60-A realidade
Capítulo narrado pelo Victor 🖤
3:00.
Estou na frente do espelho, embora não possa ver minha imagem refletida, sei que estou por causa da pia separando meu corpo da parede, toquei o vidro e senti. Não consigo dormir, estou me revirando a noite toda.
Sigo para cozinha com cuidado e tropeçando em alguns objetos, sei que a Leila ficará brava porque não a acordei para me ajudar, mas não quero depender dela para tudo e tampouco acordá-la neste sono tão pesado.
Bebo um pouco de água em um copo plástico, tomando cuidado para não derrubar.
Minha respiração não se completa, estou trêmulo, preciso me sentar.
Deve estar de noite lá fora, tenho a impressão de que o tempo não passa.
Deduzo que período do dia é, por coisas da natureza, por exemplo, quando é de manhã, os pássaros estão agitados e tem barulho de carros por toda parte. De madrugada são grilos, já de tarde são buzinadas e motos fazendo barulho.
9:50.
Passei o resto desta madrugada, sentado à mesa da pequena cozinha, pensando sobre várias coisas, foi impossível dormir hoje.
- Victor. - Ouço Le chamar, preocupada porque não estou na cama.
- Estou aqui. - Balbucio, tentando miseravelmente conter o choro.
Odeio ficar tão vulnerável aos meus pensamentos em questão de segundos.
Eles acabam comigo.
Leila vem até mim, envolvendo meu pescoço com os braços e dando um beijo na minha bochecha.
- O que foi amor? Está aqui desde que hora? - Pergunta, notando meu estado.
Seco os olhos encharcados de lágrimas.
- Sabe o que mais me dói em ter perdido a visão? - Me levanto da cadeira devagar.
- Victor, não precisamos tocar neste assunto agora. - Ela quer me poupar do sofrimento, mas não dá.
Preciso tirar esta pedra invisível do meu peito, está sufocando junto de outras coisas.
- Eu a perdi antes de conhecer você, agora eu cai na realidade... Eu nunca vou poder ver seu rosto, isso é tudo que eu desejo, poder ver seu rosto. - Me entrego ao choro de vez, isso dói tanto que não consigo explicar.
Maldito dia que fui naquele teatro. Maldita hora!
- Não precisa dizer nada, sei que você vai tentar me fazer esquecer isso, mas não consigo Leila, desculpe. - Peço entre soluços, completamente exausto.
Leila permanece em silêncio, nenhuma palavra sai de seus lábios agora.
Apenas o som do choro discreto.
- Eu cai na realidade, demorou tanto tempo... eu cai na realidade, graças à Júlia, graças ao Marcos, ele me disse que eu não poderia dar tudo a você, e talvez seja a verdade nua e crua, que eu me nego a aceitar. - Continuo, preciso desabafar, mesmo que isso magoe.
- Não envolve o canalha do seu irmão nisso, nem aquela cínica da Júlia, por favor. - Pede Leila, magoada com esta situação. Sou tão estúpido às vezes...
- Me perdoa, porém é a verdade Leila, eles estavam certos, precisa aceitar que nós não teremos uma vida como outro casal qualquer, serei sempre um fardo. Eu me sinto um fardo, eu não te mereço. - Já nem sei aonde isso me levará, mas não consigo esconder tanta dor.
- Basta Victor! Do nada você fala da Júlia e do seu irmão, o que está acontecendo? Poxa, eu realmente estou tentando entender o motivo disso. - Retruca, está muito chateada agora.
Estraguei tudo de novo.
- Eu não sei, pensar em tudo isso durante estes meses, acabou prejudicando minha cabeça, é tanta coisa... eu só desejo ser suficiente... - Sou interrompido por um soluço forte.
- É por causa do que eles te fizeram né? Essa insegurança, este pensamento de ser insuficiente, Victor eu não sou ela, você não mereceu ser traído... é melhor eu tomar um pouco de ar. - Diz baixinho, após uma longa suspirada.
Leila segue para o quarto e troca de roupa, saindo após me avisar baixinho.
Procuro o meu celular pela casa, coloco a regata branca e saio também, vou ao estábulo que tem na pousada, não vou andar de cavalo, mas posso interagir com os animais.
Minutos depois.
Acaricio a pelagem do animal manso, ele irá me escutar sem reclamar, não que a Leila não faça isso, contudo é diferente.
- O senhor precisa que eu fique aqui ou chame sua esposa? - Questiona o porteiro responsável pelo estábulo.
- Não, obrigadao, fique tranquilo. - Agradeço, o dispensando.
Escuto ele saindo aos poucos.
- É garoto, estraguei tudo. Eu costumo parecer dramático e reclamão, ou exagerado, só que... ninguém entende o que passa na minha mente, me sinto insuficiente, porque a Júlia não me traiu pela minha falta de atenção... ah... - Novamente, sou rendido pelo choro.
O cavalo relincha, parecendo compreender cada palavra.
- Leila deve estar se sentindo cansada agora, gostaria de tirar aquele peso do meu peito e fiz tudo aquilo... me entenda por favor, somente quero tirar esta sensação horrível daqui. - Aponto o meu coração por cima do blazer preto.
Me afasto do animal e digo ao celular: localizar contato de Júlia.
Ligação:
- Alô? Victor? - Pergunta, surpresa.
- Por que está me ligando? - Questiona, curiosa pela resposta.
- Me responde uma pergunta, por favor. - Peço, sem rodeios. Usando do tom mais frio, como ela mesma disse sobre mim naquele dia.
- A Leila sabe que você está me ligando? Estou no consultório...
- Só responde Júlia, ok? - Interrompo sem paciência para suas justificativas.
Um suspiro de insatisfação ressoa dela.
- Eu transava mal? - Sou claro e direto.
- Que tipo de pergunta é essa Victor? - Ela está querendo fugir, obviamente.
- Me responde Júlia! Caralho, é uma simples pergunta! - Perco a calma, não consigo suportar tanto cinismo.
- Não! Você não transava mal, por que diabos está me perguntando isso agora? - Júlia se exalta, impaciente.
- Eu te ofendia? Te humilhava? Queria um motivo plausível...
- Quer saber mesmo? Vou te dizer! Você era muito frio, eu já te disse! Mas, se quiser escutar de novo com todas as letras, te digo: você também teve culpa, não tenta jogar tudo nas minhas costas...
- Eu tive culpa?! Eu mereci a traição de vocês, é isso que está dizendo? Era só ter sentado e conversado comigo! Eu escutaria, se viesse até mim! Tem noção do quanto isso acabou comigo? - Agora ela irá me ouvir, estou tocando o foca-se.
- Não dava para conversar com você! Sempre estava indisposto, sempre queria se fechar na sua redoma de vidro! Eu tentei, tentei infinitas vezes, mas nunca se deu a chance de ser um pouco atencioso, eu te amava sabia? Não tenho culpa se está inseguro, resolva isso com a sua noiva, não comigo. - Berra, indignada pela roda jogando tudo que ela me fez.
Posso ter errado, mas eu não merecia.
- Sua manipuladora fingida! Nunca tentou! Se me amasse mesmo, não teria me traído, por que realmente estava comigo Júlia? Por dinheiro não era, nunca precisou mesmo, é rica, vem de família rica... é incrível a capacidade de tentar jogar para outra pessoa, a sua responsabilidade né? Vocês me destruíram. - Estou com tanto ódio que não consigo falar como sempre falo, estou tremendo, rouco.
- Chega! Se não parar de me azucrinar, vou ligar para a sua noiva e contar sobre esta ligação estúpida! Deveria cobrar do seu irmão toda esta responsabilidade também não? Ou por acaso a culpa foi somente minha? É óbvio, a mulher sempre leva culpa né. - Júlia ameaça, batendo o telefone na minha cara.
Maldita, maldita, maldita!
Após o almoço, encontro Leila na curta ponte sobre um lago tranquilo, conversando com a irmã dela sobre os planos futuros.
- Irei te fazer uma pergunta, preciso que seja franco comigo. - Pede, assim que desliga o celular. Apoio os cotovelos na beira da estrutura, sentindo o aroma indescritível do lago.
- Leila, me desculpe... não podia deixar isto pesar no meu peito mais ainda. - Sei o quanto somos compreensivos um com o outro e espero que ela entenda.
Agora me sinto um pouco melhor, tirando todas aquelas frases presas em mim, sufocando minha forma de ser.
- Em quem você acredita mais? Na Júlia Martins e no seu irmão Marcos, ou em mim? - Seu tom é muito sério.
Uma agulha invisível espeta meu peito agora.
- Em você Leila, é óbvio que em você. - Respondo com toda sinceridade.
- O que eu te disse ontem, entrou por um ouvido e saiu pelo outro? Porque parece que você duvida de cada palavra minha, quer casar comigo mesmo? - Questiona, num tom chateado.
Uma barreira se forma aqui, nos afastando sem piedade. Contribui para isso, errei e assumo isso.
- Ouvi você falar com a Júlia, não tudo, mas uma parte, fui te procurar e te achei no estábulo, não quis atrapalhar a sua conversa. Ela te faz tão mal, mesmo depois de meses, eu entendo sua mágoa por ter passado tudo aquilo, mas agora estamos juntos, precisa afastar seu passado se quiser ir ao futuro. - Leila pega na minha mão sobre a madeira.
- Se isto vai interferir no que estamos construindo, é melhor repensar o que você quer, porque eu não tenho dúvidas dos meus sentimentos e nem fantasmas me atrapalhando a seguir em frente. Decida, veja se realmente está pronto. - Isso é uma forma amenizada de dizer: isso não é uma comédia romântica, você vai me perder.
- Vou falar com a minha mãe, te espero para o café. - Avisa, desvencilhando a mão da minha. Permaneço sozinho, somente com meus pensamentos.
Gente, não fiquem com raiva do Victor, sei que ele pode ter parecido muito errado ao ligar pra Júlia, mas queria que vocês entendessem essa parte do lado inseguro dele.
Está chegando a hora de se despedir de CTJ, nem acredito que passou tão rápido. Estão curiosos para saber sobre algum ponto? Estou planejando muitas coisas ainda. Espero que gostem.
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