Capítulo 6
Cochilei por alguns minutos, a perda de sangue estava começando a me deixar tonta. Quando acordei Joel estava conversando com Ellie, ensinando-a a segurar uma arma. Estiquei os lábios e me levantei, muito tempo havia se passado, era hora de ir.
— Estão prontos? — Coloquei a arma no cinto, Joel olhou diretamente para o sangue seco na minha cabeça. — Estou bem. Melhor irmos agora.
— Vamos pelos fundos. — Joel sugeriu, eu e Ellie o seguimos rapidamente.
Em alguns minutos caminhando chegamos ao prédio, já era noite, a porta para a entrada estava trancada mas por sorte havia uma pequena janela bem ao lado.
— Ellie, você vai e abre a porta pra gente. — Pedi, Joel se encostou na parede e ajudou a garota a pular direto para dentro do prédio.
Ellie abriu a porta por dentro, e então foi até as escadas boquiaberta, dez andares de escadaria me davam cansaço só de pensar.
— Até quanto vamos subir? — A mais nova perguntou, Joel passou na frente.
— O quanto a gente aguentar. — Ele respondeu, sete andares depois Joel estava exausto, eu já não sentia mais meus pés.
O mais velho se sentou no corredor para recuperar o fôlego, Ellie começou a rir.
— É, até que aguentou bastante. — A garota disse em tom de deboche, estiquei o braço para ajudar, Joel me encarou esperando uma piadinha.
— Segura a barra meu velho. — Sussurrei e lhe dei dois tapinhas nas costas, Ellie esticou os lábios com malícia. — Você, ajuda a gente.
Ellie veio até nós e nos ajudou a caminhar até um dos apartamentos, ao entrarmos Ellie começou a arrumar as coisas na sala, haviam dois sofás enormes. Fui até a cozinha e verifiquei se havia água, lavei minhas mãos e bebi um pouco. Joel reuniu um balde com vidros e espalhou pelo chão da entrada, quando voltei Ellie estava sentada de um lado lendo um livro enquanto ele fazia isso.
— Ei, vai dormir, já está tarde. — Pedi, a garota bufou e enfiou o livro na mochila.
Ajudei Joel a colocar o resto dos cacos de vidro no chão e levei o balde até a cozinha, não havia mais nada, tudo fora saqueado há muito tempo. Me encostei em uma bancada e puxei a arma do meu cinto, fiquei analisando por breves segundos.
— Você está bem? Pareciam se conhecer lá atrás. — Joel entrou no cômodo, guardei a arma e cruzei os braços rapidamente.
— Tínhamos um passado, algo antes disso tudo acontecer. Mas não importa, era pra ele estar morto. — Joel se encostou no balcão do meu lado e encarou o chão. — Algo parecido com você e a Tess.
— Atirou nele como se fosse nada.
— Nesse ponto ele já não significava nada pra mim. — Fui direta, Joel me encarou nos olhos e então alcançou uma toalha empoeirada e a molhou na pia. — O que está fazendo?
— Ainda tem sangue no seu rosto. — Ele se aproximou e me ajudou a limpar, permaneci quieta mas meus olhos não paravam de encara-lo.
— O que?
— Nada. — Desviei o olhar, Joel sabia que tinha algo, não me contive e ri. — É que, você é todo rabugento e agora ta aqui... me ajudando.
Joel parou e me encarou com o rosto limpo, foi até a pia e lavou o resto do sangue no pano velho.
— Estamos nessa juntos. — Respondeu e deixou o cômodo, fiquei ali por alguns segundos tentando absorver que Joel não tinha um coração de pedra afinal.
Fui até o outro cômodo e encostei-me no sofá com a arma em mãos. Meu corpo estava cansado, e só conseguia pensar no que acontecera mais cedo, Daniel mencionou Laura, uma garota uns anos mais nova na qual cuidavamos no início de tudo, mas aonde ela estaria agora?
Ouvi um estalo, quando levantei havia um homem e um garoto, ambos armados apontando suas armas para nós. Levantei na mesma hora e apontei minha arma diretamente para eles, o homem insistiu.
— Joel! — Chamei, o mais velho estava dormindo em sono profundo. — Joel!
Quando acordou, quase pulou de onde estava, o garotinho mais novo apontou a arma diretamente para ele.
— Temos companhia. — Respondi com as mãos para cima em forma de rendição.
— E-eu não quero ferir vocês! Só preciso de ajuda, eu e meu irmão. Nós precisamos de ajuda, e vocês vão ajudar a gente. — Ele dizia apontando a arma para mim.
— Tudo bem! Tudo bem, vamos ajudar vocês. — Concordei no mesmo segundo, ainda sim, Joel parecia irritado.
— Claro. Vamos ajudar. — Disse num tom irritado, o homem estremeceu.
— E-eu não gostei do jeito que ele falou.
— Calma. Escuta ele é só um velho rabugento, não precisa se sentir assim, eu prometo que não vai fazer nada. Não é Joel? — Perguntei implorando para que ele respondesse num tom normal nada acusativo.
— É. Claro. — Ele praticamente cuspiu as palavras, o homem estremeceu outra vez.
— Escuta, não precisa ficar inseguro por causa dele. Eu te prometo, nós vamos ajudar você e o seu irmão. — Apontei, ele fez sinal para o mais novo baixar a arma.
Joel levantou e puxou Ellie junto, me senti aliviada assim que o homem guardou sua arma. Nos sentamos em um círculo para conversar e comer, ele parecia tão assustado quanto nós.
— Também estão fugindo?
— Como nos encontraram? — Joel foi direto, o encarei.
— Vimos vocês lutando contra eles mais cedo, até que se saíram bem.
— Nós quase morremos. — Avisei, mesmo assim ele não parecia convencido.
— Mas vocês estão aqui, sabem se defender.
— Vocês tem um plano? — Joel acrescentou, o homem parecia confuso e um tanto pensativo sobre isso.
— Vocês não tem um plano? E querem fugir com a nossa ajuda? — Agora era eu quem estava irritada, Joel riu.
— A gente só tinha pensado até aqui ta legal? Vocês entraram nessa cidade atirando e batendo em tudo, com certeza tem um plano pra sair da cidade. — Ele insistiu, levantei do chão irritada.
— Calma gente, nós prometemos ajudar não é? — Ellie levantou as mãos tentando estabelecer calma entre nós, cruzei os braços. — Qual é o nome de vocês? Eu sou a Ellie.
— Eu sou Henry e esse é meu irmão Sam, estamos fugindo dos rebeldes. — Apresentou, andei de um lado para o outro pensativa, era difícil concordar em ajudar agora que não tinham um plano e que estavam do nosso lado.
— Vamos esperar e pensar em alguma coisa. — Afirmei, ele concordou e repassou a mensagem para o irmão surdo.
Fui até o outro cômodo e tentei ver algo pela janela enquanto Ellie conversava com nossos novos aliados, a presença deles apesar de parecer indefesa, me dava uma sensação ruim como se algo fosse acontecer.
— O que pretende fazer? — Joel resmungou da porta, levantei os braços sem resposta, ele notou meu nervosismo.
— O menor é surdo, eles tem armas mas pode ser perigoso pra ele lá fora.
— Isso não é problema nosso. — Ele veio até mim, assenti, as mãos trêmulas pensativa.
— Eles estão fugindo também, o que aquele garoto fez pra ser procurado por eles? Devemos nos preocupar também? — Olhei para Ellie rindo enquanto conversava com os garotos, Henry nos encarou do outro cômodo.
— Vamos descobrir. — Joel respondeu e voltou até eles, fechei os olhos com força e contei até cinco na minha cabeça.
A imagem de Daniel ainda era presente na minha mente, seu sorriso, nossos contatos. Aquele dia, quem ela era, quem ele foi... eu o perdi duas vezes, quando nos reencontramos pela terceira vez ele já não me pertencia mais.
— Lorie, Henry tem um plano. — Ellie chamou, me tirando de todos os pensamentos.
Fui até a sala, Joel parecia apreensivo, me encostei num sofá e cruzei os braços apenas para ouvi-lo.
— Os túneis, tem túneis em baixo que passam por toda a cidade. Os rebeldes não vão nos encontrar lá porque acham que é onde estão todos os infectados. — Explicou, Joel encarou o chão, esperei por uma explicação mas ele não respondeu.
— E é? Onde estão todos os infectados?
— Acontece que os túneis estão limpos, faz três anos. — Explicou, senti alívio mas ainda sim desconfiança.
— Mas você não tem certeza disso.
— Mesmo assim estaremos em um bom número, vocês dois sabem lutar. Podemos passar por eles. — Ele dizia com confiança, como se fosse algo certo.
— Não. — Joel foi direto, Ellie o encarou com surpresa.
— Podem ser centenas, milhares. Nós podemos morrer. — Apontei, Joel estava certo da sua decisão.
— Escuta, vocês vão morrer se ficar. Esse é o único jeito. — Henry podia estar blefando, mas estava certo que até o momento não tínhamos um plano melhor, olhei para Joel esperando uma resposta.
— Então vamos agora. — Joel respondeu, sua confirmação me trouxe alívio, ele sempre se posicionava contra qualquer plano então aquele deveria ser bom.
Me preparei para sair, os ferimentos ainda eram recentes mas não me incomodavam tanto, como uma unha lascada ou arrancar uma cutícula. Segui os garotos até o caminho dos túneis, as patrulhas estavam do outro lado da cidade assim como Henry nos avisou. Entramos no prédio e descemos até os túneis, como esperado e para nosso alívio estavam vazios.
— Viram? Eu falei que daria certo! — Henry comemorou.
— É cedo pra comemorar, acabamos de chegar. — Joel alertou puxando sua arma, fiz o mesmo.
— Seu pai é muito pessimista. — Ele se referiu a Ellie.
— Ele não é meu pai.
— Não sou o pai dela.
Os dois responderam juntos, soltei uma risada frouxa, até que Ellie e Joel pareciam pai e filha mesmo nunca tendo reparado.
— Então você e o seu irmão, como se envolveram nisso tudo? — Fiquei ao lado de Henry, enquanto Joel caminhava na nossa frente e Ellie e o garotinho Sam ficavam para trás.
— O Sam ficou doente e eu precisava de remédios pra ajudar ele, mas ninguém queria ajudar. Então tive que entregar o irmão desta mulher, a chefe deles, pra Fedra.
— Você ta com eles? Com a Fedra? — Segurei minha arma com firmeza, ele engoliu em seco.
— Eu faço de tudo pra proteger o meu irmão, e fiz parte da Fedra.
— Só pode estar brincando.
— Eu não tive escolha está bem? O Sam é tudo que eu tenho. — Ele olhou para trás, encarei o chão pensativa, mesmo assim Henry não era de confiança agora que sabia de suas origens.
Chegamos à uma porta com bonecos e arco-íris pintados na entrada, quando entramos o lugar estava vazio. Havia brinquedos, desenhos nas paredes, mesas, um quadro com regras, era um bunker de emergência para situações como essa.
— Nossa, aqui é muito legal. — Ellie entrou boquiaberta, ela e Sam correram direto para os brinquedos.
— Vamos, temos que ir. — Joel mandou, Ellie parecia chateada em ter que sair tão rápido.
— Vamos esperar um pouco, podem diminuir as buscas. — Sentei-me perto de uma mesa, Joel entendeu o recado apesar de discordar.
Henry se juntou à nós, ele parecia curioso, seus olhos passavam entre mim e Joel segurando uma pergunta na língua.
— Então, vocês são parentes?
— Não. — Respondemos juntos, ele apenas concordou e um silêncio constrangedor se instalou entre nós.
As risadas de Ellie e Sam quebraram o mesmo, instalando um clima leve e descontraído. Estavam animados sobre uma história em quadrinhos na qual os dois conheciam, sorri, me levantei e fui até as crianças.
— O que estão vendo?
— O Sam tava me ensinando o lema da história em quadrinhos que nós dois temos, em língua de sinais. — Ellie explicou enquanto o garoto concordava, fiquei curiosa. — Olha, é resistir e sobreviver.
— Resistir, e sobreviver. Assim? — Fiz os mesmos sinais, ele assentiu.
— Isso!
— Entendo porque ficou do lado da Fedra, é difícil de aceitar mas quando temos alguém para proteger precisamos fazer qualquer coisa. — Joel dizia como se soubesse exatamente o que Henry estava passando.
— Eu sabia que entendia, apesar dela não ser sua filha, tenho certeza se que você já foi pai. — Henry indicou, Joel se ajeitou na cadeira. — Elas não entendem isso ainda.
— Talvez. — Ele olhou diretamente para mim, levantei e fui até a mesa.
— Melhor irmos agora, esperamos muito. Já deve estar escurecendo lá fora. — Sugeri, os dois homens levantaram e se prepararam para sair.
Quando saímos o céu estava laranja, era final de tarde e parecia estar escurecendo rapidamente. Seguimos a rua principal até o fim, haviam carros abandonados e nada de patrulha por todo o percurso.
— Viu, Joel pode ser pessimista mas sempre acaba concordando. É só insistir um pouco. — Ellie dizia enquanto caminhava logo na frente.
— Ellie olha onde pisa. — Avisei, a garota olhou pra frente enquanto caminhava.
— Fala mais baixo, ainda não saímos da cidade. — Joel a repreendeu, ele revirou os olhos para nós, Henry sorriu.
— É, de que adianta ser órfã se ganhei uma mãe e um pai. — Praguejou, de repente uma bala quebrou o vidro de um carro.
Na mesma hora Joel puxou Ellie para baixo, corri para trás do carro junto com os garotos.
— Que merda. — Ellie praguejou outra vez, Joel segurou seu braço com firmeza.
— Ele ta em cima do prédio, eu vi. — Tentei levantar, outro tido bateu contra o capô. — Porra.
— Fica abaixada. — Joel pediu sério, assenti.
— Qual é o plano? — Puxei minha arma, ele olhou em volta analisando o lugar, os tiros não paravam.
— Vocês ficam aqui, eu vou dar a volta e pegar quem está atirando. — Joel dizia, Ellie estremeceu assustada.
— É perigoso. — Sugeri, ele negou e olhou outra vez, outro tiro quase o acertou.
— Precisam confiar em mim, ele não vai me acertar, vou ser rápido. Esperem o meu sinal. — Pediu olhando diretamente para mim, assenti e segurei Ellie pelo braço.
Como prometido, Joel deu a volta e foi até a torre, os tiros pararam e então seguimos caminhando aliviados. De repente ouvimos carros, e um caminhão forte se aproximando logo atrás de nós, Joel gritou mas estava longe demais para ouvir.
— Corram agora! — Puxei Ellie comigo, corremos até onde conseguimos, o caminhão parecia seguir com intuito de nos atropelar.
Ellie começou a atirar para trás enquanto corria tentando acertar o motorista, de repente Joel o acertou com a mesma arma que tentaram nos acertar minutos atrás, o caminhão desviou e bateu contra uma casa explodindo-a, a casa começou a pegar fogo. Saí da estrada e me escondi com Ellie, Henry e Sam atrás de um carro.
— Henry! Sam! Eu sei que estão aí! Saiam agora! — A mulher que ele mencionou mais cedo estava lá, chamando por ele com um exército de homens armados, olhei para a torre, era um caminho longo e difícil de não ser notado.
— Temos que distrair eles pras crianças chegarem na torre. — Sugeri para Henry depois de analisar a situação, ele parou para pensar, estava tão nervoso quanto eu.
— Se não sairem vamos atirar em tudo!
— Deixe as crianças irem! Eu me entrego se deixá-las irem! — Ele gritou, o encarei surpresa em revelar nossa posição.
— Não. Sinto muito. — Ela foi direta, fechei os olhos decepcionada. — O seu irmão está com você, e a garota está com eles. Não posso deixá-los ir.
— São crianças, você não precisa fazer isso!
— Estarei fazendo um favor a vocês! Essas crianças não merecem viver num mundo como esse, são fracas e morrem com facilidade. — Cada palavra me deixava cada vez mais surpresa, aquela mulher era louca não havia dúvidas.
— Vamos sair! — Gritei, Ellie segurou meu braço e negou. — Tudo bem, pega o Sam e corre pra aquela direção, encontra o Joel.
— O que? Não. — Ellie negou, as mãos cravadas no meu braço.
— Ellie por favor faz isso agora, pelo Sam. — Pedi, a garota olhou para Henry, ele concordou mesmo com dificuldade e fez sinal para o irmão.
Levantei com as mãos para cima, a mulher e seus soldados apontaram as armas diretamente para mim, Henry veio logo atrás fazendo o mesmo.
— Lorie? — Laura estava com eles segurando uma das armas, igual ao Daniel mais cedo, senti meu corpo estremecer. — Você ta...
— Vocês se conhecem? — A mulher perguntou, ela ficou sem resposta.
— Ela me confundiu. — Corrigi no mesmo segundo, ela assentiu e baixou a arma.
— Eu espero que sim. — Ela levantou a arma e apontou para mim. — Sinto muito.
De repente o caminhão que bateu contra a casa, explodiu outra vez e começou a afundar. Os túneis cederam... não aguentaram a explosão e as chamas. Ouvimos gritos e o que parecia ser um grupo correndo, haviam muitos.
— Puta merda.
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