─ CHAPTER TWO
o (talvez) guarda roupa mágico.
OS DEDOS GELADOS TOCARAM O VIDRO embaçado da janela, prestando bastante atenção nos pingos de chuva que escorriam com delicadeza pelo outro lado da vidraça. Moveu as orbes de volta ao seu caderninho, onde desenhava com a ajuda de seu lápis de carvão. Como a chuva havia decidido acontecer bem naquela manhã onde as crianças estavam dispostas em desbravar o lado externo da mansão, eles decidiram que permaneceriam na biblioteca e ali se encontravam, cada um num canto do cômodo. Para se distrair, Bella optou por rabiscar algumas coisas em seu caderno antigo de desenho – o qual não mexia há uns bons anos. Já Susana lia um dicionário e perguntava a Pedro os significados das palavras, o que Bella achou meio maçante e tedioso.
Ao seu lado ouviu um suspiro e ergueu o olhar, notando que Lúcia observava com olhos tristonhos as folhagens do lado de fora.
── Algum problema?── Bella sussurrou, para que só a menor pudesse escutar.
Lúcia se virou para a mais nova amiga e deu de ombros.
── Achei que poderíamos brincar lá fora hoje mas estamos presos dentro de uma biblioteca.── reclamou.
── Às vezes a natureza nos surpreende.── foi apenas o que disse.
Lúcia encarou-a confusa por um tempo, mas logo desviou o olhar para os irmãos quando escutou a voz de Susana:
── Gastrovascular.── falou a palavra com um pouco de dificuldade.── Anda, Pedro. Gastrovascular.
── É latim?── perguntou o de cabelos dourados, soando estar entediado.
── Sim.
Edmundo, que estava deitado no chão riscando a parte debaixo de uma cadeira, voltou-se a se sentar e sua voz pôde ser escutada com os seguintes dizeres:
── É "o pior jogo já inventado" em latim?── dizia em tom de provocação para irritar a irmã. Pedro sorriu e encarou Susana, como se aprovasse a fala de Edmundo.
Susana revirou os olhos e bufou, cansada das provocações dos irmãos. Fechou o livro com força e isso causou um leve estrondo, que fez Bella se assustar e quebrar tanto a ponta de seu lápis, como fazer um risco bem grande no meio do desenho. A garota encarou-os irritada, odiava quando alguém a atrapalhava quando estava fazendo algo que necessitava de sua completa concentração. Agora seu desenho estava estragado e ela arrancou a folha e a enfiou no bolso do casaco, tendo de fazer uma anotação mental para jogar aquela bolinha de papel no lixo depois.
── Bom, nós podemos brincar de esconde-esconde.── cantarolou Lúcia, soando esperançosa. Ela andou até Pedro e parou ao lado do irmão.
── Mas já estamos nos divertindo tanto.── comentou Pedro, provavelmente tentando soar sarcástico e atacando ao jogo que Susana havia inventado, esta apenas revirou os olhos.
── Vamos, Pedro, por favor.── pediu Lúcia, balançando o braço do mais velho.── Por favor?
Bella suspirou de maneira preguiçosa. Gostava da ideia de se entreter brincando de alguma coisa mas, sinceramente, estava muito bem sentada naquela poltrona e não pretendia sair de lá tão cedo. É como se os dias de chuva nos deixassem mais indispostos para nossas tarefas e isso estava acontecendo com Bella. Havia comido bastante no café da manhã e estava sentindo uma baita vontade de voltar a dormir, principalmente com aquele tempo pluvioso.
── Um, dois, três…
E foram essas palavras que saíram da boca de Pedro que a desanimou por completo.
Se levantou rápido, assim como os outros e saiu pela primeira porta que havia visto, essa que estava do seu lado direito e também havia sido por ali que Susana tinha saído.
Bella notou que ali parecia ser o tipo de casa que não tinha fim, cheia de lugares surpreendentes e ótimos esconderijos. As primeiras portas que entreabriu davam para quartos vazios, como já havia suposto. Não demorou para encontrar um salão cheio de quadros, onde também achou uma coleção de armaduras. Na sala também havia um imenso baú que, ao notar, a menina correu até ele e tirou o cadeado (que, por acaso, estava destrancado).
Ela percebeu que letras metalizadas indicavam de quem era. Leu mentalmente as palavras "de Polly, para Diggory. 'Espero que goste, meu caro amigo Diggory. Lembrei de você automaticamente ao terminar de pintar este quadro. Feliz Natal. Polly Plummer". Não se importou muito com quem havia dado o que quando escutou os passos de Pedro se aproximarem e notar que a contagem havia cessado há algum tempo.
Sendo o mais rápida que conseguia, Bella se enfiou lá dentro e não fechou por completo a tampa do baú, deixando a fechadura sem cadeado e tendo o escondido dentro do baú junto a si. Até porque seria meio burrice deixar o cadeado fora, sendo que Dona Marta poderia muito bem aparecer ali e trancar o baú, julgando que fosse algo muito valioso.
Escutou o ruído da porta ao ser aberta e Bella prendeu a respiração, tentando não emitir nenhum som para não ser descoberta.
── Andem, sei que tem alguém aqui.── a voz de Pedro surgiu como um sussurro e o sangue da menina gelou e ela arregalou os olhos.
O silêncio voltou a reinar e Bellatrix julgou que Pedro havia desistido e saído do cômodo, por isso a menina permitiu soltar o ar que segurava há alguns segundos e deixou a tensão se esquivar mas a calmaria acabou quando o gritou de Pedro "te achei" ecoou pelos quatro cantos da sala e a luz praticamente chutou as orbes de Bella com força, tendo de fechar os olhos no minuto seguinte que a claridade lhe incomodou.
Pedro soltou uma risada alta ao ver o susto que havia dado da garota, que ainda permanecia imóvel, com os olhos fechados, os lábios contraídos e as mãos tremendo.
── Eu vou te matar, Pedro Pevensie!── exclamou Bella, voltando a abrir os olhos mas ainda enxergando algumas manchas roxas e verdes ao seu redor, o que significava que ainda não haviam se acostumado com a luz.
Pedro apenas riu da amiga e estendeu a mão, para ajudá-la a sair.
Bella recusou a ajuda e se levantou sozinha, batendo a poeira da saia e saindo do baú em seguida, logo fechando a tampa.
── Você tinha que ver a sua cara.── provocou o menino, ainda rindo da situação que acabara de acontecer.
── Não achei o mínimo de graça. Isso foi muito maldoso, eu poderia ter tido um infarto, seu brutamonte de meia tigela.── falava meio devagar, enquanto desferia tapas do braço direito de Pedro.
── Auch! Auch!── exclamava alto, tentando se esquivar das demonstrações irritadiças de Bella.── Isso dói sabia, Bella?
── E era para doer mesmo, cabelinho de tigela.── rebateu, revirando os olhos, impaciente.
Ao longe escutaram a voz de Lúcia e os protestos de Edmundo, o segundo não parecia estar contente com o que acontecia.
Bella e Pedro trocaram olhares confusos e rapidamente passaram a seguir as vozes pelos corredores. Passando por muitas portas e vendo muitos quadros antigos, até chegarem seu lugar de destino.
Ao avistar os mais velhos, Edmundo soltou um longo suspiro, soando zangado. Lúcia estava um pouco distante dele, parecendo meio atordoada.
── Bom, não sei se vocês entenderam o jogo.── brincou Pedro.
── Vocês não se perguntaram onde eu estava?── questionou Lúcia.
── Mas essa é a ideia. Por isso que ele estava nos procurando.── falou Edmundo muito devagar, como se quisesse que aquilo entrasse na cabecinha de Lúcia.
Isso foi uma das coisas que deixou Bella ainda mais confusa em relação a tudo que se passava bem ali. Lúcia poderia ser mais nova que ela mas não parecia ser o tipo de criança que não sabia brincar de esconde-esconde, principalmente por ter sido ela a dar a ideia. Até passou pela cabeça da Evans que a Pevensie estivesse pregando uma peça mas, para ser bem franca na opinião da garota de cabelos castanhos, quem tinha mais cara de fazer tal brincadeira seria Edmundo e não Lúcia.
── Isso quer dizer que eu ganhei?── a voz de Susana pôde ser escutado e logo ela estava ao lado de Bella, com um sorriso vitorioso pendendo em seus lábios.
── Acho que Lúcia não quer mais brincar.── comentou Bella, meio incerta, desviando sua atenção para os olhos azuis da menor das Pevensie.
── Mas… eu sumi por horas!
Tal comentário fez todos os mais velhos trocarem olhares confusos e intrigados. Afinal, como Lúcia poderia ter sumido por horas se não fazia nem cinco minutos que Pedro havia parado de contar?
ִֶָ٠⋆៹
Quando Lúcia contou sobre sua breve aventura, todos decidiram que iriam inspecionar o guarda-roupa e, por mais que estivesse meio ofendida por não acreditarem apenas na sua palavra, Lúcia concordou que aquela seria a melhor ideia a ser seguida.
Susana abriu a porta do armário e olhou por entre os vários casacos de pele falsa que se residiam ali. Bella adentrou o móvel após a inspeção da Pevensie mais velha. Evans empurrava os casacos, até que chegou ao final do guarda-roupa e viu seu fundo, uma enorme parte de madeira como já esperava encontrar (por mais que tivesse se animado com a ideia de Lúcia, de ter um mundo novo dentro do guarda-roupa). Ela deu duas batidinhas e em seguida escutou três outras, que provavelmente haviam sido dadas por Edmundo que estava atrás do armário.
── Encontrou algo aí, Bella?── a voz de Pedro soou meio distante, por causa de tanto casacos de pelo que estavam ao redor das orelhas da menina, o que resultava em deixar o som abafado.
── Nada.── respondeu, saindo do armário e dando um pulo para chegar até o chão.
Enquanto Bella retirava alguns resquícios de poeira que haviam no seu próprio casaco, Susana deu mais uma olhada e voltou-se para Lúcia, parecendo meio irritada.
── Lúcia, a única madeira aqui é a do guarda-roupa.
── Um jogo de cada vez, Lu. Nós não temos a sua imaginação.── disse Pedro, tentando ser sutil em suas palavras para não magoar a irmã.
── Talvez tenha apenas se confundido. Sabe, muitas vezes acabo me perdendo em meus pensamentos ou em minhas imaginações e acabo por criar algumas histórias, uma boa forma de fugir de uma realidade caótica. Acho que deve ter acontecido isso com você.── Bella deu sua opinião, realmente não querendo desmerecer a palavra de Lúcia e querendo acreditar nela, mas era louco demais acreditar que existia um mundo dentro de um simples guarda-roupa, louco demais até para a grande imaginação da Evans.
E começaram a caminhar para saírem da sala, porém pararam ao escutarem a voz de Lúcia:
── MAS EU NÃO ESTAVA IMAGINANDO!── claramente parecia entristecida com a falta de crença dos irmãos e da amiga.
Bella sentiu-se bem péssima por estar a desmerecendo.
── Já chega, Lúcia!── Susana exclamou, soando ríspida.
── Eu não mentiria sobre isso.── argumentou, sua voz falhando, como se quisesse chorar.
Bella suspirou, se sentindo totalmente culpada. Sabia muito bem que não tinha sequer como provar que Lúcia estivera nesse tal lugar, ela nem parecia estar louca e muito menos tinha cara de quem mentia apenas por travessura. Juntando todos esses pontos, ela só poderia estar falando a verdade, mas Bella tinha uma espécie de parede em sua mente, que não a deixava acreditar na pobre garotinha. Era como se a lógica falasse mais alto que seu coração.
── Quer saber? Eu acredito em você.── disse Edmundo alguns segundos depois e isso atraiu olhares confusos de todos, até da própria Lúcia.
── A-Acredita?
── Claro que sim! Sabiam que há um campo de futebol no armário do banheiro?!
Bella sentiu seu sangue ferver ao ver que ele estava aproveitando da situação para chatear a irmã. Ele poderia não acreditar como a maioria das crianças daquela sala mas fazer piada com a situação? Bella havia achado uma atitude horrível, até para Edmundo.
── Ah, você quer parar com isso? Adora piorar as coisas, não é?── Pedro também parecia ter ficado irritado.
── Foi só uma piada.── ele tentou se defender.
── Quando você vai amadurecer?
── CALA A BOCA! VOCÊ ACHA QUE É O PAPAI MAS NÃO É.── cuspiu as palavras, com o rosto bem próximo de Pedro, mostrando toda a sua indignação. E logo em seguida saiu pisoteando para fora da sala.
E ali a jovem Evans entendeu que o buraco era bem mais fundo do que imaginava. Edmundo estava lidando ainda com seus sentimentos em relação à mudança repentina para a casa do sr. Kirke, além da preocupação com os pais, ele não parecia ser o tipo de garoto que gostava de falar sobre seus problemas. E Pedro também não estava em seus melhores momentos, também estava lutando contra seu eu próprio. Afinal tinha assumido uma responsabilidade muito grande, mesmo ainda sendo tão jovem; ele havia se tornado o "líder" de três irmãos mais novos e pessoas tem problemas, opiniões diferentes e etcetera, não é como se fosse fácil lidar com pessoas. E, naqueles tempos, eles provavelmente vinham se chocando muito mais do que o costume, por causa do estresse do dia a dia.
── Ajudou muito a sua atitude.── ironizou Susana, em seguida indo atrás de Edmundo.
── Mas…── a voz de Lúcia os chamou atenção novamente.── Mas eu realmente estive lá.
── Susana tem razão, Lúcia. Agora já chega.── disse Pedro, muito sério. Ele girou nos próprios calcanhares e saiu da sala, deixando para trás um silêncio mortal.
Bella observou com uma dor no coração os lábios de Lúcia tremer e ela abaixar o olhar, envergonhada e provavelmente segurando o choro. Ela deu meia volta e se aproximou do guarda-roupa, fechando a porta. Parecia desanimada com a situação e completamente deprimida pelo o que havia acabado de acontecer. Bella, sentindo pena da mais nova, andou até ela de forma cautelosa e calma, como se não quisesse a assustar.
Ao chegar perto da pequena Pevensie, Bella a abraçou pelos ombros e ambas passaram a observar o guarda-roupa, num silêncio profundo.
── Não acredita em mim também, não é?── questionou Lúcia após alguns segundos, quebrando a tensão que se instalara.
── Para ser franca, é muito difícil de acreditar que existe um mundo dentro de um guarda-roupa, Lu.── ouviu-se um suspiro decepcionado se esvair pelos lábios de Lúcia.── Mas não tenho como provar se esse lugar existe ou não. Claro que pode ser apenas um fruto da sua cabeça mas não acho que brincaria com esse tipo de coisa e, pelo tanto de detalhes que nos contou, não poderia ter planejado tudo em apenas cinco minutos. Não tenho provas de que você esteve lá, então não posso desconsiderar sua palavra.
Lúcia a encarava perplexa e um sorriso mínimo surgiu em seus lábios.
── Então você meio que acredita em mim?
── Não tenho provas para desacreditar e nem para acreditar. Digamos que estou em cima do muro em busca de pistas para comprovar minha teoria.── dissertou de forma simples, dando de ombros. Por fim, Bella abriu um grande sorriso.── Que tal comermos alguns chocolates? Meu tio costuma comprar muito chocolate e esconder na dispensa para eu não ver mas eu sei onde ficam todos. Antes de vir para cá, peguei uma boa quantidade de doces. O que acha?
── Acho uma boa ideia. E você pode me contar melhor sobre aquela história que está escrevendo.── sugeriu a menor, já ficando mais animada.
── Você tem ótimas ideias, tampinha! Venha, vamos devorar os chocolates e falar sobre a vida, como a Roberta e meu tio fazem quando bebem muito vinho. Sabia que eles já beberam tanto ao ponto de ficarem chorando enquanto falavam sobre o ciclo de vida de um pato? Tio Gus até ficou desesperado ao se lembrar que tinham patos com baixa autoestima e que se achavam feios. Ele ficou dizendo "tadinho dos patinhos, tadinho dos patinhos…".
Lúcia gargalhou muito alto, uma risada gostosa de se ouvir, daquelas que aqueceria até o coração dos mais tristes.
── Eu preciso conhecer sua família um dia.── comentou animada.
── Ah, e você vai!
E ambas deram meia volta, saindo da sala e indo em direção ao quarto de Bella. Onde passaram o resto da manhã degustando dos chocolates e falando sobre assuntos banais, até chegar a hora do almoço.
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