Capítulo 26
Meus olhos estavam tão pesados que pareciam duas placas de metal, quando abri avistei o soro pendurado em um armário com um tubo que ligava diretamente na minha veia, arranquei o tubo e olhei em volta.
— Ela acordou. — Amanda avisou, Ellie pulou de onde estava.
— Fica parada, você quase morreu. — A garota me alertou, avistei meu bebê nos braços da garota ruiva logo na minha frente, estendi minhas mãos.
— Me dá, eu preciso ver ela. — Pedi, a garota se aproximou e me entregou o bebê envolvido em um casaco velho. — Oi minha pequena.
— Esse é ele. — Ellie corrigiu, franzi o cenho levemente confusa, a garota tirou o outro bebê de uma cesta que antes continha apenas faixas de curativo e medicamentos. — Você teve dois bebês.
— C-como isso... é possível?
— Não sabemos, pensei que soubesse. — Amanda disse. — Você quase morreu, o importante é que agora estão todos bem.
Olhei para o pequeno mais uma vez, contei os dedos das mãos e dos pés, deixei um beijo na sua testa e então fiz o mesmo com a garotinha.
— Ficamos quanto tempo aqui?
— Quase dois dias inteiros, você apagou, pra falar a verdade achamos que não ia acordar. — Ellie explicou, tirei o seio para fora e entreguei para o bebê.
— Devem ter ficado com fome. — Senti preocupação e angustia só de imaginar o tempo que ficaram sem comer, a garota engoliu em seco, não podia fazer nada por eles.
— Não conseguimos sair pra pegar suprimentos, cobertores ou roupas. O prédio está cheio de infectados agora. — Amanda explicou, encarei o chão pensativa.
— Não podemos ficar, tem que ter um jeito de sair.
— Não dá pra sair nem da enfermaria, o doutor e aquelas mulheres estão todos lá fora infectados. — Amanda inclinou a cabeça e olhou pela janela, balancei o bebê com delicadeza. — Conseguimos manter os dois quietos mas é só questão de tempo, e não sabemos se consegue levantar, quem dirá correr.
Estava entretida demais com meus bebês para sequer pensar em algo, Ellie sentou-se do meu lado, entreguei o garoto para ela e então alcancei a garotinha na cesta.
— Você pensou em algum nome?
— Laura. Laura Miller. — Olhei para a garota, ela parecia curiosa quanto a escolha, completei. — Não quero que tenha o meu sobrenome.
— E quanto à ele? — Ellie inclinou-se para mostrar o garotinho, estiquei os lábios.
— Joel Júnior? Poderia chamar de JJ.
— JJ Miller, eu gostei. Acho que ele vai gostar disso também. — Sorriu, toquei a cabeça do garotinho mais uma vez.
— Desculpem atrapalhar o momento lindo em família mas podemos pensar em um plano logo? — Amanda nos interrompeu, me levantei com dificuldade e ergui minhas calças. Entreguei o bebê para Amanda e peguei sua arma, olhei para fora analisando o ambiente.
— Amanda, você fica aqui com os bebês, Ellie vai direto até os vidros e empurra a maca pra bloquear as aberturas, vamos fazer uma barricada.
— E eles? — Ellie olhou pela porta, os infectados caminhavam de forma estranha pela sala.
— Eu cuido deles. — Tirei o canivete do meu bolso, Ellie recuou nervosa e então assentiu. — Tudo bem? Vamos fazer isso. No três.
— Ta. Ta legal.
— Um. Dois.
— Três! — Ellie completou, abri a porta e parti para cima do primeiro infectado.
Esfaqueei o primeiro, os outros dois partiram para cima de mim, Ellie terminou de fazer a barricada e chutou um deles para longe. Esfaqueei o outro no pescoço, seu sangue caiu sobre o meu rosto.
— Porra! — Gritei, o terceiro infectado estava em cima de Ellie, o puxei pela perna e golpeei sua cabeça.
Ajudei a garota a se levantar, senti uma dor cortante no meu estômago, ainda era muito recente.
— Você está bem? — Ellie me perguntou, assenti, fui até o outro cômodo.
— Porra tem um banheiro. — Disse aliviada, liguei o chuveiro me surpreendendo com a água quente caindo nas minhas mãos.
Amanda surgiu na frente da porta, a primeira coisa que pensei foi nos bebês ainda com sangue seco do parto. As meninas me ajudaram a lavar os bebês e enrolar em toalhas quentes, suas roupas estavam no apartamento no qual Kevin havia nos prendido mas felizmente as fórmulas para os bebês estavam todas na enfermaria.
— O que faremos agora? — Amanda perguntou enquanto Ellie e eu fazíamos os bebês dormirem.
— Vou sair e buscar alguns suprimentos, se estiver muito perigoso ficamos aqui. Caso contrário podemos sair, ir até Jackson. — Sugeri, Ellie me fuzilou com os olhos, notei isso e entendi exatamente o que ela queria dizer.
— Mas você é a mãe, e se for infectada? Como vamos cuidar dos bebês? — Amanda perguntou, desviei o olhar deixando quaisquer dúvidas escondidas.
— Eu sou a adulta aqui, não posso mandar vocês pra fora então eu vou.
— Tudo bem. — Ela finalmente concordou, senti que Ellie queria dizer algo mas não podia na frente da garota, então ela apenas se despediu.
— Só... cuidado. — Disse segurando o pequeno JJ, deixei um beijo na cabeça dos dois e então me despedi.
Saí em silêncio, os corredores estavam ensanguentados e em sua maioria vazios. Caminhei devagar, cuidando onde pisava, já que sequer aguentava meu corpo de pé teria que tomar cuidado para não chamar atenção de nada mortal. Saí abrindo as portas, por sorte não encontrei nada perigoso até chegar ao apartamento. Entrei rapidamente, peguei comida e roupas, estava tudo quieto quando os ouvi gritar do lado de fora, olhei pela janela e os avistei correndo. Coloquei tudo em duas bolsas e segui em passos rápidos de volta a enfermaria.
— Viu alguma coisa? — Ellie me perguntou abrindo a porta, entrei e a ajudei a fechar e bloquear.
— Eles saíram, devem ter seguido quem tentou fugir. Estão todos do lado de fora. — Apontei para a janela, Amanda foi até a mesma espiar.
— O que faremos?
— Peguei roupas e comida pra uns dois dias, temos tempo pra pensar. — Sugeri, as garotas trocaram olhares. — Podem tomar um banho, tirar todo esse sangue.
— Ta, eu vou primeiro. — Amanda pegou a bolsa e levou até o banheiro, Ellie esperou até a garota fechar a porta.
— Vamos voltar pra Jackson? Mas e o Joel? Não pode simplesmente deixar ele.
— E-eu tenho dois bebês Ellie, não posso simplesmente abandoná-los pra procurar por alguém que nem sei se ainda está... vivo. — Sussurrei, a garota bufou e então deixou o cômodo irritada.
Encarei o chão e fui até o bebê na cesta, peguei minha filha no colo e a encarei por alguns segundos, só de olhar não conseguia imaginar qualquer motivo para ficar longe dela. Meu único objetivo agora era viver para proteger meus filhos, tenho certeza de que Joel faria o mesmo no meu lugar, e fez. Ellie saiu do cômodo vestindo um casaco, estranhei sua reação repentina, parecia estar se preparando para algo.
— O que está fazendo? — Perguntei enquanto balancava o bebê com cautela.
— Eu vou atrás dele, vocês voltam pra Jackson e eu volto pra zona de quarentena. — Ela dizia, neguei no mesmo segundo.
— Ellie não consegue enfrentar um infectado, não sabemos como está lá depois de tanto tempo. Não sabemos se está tudo de pé ainda.
— O meu pai inventou a história do grupo de infectados, eles sequer chegaram perto da área de quarentena. — Amanda saiu do banheiro, Ellie me encarou com seriedade.
— Não posso deixar você ir, é perigoso.
— Então vamos até lá. Vamos buscar ele Lorie. — Ela segurou meu braço, franzi o cenho sentindo culpa.
— E-eu não posso. — Encarei o rostinho da minha filha, Ellie assentiu e deixou um beijo no meu rosto.
— "Que caminho seguir" certo? — Sussurrou, queria ter forças para impedi-la, mas eu mesma falei que era hora dela decidir o que fazer, quais decisões tomar. — Eu te vejo em alguns dias.
Ellie não era mais uma garotinha, o tempo que se passou a mudou, ela sabia o que tinha que fazer e como tinha que fazer. Coloquei o bebê na cesta e a ajudei a se ajeitar para sair, arrumei seu casaco enquanto a encarava nos olhos com receio.
— Você também é minha filha. — Afirmei, Ellie me encarou e então me abraçou com firmeza, quase que um abraço de despedida. — Por favor leve ele pra casa.
Ela assentiu e saiu pela porta, fechá-la foi o mais difícil, confiar em minha intuição, confiar que Ellie sabia se virar lá fora sozinha.
— Ela vai ficar bem. Já sobreviveu a muitas coisas. — Amanda sentou-se na maca, olhei para os bebês mais uma vez. — Mas e quanto a nós?
— Esperamos dois dias e saímos, existe um lugar seguro, uma cidade sem quarentena onde podemos viver com casa, comida e água quente. — Expliquei, Amanda não parecia nada convencida.
— Aqui era uma lugar com casa, comida e água quente.
— Eu sei, mas seu pai não colaborou com isso. Você sabe o que ele queria. — Argumentei, ela concordou.
— Meu pai era um babaca, não fazia ideia do poder que tinha. Colocava suas necessidades sobre uma religião esquisita que criou depois que tudo começou. — Ela dizia, torci os lábios aflita. — Espero que esse Joel também não seja um pai babaca.
— Ele não é. — Me sentei na outra maca, ela concordou outra vez.
Encarei JJ com carinho, a forma como dormia feito um anjo tão inocente me trazia apenas sensações boas. Passamos os últimos dois dias quietos, sem chamar atenção. Improvisei duas bolsas de colo para levar os bebês, Amanda ficou com Laura e eu com JJ, por ser menor e mais frágil.
Saí da enfermaria atenta a qualquer sinal de perigo, a garota me seguiu logo atrás. Parei, olhei para os lados, nada. Segui até as escadas, descemos devagar para não acordar as crianças, ao chegar no térreo parei e analisei o lado de fora.
— Aquele é o caminhão do meu pai, podemos usar para fugir. — Amanda apontou, olhei em volta, deviam ter quatro ou cinco infectados à vista.
— Vai chamar muita atenção, na verdade... pode até ser útil. — Parei para pensar, a garota me encarou confusa. — Aqui, segura ele.
Entreguei JJ para ela, a garota o segurou com cuidado. Encarei o caminhão e tudo a sua volta, tirei minha arma e busquei um alvo específico.
— Está bem, escuta. — Virei-me para Amanda, que continuou me encarandon com atenção. — Eu vou explodir o tanque daquele caminhão, isso vai chamar a atenção de todos os infectados na região. Aí nós fugimos pelo outro lado, e corremos até enfontrar um lugar seguro.
— Podemos passar pela velha ponte, reerguemos ela com algumas madeiras, é mortal para os infectados. — Sugeriu, concordei no mesmo segundo imaginando algo como uma ponte velha capaz de suportar nós duas.
— Pronta?
— Pronta. — Amanda concordou segurando JJ com atenção, virei-me para o caminhão e mirei, contei até três antes de atirar e explodir ele completamente.
Peguei JJ e comecei a correr as pressas atrás de Amanda, a fumaça da explosão estava começando a chegar aos céus o que podia ser algo perigoso para nós.
— Onde? — Perguntei, a garota virou a esquina e apressou os passos.
Corremos até uma velha ponte alta, cheia de destroços, com um caminho estreito entre algumas madeiras velhas.
— Reerguer é uma palavra muito forte. — Disse para mim preocupada, segurei o braço de Amanda antes dela atravessar por conta própria. — Não vamos atravessar essa coisa.
De repente Laura começou a chorar, Amanda a balançou tentando acalmar, comecei a ficar nervosa com o choro.
— Não podemos ficar aqui, vamos uma de cada vez. — Ela dizia com certeza de cada palavra.
— Você não vai levar meu bebê pra lá. — Insisti, ouvimos gritos vindos da cidade.
— Se ficar vamos morrer. Prefere morrer atravessando ou por uma daquelas coisas?
— Por favor toma cuidado. — Cedi, ela segurou Laura com cautela e começou a atravessar.
As madeiras começaram a ranger, cada estalo era um arrepio diferente na minha espinha. De repente ouvi passos vindo na minha direção, um infectado me pegou com tanta agressividade que quase caí da ponte.
— Puta merda! Lorie! — Amanda gritou, puxei meu canivete e o acertei na cabeça enquanto JJ chorava.
— Tudo bem amor, a mamãe ta aqui. Tudo bem. — O balancei tentando acalmar, seu rosto estava vermelho feito tomate enquanto ele se esforçava para gritar o mais alto que podia.
— Lorie você precisa vir agora! — Gritou, segurei o bebê com firmeza e comecei a atravessar.
Meu peso não era mais o mesmo, tive duas crianças e sentia meu corpo ainda inchado. Nada se comparava à Amanda, tão jovem e esguia.
— Eu to aqui, eu consigo te puxar! — Amanda se inclinou e estrendeu as mãos, outro infectado começou q correr na nossa direção, ele pulou com tanta ferocidade que as tábuas quebraram ao meio.
Pulei e me pendurei na ponte, JJ ficou preso somente pelo saco improvisado em meu peito. Estava começando a senti-lo deslizar pelo meu corpo, olhei para cima, nada. Não conseguia nem mesmo ver Amanda.
— Me ajuda porra! — Gritei, ouvi um tiro, de repente uma mão grossa e masculina me puxou para cima.
Verifiquei o bebê outra vez, e então olhei em volta, nunca sequer senti tamanho alívio. Depois de dias de angústia e nervosismo, depois de parir duas crianças no chão de uma sala fria e perder sangue feito um porco no abatedouro.
— Joel. — Sussurrei, a voz saiu fraca, quase nada.
O homem mais velho me abraçou tomando cuidado com a pequena criança em meus braços e então beijou minha cabeça. Suas roupas estavam gastas e o rosto com um corte, Ellie parecia tão abatida quanto ele.
— Falei que íamos nos encontrar. — A garota respondeu orgulhosa, Joel olhou para o bebê em meus braços e deixou um beijo no topo da sua cabeça.
Logo ele reparou no outro, envolvido nos braços de Amanda não muito longe, franziu o cenho confuso.
— São seus.
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