos terminar essa conversa, mas não vou embora.
Um minuto passa enquanto olhamos um para o outro. Não achei que ele fosse embora, de qualquer forma, mas mesmo que não falemos mais no assunto, ele está pairando entre nós.
Eu tiro algo disso, no entanto. Se Khalil estivesse falando sério, ele teria insistido no assunto. Eu deveria me sentir satisfeita em saber que não caí no papinho dele, mas me vejo surpreendida ao perceber que estou um pouco decepcionada.
Eu afasto esse sentimento e finalmente cedo, me aproximando dele no sofá. É melhor do que ficar tentando nos entender.
Khalil me abraça quando deito minha cabeça em seu peito, ouvindo seu coração acelerado em meu ouvido.
Eu não sei o que estamos fazendo, mas uma coisa posso admitir: gosto de ser abraçada por ele.
No pé que estamos, não sei se isso é algo bom ou ruim.
☠️
Aiai, esses namoradinhos que não namoram...🙈😩♥️
Dps de tanto sofrimento, veio aí um capítulo mais tranquilo e fofo. Espero que tenham gostado 🖤.
Até sexta-feira com um dos meus capítulos preferidos até agr 🤭🤭✨✨
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2bjs, môres♥
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