XVIII ➵ O Caminho da Descida
Dancing with the Devil | Hyunlix
OS LEE partiram para a cabana que dividiriam com o resto da família no dia seguinte. Félix saiu algumas horas depois de acordar, mas resolveram esperar um pouco, deixá-lo descansar em sua própria casa, em seu quarto, onde o mais novo menos queria estar. Ele podia sentir o desconforto — o de sempre — saindo lentamente de seu corpo, deixando um leve vazio em seu peito que, aos poucos, e sem perceber, foi aumentando.
Estar sozinho, em silêncio e encolhido na cama de seu quarto o fez lembrar o quanto sentia falta de Hyunjin e o quanto às vezes odiava que ele fosse o Diabo. Tê-lo longe era uma tortura lenta, e ele preferia passar por qualquer outra que lhe trouxesse dor física do que passar por aquela que só fazia seu coração doer e não parar de pensar por um segundo.
Ficou muito claro que ele não havia descansado nem um pouco naquela noite, porque todo o seu corpo doía e porque não conseguia dormir sem falar primeiro com Hyunjin. Além de seus hematomas e olheiras perceptíveis sob os olhos, estava carregando um tremendo mau humor que mal o deixava respirar.
Ele estava dependente? Não queria admitir isso, mas, no fundo, sabia que esta era a verdade.
Sua família, que nunca o viu assim, tão mal-humorado, rude, resolveu ignorá-lo, e tratá-lo como sempre antes de entrar no veículo. Minah e Seungsu conversavam nos bancos da frente, Jiyeon escrevia em seu diário e Félix olhava pela janela no banco de trás, perdido em pensamentos.
— Vai ser uma viagem adorável, não é?
— Sim, querida. — Seungsu respondeu a sua esposa, suspirando enquanto observava seu filho pelo espelho retrovisor. — Félix? — tentou ser cauteloso. — Tudo em ordem?
O adolescente encontrou seu olhar frio com o do estranho pelo espelho retrovisor, deixando claro que não queria conversar. Se não parecesse tão adorável, seria assustador.
Jiyeon assobiou ao perceber que não receberiam uma resposta.
— Está de mau humor? — ela brincou alegremente, ainda escrevendo em seu caderno.
Félix olhou para o lado de fora do veículo.
— Sim, acontece com pessoas que caem de escadas e se machucam. — respondeu em tom sarcástico.
Sua irmã mais velha deu de ombros.
— Todo mundo sabe no que está se metendo, certo?
E Félix não entendia nada do que estava acontecendo: talvez sentisse muito a falta de Hyunjin, talvez precisasse de sua presença, ou talvez desejasse sua própria extinção.
Talvez estivesse farto do que estava acontecendo consigo, da farsa familiar que carregava e de como ninguém queria admitir ou de como seu pai tentava confiar nele quando ele era um lixo desde pequeno. Não sabia o que era, mas aquela raiva enjaulada em seu peito o fez se virar lentamente para sua irmã, e dar-lhe um olhar desequilibrado.
— Eu te odeio. — disse a ela, sua voz rouca pela raiva que carregava. Jiyeon olhou para ele enquanto Minah se virava, indignada por ter ouvido as palavras de seu filho.
— Lee Félix, o que há de errado com você? — Félix olhou para ela com o canto do olho, sem tirar os olhos de sua irmã. — Olhe para mim quando falo com você! — finalmente fez. Mãe e filho trocaram olhares. — Não sei o que há de errado, mas não quero ouvir você dizer algo assim para sua irmã de novo, muito menos desse jeito. Você me ouviu?
O jovem piscou rapidamente por alguns segundos, mais uma vez olhando para Jiyeon, que parecia incomodada. Sentiu um nó sufocante na garganta ao perceber que assustou a irmã, já que nunca a tratara daquela forma, mas estava cansado.
Era sempre um pedido de desculpas dele e, mesmo que não se comportasse de maneira adequada, sentia que isso poderia soar falso, pelo que mais tarde o recompensaria de alguma forma. Porém, ao acenar com a cabeça, seus olhos logo começaram a se encher de lágrimas, que não rolaram, antes que voltasse o olhar para fora, percebendo naquele momento o corvo voando alto no céu, voando na mesma velocidade do veículo.
— O garoto já entendeu. Não grite com ele, Minah. — seu pai interveio. — E Jiyeon, não faça piadas. O corpo dele dói, e não descansou bem, então espero que dêem um tempo a ele, ok?
Mais uma vez, e mesmo depois de sua longa permanência no inferno, Seungsu foi rápido em tentar se destacar. A mulher pareceu perceber o quão rude ela soou em uma situação onde não deveria, então se virou mais uma vez em seu assento para olhar para seu filho, parecendo arrependida.
— Sinto muito, meu amor. — disse submissa.
Félix se odiava.
Resolveu ficar calado, assentindo mais uma vez enquanto respirava fundo pelo nariz para aguentar o choro diante da impotência.
O carro ficou em silêncio e Félix adormeceu devido ao cansaço.
⸸⸸
— Filho? Chegamos.
Os olhos do jovem se abriram lentamente, percebendo que era noite. O céu estava nublado e o tempo estava frio. Seu pai, que o acordou do lado de fora da porta do banco traseiro, cuidadosamente o ajudou a descer, ainda o mantendo enrolado no cobertor, e o ajudou a entrar na cabana.
Aquela cabana que trazia milhares de lembranças, sensações boas e ruins.
Sua mãe o ajudou a sair pela porta da frente enquanto Seungsu voltava para o veículo com Jiyeon em busca das malas, sua tia Haeun o recebeu em seus braços, tentando colocar um de seus melhores sorrisos. Mas Félix estava tão magoado que mal conseguiu retribuir aquele abraço doce e caloroso de uma das mulheres mais gentis que conhecia.
— Olha como você está lindo, Félix. — disse ela, afastando-o de seu corpo, e deixando um beijo na testa do mais novo, que fechou os olhos por apenas alguns segundos.
— Estou um pouco abatido. — comentou, constrangido.
— Isso não impede que você seja precioso. — respondeu a mulher, soltando o sobrinho de seus braços para receber a cunhada.
Félix olhou para Jinwook, seu tio, que lhe deu um leve sorriso, e também o envolveu em um abraço, expressando o quanto estava feliz em vê-lo. Ele parecia abatido e ainda muito mais magro. Houve uma pequena conversa em que ambos se perguntaram sobre sua saúde mental e mentiam terrivelmente.
Seus primos estavam em um canto da sala, ambos sentados em um sofá, com uma expressão séria, e tentando evitar o olhar do primo. Este decidiu não cumprimentá-los, para seu próprio bem e o deles.
Depois que Seungsu e Jiyeon guardaram as malas, começaram a decidir os quartos em que os adolescentes dormiriam. Eram cinco, com dois já ocupados, portanto, Jinwook sugeriu que seus filhos dormissem no mesmo quarto, e que Jiyeon e Félix pegassem os que estivessem disponíveis. Ninguém negou a decisão, Haeun anunciou a hora do jantar e todos se sentaram em seus respectivos lugares enquanto as três mulheres serviam a mesa. Quando chegou a hora de agradecer, Jinwook e Haeun deram as mãos, tentando, de alguma forma, mostrar apoio um ao outro. O mais velho dos irmãos Lee observava o mais novo.
— Seungsu? Você nos dá as honras?
Seungsu suspirou, lentamente balançando a cabeça.
— … Certo. Alguém comece comigo. — parecia desinteressado.
Depois de um silêncio constrangedor, todos fecharam os olhos e Haeun começou a orar, pedindo pelo bem-estar de sua família, agradecendo pela comida na mesa e, com a voz trêmula, pedindo desculpas pelo que quer que tenha causado a morte de seu filho de tal forma trágica e despreparada.
Félix arregalou os olhos, sentindo-se culpado e desconfortável enquanto encarava sua família aterrorizado. Não suportava o que ardia em seu peito, o que não o deixava desfrutar de um simples jantar. Ele sequer estava com fome! Seu olhar encontrou o de seu pai, surpreendendo-o um pouco, mas, em segundos, os olhos do homem se fecharam mais uma vez, tentando respeitar uma situação que o preocupava completamente.
Assim que a mulher terminou, todos conversaram, exceto Félix e Seungsu. O mais novo entendeu o porquê, mas esperava estar errado. Horas depois do jantar, a cabana estava completamente silenciosa, exceto pelo som alto do vento lá fora. Félix procurou em sua bolsa estofada por sua camisa branca de mangas compridas e calças largas. Apesar de usar sua camisa branca, suéter cor de vinho, calças compridas pretas e sapatos, estava congelando. Mal podia esperar para se vestir e ficar debaixo das cobertas.
Bocejou, indo até o único sofá no canto da sala. De qualquer forma, iria apenas dormir agora. Colocou a bolsa no sofá e se inclinou para fechá-la. Um desconforto reconhecível começou a se formar em seu estômago e ele congelou por alguns segundos, tentando descobrir se era real. Lentamente começou a se endireitar e respirou fundo antes de começar a virar. Uma figura escura mais alta apareceu bem em sua frente, e ele pôde apreciar aqueles olhos azuis claros com um quarto de vermelho, que o encaravam.
Era o Diabo. Ele veio, e não simplesmente para ele, mas apenas para ele.
Trocaram olhares significativos antes de Félix tentar engolir o nó na garganta. O arcanjo deu mais um passo à frente e apenas alguns pequenos centímetros os separavam.
— Jinnie… — Félix conseguiu deixar escapar, segurando as lágrimas, apenas admirando a obra de arte à sua frente.
Hyunjin levou a mão cheia de anéis até a bochecha do menor e lentamente acariciou o hematoma que havia ali, apagando a dor, mas sem conseguir apagar a marca. Terminou suspirando devagar, sem parar de olhar seu garoto. Este que notou que, novamente, o bipe havia desaparecido.
— Comprovei uma dúvida que habitava em mim. — disse. Félix pensou que tinha morrido ao ouvir sua voz. Provavelmente soaria como um exagero, mas dois dias foram duas eternidades para si. Não poderia continuar sem a única pessoa que o fazia se sentir vivo, mesmo quando muitas vezes era a razão pela qual ele poderia morrer. — Não posso ficar muito tempo sem vê-lo. — confessou, e as lágrimas do menor começaram a cair pelo seu rosto enquanto sorria fracamente. Segundos atrás, antes de sentir aquela dor de barriga, estava passando pelos piores dias de sua vida, mas o toque, a presença e as palavras do marido mudaram tudo. — Meu menino favorito sentiu minha falta?
Félix riu curto e quieto.
— Eu senti sua falta. — disse, sua voz completamente embargada, ainda sorrindo enquanto suas lágrimas continuavam a cair e seu queixo tremia levemente. Sinais claros de que ele queria chorar com todas as suas forças.
O Diabo sorriu de forma egoísta.
— Muito?
— Muito. Com todo o meu coraçãozinho.
Seu marido soltou um assobio antes de se aproximar, envolvendo a cintura do menor com os braços fortes envoltos naquela camisa preta de botão que sempre usava.
— Isso é muita coisa. — sussurrou, e roçou os lábios com os do garoto. — Eu precisava tanto de você. Eu mencionei que o tempo no inferno é diferente? Para mim, são meses sem te ver.
— Faz dois dias aqui, mas pareceram anos. — Félix respondeu, e ele não entendeu o porquê, mas seu corpo começou a tremer incontrolavelmente.
Hyunjin percebeu isso e guiou seu menino para a cama. Sabia como este se sentia impotente, como estava com medo de ser ferido novamente e como se sentia culpado por ter que falar com a família do idiota que matou. Apesar de tudo, tinha sido muito corajoso, mas merecia uma folga, merecia alguém que segurasse seu choro e o enchesse de beijos.
O Diabo acreditava que Félix merecia tudo.
Uma vez que o deitou, se sentou de lado e observou seu pequeno corpo antes de começar a despi-lo. Cada peça de roupa que tirava ia para o chão, e suas mãos percorriam a pele machucada do garoto, curando a dor de cada golpe. Se encarregou de beijar suavemente seu abdômen enquanto tirava seu suéter e desabotoava sua camisa, curando sua dor na costela e um pulso que havia sido quebrado e estava melhorando lentamente. Acabou por se colocar por cima do mais novo, cobrindo-o com seu corpo e levando-lhe beijos suaves ao seu pescoço. Sua fragilidade, doçura e o calor que emanava dos braços do Diabo envolvendo seu corpo o fizeram, inevitavelmente, começar a chorar dolorosa e silenciosamente.
Hyunjin apenas o manteve aquecido em seus braços, calando-o com "shhh" baixos perto de sua orelha, deixando alguns beijos nela, como se fosse um bebê. Era o seu bebê. Afastou o rosto do pescoço do jovem e deu um beijo suave em seus lábios antes de se sentar novamente, apenas para pegar a camisola que estava estendida na ponta da cama e começar a vesti-lo lentamente. Assim que terminou, se deitou ao lado do marido e fez um movimento com a mão, fazendo com que os cobertores chegassem até ele, cobrindo os corpos de ambos.
Félix tocou seus narizes.
— Eu senti tanto a sua falta. — disse ele.
— Eu sei. — respondeu o Diabo depois de puxá-lo contra seu corpo. Levou o dedo indicador e o polegar ao queixo do menor, levantando seu rosto e beijando seus lábios lenta e profundamente, querendo senti-lo mais.
O rosto do jovem permanecia imóvel devido ao aperto em sua mandíbula, mas ele movia os lábios, tentando acompanhar o Diabo, e a forma como sua língua acariciava a sua. Sentiu as cócegas em seu abdômen, as borboletas vibrando nele com o quão delicioso aquele beijo estava sendo. Foi como experimentar o fruto proibido. Adorou a forma como a entidade tomava iniciativa, como o dominava. Deu a ele o que o mesmo queria, o que ele precisava. Os minutos passam e eles sentem que é hora de se separarem um pouco, mesmo quando não é o que querem. Os dois se encaram depois de alguns segundos.
— O que você fez enquanto eu não estava aqui? Você foi um bom menino? — a última coisa que perguntou foi de forma debochada. Não se importaria se Félix fosse mau de vez em quando, só não queria vê-lo triste.
Félix suspirou e olhou para baixo, envergonhado e alardeando seus lábios enquanto começava a olhar para seus dedos, movendo-os. Estava envergonhado.
— Eu estava... de péssimo humor.
Hyunjin assobiou de novo, satisfeito. Adoraria ter visto isso, pois sempre via seu garoto triste, neutro ou pedindo perdão.
— Deve ter sido divertido.
— Bom... eu disse para minha irmã que a odiava quando ela me incomodou, e fui rude com meus pais. Eu não respondi às perguntas dele, fiquei quieto e rosnei para todo mundo. — disse ele, corando.
Hyunjin deu um beijo na bochecha do jovem.
— Esse é o meu garoto favorito. — comentou com orgulho, e segurou Félix, deixando-o em seu próprio corpo enquanto baixava as mãos para as nádegas dele, pressionando-as. — Você deve ter parecido tão gostoso. — disse antes de beijá-lo castamente nos lábios e deixar seu nariz pressionado contra a bochecha corada e cheia das adoráveis sardas do marido. — Seus primos?
— Eles não falam comigo, estão de luto e sabem que tenho algo a ver com isso. — o Diabo bufa com isso e parece querer discutir, mas Félix rapidamente decide mudar de assunto. — E o que você fez?
Hyunjin inverte as posições, deixando o marido sob seu corpo, olhando-o nos olhos.
— Eu tinha alguns negócios para resolver. Mais do que tudo, procurei a coisa que quer te machucar.
Félix ficou tenso imediatamente. Isso o deixou nervoso, como se sentisse que há algo atrás de si que irá ouvir sobre isso.
— Você o encontrou?
— Estou perto. É um demônio.
Félix piscou lentamente, surpreso. Um demônio? O que um demônio queria com ele? Por que quis machucá-lo?
— Uh... oh, uau.
— Eu torturei muitos por informações, mas ninguém sabe qual é o nome dele. Aparentemente, ele trabalha sozinho. Não fala com ninguém e está na terra há muito tempo para admitir isso. Eu estive procurando por seu amigo.
— Jisung? — seu coração começou a bater muito rápido, temendo o pior.
— O outro.
— Chan?
— Eu estive observando ele. Não senti nenhuma presença com ele e, se havia, não apareceu por dias.
Félix sabia que Hyunjin havia observado Christopher devido às suspeitas do jovem, que notou seu amigo em um estado semelhante ao dele, no início, e isso era bastante óbvio. Seria possível que ele estivesse errado? E se não estivesse, qual seria o motivo? Por que ele convocaria um demônio e faria um pacto?
— Talvez esteja errado. Quero dizer... por que Chan invocaria um demônio? — decidiu falar o que pensa. Talvez Hyunjin possa ajudá-lo com suas dúvidas.
— Não consigo encontrar essa resposta. No entanto, por que você convocaria o Diabo? — Félix ficou em silêncio ao ouvi-lo. Era verdade. Ninguém era o que parecia. — Como você pode ver, não somos o que aparentamos ser.
Não pôde deixar de rir silenciosamente quando percebeu que eles pensaram a mesma coisa. Seria o Diabo sua alma gêmea?
Isso o fez entrar em um mar profundo com perguntas sem respostas, decisões ou pensamentos não respondidos, todos relacionados ao seu futuro e ao marido.
— Jinnie…
— Mhm. — estava muito ocupado começando a traçar beijos molhados na pele do pescoço de seu menino favorito.
— Você, bem… — estava tão nervoso. Olhou para baixo quando Hyunjin se afastou e o olhou, intrigado. — Isso é sério?
— Isso?
— Nós. — Hyunjin fica em silêncio, querendo ouvir mais. — Eu... quero dizer, você... Já pensou no futuro?
— Não penso no futuro.
— N-nosso futuro. Nós dois juntos.
O Diabo deitou-se novamente ao lado do jovem e puxou-o para o peito, pegando-o na mão que tinha o anel que lhe deu, começando a beijar-lhe os nós dos dedos.
— Eu não pensei sobre isso, mas acho que já te contei um pouco sobre ele quando te dei meu anel. — diz. O jovem ergueu os olhos e os dois se entreolharam. — Será meu para sempre. Ninguém ousará tocá-lo, menosprezá-lo diante da minha presença, até os séculos dos séculos. — não pôde deixar de sorrir. — Amém. — zombou.
Félix riu baixo e docemente, um brilho em seus enormes olhos castanhos.
— Você se lembra.
— Claro. É o dia em que declarei seu trono ao lado do meu.
Isso o deixou um pouco constrangido, e talvez estivesse com medo. Era estranho, estranho e muito sério ter um trono no próprio inferno. Não podia se arrepender, não tinha como voltar atrás.
— Assustado, garoto?
— Não. Eu… terei que ir para o inferno para estar com você?
— Não. Você só irá para o inferno quando quiser. Na verdade, você já pode.
Félix acena com a cabeça lentamente, mas segundos depois percebe o que seu marido disse e o encara, ainda mais.
— … O que?
— Isso mesmo que você ouviu.
Ele poderia... ele poderia ir para o inferno e voltar? Sem morrer? Para o verdadeiro inferno? Os nervos começaram a se instalar em seu estômago e a curiosidade cresceu em seu peito.
— Se eu for… — falou com cuidado, porque estava pensando nas consequências. — … Posso voltar?
— Claro, você não está morto.
— Oh. — ficou em silêncio enquanto olhava Hyunjin beijar a palma de sua mão. — Você permitiria? Quero dizer... você me deixaria ir?
O Diabo parou e olhou para Félix. Parecia intimidador e até um pouco assustador. Talvez seja porque a resposta que ele dará não é o que realmente queria dizer.
— Eu nunca proibiria isso, mas não acho que seja uma boa ideia. Há muita pureza e inocência em você, vendo que isso pode afetá-lo, ainda mais sabendo que pessoas que você conhecia estão lá ou que seu pai inútil esteve lá por um tempo. Eu sinto que a culpa iria consumi-lo
A culpa já estava o consumindo.
— Eu quero ir. — respondeu, determinado. Ele merecia isso. Merecia sentir toda esta culpa.
Ambos se olharam nos olhos por alguns longos segundos. Félix sabia que não era isso que Hyunjin realmente queria, mas também sabia que o arcanjo não o negaria.
— Vista suas roupas.
Ambos se levantaram da cama. Félix vestiu as roupas que estavam em si antes do Diabo retirá-las enquanto Hyunjin estava de costas para o garoto, olhando pela janela que havia naquele quarto e dava para aquele quintal onde ele havia visto seu menino há muito tempo.
— Pegue outra peça de roupa. — diz ao marido, que já havia terminado de se vestir com as roupas que usava antes.
Félix alisou seus cabelos antes de olhar em volta.
— Qualquer uma? — Hyunjin, ainda de costas, assentiu. O menor se virou e vasculhou sua bolsa com roupas em busca de qualquer coisa. Encontrou uma meia. Uhm, literalmente, qualquer coisa. Se virou de novo e ficou sem fôlego ao perceber que o marido não estava ali. Franziu um pouco a testa e deu alguns passos para frente, ainda segurando a meia na mão. — Hyunjin? Jinnie... — o desconforto continuava em seu estômago. O Diabo estava lá. Se virou novamente e se assustou ao colidir com o corpo dele, levando a mão livre ao próprio peito em estado de choque. — Você me assustou.
— Só essa meia serve. — Hyunjin respondeu, com naturalidade.
— Por que você sumiu? — Félix instintivamente olhou para baixo, notando que o Diabo tinha uma faca na mão esquerda. Félix ficou tenso imediatamente. Não achava que Hyunjin iria machucá-lo, mas eles machucariam outra pessoa? — P-por que você está trazendo isso?
— Não é tão fácil quanto você pensa, você tem que misturar o seu sangue com o meu. — Félix o olhou, um tanto duvidoso. — Parece uma ótima ideia para mim se ficarmos.
Segundos depois, mais uma vez, o menor recusou novamente aquela proposta.
— Não, quero ir.
Trocaram olhares silenciosos novamente antes de Hyunjin estender a mão. Félix tinha uma pequena lembrança de segurar a mão do Diabo quando estavam dançando à luz da lua vermelha.
— Siga-me. — disse ele depois que Félix pegou sua mão e os dois começaram a andar.
O arcanjo o guiou pela casa como se a conhecesse a anos, e Félix imaginou que era porque ele havia checado para ver se alguém estava acordado. Foi então que chegaram ao pé da escada, mas pararam ali. Hyunjin encarou Félix e desabotoou uma das mangas de sua camisa, levantando-a, expondo parte de seu braço tatuado. Com a faca, sem hesitar um segundo, fez um grande corte no local.
— Hyunjin...
— Você tem que se cortar. — disse quando terminou, e pegou o braço de Félix com cuidado, encarando-o. — Não pare de olhar para mim. — Félix assentiu e obedeceu. Podia sentir a borda cortando a pele de seu braço e podia sentir o sangue saindo, mas não sentiu dor. — Vai te queimar se você parar de me olhar.
Mas Félix o fez imediatamente, sem nem mesmo assimilar. A queimação começou a arder dolorosamente em seu braço e ele estremeceu ligeiramente, mas se conteve. Precisava fazer isso. Hyunjin, ainda sem largar o braço do menino, grudou o corte que fez no braço do garoto com o corte que ele mesmo tinha no braço, combinando os sangues. O Diabo recitou algumas palavras em uma linguagem ininteligível, soando suave, mas perturbador, e seus olhos lentamente foram ficando mais escuros.
Ele finalmente calou a boca e estendeu o braço, removendo a meia da mão do menino e ficando atrás dele.
— Você vai começar a descer as escadas lentamente. São só doze degraus, e quando estiver na sexta eu vou pegar na sua mão, então deixe-a desta forma. — disse, pegando uma das mãos do jovem para acomodá-la no corrimão da escada, e estendendo o outro braço para pegá-la. Se virou e desceu as escadas, posicionando-se no sexto degrau. — Não se assuste com o que quer que sinta, e quando estivermos lá, não saia de perto de mim. Entendido?
— Entendido. — repetiu.
— Esse é o meu menino. — o Diabo o lisonjeou enquanto arregaçava a manga da camisa, abotoando-a novamente. — Comece.
Félix respirou fundo e trêmulo antes de começar a descer as escadas. Cada vez que descia um degrau, Hyunjin falava alguma coisa naquela linguagem ininteligível, parecia que estava cantando da forma mais assustadora que já tinha ouvido na vida. Suas mãos começaram a tremer e ele perdeu a conta, mas sabia que havia chegado ao sexto degrau porque o Diabo estava segurando sua mão.
Ambos continuaram a descer, e Félix retomou a contagem, ignorando o que Hyunjin continuou a murmurar. Começou a sentir um formigamento no abdômen ao perceber que já passaram os doze degraus, e continuaram descendo, e descendo.
Isso era estranho.
A princípio sentiu como se uma parede de fogo estivesse a centímetros de si e o calor mal lhe permitisse respirar, depois começou a ouvir assobios e vozes que foram ficando cada vez mais altas, insuportáveis. O zumbido foi aumentando lentamente em ambos os ouvidos até ouvir isso, e finalmente o silêncio veio. Começou a ficar frio e, seis passos depois, finalmente parou. Apenas sua respiração irregular podia ser ouvida.
Um alto chiado o fez pular no lugar, seguido pelo que soou como pesadas portas de ferro se abrindo. Sentiu o Diabo soltar sua mão e engoliu em seco.
Piscou por alguns segundos e observou algo que já tinha ouvido antes, mas ver era diferente. A sala era um pouco estreita e bastante comprida, completamente branca com luzes que piscavam um pouco. Parecia um hospital. Uma longa fila ao lado até o fundo da sala, com pessoas de diferentes idades, até mesmo crianças com mais de oito anos, pálidas, podres e neutras, olhando para frente e dando apenas um passo. Uma risada macabra podia ser ouvida ao longe.
— Chegamos bem a tempo de ver como a fila está progredindo. — Hyunjin disse divertido, já ao lado de Félix. Os dois se olharam, o Diabo continuou com seus olhos vermelhos e pupilas muito dilatadas. Foi assustador, mas deu ao marido um sorriso encantador. — Bem vindo ao inferno.
Sua... segunda casa…
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