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2-Certeza

7:00.

Sexta-feira.

Despertador irritante, porém necessário, meus pais ainda estão dormindo e eu saio do quarto indo para o banheiro, por azar estou no período menstrual então preciso tomar um banho e escovar os dentes, meu cabelo é muito curto (haves hair) , sendo assim não tenho que me preocupar em pentear e acabar atrasando.

7:20.

Faço tudo que é necessário e visto a camisa preta social levinha e minha calça jeans azul escura, tenho uma bunda grande e por isso é difícil achar calça que dê nos meus quadris largos. Calço o tênis puma caramelo escuro e passo gel com a escova de dentes extra que uso especialmente para fazer as ondulações dos fios brancos tingidos. Passo rímel e delineador, destacando meus olhos chocolate e a pele negra — espirro perfume e organizo meus utensílios dentro da bolsinha acima da pia do banheiro.

— Leila, vem aqui filha. — Chama Ivone sonolenta, deve estar na cozinha pela distância que escuto sua voz calma.

Sigo para cozinha digitando no celular uma mensagem para Isabel e desligo a tela dirigindo a atenção a minha mãe.

— Toma café. — Indica a mesa enquanto coa o café depositando água no coador. Obedeço a senhora negra dos cabelos crespos e me sento a mesa.

— Está tão cheirosa meu bem. — Elogia inalando com gosto o meu perfume.

— Tem algum remédio para cólica aqui mãe? — Sorrio massageando as falanges enquanto espero o café ficar pronto.

— Tem no armário, buscopan deve ajudar. — Diz Ivone, apoiando na parede creme próxima a porta que dá acesso à lavanderia.

A ansiedade está começando a incomodar, acompanhada da enxaqueca da TPM, que dia para começar hein.

— Toma, marca o horário porque se não melhorar, toma de novo depois. — Ivone entrega a caixinha do remédio e me dá água junto.

— Fica tranquila, seja você mesma, se for para ser... será Le. — Aconselha a sábia e carinhosa mulher que tenho orgulho de chamar de mãe.

Saio da mesa após engolir o comprimido e vou até o quarto pegar minha pasta onde guardei os documentos necessários e dinheiro para passagem.

Meu pai vendeu o carro para pagar as contas e ainda não temos o suficiente para comprar outro simples, portanto tenho que usar condução.

— Bom dia fia. — Diz meu pai erguendo o corpo na cama de casal que divide com minha mãe. Acendo a luz e sorrio a ele.

— Quer que eu te acompanhe até o ponto? — Antônio esfrega as pálpebras buscando instabilidade para levantar de vez.
Fecho a gaveta da cômoda branca e nego com a cabeça.

— Sou adulta pai, não precisa se preocupar. — Garanto caminhando para fora do
quarto, mesmo que não adiante, pois
Antônio é muito zeloso em relação a mim.

— É óbvio que vou me preocupar filha, não me pede para não ficar preocupado, essas ruas são perigosas e você é mulher. — Sei que disse as últimas palavras sendo sensato, infelizmente a mulher corre muito mais riscos do que o homem.

— Está bem. — Acabo cedendo ao seu pedido, ele só quer meu bem-estar.
Caminho rumo a sala a procura da minha bolsa preta.

— Quando chegar, se puder ir comigo no poupa tempo, Le... — Escuto ela pedir caminhando para o banheiro afim de trocar a camisola de bolinhas.

— Claro mãe. — Respondo achando a bolsa em meio as almofadas vermelhas do sofá marrom escuro. Organizo a bagunça deixada por ela quando fez o café, em cima da pia.

Detesto ver alguma coisa fora do lugar, mesmo que seja mínima... deve ser mania minha.

12:50.

Termino de almoçar e lavo meu preto e talheres, deixando sob a pia para secar e guardar depois junto das outras coisas.

— Já vai? Nem mastigou a comida direito, Leila. — Minha mãe pergunta jogando comida para o canto da boca, ainda almoçando junto de meu pai a mesa.

— Sim, preciso chegar cedo, pai poder continuar aí, qualquer coisa ligo para vocês. — Indico a cadeira em que ele está sentado, negando sua guarda para ir até o ponto de ônibus.

Seco as mãos no pano de preto e pego a bolsa que deixei pendurada na maçaneta da porta da cozinha. Dou uma última checada dentro do acessório e está tudo aqui. Ótimo.

Tenho três ônibus para pegar, por isso não posso perder tempo.

— Beijos. — Me despeço dos dois e sigo para fora.

13:50.

Em cima da hora, pois graças a droga do ônibus que quebrou no meio do caminho, acabei tendo que esperar, o trânsito caótico pelas ruas do litoral.

Verifico o endereço e aperto o interfone ao lado do grande portão branco que cobre tudo que tiver atrás dele.

— Boa tarde, Leila, certo? — Diz a voz masculina quer atende.

— Sim, sou eu, vim para a entrevista. — Respondo nervosa.

— Ok, aguarde um minuto. — Pede a voz modificada pelo aparelho e logo um estalo pesado é emitido, o portão abre pela direita e eu entro no quintal gramado e extenso.

Ao findar do gramado tem a entrada da casa, onde as paredes são num tom de creme e a porta de madeira, a frente tem um tapete e pendurado no telhado um sino de vento. Uma cabine fica atrás do local onde o interfone está, não consigo ver nada sobre quem está ali dentro.

— Boa tarde. — Levo um susto violento e salto para trás toda atrapalhada.
A mulher do cabelo bem penteado e roupas elegantes me recebe ainda segurando a maçaneta da porta.

— Boa tarde, sou a Leila Tavares. — Estendo a mão em cumprimento e a mulher séria aperta, parecendo querer evitar o gesto.

Abrindo espaço, ela indica que eu entre gesticulando com a mão.
Essa criatura parece me despir com as íris esverdeadas, me engolindo como uma correnteza violenta.

Observo a sala iluminada que contém móveis do mesmo estilo, marrom e de madeira verdadeira, devem custar uma fortuna — o quadro de arte abstrata pendurado acima do piano preto lustroso que tem aqui é com certeza uma arte caríssima.

— Eu sou Carlota, sente-se Leila. — A mulher do conjunto rosa e branco indica o sofá de canto cinza que tem nesta sala enorme e que cheira a camomila.
Apenas sento em silêncio.

— Achei muito bom seu currículo e por isso escolhi você dentre milhares de candidatas, porque acho que somente você saberá cuidar dele. — O olhar avaliador e feroz me encara fixamente, ajeito a postura envergonha em relação a dela. Parece uma general.

— Tenho muita experiência em pacientes pcd, então acredito que sim. — Comento sendo simpática, a mulher não esbanja nenhuma expressão calorosa.

As paredes claras parecem espremer meus ossos com força.
“Dele”, quem é ele?

— Meu filho perdeu a visão há dois anos e ainda não se adaptou a nova condição, por isso acidentes aconteceram e problemas graves vieram com isto...Já cuidou de alguém cego? — Questiona Carlota, a expressão que toma seu rosto agora é de tristeza, não deve ser fácil.

— Sim, desde que me formei, apenas cuido de pessoas nestas condições. — Articulo engolindo o peso que sobe a garganta, a rigorosa mulher pálida me analisa de cima abaixo.

— Meu filho é difícil de lidar, sofre muito com a nova condição... É difícil conseguir se acostumar sabe, exige muita paciência senhorita Tavares. — Carlota balbucia parecendo tomar muita cautela ao usar as palavras, como se vidro incomodasse a garganta a cada palavra que fala. Observo as mãos dela que movimentam-se incomodadas.

— Tenho muita paciência senhora Avelar, não se preocupe com isto. — Garanto com toda sinceridade, afinal paciência é o que mais necessita a profissão.

Carlota abri um limitado sorriso, fazendo suas bochechas enrugarem — não deve ter mais de cinquenta anos.

— Como somos uma família influente nas empresas da cidade, precisamos estar saindo para eventos e reuniões de negócios, então preciso de alguém que esteja disposto a estar acompanhando meu filho conhecimento superior básico sabe. — Carlota gesticula sutilmente sendo mais solta comigo, parece o tipo de mulher solitária e cheia de problemas que sequer tem tempo para amizades.

— Compreendo, estudei inglês quando era mais nova e estou disposta a fazer esforços necessários se for do seu desejo...

— Ótimo! Minha única exigência é que use roupas sociais enquanto estiver trabalhando, e devo alertar sobre o cuidado extremo que deve ter em relação ao Victor.
— Explica Carlota gentilmente aproximando a mão da minha, entrelaço meus dedos aos seus sem hesitar.

— Como quiser... Estarei sendo o mais cuidadosa possível, garanto que poderá ficar tranquila. — Conforto a senhora do cabelo castanho acima da nuca que parece aliviada por poder conter comigo.

— Não tive tanta firmeza em relação as outras candidatas... Você é a pessoa certa, eu estou depositando o voto de confiança em você. — Apertou minhas mãos calorosamente, como se eu fosse parte da família, acolhedora.

— Vamos combinar o horário? Se estiver tudo bem, a vaga é sua, os benefícios direi depois. — Pergunta Carlota sorrindo amigável, viu em mim algo que preocupava com muita destreza.

— Onde ele ele? O seu filho... Acho que é bom nos conhecermos. — Percorro a sala decorada por vasos de cerâmica e quadros e porta retratos em mesinha redondas curtas.

— Vou chamá-lo e também os outros funcionários, espere aqui. — Carlota informa saindo do sofá e seguindo para o corredor a qual ainda desconheço.

Levanto do sofá também e vou para a janela escondida por cortinas cor areia longas, do lado de fora tem mais gramado e arbustos, deve ser a garagem.

— Então é você. — Sou retirada do foco e me assusto quase soltando um gritinho, por causa da voz rouca e baixinha que invade a sala.

Continua...

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