Capítulo 9
Uma semana, passamos uma semana inteira discutindo, não podia nem encara-lo sem ter vontade de arrancar a sua língua com meu canivete. Ellie era a única coisa nos impedindo de acabar um com o outro, eu poderia empurrar Joel de uma ponte e ele facilmente poderia me atropelar com qualquer carro velho.
— Vamos por aqui. — Apontei no mapa, ele analisou bem o caminho e então negou.
— Se cruzarmos a cidade podemos ir mais rápido. — Apontou para a estrada, coloquei as mãos na cintura.
— Mas é perigoso pra Ellie, quer encontrar bandidos e saqueadores outra vez?
— Não começa. — Ele pegou o mapa e guardou na mochila.
— Não começar com o que? Joel.
— Já chega! Vocês tão enchendo a porra do meu saco! — Ellie gritou, Joel me encarou irritado, revirei os olhos.
— Quando tiver certeza do que está fazendo, pode escolher qual caminho seguimos. — Ele retrucou, abri os braços incrédula.
— Ótimo, vamos agora então.
— Vamos pela cidade. — Ele insistiu, torci os lábios com raiva.
— Por que não podemos dar a volta?! — Fiquei na sua frente esperando uma resposta, Joel soltou o ar irritado.
— É perca de tempo, e também precisamos de suprimentos.
— Temos uma mochila cheia das coisas que saqueamos, aliás são só vinte minutos a mais. — Apontei, Joel encarou o chão decidido. — É o seu irmão? Quer olhar todas as cidades possíveis procurando por ele.
— O meu irmão vai fazer o seu trabalho. — Ele apontou o dedo pra mim, concordei debochando.
— Ellie escolhe.
— O que? — Ellie perguntou confusa com a situação.
— Vai comigo ou com o Joel? Escolhe agora. — Pedi, a garota riu desacreditada.
— Para com isso. — Joel tentou intervir, levantei a mão.
— Anda logo porra.
— Ai cacete parem com isso os dois! Parecem duas crianças. Eu não vou escolher, os dois vão me levar pra seja lá aonde estamos indo. — A garota seguiu em frente, passei por Joel exalando irritação.
— Se nos colocar em perigo eu acabo com você.
Seguimos até a cidade, para nossa sorte haviam escombros para todos os lados indicando que havia sido bombardeada há muito tempo. Ellie olhava para os prédios destruídos boquiaberta, apesar de nunca ter visto como era o mundo antes da pandemia.
— Puta merda olha isso. — A garota subia nas pedras enormes para ver os escombros de perto.
— Cuidado garota, não vai cair. — Joel avisou, Ellie desceu em alerta.
A cidade parecia deserta, todo e qualquer suprimento que restara havia sido bombardeado há muito tempo junto com os habitantes da cidade. Conseguimos pouca coisa, dois enlatados, alguns absorventes, água.
— Isso tudo era pra deter a infecção? — Ellie dizia ainda impressionada.
— Os militares achavam ser a melhor forma de impedir de se espalhar, então isso aconteceu em algumas cidades. — Expliquei enquanto observava cada detalhe destruído.
— Mas isso não resolveu, no fim só destruíram tudo.
— É. — Concordei, lembrando-me de todo o caos que causaram em apenas uma semana de vírus.
— De onde você era? Aconteceu isso na sua cidade também? — Ellie me encarou curiosa.
— Uma cidadezinha em Oregon, e sim, depois que a maioria deixou a cidade eles começaram a explodir tudo. Mas só piorou as coisas.
— E você fugiu também?
— Não, passei alguns meses lá escondida em uma das casas. Tinha um gerador, comida, água. — Respondi como se cada coisa fosse um privilégio, e agora realmente era.
— Então o que aconteceu?
— Depois das bombas vieram as patrulhas, e aí os testes, todo mundo ficou isolado em áreas de quarentena. Depois disso, você sabe. — Encostei no seu ombro, Ellie concordou cabisbaixa.
— Sei. A Fedra. Mas você entrou para os vaga-lumes.
— Isso foi anos depois, quando percebi o quão merda era todo esse negócio de quarentena. Pessoas sendo enforcadas, violência gratuita, merdas desse tipo. — Enquanto falava conseguia notar no olhar de Ellie que sabia exatamente o que eu estava falando, afinal ela vinha direto de uma zona de quarentena.
— É. Eu sei.
— Chega de conversa, vamos sair da cidade agora. — Joel nos avisou, concordei.
Era incrível como conseguia manter-se distante mesmo depois de tanto tempo, mesmo depois de presenciarmos a perda de dois amantes, dois passados. Eu não tinha raiva dele, tinha confusão, não conseguia entender como alguém havia se tornado tão frio, nem mesmo eu consegui.
Mas havia algo no seu olhar, Joel nem sempre parecia frigido. Por uma fração de segundos em algum momento do dia ele parecia se importar, mesmo com raiva de mim, mesmo depois de tantas discussões.
— Ellie, devagar. — Repreendeu, a garota parou e o encarou com seriedade.
— Ela só está andando meu velho. — Dei dois tapinhas nas suas costas e passei diretamente por ele, Joel franziu o cenho.
Meu velho, ele era velho e disso eu tinha certeza, agora meu? Por que gostaria de um velho rabugento feito Joel? O apelido me agradava de qualquer modo, porque ele desgostava com todas as forças.
*
O encarei nos olhos sem piscar, ele me encarou de volta, estava blefando... não ia me enganar com facilidade.
— Sua vez. — Joel disse, joguei minhas cartas na mesa. — Droga.
— Você perdeu. — Sorri, Ellie pulou de onde estava.
— Caralho você humilhou ele. — A garota me cumprimentou com um toque, levantei de onde estava. — Eu não sabia que esse jogo podia ser tão legal, me ensina?
— Se eu te ensinar não vou ganhar. — Sorri, Ellie encarou Joel esperando uma resposta.
— Não olha pra mim, eu perdi. — Ele pegou sua arma e saiu.
Me enfiei no saco de dormir e fechei os olhos confortavelmente, avistei Ellie ligar a lanterna e abrir um livro velho.
— Ei, vai dormir. — Pedi, a garota resmungou e se escondeu dentro do saco. — Só não deixa essa lanterna apontada pra cima.
Virei-me para cima, em poucos segundos adormeci, lapsos de memória repassaram diante dos meus olhos como um sonho até acordar com o som do tiro. Joel ainda estava de vigia, estava começando a amanhecer, Ellie dormia profundamente em seu saco. Me levantei e fui até ele, sentei-me no seu lado e comecei a preparar o café.
— Viu alguma coisa?
— Não. Nada. — Respondeu-me com seu olhar distante, assenti.
— Precisamos de comida, não achamos nada na sua cidade. — Me levantei e olhei direto para a mata. — Mas temos que parar de gastar munição, aliás o tiro chama atenção.
— Eu sei, alguma ideia?
— Eu tenho uma ou duas, mas vai ter que cuidar da jujubinha. — Olhei para Ellie, Joel soltou uma risada frouxa e sem graça.
— Pode ir, se não voltar em meia-hora vou atrás de você. — Alertou, coloquei a mão no peito comovida.
— Obrigada pelo voto de confiança.
Segui para dentro da floresta, uma das poucas coisas que aprendi sobrevivendo sozinha era fazer uma armadilha para animais pequenos. Já que conhecer o terreno levaria horas, apenas improvisei com galhos e folhas, bastava a isca certa para o animal morder. Peguei dois esquilos em menos de vinte minutos, ouvi um rio um pouco à frente, desci a mata rapidamente até encontrá-lo.
Para a minha sorte era água doce, limpei o rosto e as mãos, estava começando a esfriar mas a água me refrescou bem. Ouvi um galho quebrar na mata mas não vi ninguém, puxei meu canivete e apontei.
— Oi? — Olhei bem, mas não consegui ver nada. — Joel?!
— Solta o canivete. — Ouvi uma voz rouca vindo atrás de mim, quando me virei havia uma garota apontando um arco diretamente para mim, levantei as mãos. — Solta, agora!
— Quem é você?
— Não importa. — Respondeu rapidamente, o rosto sujo de terra e as roupas largas. Parecia ser um pouco mais velha que Ellie, mais experiente também. — Eu quero os esquilos.
— Então pegue você mesma. — Retruquei, foi difícil fazer a armadilha, não iria entregá-los com facilidade.
— Anda logo ou atiro em você! — A garota insistiu, seus olhos piscavam rapidamente e o corpo estremecia.
— Não vai atirar em mim.
— Quer arriscar?! — Ela retrucou, engoli em seco pensando em uma resposta rapidamente.
— Você quer? Então pega! — Arremessei os esquilos na direção dela, a garota soltou a flecha, desviei rapidamente e parti para cima.
— Me solta! Sai de perto de mim! — Ela gritou impedindo-me de tomar o seu arco, tinha o dobro do seu tamanho mas ela era persistente.
— Larga agora! — Tirei o arco e acertei o seu rosto, a garota caiu no chão e alcançou os esquilos. Peguei uma flecha na sua aljava e apontei para a garota, ela levantou as mãos tremendo feito um bichinho assustado. — Vai, sai daqui. Vai!
A garota levantou e correu para o meio da floresta, peguei a aljava e coloquei nas costas, guardei meu canivete e voltei pelo mesmo caminho que vim. Comecei a pensar sobre a garota enquanto voltava para o acampamento, Joel levantou notando um corte no meu ombro.
— O que aconteceu? Se feriu? — Ele veio até mim e tocou o ombro, lembrei-me de quando a garota disparou a flecha, foi tão rápido que sequer reparei.
— Não foi nada.
— E isso? Onde conseguiu? — Apontou para o arco, olhei em volta para me certificar de que a garota não havia me seguido.
— Eu encontrei perto do rio, não havia ninguém por lá. Parece que foi deixado há um tempo. — Menti, Joel me encarou com seriedade tentando notar a mentira, mas por sorte ele apenas concordou.
— Não vamos ficar para descobrir. Ellie! — Chamou, a garota veio do meio da floresta erguendo as calças com agilidade. — Arruma as coisas, vamos continuar.
— Que saco. — A garota resmungou indo até sua mochila.
Sentei-me no chão para descansar enquanto os dois terminavam de desfazer acampamento, tomei um pouco do café aguado e comi algumas cascas de pão velho. Nossos suprimentos estavam acabando, talvez devesse ter ficado com os esquilos, mas o arco poderia servir bem no decorrer dos dias. Me pergunto se aquela garota terá a mesma sorte que eu sem armas para se defender dos infectados, ela parecia faminta e assustada.
— Onde conseguiu esse arco? — Ellie ficou ao meu lado enquanto caminhávamos. — Você fez?
— Não. Encontrei no riacho seguindo a trilha. — Olhei para o outro lado, Ellie virou-se olhando em volta.
— E era de alguém?
— Não, não sei, só encontrei. — Respondi rapidamente, Joel notou a agilidade.
— Vamos ficar em alerta, o dono pode vir atrás das suas coisas. — Ele segurou a arma com firmeza, engoli em seco implorando para que aquela garotinha desaparecesse.
Caminhamos por mais um dia inteiro, era cansativo e os meus pés não aguentavam mais, nessas horas o carro nos fazia falta...
— Vamos parar, já está tarde. — Joel jogou a mochila no chão, olhei em volta.
— Vou dar uma olhada, me assegurar de que ninguém está nos seguindo.
— Certo.
— Vou com você. — Ellie correu, seguimos em completo silêncio pela mata. — Vocês finalmente pararam de brigar, agora pareço estar no céu, obrigada.
— Eu discutia pelo seu bem.
— Claro, porque o Joel nem sempre estava certo. — Ellie sugeriu, a encarei tentando identificar qualquer tipo de deboche no seu tom de voz.
— Ele nunca está certo, só porque é mais velho acha que tem alguma autoridade. — Continuei, Ellie riu.
— Você é assim comigo. — Ela deu de ombros, parei outra vez.
— Você é menor de idade, é diferente.
— Diferente como? — A garota continuou me seguindo, parei outra vez.
— Joel acha que viveu mais experiências por ser mais velho, mas a realidade é que nós dois vivemos experiências diferentes. — Expliquei, Ellie franziu o cenho.
— Então precisam um do outro?
— Você tem um ponto, mas eu não preciso de um velho rabugento. — Retruquei, Ellie riu.
— Touché.
— Não tem nada, vamos. — Quando me virei avistei um coelho saltitar de uma moita para outra. — Viu aquilo?
— O que?
— Quieta. — Sussurrei, Ellie levantou as mãos em rendição.
Puxei uma flecha e coloquei no arco, posso ter perdido os esquilos mas aquele coelho seria um bom jantar. Me aproximei quase que me agachando no chão, os pés sempre atento aos galhos. Assim que o coelho saltou para fora o acertei com a flecha, Ellie gritou em comemoração.
— Cacete isso foi demais, me ensina?
— Joel não quer que você use armas. — Peguei o coelho pela flecha encravada e fui em direção ao acampamento.
— Qual é? Disse que não precisa dele.
— Eu não preciso. — Corrigi, Ellie revirou os olhos e baixou os ombros cabisbaixa. — Quem sabe quando for mais velha.
— Isso!
Joel já havia feito uma fogueira pequena, joguei o coelho perto dele, o mais velho me encarou confuso.
— Eu peguei, você limpa. — Sugeri, Joel esticou os lábios.
— Certo.
— Aprendeu a atirar quando mais nova? — Ellie sentou perto da fogueira e tirou os tênis encardidos.
— Foi um pouco depois da quarentena, não é tão difícil.
— Atirar já é bem difícil, ainda bem que o Joel me ensinou a segurar uma arma. — Ellie dizia, olhei para ele do outro lado da fogueira.
— Você aprende. — Me deitei em cima do saco de dormir, Ellie puxou seu livro de trocadilhos ruins.
— Aí, por que a vaca foi para o espaço? — Ela olhou em volta esperando uma resposta, dei de ombros. — Para se encontrar com o vácuo.
— Nossa. — Coloquei as mãos no rosto sem demonstrar uma risada.
— Quando o Papai Noel morrer, ele não estará mais em trenós. — Ela começou a rir sozinha ficando ainda mais difícil de segurar a risada, olhei para Joel, ele deu de ombros parecendo adorar a situação torturante.
— Ellie já chega. — Implorei, a garota pulou algumas páginas rapidamente.
— Mais uma, essa é boa. Olha. O que a impressora disse para outra?
— Eu não sei. — Dei de ombros, esses eram os piores trocadilhos que já ouvi em toda a minha vida.
— "Você está quebrada ou é impressão minha?" — Joel completou por ela, Ellie arregalou os olhos.
— Você sabia! Filho da puta! — A garota gsrgalhou alto, Joel sorriu.
— Vocês são loucos.
— Lorie qual é o órgão mais mal-educado do nosso corpo? O intestino grosso. — Ela respondeu rapidamente, soltei uma risada frouxa.
— Vamos comer.
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