67-Recomeços
Dias depois.
𝐼𝑆𝐴𝐵𝐸𝐿.
Recomeços são necessários, mas talvez eu não queira recomeçar, talvez eu só queira ficar triste e lamentar um pouco, me limpar de tudo que tem acumulado no meu peito.
Ter sido usada pelo Marcos e descobrir que ele nunca gostou de mim, não só doeu, como também me fez abrir os olhos. Leila acabou de casar, em breve terá filhos, trabalha, tem uma carreira, eu só estou aqui, vivendo e vendo minha vida passar diante dos meus olhos, não é a minha vida passando, é a vida dos outros passando sobre a minha.
Fico feliz por ele ter encontrado alguém e agora ter se assumido, pois não consigo ser tão amargurada e rancorosa a ponto de desejar o mal, todavia... queria que tivesse dado certo, apesar de tudo.
É como se eu fosse telespectora da minha própria história.
Tenho me sentido vazia, apesar de ter conseguido um trabalho e estar ocupando minha mente, não sinto o coração cheio de algo além do que artérias bombeando sangue. Serei bem sucedida porque me esforço muito, porém essa ferida vai demorar a fechar.
Tento demonstrar diferente, porque não desejo que isso pese na vida da minha irmã ou dos meus pais, agora que estão tão felizes, seria egoísmo meu. Tenho tudo e não tenho nada ao mesmo tempo.
Vim ajudar a Le a guardar os presentes e outras coisas do casamento. Incluindo o vestido que foi comprado, não alugado.
— Sabia que o vestido de noiva originalmente era preto, a Europa que mudou isso — digo, abrindo a caixa grande.
— É? Não fazia ideia, isso dependia da tradição também, não é?— Responde impressionada.
— Eles embraqueceram até a imagem de Jesus, porque não fariam isso com um vestido de noiva? — retruco.
— Isabel! Vestidos de noivas são uninanimes, o filho de Deus é um só. — Me corrige como se fosse blasfêmia.
— Acha mesmo que Jesus era branco? Leila, isso é história, aquela região tinha um sol de mais de quarenta graus, não literalmente, é impossível ele ter sido branco de olhos azuis — falo.
— A igreja católica retratou ele assim, na verdade nunca saberemos. — Dá de ombros — Diz na bíblia que ele tinha pés da cor de latão — Acrescenta.
— Seja como for, deixa esse assunto de lado... preciso falar com você, antes de ir para lua de mel. — Vem até mim e pega minhas mãos.
— Bel, estou construindo minha vida, mas não significa que irei embora da sua, para o que precisar, saiba que estarei aqui e pode me chamar... — Sua voz é acalentadora, embora sutilmente insegura.
— Obrigada Le, você sempre será minha melhor amiga... divirta-se na sua viagem e cuidado com "as pessoas que se confundem", ligue quando chegar lá em Salvador — A abraço fortemente, sei que é só uma semana, mas sentirei sua falta como se fosse um século.
— É claro que ligarei, cuida do pai e da mãe, te amo — Deposita um beijo na minha testa e vai saindo.
Posso ter sido meio agorenta ao falar sobre algo que temo muito, mas não quero ver minha irmã aparecendo na TV por causa do racismo de alguém.
Não tem como não pensar nisso, porque já aconteceu tantas vezes com a irmã, a mãe ou a família de alguém, pode acontecer com a minha também e não estarei perto dela para defendê-la e distribuir sopapos em quem for, pois tacar fogo não posso.
— Deixei seu presente de casamento no carro, queria que fosse surpresa, espero que goste — Sorrio, estou quase explodindo de vontade de contar o que é. Antigamente não duraria um minuto este segredo comigo, hoje em dia aprendi a controlar a língua.
— Obrigada pequena, beijos e se cuida — Abre um sorriso carinhoso.
Leila manda beijos no ar e cruza a porta. Primeiro irão passar e devolver o vestido e em seguida irão para o aeroporto embarcar. A viagem foi presente dos meus pais, portanto é presente de casamento.
Talvez um dia seja eu, talvez um dia encontre alguém que me ame do jeito que eles se amam e são parceiros, admiro a relação deles, apesar dos altos e baixos que viveram.
— Filha, seu pai e eu queremos viajar num cruzeiro para comemorar os trinta anos de casados, gostaria de vir com a gente? — Minha mãe se aproxima, ajeitando o broche na roupa, um vestido de organza laranja-pêssego, decote transpassado e mangas 4/4.
— Não mãe, agradeço o convite, mas este momento é de vocês, aproveitem — Respondo decididamente.
— Tem certeza filha? Posso comprar mais uma passagem, dá tempo...
— Tenho pai, além de tudo, preciso trabalhar nos meus croquis, a Liana Belila abrirá uma nova coleção de outono — Interrompo com convicção.
— Boa sorte querida, tem muito talento, espero que possa decolar sua carreira e ter o reconhecimento que merece — Seus olhos brilhantes de esperança genuína.
— Ai! — Meu pai entra na sala e põe a mão no peito sob o terno preto combinando com a gravata vermelho.
— O que foi? Está passando mal? — Ela vai até ele, preocupada.
— Perdi o fôlego com tanta beleza — Abre um sorriso para minha mãe e ergue o rosto, querendo rir.
— Seu bobo! — Ela ri, dando um tapinha no ombro dele.
— Minha eterna namorada, está divina hoje — Pega a mão dela e dá um beijo no dorso de um jeito romântico.
O modo que a olha é incrivelmente
inigualável, como se fosse o seu mundo todo e nada mais existisse quando a observa.
Dia seguinte.
Bebo mais um gole do meu café, o clima lá fora está fresco, sei que cafeína piora minha ansiedade, entretanto equilibro desenhando meus croquis, tiro meu tempo de almoço para isso.
A cafeteria é a mais tranquila da cidade, geralmente o pessoal vem aqui encomendar bolos ou comprar pedaços separados para tomar café da tarde.
Quando desenho, esvazio o ninho que se forma na minha mente toda vez que deixo os pensamentos me dominarem e cada vez mais, sufocam.
— Com licença, senhorita — Uma voz intensa e elegante me atinge.
— Pois não? — Me viro e ajeito a postura.
A mulher em minha frente tem cabelos afro tingidos de rosa, pele negra e uns 1, 90 de altura e veste roupas sociais, elegante, vaidosa e muito bonita.
— Estes desenhos são seus? — Aponta-os com o indicador, aonde tem um anel simples. Como se não fosse óbvio, mas respondo:
— Sim, por que? — Pergunto.
Ela parece impressionada e observa mais minusciosamente cada detalhe.
— São incríveis, acho que nunca vi algo tão autêntico e trabalhado em toda vida — diz, sem tirar os olhos verdes do meu desenho.
— Obrigada, estudo moda, então é algo que faço com dedicação e carinho...
— Isso é ótimo! É disso que preciso na minha nova coleção! — Bate a ponta do indicador no sulfite.
— Nova coleção? É estilista? — Cedo espaço quando ela move o quadril para sentar ao meu lado sem avisar.
— Sim, sou Liana Belila, é um prazer conhecê-la...
— Isabel, Isabel Tavares — Estou quase sem ar de tanto choque. Ela é negra! A minha maior ídola é uma mulher negra como eu! Apesar de nunca terem dito nada sobre a aparência dela, por ser extremamente misteriosa, a imaginava de outra forma.
Meu Deus! Meu Deus! É a maior estilista do país, uma das melhores do mundo bem aqui do meu lado!
— Isabel, é absurdo alguém talentosa feito você estar escondida! Tenho uma proposta para você, gostaria de trabalhar comigo? Seus croquis são o que a minha coleção de outono precisa — Propõe, sutilmente incrédula.
— Eu... — Perco a voz em meio a emoção.
"Diz logo! Diz logo, se não ela vai pensar que está recusando sua lesada", dizem as vozes agitadas da minha mente.
— Não precisa responder agora, tome. — Pega um cartão no bolso e me entrega — Pense na proposta, se aceitar, estarei te esperando na sexta-feira às duas horas na frente do meu atêlie — Sorri entusiasmada, me cumprimentando com um beijo na bochecha antes de ir.
Esfou tremendo tanto que mal seguro o cartão, sinto que vou explodir de tanta emoção. Preciso que alguém me belisque para saber se é real.
Liana Belila me chamou para trabalhar com ela! É simplesmente meu maior sonho sendo realizado.
Essa é a oportunidade da minha vida e irei agarrar.
Me despeço de vocês hoje com um aperto no coração, sentirei saudades de CTJ e espero muito que tenham gostado de acompanhar a história durante esses meses e apesar de não ser perfeita, foi feita com muito carinho, o Victor foi meu primeiro personagem pcd e confesso que estava com medo de me arriscar, mas dediquei muito de mim nessa na construção dele e, ainda estou aprendendo e evoluindo, por isso espero ver vocês em breve na Amazon.
Agradeço a todos que leram, boas festas para todos vocês💙
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