Capítulo 18
O medo. Ele surge de repente e você não sabe como controlar, como manter a calma.
— Malorie acorda! Malorie! — Danny sussurrou enquanto me movia, acordei assustada. — Estão aqui, estão entrando em todas as casas. Nós temos que ir!
Levantei, Daniel começou a colocar roupas e suprimentos dentro de uma mochila, corri para ajudar. Ainda era manhã bem cedo, o Sol sequer tinha surgido.
— Como vamos passar por eles? — Me perguntei, ele parecia nervoso demais para pensar em uma resposta, segurei sua mão. — Danny!
— V-vamos sair pelos fundos encontrar um carro e fugir.
— Está bem. — Concordei, assim que terminei de arrumar as poucas coisas que tínhamos corri para fora da casa pelos fundos.
Danny segurou minha mão e puxou-me até o portão dos fundos, ao cruzar de uma casa para outra avistamos carros com lanternas fortes, homens armados e uniformizados. Corremos até a casa ao lado, havia um carro velho na garagem, entramos pela janela do banco de trás, Daniel pulou no banco de motorista e começou a ligar.
— Porra. Porra. — Dizia para si mesmo enquanto tentava ligá-lo, bati no banco, o garoto começou a tremer. — Só um segundo!
— Sai daí caralho. — Pulei por cima do banco, Danny pulou para o lado, usei uma faca para arrombar a parte abaixo do volante.
— O que você ta fazendo? Lorie!
— Fica quieto porra! — Puxei um bolo de fios, parti dois deles e usei para fazer ligação direta, no mesmo segundo em que consegui ligar o carro e os faróis se acenderam um guarda levantou a porta da garagem.
— Aqui! — Ele gritou, acelerei o carro para a saída, ele pulou para o lado antes que pudesse ser atropelado.
— Puta merda Malorie! — Daniel gritou encostado no banco, soltei a respiração aliviada, quando virei a esquina havia outro carro que nos avistou de imediato.
— Caralho. — Freei com toda a força, Danny colocou o cinto, nem me dei conta de que também estava sem.
Dei ré, os homens no carro da frente começaram a atirar em nós, me abaixei tentando proteger-me das balas mas eram tantas que quebraram o vidro da frente completamente. Consegui dar a volta, agora os tiros vinham de trás, apenas segui a rota até a estrada que saía da cidade.
— A ponte! Lorie pega a ponte! — Danny apontou para a direita, virei o carro, seguimos em direção a ponte.
Estava acelerando sem nem olhar para frente, de repente Daniel gritou e colocou as mãos no volante, havia um buraco no meio da ponte. Fechei os olhos e o carro desabou sobre o buraco mas não caiu completamente, ficou pendurado.
— Lorie! Lorie acorda por favor! Malorie! — Gritou, quando abri os olhos meu rosto estava amassado contra o volante, Danny estava pendurado pelo cinto.
— Tem alguém aí? — Os homens apontaram lanternas para nós, Danny olhou para trás e acenou.
— Ajuda! Estamos aqui!
— Vamos descer, fiquem onde estão! — Um deles disse e fez sinal para o outro dar a volta.
— Não... — Resmunguei, Daniel olhou para mim assustado. — Tem água lá em baixo, podemos pular.
— Tem destroços lá em baixo, podemos nos machucar. — Ele dizia, comecei a me mexer e o carro também. — Lorie não! Malorie fica parada porra!
Comecei a sair do carro, de repente ele se moveu para baixo ameaçando cair, me pendurei na janela quebrada. O sangue começou a escorrer pela minha mão, Danny tirou o cinto para tentar me ajudar.
— Droga, fica parada Lorie!
Olhei para baixo, uma lágrima começou a escorrer pelo meu rosto, estava aterrorizada, era o meu fim... eu ia morrer bem ali mesmo. Fechei os olhos e soltei, caí na água, o impacto empurrou meu corpo com agressividade, fiquei presa em alguma coisa.
— M-merda. — Senti um gosto metálico na boca, sangue. — Caralho.
Quando olhei para baixo, meu corpo estava preso sobre um pedaço de metal pontiagudo, parte da coluna que segurava a ponte. Tentei me mover mas parecia estar presa, e sentindo uma dor agonizante.
— Garota fica parada! — Um dos homens gritou, estava nadando para a minha direção, assim que chegou perto conseguiu subir em um escombro e ficar de pé.
— Eu to presa. E-eu to p-presa! — Avisei, levantei as mãos ensanguentadas.
Ele guardou a arma e pulou na água, demorou alguns minutos e então subiu para a superfície. Olhei para cima, minha visão estava começando a ficar turva. Os homens que estavam em cima começaram a resgatar Daniel com agilidade, fechei os olhos.
— Não fecha os olhos! Garota olha pra mim! — Ele gritou, não ouvi mais nada depois disso.
Quando acordei estava em uma sala de hospital, mas não parecia ser um hospital conhecido, Danny estava dormindo em uma poltrona logo ao lado. Olhei para o lado e avistei um saco com soro ligado ao tubinho que ia direto até o meu pulso, quando tentei levantar senti uma dor na minha cintura.
— Ai. — Resmunguei, Daniel acordou e quase saltou de onde estava, ele me ajudou a me deitar novamente. — O que aconteceu? Onde estamos?
— Você caiu nos escombros, eu avisei que não deveria pular.
— Eu estava escorregando, ia cair de qualquer jeito. — Argumentei, ele cruzou os braços completamente preocupado.
— Podia ter morrido!
— Quem liga? — Dei de ombros, Danny arregalou os olhos assustado.
— Eu ligo! Ia me deixar lá com aqueles caras? — Gritou, me contraí no lugar, olhei em volta procurando pelos homens no qual havia mencionado.
— Onde estão? Onde nós estamos?!
— Estamos em zona de quarentena, eles verificaram se estávamos infectados e te trouxeram pra cá. Você estava ferida, e desacordada... — Enquanto ele me explicava, uma médica entrou pela porta do quarto vestindo um jaleco branco, com o cabelo amarrado feito rabo de cabalo e óculos quadrados quase transparente.
— Você acordou. O seu namorado foi muito corajoso e fez uma boa doação de sangue pra você. — Ela olhou para Daniel, cruzei os braços.
— Ele não é meu namorado. — Desviei o olhar sem graça, Daniel arqueou a sobrancelha surpreso com a resposta ao invés de um agradecimento.
— Certo, nesse caso poderia nos deixar a sós? Preciso informa-la sobre o seu estado.
— É muito sério? — Ele se aproximou, a doutora olhou direto para a prancheta.
— Ela está bem, são só alguns procedimentos. — Senti a mentira em seu tom de voz, sabia que tinha algo de errado.
Daniel saiu mesmo hesitante, ele me seguiu com os olhos até a saída, olhei para a doutora esperando uma resposta. Ela percebeu que eu já estava esperando por uma notícia ruim.
— Foi uma cirurgia difícil, o metal atingiu a sua virilha, prejudicando uma parte do seu útero. Não sabemos se vai ser capaz de ter filhos futuramente. — Enquanto ela me dava detalhes sobre o estado do meu corpo, apenas concordei fingindo entender tudo, fingindo que nada do que ela estava falando me importava. — Eu sinto muito querida, não devia passar por isso nessa idade.
Naquele dia eu soube que nunca deveria ser mãe, naquele dia o mundo tomou algo de mim, só não sabia que anos depois eu tomaria algo dele. Ellie Williams, uma garotinha especial que não fazia ideia de que precisava até conhecê-la durante um momento caótico.
— Você está bem? — Daniel chamou minha atenção, quando me dei conta estavam todos olhando apra mim na mesa da cantina.
— S-sim. Estou bem.
— Você é a garota que pulou da ponte né? Maneiro. — Ela disse, estiquei os lábios sem jeito. — Eu sou a Daisy.
— Prazer em te conhecer Daisy. — Daniel falou por mim, o encarei e revirei os olhos incomodada.
— Você se machucou? — Uma garotinha perguntou logo ao lado dela, estiquei os lábios.
— Um pouco, mas já estou melhor.
— Os meus pais também se machucaram, só que morreram. — Ela explicou, olhei para Daniel.
— Eu sinto muito.
— Eu também. — Ela encarou a comida, fiz o mesmo por alguns segundos. — Eu sou Laura.
— Malorie. Lorie pros legais. — Pisquei, a garota sorriu sentindo-se acolhida.
— Se precisar de alguma coisa, é só falar com a gente Laura. — Daniel disse, ela assentiu de imediato.
Avistei um grupo de guardas entrnado no refeitório, haviam muitas pessoas e adolescentes como nós, refugiados ou apreendidos.
— Atenção todos vocês, venho informar à todos que estão aqui, que é um lugar seguro. — Ele dizia alto e em bom som para todos ouvirem. — Vocês vão viver e comer aqui, seguros dos infectados lá fora até que tudo se normalize. Ninguém vai sair, ninguém vai roubar ou matar.
Olhei para Daniel neste meio tempo, o garoto engoliu em seco e então segurou minha mão. Senti alívio mas ainda tinha medo pelo que poderia acontecer pelos próximos dias em que ficaríamos presos ali.
— Vocês também terão que ajudar lavando, limpando, cozinhando. Vamos dividir os grupos. — Ouvi burburinhos, alguns concordavam, outros estavam começando a desconfiar do suposto "lugar seguro." — Por hora comam, descansem. Amanhã vão receber mais informações sobre os próximos dias.
— Querem nos prender aqui e nos criar feito porcos num abatedouro. — Daisy disse, Laura se encolheu no seu lugar.
— Estamos seguros aqui.
— Se está disposto a abrir mão da sua liberdade, sim, está seguro. — Ela acrescentou, soltei a mão de Daniel sentindo-me nervosa. — Vamos fugir, as patrulhas fazem uma pausa entre as três e quatro da manhã.
— Eu topo. — Sugeri, Daniel me olhou com irritação.
— Vocês pretendem ir assim? Sem nada? E depois? Vamos correr por aí saqueando casas vazias com medo do que podemos encontrar?
Daisy se calou, encarei o chão pensativa. Estive presa em um ciclo por toda a minha adolescência, o meu pai era violento e agressivo, de jeito nenhum ficaria em um lugar como esse.
— Vamos fazer. — Pedi, ela assentiu.
— Você não vai sozinha com ela. — Daniel retrucou, o encarei e nos olhos, notei que ele estava com tanto medo quanto eu.
— Então vem comigo.
— Eu também vou. — Laura disse, os olhos arregalados de medo.
— Qual é o plano? — Olhei para a garota, ela sorriu.
— Os guardas fazem uma pausa nas patrulhas para a troca entre as três e quatro da manhã. Fazemos nossas mochilas e saímos pelos fundos do prédio. Vamos nos encontrar bem aqui, perto do encanamento de esgoto.
— Vamos sair pelo esgoto? — Daniel fez uma cara de nojo, revirei os olhos. — Não é perigoso?
— Não, pessoas trabalham lá das cinco às onze da noite. — Foi direta, ele arqueou as sobrancelhas surpreso. — Os túneis são grandes e vão até um rio fora da cidade, de lá atravessamos e seguimos caminhando o quanto conseguirmos.
— Vamos fazer isso.
O alarme do refeitório soou indicando fim do intervalo, segui o corredor até a saída, os guardas nos levaram até nossos dormitórios. Fiquei no mesmo quarto que Laura, Daisy ficava no quarto logo na frente, já Daniel ficava no dormitório dos homens.
— Está preocupada com seu namorado? — Laura perguntou de forma inocente, sorri e sentei-me do seu lado na cama.
— Ele não é meu namorado.
— Mas ele segurou sua mão, eu vi. — Ela afirmou, soltei uma risada frouxa.
— Nós já fomos. Mas perdemos o contato, e então nos afastamos. — Lembrei-me do ensino médio, dos encontros e das noites que passávamos juntos fazendo qualquer coisa.
— Entendi. — Ela parou por alguns segundos. — Se ele não conseguir, vai deixá-lo pra trás?
— Não, claro que não.
— Por que não?
— Porque cuidamos um do outro, igual você, vamos cuidar de você agora. — Segurei sua mão, ela sorriu.
*
Não consegui dormir muito naquela noite, as luzes se apagaram há meia-noite e depois disso o tempo passou lentamente. Quando deu exatamente três horas da manhã, acordei Laura e pegamos nossas coisas. Seguimos até o final do corredor, e saímos pelos fundos do prédio como previsto.
— O seu amigo vai encontrar a gente lá? — Daisy me perguntou, assenti. — Ótimo.
Daisy nos guiou por becos escuros e úmidos, ela tinha razão, não havia patrulhas e sequer guardas naquele período da madrugada. Encontramos Daniel na entrada para o encanamento, havia um círculo metálico no chão, uma tampa de esgoto.
— Me ajuda aqui. — Ela pediu, o garoto se agachou e começou a puxar. Os dois conseguiram tirar a tampa enquanto Laura e eu olhávamos em volta. — Vamos!
Descemos as escadas até o esgoto, os túneis estavam vazios e cheios de equipamentos como previsto de trabalhadores, Daisy sorriu aliviada em ter funcionado.
— Eu avisei vocês, como porcos num abatedouro. — Apontou para o equipamento, engoli em seco enquanto fazia careta, o cheio de esgoto era péssimo.
— Então pra onde vamos?
— Vamos seguir em frente até achar uma saída. — Ela dizia, a encarei confusa.
— Pensei que soubesse o caminho.
— Eu não sou um mapa está bem? Mas dá pra sair, eu já ouvi pessoas falando desse caminho. — Respondeu, Daniel a encarou com surpresa.
— Ouviu pessoas? Está falando sério? Lorie, vamos voltar. Não é seguro pra nenhuma de vocês. — Ele disse referindo-se à mim e Laura.
Pensei seriamente em voltar, mas já estávamos mundo avançados no plano. Seguimos caminhando por longos minutos até chegar em uma bifurcação, Daisy parou e olhou para os dois lados com atenção.
— E então? Esquerda ou direita? — Perguntei, ela continuou olhando fixamente.
— Esquerda, vamos para a esquerda. — Apontou, olhei para Daniel, ele percebeu sua insegurança.
Seguimos pela esquerda por mais longos minutos, ao menos era o que imaginava já que não tínhamos relógio para cronometrar. De repente avistamos pontos de luzes brancas vindo do fundo do túnel, pareciam se mover lentamente.
— O que é aquilo? — Laura apontou, torci os olhos tentando ver.
— Porra, são eles! Corram! — Daisy gritou, os homens começaram a correr logo atrás de nós.
Daniel pegou Laura no colo e começou a correr na nossa frente, voltamos para a bifurcação e pegamos a direita desta vez. Corremos até chegar ao fim do túnel, o rio, protegido por grades grossas por onde a água e o lixo passavam como um filtro gigante.
— Caralho. Caralho. Caralho. — Daisy começou a gritar, os homens nos alcançaram.
— Parados! Achamos crianças tentando fugir pelo esgoto. — Ele disse em seu rádio apontando a arma para nós, levantamos nossas mãos. — Quem foi? Quem de vocês deu a ideia?
Ficamos todos quietos, meu coração disparou, nunca senti tanto medo nem mesmo quando meu pai tentava me matar.
— Vocês são uns merdas! — Daisy deu um passo à frente. — Estão nos prendendo aqui.
— Então é você a rebelde? — Ele perguntou, Daisy mostrou o dedo do meio. — Quer ser livre? Tudo bem.
O homem atirou na garota, seu corpo caiu morto nem na nossa frente, comecei a tremer com medo. Fiquei paralisada, o corpo de uma garota tão jovem quanto eu agora morto no chão.
— É melhor não tentarem de novo, ou o mesmo vai acontecer com vocês. — Avisou, Daniel assentiu e levou Laura pela mão. — Anda logo!
Naquela noite todos percebemos como ela tinha razão, não era um lugar seguro, éramos os prisioneiros e estávamos ali apenas para servir e seguir regras rígidas de convivência.
— Lorie vamos.
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