XXVI ➵ O Rei do Céu
Dancing with the Devil | Hyunlix
EM SEUL, os dias continuaram calmos como sempre. O tempo estava péssimo, devido à umidade e a chuva que caía do céu, mas apesar disso, as pessoas ainda estavam de bom humor.
O jovem de cabelos ruivos terminou de tirar o dinheiro da caixa registradora, entregando-o à velha à sua frente, do outro lado do balcão, que o pegou com cuidado.
— Aqui, Misook. Espero que você tenha um bom dia.
A senhora sorriu enquanto pendurava a sacola de compras no pulso.
— Muito obrigado amor. Espero que você também tenha um lindo dia. — respondeu, virando-se para a saída e passando por um trabalhador da obra, que segurava uma enorme caixa nos braços. — Ele é um cavalheiro. — ela comentou com o jovem, referindo-se ao caixa antes de sair pela porta, tocando uma pequena campainha pendurada na mesma.
O jovem de cabelos castanhos observava o amigo no balcão, erguendo e abaixando as sobrancelhas.
— Ela realmente te ama. — disse flertando, sorrindo um pouco enquanto caminhava para um canto da sala, deixando a caixa no chão enquanto respirava fundo.
— Oh, cale a boca, Seungmin. — Minho murmurou. — Ela poderia ser minha avó.
— Mas não é. — Seungmin mais uma vez endireitou-se, alongando-se um pouco antes de virar sobre os calcanhares, exausto, mas continuando com seu trabalho.
A vitrola com os Beatles tocando fez Minho querer dançar, mas seria muito constrangedor se um amigo ou alguém entrasse onde estava e o visse, então apenas pegou o pequeno pano um tanto sujo, borrifando-o com água, e sem evitar começar a cantarolar a música no meio da limpeza.
— Well, shake It up baby now! — Seungmin cantava da salinha cheia de caixas, exagerando no tom de voz, sorrindo um pouco ao ouvir a risada do amigo. — Twist and shooout!
— Twist and shout. — cantarolou Minho.
— Come on, come on, come, come on baby now!
— Come on…
Seus cantos foram interrompidos pelo estrondo das vitrines. O jovem atrás do balcão cobriu-se rapidamente, com a roupa e os cabelos cheios de pequenos cristais, sentindo-se em pânico, uma leve sensação de queimação em uma das maçãs do rosto. Ouviu a porta da loja abrir-se abruptamente, assim, começou a abrir lentamente os olhos, pensou que pudesse ser apenas seu amigo quebrando algo, ou algum tipo de roubo, eles sempre aconteciam. Mas assim que seus olhos estavam abertos completamente, percebeu que a situação era pior do que pensava.
Minho teve a infelicidade de lembrar de seu rosto, enquanto era controlado pelo próprio Deus. Lá estava ele, com sua roupa preta, olhos cor de sangue, com um olhar frio, mas meio desesperado.
Um arcanjo, o arcanjo. O diabo.
Não se parecia nada com a primeira vez que o teve em sua frente, mesmo que continuasse parecendo calmo, seu olhar desequilibrado e seus olhos arregalados o tornavam mais assustador. O rei do inferno olhou em volta lentamente, mas abruptamente virou a cabeça na direção do jovem atrás do balcão, que parecia surpreso, assustado e tentava se afastar o máximo que podia.
— Oh, Deus.
Aquilo pareceu deixar o Diabo ainda mais furioso, que com um simples movimento de mão jogou o ruivo contra a parede. Passos foram ouvidos, gemidos de dor, e Seungmin, um tanto assustado, saiu do pequeno quarto, tentando analisar a situação em meio à confusão.
— Minho!
— Onde está? — o Diabo falou com autoridade, sem tirar o olhar de Minho, exercendo mais força em seu aperto contra a parede, tornando-o mais doloroso.
— E-eu não... eu não sei.
— … Eu não tenho muito tempo, nem paciência.
— O que você está fazendo com ele? — o castanho ergueu a voz para o homem à sua frente, que estava de costas para si. Ele estava com medo, nunca havia presenciado algo assim em sua vida, mas Minho era seu melhor amigo, e o homem parecia estar prestes a matá-lo. Não deixaria nada de ruim acontecer com seu amigo. — Deixe-o em paz!
— E-eu não sei onde-... Ahhh! — sentiu o braço saindo do lugar, pelo que não evitou um grito de dor, começando a soluçar alto.
— O que está fazendo?! — Seungmin se aproximou do sujeito desconhecido, pronto para lutar. — Eu disse que eu...
Hyunjin foi mais rápido. Apenas moveu a outra mão, e o pescoço do castanho quebrou. Seu corpo sem vida logo caiu no chão, e ele ficou ainda mais irritado ao ouvir os gritos do garoto que havia sido possuído por Deus.
— Seungmin! — Minho soluçou.
— Me diga onde está. — não podia ter pena, só pensava no marido, e no olhar lindo e único que este sempre lhe lançava.
Um grito de partir o coração saiu da boca do humano, e invadido pela raiva, olhou para o Diabo.
— Vá se foder, maldito! Não vou te contar merda nenhuma, você acabou de tirar meu melhor amigo de mim!
Hyunjin pareceu congelar por alguns longos segundos, com os fortes soluços do ruivo retumbando em sua cabeça, comendo-o e fazendo-o entender. Era isso? Foi nisso que se tornou? Em um rei do inferno com compaixão?
Claro que não. Foi apenas...
… Félix nunca iria perdoá-lo por isso.
Ele abaixou a mão enquanto observava o ruivo cair abruptamente, gemendo de dor e tentando inalar adequadamente em meio aos soluços. Como isso aconteceu? Há poucos segundos ele estava feliz, cantando sua música favorita, cantando para a pessoa que amava, aquele que estava ao seu lado desde o jardim de infância.
Hyunjin virou-se para o corpo sem vida, determinado. O faria reviver. Gostaria de poder reviver o melhor amigo de seu marido, mas os dias se passaram, Jisung foi desmembrado e sua alma ascendeu ao reino dos céus, portanto, não havia o que fazer. Se inclinou, piscando lentamente, e levou a mão à cabeça do ser menor, especificamente, ao pescoço, afastando-se quando sentiu vida nele.
Sentiu imediatamente e, como se fosse alérgico, Hyunjin imediatamente se levantou, dando dois passos para trás. Olhou com desprezo para o outro rosto que se escondia no do jovem, que se levantava calmo e inexpressivo.
— Você estava procurando por mim. — sussurrou.
Hyunjin respirou fundo, tentando demonstrar calma. Era a primeira vez em muito tempo que não gostava de uma situação, sequer conseguia fingir.
— Eu a quero de volta, ou juro que vou matar todos os malditos seres vivos neste mundo. Suas histórias apocalípticas se tornarão realidade, essa é a minha promessa.
A testa do jovem franziu.
— O que você quer de volta?
— Estou perdendo tempo, então vou começar a contar os segundos. — não explicaria o que era, este Deus sabe bem do que Hyunjin está falando.
Minho caminhou em direção ao seu melhor amigo com as pernas trêmulas, segurando o braço quebrado com a mão oposta, e ainda chorando.
— Seungmin?
O mencionado, que não estava realmente ali, olhou para seu antigo refúgio por alguns segundos antes de voltar seu olhar para o Diabo.
— Se você quer dizer a alma de Lee Félix, eu não a tenho. — disse ele.
Hyunjin ergueu o queixo, olhando para Deus disfarçado de ser inferior, menos zangado com este, mas mais, e mais confuso.
— Impossível...
— Hyunjin, por que pensou que eu teria isso? Ele vendeu sua alma para você. — tentou explicar a coisa mais lógica, trazendo seu olhar para o ruivo, e avançando em sua direção.
Hyunjin o seguiu com o olhar, sentindo-se ainda mais perdido. Nunca pensou que se mostraria tão vulnerável aos outros, mas estava, e não planejava fingir.
— Isso é verdade. — murmurou, vendo um ponto fixo no chão. — Mas quando fui ao inferno procurá-la, não a encontrei, e um de meus demônios me informou que sua alma estava em seu corpo. Alguém… alguém a tirou dele.
O rei do céu se dedicou a pegar no braço de Minho, curando-o, sem ao menos lhe causar dor. O jovem piscou em meio às lágrimas, ao mesmo tempo em que o castanho ergueu as mãos para o rosto do desconhecido.
— Minha proteção contínua em você, apesar dos danos que possam lhe causar. Ainda estou em dívida com você, então você não deve se preocupar com seu amigo. Ele será bem cuidado.
— Não. — o ar saiu dos pulmões de Minho, trazendo suas mãos para os braços de Seungmin. — Não. Você deve trazê-lo de volta. Nós somos felizes. Ele é meu melhor amigo, e eu... eu não sou nada sem ele. Por favor... eu imploro.
Hyunjin engoliu em seco. Maldição.
— Como quiser. — respondeu, tirando as mãos das bochechas do ruivo quando terminou de curá-lo. Mais uma vez, se virou para localizar o arcanjo. — Foi o demônio que disse isso a você?
— Não, eu o transformei em cinzas antes disso. — respondeu ele.
— E o que você acha que aconteceu?
— Baphomet era um idiota, mas muito leal. Ele passou metade da minha eternidade atendendo minhas necessidades, e eu o apavorei até o fim, e é por isso que não desconfio do meu carisma. — parecia um tanto presunçoso.
Seu criador concordou.
— Eu entendo, mas não está no céu. Eu teria avisado imediatamente, embora honestamente não achasse que você se importasse tanto.
— Eu não pensei que você se importasse tanto com seus servos também.
— Eu me preocupo com eles, sim. — confirmou o homem de cabelos castanhos de maneira neutra, encarando o arcanjo. — Acho que sempre mostrei isso.
— Você só mostra que se importa quando eles não estão perdidos, mas assim que eles acham que têm uma saída comigo, você os abandona. — disse ele, levando as mãos aos bolsos da frente da calça.
— Não te culpo por acreditar nisso, mas talvez se você não fosse como é, eles não teriam razão para cair em suas mãos, por isso eu não os abandonaria.
— Você teria pensado nisso antes de me mandar para um lugar cheio de escuridão só por ter uma opinião sobre os humanos diferente da sua. Porém, aí você chega, dita "livre arbítrio" e monta uma porra de marketing para que todos acreditem que eu sou mau, e você é bom. Dê-me motivos para não ser como sou, e voltarei com alegria para a sua casa celestial, Deus dos hipócritas. — no final, conseguiu parecer neutro, e apenas ergueu um dedo indicador, sem conseguir evitar erguer as sobrancelhas ao perceber o terror nos olhos da velha embarcação.
Dizendo isso, completamente calmo antes de mover o dedo indicador para cima.
Help dos Beatles começou a tocar no toca-discos, no volume máximo, antes que o Diabo sorrisse para seu criador.
— Eu continuo contando os segundos... parece uma eternidade, e isso me cansa. — murmurou, antes de virar as costas e sair da loja, desaparecendo em um piscar de olhos. Tudo permaneceu calmo, antes que o corpo do castanho caísse, mais uma vez, no chão.
— Seungmin?! Deus. Por favor. — se ajoelhou ao lado do corpo de seu melhor amigo, e o pegou pela camisa, prestes a sacudi-lo com força, mas não foi necessário. O Kim respirou fundo, a princípio agitado e, aos poucos, regularizando a respiração. — Oh, Seungmin…
— E o-os vidros... — foi a primeira coisa que Seungmin conseguiu dizer, olhando em volta, antes de erguer o olhar, encontrando o oposto. — Temos que limpar, eles vão nos matar... e aí você me explica.
⸸⸸
Nunca havia dirigido tanto em sua vida e, pela primeira vez, estava indo muito bem.
O jovem dirigia por horas e horas. Poderia até continuar, mas ele não era idiota. Sabia que iria enfraquecer se não comesse ou dormisse adequadamente, mesmo que não estivesse com fome ou sono.
Parou o carro após entrar em uma estrada de terra, saindo da estrada, por uma mata. Dirigiu por alguns minutos até que finalmente estacionou no meio e desligou o carro, suspirando enquanto esfregava o rosto e se espreguiçava um pouco no banco. Trancou as portas por dentro e, cuidadosamente, subiu no banco de trás. O cobertor que havia levado de seu quarto estava lá, e embora não estivesse com frio, depois de tirar os sapatos e o casaco, cobriu-se com ele, permanecendo sentado com a cabeça apoiada na janela da porta esquerda dos bancos traseiros.
Sentiu sua presença assim que o outro apareceu, mas apenas manteve os olhos fechados, suspirando novamente.
— Olá, Hyunjin. — cumprimentou. Houve apenas silêncio. — Você encontrou minha alma?
— Não, e não sei quando vou, mas vou. Você vai voltar a ser o que era.
Os olhos do menor se arregalaram antes de se virar para ver o arcanjo, que estava o olhando. Ainda estava com os olhos vermelhos ao invés de azuis, honestamente, eles estavam assim desde que Félix perdeu sua alma.
— Hyunjin, e se eu não quiser minha alma de volta?
— Não posso deixar de devolver, é perigoso. — quando a testa do mais novo franziu ligeiramente, o Diabo falou novamente. — Você nem sempre estará tão calmo. Ser sem alma pode trazer ainda mais escuridão do que você já carrega. Além disso... eu simplesmente não posso permitir isso. Não é justo ter um final assim. Não para você.
— Esse é o ponto. — Félix estava calmo, neutro quando se virou para encarar seu marido, que o olhava como se fosse uma obra de arte. Bem, ele realmente era. — Eu não... não sei se está tudo bem, provavelmente não está. — negou lentamente, olhando nos olhos do rei do inferno. — Mas estou melhor do que nunca. Me sinto mais forte, porque nada me assusta mais, nada me machuca. Sou independente, sem desequilíbrio emocional. Não me importo com meus pais, ou minha irmã, ou meus amigos... ou você. — o peito de Hyunjin queimou ao ouvir isso, mas sabia que não era culpa de Félix. Claramente, estas palavras não teriam impacto para o garoto, sabia o que era não ter alma, bem... não exatamente. No caso dele, estava desligada, mas sabia o que era não sentir. — O que quero dizer é... o que você acha que vai acontecer quando eu recuperar minha alma? Porque não consigo sentir, mas posso descrever como doeu. A morte de Jisung acabou comigo. Lembro-me de pensar: "Quero morrer esta noite, quero muito morrer", e lembro-me de acreditar que merecia todo aquele sofrimento. Lembro de chorar, e não conseguir parar de o fazer, porque não parava de doer. Então eu realmente tento respeitar a sua decisão e, mesmo não me importando, entenda que não posso decidir isso, mas e se eu já quisesse e apenas nunca te disse?
Hyunjin ficou sem palavras. Surpreendeu-o o quão inteligente Félix poderia ser. Apesar de não sentir nada, tentou se esforçar para isso, mas, infelizmente, ele tinha seus motivos para continuar assim.
No entanto, o Diabo também tinha suas razões.
— Você se lembra quando estava para morrer porque aquele filho da puta não me deixou te curar? — Félix apenas assentiu depois de alguns segundos. — Pedi que me deixasse ajudá-lo, porque não podia deixar você morrer. Eu sei que você disse sim porque me ama, mas também sei que você me aceitou porque esperava que eu o salvasse. Você quer ser salvo e quer viver e se curar. Você quer amar e se sentir amado, porque é por isso que você me conheceu. Você queria amor.
— Isso não é tudo. Existem mais razões pelas quais deveríamos deixar do jeito que está: sem alma, sua presença não me afeta, não me afeta que você passe horas grudado ao meu lado. Eu não adoeço.
— Temos muito tempo para continuar juntos, e sempre que eu for embora porque minha presença te faz mal, eu voltarei. Eu sempre voltarei para você, Félix.
O menor negou lentamente, baixando o olhar e franzindo levemente a testa quando uma forte dor começou a se fazer presente em um local próximo ao pulso, espalhando-se por todo o braço. Hyunjin notou isso e levou seu olhar para aquela marca indecifrável no antebraço de seu marido. Ele cuidadosamente pegou sua mão para dar uma olhada mais de perto.
— Ainda dói?
— Sim, mas é mais suportável agora que estou assim. — respondeu, sua respiração ficando curta com o fogo que sentia em sua pele, finalmente saindo de repente, fazendo-o exalar.
Hyunjin olhou para o rosto do marido que, segundos depois, também olhou para cima. Ambos se encararam antes de Félix dar um sorriso falso. Pelo menos estava tentando.
— Aqui está outro motivo para não ter minha alma de volta: eu costumava começar a chorar se uma pessoa simplesmente respirasse.
Hyunjin não pôde deixar de sorrir da mesma forma que o menor, puxando sua mão para perto dele. O jovem ajoelhou-se nos assentos e Hyunjin envolveu-lhe lentamente a cintura com os braços.
— Eu te achava adorável. Apesar de odiar te ver triste, foi um grande motivo para te ter em meus braços. Você era um bebê.
Félix passou os braços pelo pescoço do arcanjo, e Hyunjin puxou mais um pouco para finalmente tê-lo no colo, com as duas pernas do garoto de um mesmo lado, esticadas no assento.
— Agora eu também sou, apenas um bebê que não se importa com nada. Um mais forte… — inclinou a cabeça quando Hyunjin aproximou sua boca da do jovem.
— Você sempre foi forte.
Seus lábios finalmente se encontraram, movendo-se lenta e profundamente um sobre o outro. Hyunjin aproximou seu corpo do mais novo. Porra, tinha sentido tanto a falta dele. Queria avançar em sua boca a cada maldito segundo.
Félix levou uma das mãos ao cabelo de seu marido, acariciando lentamente, tentando sentir a textura do mesmo, tentando se lembrar de como era a sensação de cócegas em seu abdômen.
… Nada.
Recuou um pouco, observando o Diabo atentamente.
— Não sinto nada.
— Eu sei. — Hyunjin assentiu enquanto colocava as mãos sob a camisa do homem mais baixo, acariciando sua cintura. — Eu cuido disso, vou trazer você de volta, porque você merece um final feliz, Félix.
O menor balançou a cabeça lentamente, erguendo as sobrancelhas e olhando para um ponto fixo.
— Espero que você esteja certo, Hyunjin.
— Eu estou. — inconscientemente o aconchegou mais perto e posicionou sua boca contra a testa do menor.
Este que não hesitou em fechar os olhos, pronto para adormecer, o que, com o passar dos dias, era ainda mais difícil de acontecer.
Suspirou.
— … Apenas se apresse, antes que eu mude de ideia.
Antes que a escuridão absorva o que resta de mim…
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