Capítulo 30
Os primeiros dias foram os mais difíceis, lidar com o frio da noite, e com toda a poeira que a casa velha havia aglomerado com o passar dos meses fez com que JJ tivesse alergia e Laura ficasse doente. Joel e eu já estávamos acostumados com ambientes caóticos, mas nossas crianças não... por mais que tivessem a cura para o vírus em seu sangue.
O fim do inverno estava quase próximo, mas as noites ainda eram frias e a neve a neve ainda estava alta o suficiente para afundar os pés. Joel estava cortando lenha no jardim, a noite ia ser longa e pelo clima, parecia que ia haver outra tempestade. Por morarmos em um ponto alto, era difícil encontrar quaisquer perigos, mas a mudança de clima chegava um pouco atrasada.
— Anda logo Laura! Conta! — Ouvi JJ gritando enquanto levava a água suja da pia para fora, Laura correu até uma árvore e começou a contar, estavam brincando de esconde-esconde.
— JJ, não vá muito longe! — Avisei, o garoto fez sinal de silêncio e correu para o meio da floresta, Joel sorriu e voltou a cortar lenha.
— Lá vou eu! — Laura gritou e saiu correndo disparada, era difícil correr com a neve e por isso JJ ganhava uma certa vantagem.
O garotinho, por ser menor e mais ágil, correu para o seu esconderijo secreto no meio das árvores. Um tronco seco e com uma abertura bem estreita, JJ se enfiou dentro do buraco e segurou a risada. Laura seguiu suas pegadas até certo ponto, a neve caindo em pequenos flocos serviram o suficiente para cobrir seus rastros.
Desci os degraus da varanda tentando encontrá-los na mata, havia os perdido de vista, e isso acabava me deixando preocupada.
— Estão só brincando. — Joel colocou o machado sobre o tronco cortado e veio até mim, cruzei os braços desconfortável.
— Eu sei. Mas eu falei pra não irem tão longe. — Repeti, Joel envolveu suas mãos em minha cintura.
— São crianças amor, e nós já verificamos tudo em volta da casa até a trilha que leva de volta pra cidade.
— Está nevando Joel, nem conseguimos ver a trilha. — Retruquei, ele finalmente concordou comigo.
Laura ouviu um galho quebrar na mata e virou-se rapidamente, nada, não havia nada atrás dela. A garota se concentrou e continuou procurando, sabia que só tinha um lugar no qual seu irmão poderia estar, quando chegou perto, avistou seus pés pela brecha no buraco. A garota se aproximou devagar feito uma fera prestes a pegar sua presa, e de repente o atacou puxando-o pelos pés para fora.
— Peguei você! Te peguei! — Gritou, JJ começou a rir enquanto tentava se soltar, ele acertou um chute no peito da irmã a empurrando para trás e correu direto para casa. — Seu merdinha! Eu vou te pegar!
Laura disparou na direção do irmão com a intenção de se vingar, JJ parou quando nos encontrou e ficou atrás de mim, a garota tentou contornar mas não conseguiu.
— Ei, já chega de brincadeiras crianças. Vamos entrar, está quase na hora do jantar. — Os interrompi, JJ mostrou a língua para Laura, ela retrucou com o dedo do meio. — Ei.
— Ele quem começou. — Laura se justificou, JJ negou enquanto nos seguia para dentro.
Joel estava na sala tentando acender a lareira, JJ e Laura correram e de sentaram no sofá. Fui até a cozinha e comecei a preparar o jantar, parte da caça do dia anterior com algumas salas e acompanhamentos. Apesar de não cozinhar tão bem, as crianças não detestavam minha comida.
— O que foi? — Joel perguntou, os dois olharam para o violão encostado na lareira. — O que querem ouvir?
— Aquela do seu amigo Bob. — Laura pediu, Joel riu e puxou o violão.
— Quem dera fôssemos amigos. — Ele acrescentou e se preparou para tocar, as crianças se inclinaram para frente.
Assim, o mais velho começou a dedilhar algumas notas, JJ encostou-se no sofá e começou a adormecer enquanto Laura movia seus ombros lentamente de um lado para o outro. Joel coçou a garganta antes de cantar algumas frases da música no mesmo ritmo em que tocava.
— It's getting dark, too dark to see... — Ouvi o violão e decidi ir até a sala, me encostei na batente da porta enquanto o assistia tocar mais. — I feel I'm knockin' on heaven's door.
Assim que ele terminou a música, avisei que o jantar estava pronto, Laura disparou para lavar as mãos. Fui até o sofá acordar JJ, ele já era pequeno, não podia pular as refeições.
— Bob Dylan de novo? — Perguntei ao Joel, ele deu de ombros.
— Eles tem que conhecer músicas de verdade.
— Está ensinando meus filhos a gostarem de músicas de velho, Joel Miller? — Cruzei os braços, ele se aproximou.
— Você bem que gosta do meu estilo descolado. — Sussurrou, revirei os olhos.
— "Descolado"?
— Quer que eu toque algo pra você esta noite? — Retrucou, acertei seu ombro.
— Mamãe? — JJ acordou levemente confuso, me abaixei e afastei o cabelo dos seus olhos.
— Oi meu amor, você precisa jantar, depois vamos pra cama está bem? — O guiei até a sala de jantar, Joel me seguiu com os olhos e então sorriu.
Bastou duas colheradas com comida para as energias de JJ voltarem com tudo, o garoto começou a fazer caretas enquanto mastigava tirando boas risadas da irmã. Tentei repreender mas acabei rindo junto, Joel apenas apreciou cada segundo naquela mesa com sua família, apesar de Ellie não estar presente. As vezes conseguia notar em seus olhos como ele se via pensando nela, pensando em como a garota estaria vivendo sem ele, felizmente Tommy nos deixava por dentro de todas as notícias.
— JJ mastigue de boca fechada por favor. — Pedi, o garoto de recompôs e voltou a comer normalmente.
— Papai quando vou caçar com você? — JJ perguntou, Laura riu alto, a encarei.
— É muito pequeno ainda. — Joel respondeu, continuei comendo e apenas ouvindo.
— Eu posso ir pai? — Laura perguntou, Joel a encarou e deu um sorriso.
— Se sua mãe deixar.
— Não. Nenhum de vocês precisa caçar está bem? Se terminaram, vão logo escovar os dentes.
Laura e JJ deixaram a mesa e correram escada acima, retirei seus pratos e levei até a pia, Joel me ajudou.
— Assim eles só vão discutir. — Resmunguei, Joel colocou as louças sujas na pia e começou a me ajudar a secar as limpas. — Ele é tão pequeno, nem parecem gêmeos.
— Sabe que são diferentes.
— Eu sei mas... as vezes JJ se sente triste por isso, não é justo com ele. — Me encostei na bancada, Joel parou e me encarou. — Sinto tanta pena dele, ele pensa ser culpa dele. Mas ele é só uma criança.
— Vem cá, vem aqui amor. — Joel me puxou para perto e me abraçou, deixou um beijo no topo da minha cabeça. — Ele sabe que não é culpa dele.
— Vocês são minha família, eu os amo mais que tudo. — Disse escondendo o rosto em seu ombro, Joel assentiu.
— Eu sei amor, tudo bem.
— Papai. — Laura apareceu no corredor vestindo seu pijama, voltei a arrumar a louça. — Pode tocar mais uma música?
Joel olhou para mim esperando uma resposta, assenti, ele foi até a filha no corredor.
— Claro querida, onde está seu irmão?
Sorri antes de me virar, meia hora depois estava finalizando a limpeza e organização da cozinha para me juntar aos três quando vi uma luz pela janela, estava tão escuro que mal conseguia ver, mas ela estava lá.
— O-o que... — Me inclinei para frente, a mesma luz se multiplicou em duas, e depois em três. — Porra.
Corri até a sala, Joel estava guardando o violão enquanto Laura o observava.
— Cadê o JJ? — Fui direta, Joel olhou para mim e notou os olhos arregalados. — Onde está seu irmão?
— Ele foi no banheiro. — Ela respondeu, Joel avistou as luzes vindo da janela e tirou a espingarda do molde na parede.
— Vai atrás dele, vai agora. — Pedi, ela paralisou, sequer conseguia se mexer. — Laura!
Gritei, dois homens abriram a porta com toda a força, mascarados e armados. Outros três entraram outros atrás, depois duas mulheres.
— Joel!
O mais velho atirou, apontei pra cozinha, Laura correu e se escondeu no primeiro armário que viu, peguei uma faca de cortar carne. Outro tipo, não demorou muito para Joel ser pego. Fiquei na frente do armário, um homem partiu pra cima de mim, tentei acertá-lo mas ele segurou meu pulso com força, bati minha cabeça na sua e o derrubei.
Corri para o andar de cima levemente tonta, Joel conseguiu conter outras duas pessoas antes de me seguirem, peguei JJ no meio do caminho e o levei para o quarto mais distante.
— O que está acontecendo? Por que estamos fugindo mamãe? — Ele dizia, conseguia sentir seu coração disparado entre meus braços.
Atravessei uma cômoda na frente da porta derrubando tudo sobre ela, abri o primeiro armário e tirei um casaco felpudo, coloquei em JJ. Ele estava começando a choramingar, segurei seus ombros com firmeza.
— Olha pra mim meu amor, está tudo bem. — Fui direta, ele negou, as lágrimas escorrendo pelo seu rostinho avermelhado.
— Não parece.
Joel foi colocado de joelhos na sala, logo depois Laura foi posta do mesmo jeito, ele tentou se mover mas tomou um chute no estômago.
— Joel Miller, você sempre causa problemas não é? — Um dos homens foi até o centro da sala e tirou sua máscara, Joel entendeu o que estava acontecendo assim que o viu. — Só me diz onde está o garoto e nós não vamos machucar o resto da sua família miserável.
— Ele ficou doente, morreu dias depois de vir pra cá. — Joel tentou mentir, Laura entendeu no mesmo segundo, o homem notou seu olhar e então a puxou pelo cabelo para cima. — Filho da puta! Não toca nela!
— É ruim não é? Ver sua filha ser maltratada e não poder fazer nada. — Ele dizia, os olhos de Laura começaram a lacrimejar.
— Papai.
— Solta ela! — Joel gritou, o homem apontou a arma para pra ela.
— Um filho pelo outro, é tudo que eu quero.
Enquanto isso haviam dois homens tentando entrar no cômodo, abri a janela, o ar frio entrou quase congelando meu rosto. Olhei para trás, JJ estava confuso.
— Abre a porta sua vagabunda! Eu sei que está escondendo ele aí! — Alguém gritou forçando o corpo contra a porta, a cada batida JJ pulava no lugar assustado.
— Escuta meu amor, você vai ter que ser forte está bem? — Ele começou a negar enquanto segurava o choro. — Tudo bem, está tudo bem, você vai pular por aquela janela e vai cair na neve. Está macia, será como pular em uma cama bem confortável.
— N-não. Não mamãe. Eu to com medo. — Ele começou a estremecer, deixei um beijo na sua testa.
— Você precisa correr o quanto seu pulmão aguentar e mais um pouco, não pare, tem que encontrar a Ellie e o tio Tommy e pedir ajuda. — Mais batidas, de repente ouvi um tiro, o silêncio se instabeleceu na casa inteira por breves segundos e então ele voltou a bater na porta. — Você tem que ir, tem que ouvir a mamãe só desta vez está bem?
O puxei até a janela, o garoto subiu e foi até a ponta do telhado, a brisa fria jogando seus cachinhos para trás. Ele olhou para mim uma última vez e então pulou, fechei a janela e corri até o armário, os homens conseguiram abrir a porta e então correram até mim. Tentei me defender, um deles me levantou pelas costas enquanto o outro acertou a arma em meu estômago, eles me arrastaram até o andar de baixo.
JJ correu como se sua vida dependesse disso, ele correu seu olhar para trás como havia pedido, o coração mais disparado que o de um coelho assustado. A neve estava grossa fazendo-o ter o dobro da dificuldade para se mover, mas mesmo assim ele continuou correndo, seu rosto quente chocando com o clima frio. Minhas palavras ficavam repetindo em sua cabeça, "você precisa correr o quanto seu pulmão aguentar e mais um pouco." Mais um pouco. Mais um pouco. Mais um pouco!
Meu nariz estava ensanguentado quando me colocaram de joelhos no chão, olhei para o lado, Laura estava assustada e Joel ainda mais. Evan Myers, o pai da garotinha que morreu por causa da mordida do meu filho, estava parado diante de nós.
— Nenhum sinal do garoto. — Um dos homens disse, Evan me puxou até os dois e apontou a arma para mim.
— Onde ele está?! — Disse, senti o cano da arma contra o meu queixo.
— Já disse, ele morreu dias após chegar aqui. — Joel repetiu, o encarei, entendi o que estava tentando fazer.
— Se ele morreu, então porque tinha dois pares de sapatos de criança na porra da porta?! — Perguntou, Joel encarou o chão, ele pressionou a arma com mais força. — Onde ele está?!
— Vai pro inferno.
— Vadia! — Ele me acertou com o cano da arma.
— Para! Mamãe! — Laura tentou intervir, Joel a segurou.
— Eu vou achar aquele garoto e vou fazer ele sentir o que minha filha sentiu. — Ele disse rangendo os dentes, estava completamente fora de si. — Onde ele está?!
— Vai pro inferno! — Ele acertou meu rosto outra vez e puxou meu queixo com forca.
— Eu não, mas você vai desejar ir pra lá.
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