Capítulo 8
Meu coração estava disparado, não fazia ideia de como dirigir aquela lata velha. Mais sangue começou a escorrer pelas minhas pernas, a dor insuportável ia e vinha. Meus olhos lutavam para permanecer de pé enquanto o mundo se acabava bem na minha frente, pessoas correndo e se matando. Não. Não eram pessoas.
— Droga. Droga. Droga. — Comecei a chorar de dor, a perda de sangue estava começando a afetar meus sentidos.
Dirigi até o hospital mais próximo, haviam ambulâncias indo e voltando, quando entrei tinham muitos feridos no caminho, coloquei as mãos no estômago me forçando a andar.
— Escuta senhor, é a minha mãe, ela acabou de entrar. — Danny estava no balcão de entrada do hospital tentando encontrar sua mãe, aparentemente ferida. — Lorie? Você está bem? O que aconteceu?
— Eu preciso de ajuda. Acho que estou perdendo o bebê. — Me apoiei em seu ombro, o garoto arregalou os olhos surpreso.
— Bebê? Você está grávida?!
— Me ajuda! — Torci a camiseta em seu ombro, o garoto olhou em volta e me levou até a emergência.
Haviam muitos feridos, sangue e confusão para todos os lados, só conseguia pensar na situação em que deixei a escola.
— Você dirigiu até aqui? — Me perguntou desviando rapidamente de uma maca.
— É. Aconteceu alguma coisa na escola, as pessoas estavam se atacando. — Logo percebi que ele estava apenas tentando me entreter, para me manter acordada. — Danny eu to com medo.
— Tudo bem, eu to aqui com você. — Ele segurou minhas mãos, senti conforto apesar de notar como ele sentia o mesmo que eu agora. — Quando pretendia me contar do bebê?
— Em... alguns dias. — Fechei os olhos com força sentindo uma pontada de dor, ele colocou as mãos em volta de mim e me pegou no colo. — Eu ia contar.
— E ele é meu?
— Faz diferença agora? — O encarei, o apertei com força.
— Doutor! Ajuda!
— Coloca na maca, aqui! — Um dos enfermeiros indicou, Daniel me colocou sobre a maca e me viu sendo levada para a emergência.
Assim que as portas se fecharam, uma mulher atacou um idoso gerando mais confusão. Daniel caiu no chão aterrorizado, um policial interviu e atirou na cabeça da mulher fazendo outros feridos gritarem assustados. De repente mais policiais entraram armados, consegui ouvir os tiros na sala em que estava mas a morfina começou a fazer efeito rapidamente.
— Espera. — Sussurrei enquanto avistava o doutor andar de um lado para o outro enquanto preenchia uma prancheta com meus dados.
— Só um segundo, preciso pegar mais antibióticos. — Explicou e me deixou sozinha, o silêncio pairou sobre o cômodo, olhei para o saco de soro diminuindo ao meu lado.
— Merda. — Resmunguei, o som dos tiros vindos de fora.
Mesmo ainda tonteando, arranguei o tubo da minha veia e continuei segurando o algodão. Saí do quarto dando de cara com um médico correndo rapidamente, haviam muitos enfermeiros indo e vindo.
— O que está fazendo? Você devia estar na cama! — Ouvi um doutor repreender seu paciente no fim do corredor, o ferido mesmo se contorcendo pulou no pescoço dele e começou a arrancar sua pele.
— Porra! — Recuei, comecei a correr com dificuldade para o lado oposto.
Os tiros estavam vindo de fora, logo percebi que Daniel não ia voltar. Entrei na primeira sala que vi, para minha sorte estava vazia, abri a janela e olhei para baixo avistando uma enorme escada de incêndio. Pulei a janela e desci rapidamente, quando dei a volta no hospital consegui ver na entrada pessoas se matando e se agredindo enquanto policiais atiravam diretamente neles, algo estava errado, não eram mais pessoas.
Senti meu corpo estremecer, entrei no primeiro carro aberto no meio da estrada que vi e dirigi até em casa pensando no que acabara de ver, o mundo estava acabando e eu precisava fugir. Por sorte minha vizinhança estava calma, crianças brincando no jardim, um senhor regando suas plantas como de costume. Estacionei o carro no gramado de qualquer forma e saí, entrei em casa rapidamente procurando pelo meu pai.
— O que é isso? De quem é esse carro? — Meu pai entrou no corredor confuso, o afastei.
— Você viu os jornais? — Fui até o meu quarto, ele me seguiu confuso. — As pessoas estão enlouquecendo, matando umas as outras.
— É. Eu acho que sim. — Se referiu ao meu estado, apenas ignorei e comecei a encher uma mochila com roupas.
— O que está fazendo? Isso é sangue? Malorie!
— Escuta pai, a gente tem que ir, temos que fugir. Sair da cidade, e-eu não sei. — Continuei enquanto enfiava as roupas.
— Escuta, eu achei uma coisa no lixo lá atrás. O que é isso? — Ele jogou a impressão do ultrassom em cima da cama, parei por breves segundos e então continuei. — Não vai me responder? Quem é o pai? Quando isso aconteceu?
— Isso não é importante. — Tentei passar, ele segurou meu braço e me fez encarar seus olhos escuros.
— Eu devia enfiar esse papel dentro da sua garganta. — Ameaçou, estremeci apenas com o olhar severo. — Então quer fugir agora? Ele está esperando? Esse carro é dele?
— N-não pai.
— Vadia! — Ele me acertou no rosto, caí no chão sentindo todo o meu corpo dolorido. — O que sua mãe iria pensar? Você ao menos sabe quem é o pai?!
— Alguém muito melhor do que você. — Sussurrei, ele me encarou com ferocidade.
— Vagabunda desgraçada! — Ele me acertou um chute no estômago, seguido de outro e outro.
— Eu vou... te matar. — Disse com dificuldade, cuspi sangue enquanto o observava do chão o meu pai indo até a porta enquanto acendia seu cigarro. — Seu merda.
— Continue dizendo isso pra si mesma. — Ele riu e deixou o cômodo, consegui levantar e pegar a mochila, segui o corredor apoiando na parede. — Se sair por aquela porta eu vou te espancar até chorar.
— Por que você e assim? — Perguntei enquanto ele se jogava no sofá, meu rosto vermelho e dolorido.
— Como é? — Ele soltou a fumaça como uma chaminé.
— Por que você é tão merda?! — Gritei, ele riu incrédulo e jogou o cigarro no tapete.
— Eu estou te ensinando.
Engoli em seco e saí pela porta, para minha sorte ele não veio atrás. Entrei no carro e o liguei, o mais velho levantou e me encarou pela janela, mostrei o dedo do meio antes de dar a volta e sair. A lágrima quente escorria pelo meu rosto como uma torneira aberta, de repente todas as lembranças felizes que tive naquela casa se tornaram um borrão ficando apenas os momentos ruins. Eu finalmente estava livre, o mundo estava se acabando mas eu estava livre.
— Para! Para o carro! — Daniel surgiu no meio da estrada, freei com tudo quase passando por cima dele, o garoto jogou a mochila no banco de trás e entrou. — Você ta bem? Como fugiu? Isso é um olho roxo?!
— Como você fugiu?! — Perguntei, ele se encostou no banco axausto, parecia ter corrido uma maratona.
— Os meus pais estão mortos, a minha mãe matou o meu pai. Ela enlouqueceu e começou a matar todo mundo. Ligaram pra polícia, quando chegaram eles começaram a atirar em todo mundo como se soubesse exatamente o que estava acontecendo.
— Então é verdade, as pessoas estão enlouquecendo. — Afirmei, reduzi a velocidade, havia uma fila enorme para deixar a cidade.
— Mas e você? O que aconteceu?!
— O escroto do meu pai me espancou, eu tentei ajudar ele mas as coisas não saíram como planejei. — Desviei o olhar constrangida, Daniel parecia ter pena por mim.
— Ele fez o que?! E o sangramento?!
— Ele é um babaca, eu não esperava menos. Não posso pensar nisso agora ta legal? Precisamos ir para algum lugar. — Me inclinei para tentar ver melhor, buzinei mas haviam outros cinco carros fazendo o mesmo.
— Pega a direita, eu sei pra onde podemos ir. — Apontou, a estrada à direita voltava para a cidade mas estava vazia.
— Estamos tentando sair gênio.
— Confia em mim. — Ele me encarou, franzi o cenho desconfiada mas cedi, cortei a fila e virei para a direita.
Estava começando a escurecer, começamos a ouvir bombas vindas do centro da cidade, aviões sobrevoaram rapidamente.
— Porra, ta ficando pior. — Comecei a tremer tão assustada quanto ele. — É melhor estar certo.
Muitas famílias deixavam suas casas com carros e malas, estavam tentando fugir de seja lá o que estava possuindo as pessoas. Saí da estrada e estacionei o carro no meio da mata como ele pediu, pelo tamanho das casas, o bairro parecia ser de classe alta.
— Vem comigo. — Daniel seguiu na frente até uma das casas, parecia ter dois andares e tinha grades enormes em volta, era bem protegida. — Vamos entrar!
— O que está fazendo? — Sussurrei, já era tarde mas a movimentação nas ruas não parava.
— Trabalhei aqui no verão, a família está viajando, ficaremos seguros por um dia ou dois. — Ele pulou a grade enquanto me explicava, joguei minha mochila e comecei a subir. — É bem protegido, tem comida e gerador de emergência.
— Como sabe de tudo isso? Você era o que? — Desci enquanto o questionava.
— Eu só limpava a piscina deles. — Coçou a nuca sentindo-se sem jeito, revirei os olhos.
— Vamos entrar. — Corri até a porta dos fundos, obviamente estava trancada, olhei em volta buscando uma forma de entrar.
— O mundo ta acabando, tenho certeza de que não vão se importar. — Daniel alcançou uma das rochas que formava uma cerca de pedras em volta das flores e acertou a janela, ele colocou a mão para dentro e abriu a porta.
— To começando a me questionar sobre você. — Passei por ele, a casa era enorme, tinha lareira e dois andares, a cozinha estava cheia de comida e no andar de cima havia um banheiro com hidromassagem.
— Bem-vinda ao paraíso. — Daniel abriu os braços e se jogou no sofá, comecei a fechar as janelas e colocar objetos na frente para impedir qualquer um de entrar. Passar dos portões serem bem altos, nós entramos apenas pulando. — O que está fazendo?
— Temos que ficar quietos, ninguém pode saber que estamos aqui. Ainda não sabemos sobre o que é essa coisa. — Sussurrei, o garoto concordou e me seguiu até a cozinha, tirei um pote de manteiga de amendoim da geladeira e comi uma colherada. — Eu to faminta.
— Olha, porque você não toma um banho? Tem roupas lá em cima, e eu posso fazer algo pra comermos. — Ele sugeriu, fechei a manteiga e fui em direção ao segundo andar.
Haviam dois quartos enormes com camas de casal cada um com um banheiro, um quarto menor de garota provavelmente uma adolescente da minha idade. Peguei algumas roupas e fui até o banheiro, me despi tendo visão de todos os hematomas que o meu pai me deixou, segurei o choro. Me enfiei em baixo da água quente, era a primeira vez que via tanto sangue escorrer direto para o ralo da banheira.
Me agachei no fundo da banheira e comecei a chorar, meu corpo estava dolorido e tinha certeza de que ia me lembrar por um bom tempo disso. O meu pai enlouqueceu, mas não da forma que deveria, e agora ele era a única família que eu tinha nesse mundo... como conseguia pensar nele mesmo depois de tudo? Eu estava quebrada... precisava esquecê-lo. Saí do banho e vesti algumas roupas da garota que morava ali antes, seu quarto tinha muitas fotos de viagens com amigos, família. O quarto dos pais era mais moderno, pintado em tons cinza e preto.
Havia um quarto em específico no qual não tinha entrado ainda, um quarto que para mim tinha significado. Quando entrei senti o estômago embrulhar, era um quarto de criança, tinha um berço de madeira com alguns brinquedos dentro, pisei em um ursinho de tigre e o peguei.
— Lorie, você está bem? — Daniel apareceu na batente da porta, assenti mesmo chateada.
Não seria uma boa mãe, nem mesmo consegui proteger ele dentro de mim... talvez meu destino fosse esse, não ter filhos nunca mais em toda a minha vida. Senti Daniel colocar suas mãos nos meus ombros e então o choro chegar a minha garganta, o abracei, ele sabia o significado de cada lágrima, acabou. Eu havia perdido a única coisa que faria alguma diferença na minha vida, e agora, nada mais me importava.
— Vou fechar esse quarto, vamos descer e comer alguma coisa. Ainda não cortaram a luz então podemos assistir algo na TV.
— Não podemos fazer barulho, é melhor não ligar a TV ou acender a lareira. Pode chamar atenção. — Saí do quarto e esperei Daniel tranca-lo, o garoto arrastou o armário no corredor até a porta.
— Viu, pronto. Não precisamos daquele quarto. — Ele dizia tentando ser positivo, dei de ombros e voltei para a cozinha.
Encontrei algumas tigelas com frango, macarrão, salada, pure de batata, sentei-me perto da bancada me perguntando onde um garoto limpador de piscina aprendeu a fazer tudo aquilo em tão pouco tempo.
— O frango já tava na geladeira, eu não sei a quanto tempo mas o resto foi eu que fiz. — Ele sorriu outra vez, como conseguia? O mundo estava se acabando e ele conseguia sorrir.
Busquei algo para beber dentro dos armários, tirei um vinho suave e o abri, enchi um copo de vidro inteiro.
— Isso é... muito vinho. — Ele dizia sem graça, ofereci, o garoto aceitou apenas para não beber sozinha. — Eu sei que tudo isso é uma merda, mas eu to aqui ta legal? Pode falar comigo.
— Tem razão, é uma merda. — Bebi três goles inteiros do vinho, ele engoliu em seco. — O meu pai me espancou, eu perdi a única coisa de valor que tinha, o mundo ta acabando e nós invadimos a casa dos seus chefes.
— E-eu. Sinto muito.
— Tanto faz.
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