𖦹 XXXVI. LAÇOS
36. LAÇOS
ㅤㅤO CAMINHO SE ESTENDIA VASTO e vibrante à frente, repleto de uma luminosidade quase ofuscante, as cores saturadas parecendo saltar aos olhos.
No horizonte, o ar cintilava com uma energia diferente, a brisa carregava consigo um aroma doce e fresco, a certa distância, podia-se ouvir um som suave, como um sussurro vago do vento ou o eco distante de vozes, convidando quem passava a avançar, mas também despertando uma inquietação inexplicável.
Quando as emoções do intenso reencontro se dissiparam, as discussões sobre um ambiente seguro para Vander foram colocadas em questão. Ele não era mais o homem respeitado e venerado por Zaun; sua nova imagem não seria facilmente aceita ou compreendida.
A necessidade de agir era inegavelmente urgente. E então, a ideia surgiu como uma lâmpada acesa, embora, diante das circunstâncias, parecesse um ato incerto, arriscado e imprevisível.
Aquele refúgio para Vander era necessário no momento, especialmente diante de todas as especulações que haviam ouvido de terceiros.
O chamavam de Arauto, uma figura envolta em mistério e reverência. As alegações sobre suas habilidades de cura e suas conexões com Zaun circulavam como histórias que oscilavam entre lendas e realidade. No entanto, o grupo sabia que não tinha escolha: era isso ou assistir Vander sucumbir lentamente.
Outras pessoas avançavam por trajetos distintos, aparentemente guiadas ao mesmo destino, em passos vagarosos ou arrastados. Alguns, exaustos demais, mal conseguiam se levantar. As condições em que se encontravam eram visivelmente críticas, um espelho da precariedade e disfunção de Zaun.
A entrada de arcos coloridos tornou-se visível a cada passo mais próximo, o portal largo permitindo a passagem dos indivíduos. Scar deu uma olhada rápida para Vander ao lado de Isha, a capa marrom cobrindo boa parte de seu corpo, os rosnados baixos com a presença de estranhos no ambiente.
Conforme chegavam à abertura, a loira reconheceu o homem que possibilitava a entrada dos que chegavam. Huck, antes um grande parceiro de Vander, estava diferente. Os habituais óculos não faziam mais parte de seu rosto e sua postura estava nitidamente melhor. Seus olhos capturaram atentamente os movimentos do grupo.
━━━ Vi... torci para você voltar - cumprimentou, com as mãos à frente do corpo, a expressão neutra.
Violet fechou as mãos cobertas pelas manoplas.
━━━ Seu traidor...
━━━ Eu entendo. Este foi o meu pior momento... mas o Arauto conseguiu me libertar do meu antigo eu. Me ofereceu uma chance de me redimir - ele suspirou brevemente, antes de continuar ━━━ Todos são bem-vindos, mas preciso que entreguem suas armas. Este é um lugar de paz.
Scar semicerrou os olhos, o fitando da cabeça aos pés.
━━━ Me parece que, além de "curar", o Arauto também faz lavagem cerebral - ironizou, sem sequer piscar, seus olhos fuzilando o homem.
Jinx resmungou, empurrando ligeiramente o corpo de Vi para o lado, apontando sua arma para ele. Os olhos claros tremiam, o medo dominando seu corpo, as orbes deslizando para Violet na esperança de que ela interferisse em qualquer ação impensada da irmã.
A de cabelos escuros respirou fundo, deixando que os metais pesados que cobriam suas mãos caíssem no chão com o som característico. Ela seguiu para dentro, liderando novamente o caminho, enquanto Jinx e Scar trocavam um olhar antes de entregarem suas coisas para que pudessem passar.
Dentro, tudo era diferente, quase surreal.
O ambiente pulsava com vida, um contraste gritante com a destruição recorrente de Zaun. Rodeadas por frutas frescas e árvores que se erguiam como um santuário inesperado. Objetos coloridos estavam espalhados por toda parte, transformando em um lugar acolhedor. As luzes reforçavam a sensação de que aquele era um lugar à parte, uma bolha isolada da decadência.
Em determinado momento, Vander se irritou com algo, lançando a capa para longe de seu corpo robusto com um rosnado que ecoou pelo ambiente. Vi tentou cobri-lo novamente, na tentativa de afastar os olhares, mas foi interrompida por Huck.
━━━ Venham. Ele está à espera de vocês.
Vander cedeu, controlando a fúria aos poucos.
Sem mais palavras, Huck os guiou. Por fim, chegaram a um amplo campo onde uma grande esfera brilhava no centro, emanando uma luz que preenchia todo o espaço. Huck parou de frente para a entrada.
Antes que pudessem perguntar, o homem emergiu lentamente. Vestia um manto de mangas longas que deslizavam pelo chão e seus cabelos médios davam-lhe um ar de autoridade, em conjunto com sua expressão imponente.
━━━ Soubemos que pode curar pessoas... - Vi disse, receosa, enquanto ele se aproximava lentamente.
𒅌
━━━ A psiquê do Vander está profundamente entrelaçada com a da fera - explicou ele, caminhando ao lado de Vi, as palavras profundas e carregadas de seriedade.
━━━ Como sabia o nome dele? - ela questionou, sentando-se na borda da fonte, os olhos estreitos cheios de desconfiança.
━━━ Ele me contou.
Jinx soltou uma risada zombeteira, começando a andar em círculos ao redor do grupo, como se o comentário fosse o maior absurdo que já ouvira.
━━━ Pedimos o curandeiro milagroso e ganhamos o biscoito da sorte - debochou, inclinando a cabeça para o lado com um sorriso torto.
Scar cruzou os braços, observando o homem com uma sobrancelha arqueada.
━━━ Eu vi seu pai e a visão de Zaun como poderia ter sido. Foi lindo - ele continuou, a voz baixa e cautelosa.
━━━ Biscoito! - Jinx repetiu, soltando uma risada curta.
━━━ Está dizendo que consegue ajudar todos aqui, exceto ele? Por quê? - Scar perguntou, mantendo os olhos baixos.
━━━ A condição do Vander é mais complicada do que parece, Asterin. Não pode ser revertida facilmente - ele respondeu, fitando-a diretamente. O nome fez Scar erguer os olhos, a surpresa estampada em sua expressão.
━━━ Como você...
━━━ É muito interessante como consegue neutralizar duas pessoas em uma, Aster. Admirável, na verdade - interrompeu ele, os olhos enigmáticos ━━━ No entanto, deveria ser um pouco mais cautelosa.
Scar não conseguia compreender qual era o verdadeiro propósito dele, nem exatamente onde pretendia chegar. Cada frase que ele proferia era meticulosamente planejada, propositalmente feita para provocar curiosidade e semear confusão. Era como se ele estivesse sempre um passo à frente, guiando a conversa exatamente na direção que queria, mesmo que ninguém mais pudesse enxergar qual era.
Por mais que tentasse afastar aquilo, as palavras dele não desapareciam. Continuavam ecoando em sua mente, teimosas e persistentes.
Mesmo assim, havia algo naquela confiança inabalável que a irritava profundamente. Não era apenas o tom pretensioso ou a postura altiva, parecendo colocar-se acima de todos, mas a certeza quase arrogante com que ele defendia cada uma de suas ideias.
Vi, percebendo o desconforto e a confusão estampados no rosto de Scar, decidiu intervir, retomando o tópico anterior sobre o estado de Vander.
Ela não prestou atenção a nenhuma sequência de palavras ditas nos segundos seguintes, nem mesmo conseguia, a mente distante, perdida em pensamentos que a puxavam para longe dali. As vozes ao redor abafadas, enquanto seu olhar vagava sem foco, presos em seus dedos. Era como se, por um momento, o mundo real se dissolvesse, e tudo o que restasse fosse o turbilhão de dúvidas a sufocando.
━━━ Vamos tirar você daí, Vander.
Foi tudo o que ouviu. Mesmo que a voz parecesse apenas um sussurro distante, Scar reconheceu de imediato que era Vi. Antes que pudesse reagir, sentiu os dedos quase gélidos dela tocarem sua palma, envolvendo sua mão em um aperto firme, porém cuidadoso, guiando-a para longe.
Ainda assim, não conseguiu ignorar a sensação do olhar dele cravado em suas costas, seguindo-a como uma sombra.
𒅌
Vi a arrastou para longe o suficiente, os dedos ainda firmemente entrelaçados nos seus. Sem dizer nada, a levou para um lugar que parecia tirado de um sonho, um dos cenários mais lindos que Scar podia se lembrar de ter visto.
Diante delas se estendia um incrível campo verde, tão magnífico que era impossível acreditar que fosse real. O brilho do sol iluminava os sorgos, que dançavam graciosamente com as rajadas de vento, quase hipnotizante. O ar tinha um frescor incomum para Zaun, e cada brisa que tocava seu rosto trazia consigo uma sensação de tranquilidade, aliviando a tensão que ela nem sabia estar segurando.
Permaneceu imóvel por alguns instantes, apenas absorvendo a paisagem ao seu redor. Mas sabia que Vi a observava silenciosamente, buscando o momento ideal para iniciar uma conversa.
━━━ Você pode falar, está tudo bem - comentou, relaxando o corpo enquanto se virava para encará-la.
Violet apenas assentiu, chutando a grama com a ponta das botas enquanto caminhava devagar. Seus olhos baixos tornavam ainda mais evidentes as sombras que escureciam suas pálpebras. Ela parou a poucos centímetros de Scar, mantendo o olhar fixo nos próprios pés.
━━━ Acredita que vai dar certo? - perguntou, a voz tão baixa que quase se perdeu no som do vento.
Scar suspirou, desviando o olhar para as plantas que circundavam o lugar. Eram belas, resistentes, mesmo em um ambiente que parecia tão hostil à vida.
━━━ Precisa dar certo - respondeu, finalmente ━━━ É para isso que viemos aqui.
Os olhos azuis, de tons tempestuosos, finalmente a encararam, e um sorriso fraco surgiu nos lábios de Vi. Havia algo único naquele brilho, uma fagulha da garota que Scar conhecera anos atrás. Por um breve instante, a loira quase pôde ver a imagem daquela Vi por trás da fisionomia mais madura pelo tempo.
Linda.
O coração de Scar deu um salto, os batimentos acelerando de uma forma incontrolável. Ela desviou o rosto, fingindo observar o horizonte enquanto soltava um suspiro pesado. Ainda era estranho perceber que as brigas entre elas haviam cessado. Por mais inusitado que fosse, Scar sentia algo novo, quase reconfortante, preenchê-la. Vi, mesmo sem perceber, tinha o dom de despertar um lado dela que há muito pensou ter perdido - ou que acreditara ter enterrado de vez.
Vi a trazia de volta à luz, uma luz que Scar achava impossível recuperar.
E agora, pela primeira vez em anos, ela se sentia como uma estrela outra vez, a estrela dela, irradiando algo além de raiva e dor. Não mais apenas um pequeno cosmo se apagando lentamente na vastidão fria e escura da galáxia.
━━━ Esse lugar... é surreal - comentou Vi, apertando a mão de Scar outra vez, fazendo-a sentir aquele arrepio familiar que insistia em percorrer sua espinha.
━━━ Uhum - murmurou, desviando o olhar para ela, que observava a paisagem com serenidade.
Scar nunca a viu assim antes.
Não depois de tudo o que tinham passado, não depois dos anos separados em que Vi, depois que voltou, se mostrou tensa e desconfortável com as mudanças. Aquela tranquilidade parecia genuína, mas o que a deixava mais desconcertada era a ideia de que Vi só se permitia baixar a guarda quando estavam juntas, anos atrás e agora.
━━━ Você gostaria de ficar aqui?
Seus olhos se encontraram, brilhantes e esperançosos, mas carregando aquela vulnerabilidade que Scar sabia reconhecer.
━━━ Por que? Você quer? - ela devolveu a pergunta, tentando soar despreocupada, mas falhando miseravelmente. Parecia uma idiota incapaz de manter uma conversa de forma natural.
━━━ É um bom lugar. Caso tudo corra bem, podemos ficar e...
Scar ergueu uma sobrancelha, esperando pacientemente que ela terminasse. No entanto, tudo o que ouviu foi uma risada baixa escapando dos lábios de Vi, como se estivesse se divertindo com a própria hesitação.
━━━ E...?
━━━ E, quem sabe, tentar de novo.
Porra.
Scar sentiu o coração disparar, como se quisesse escapar do peito. Sua garganta se apertou momentaneamente, as palavras de Vi reverberando em sua mente como um martelo tentando fragmentar o órgão em pequenos pedaços.
Ela estava falando sério?
Vi estava fazendo planos. De novo.
Planos que envolviam elas duas. Planos que, por mais insanos que parecessem, traziam uma ideia perigosa e impossível de ignorar.
Elas? Como um casal?
━━━ Sei que voltamos a nos entender há pouco tempo. Mas somos adultas agora, precisamos enfrentar as coisas com seriedade. Sabemos o que sentimos, mesmo com os momentos de raiva, então... por que não?
Scar piscou, tentando processar o que acabara de ouvir. As palavras de Vi soavam tão diretas e resolutas, mas ao mesmo tempo vulneráveis, que a pegou completamente desprevenida. Ela queria responder, queria dizer algo que estivesse à altura daquele momento, mas sentia como se cada pensamento coerente fosse engolido pela tempestade que Vi havia provocado em sua mente.
As batidas do seu coração eram tão altas que ela mal conseguia ouvir qualquer outra coisa. Por que não? A pergunta ecoava, desafiadora, exigindo uma resposta que Scar não tinha certeza se estava pronta para dar.
Mas por que não estava pronta?
Parte dela queria acreditar, queria agarrar a oportunidade de construir algo real, algo que nunca pensou que fosse possível novamente. Mas outra parte, mais resistente, ainda era refém do passado - das mágoas, da dor, do medo de que tudo fosse apenas um sonho breve, prestes a desmoronar na realidade cruel. Sentiu o peso do olhar de Vi sobre ela, aquela chama fervorosa que carregava promessas e esperanças, e isso a assustava tanto quanto a encantava.
Por que não?
Porque amar significava arriscar-se, e Scar nunca se permitiu ser vulnerável por tempo suficiente para sequer considerar a possibilidade. E ainda assim, ali estava ela, encarando o impossível.
Ela queria. E não podia negar isso.
━━━ Podemos pensar nisso melhor conforme as coisas vão se desenrolando. Mas, eu quero, sim.
Vi sorriu e, mesmo com as bochechas levemente coradas, a puxou para um abraço apertado, que Scar aceitou sem hesitar.
Sentir o calor dos braços de Vi ao redor de seu corpo a fez relaxar de forma instantânea. A sensação de conforto era algo que ela não experimentava há muito tempo, e por um momento, se permitiu fechar os olhos e simplesmente existir naquele espaço único, sem preocupações, sem pressas.
Mas nem tudo era como planejado, e a tranquilidade do momento não durou como esperava.
Logo, seus sentidos voltaram ao presente. Ela ouviu passos leves sobre a grama, o farvalhar das folhas trazidas junto com os assobios do vento. O som a fez levantar a cabeça, interrompendo o abraço para focar na origem daquele ruído suave.
Os cabelos loiros platinados caiam na altura dos ombros. Seus olhos, apertados, exibiam íris de um castanho claro, quase dourado, as sobrancelhas bem definidas em um contraste com a expressão quase séria, mas aliviada. E quando sorriu, o choque a invadiu com um baque forte.
Os braços de Scar escorregaram dos ombros de Vi, deslizando suavemente pelas laterais do corpo. Violet, percebendo a mudança, se afastou, pronta para perguntar o que estava acontecendo, mas logo notou a presença de um homem se aproximando, direcionando-se a Scar.
━━━ Scar? O que foi? - ela perguntou, a preocupação ecoando em sua voz, mas sem entender completamente o que estava ocorrendo.
Quando o homem parou a poucos centímetros delas, o vinco entre as sobrancelhas de Vi se aprofundou, seus olhos se estreitaram em alerta. A resposta veio quase tão rapidamente quanto a mudança no ambiente, o clima agora carregado de tensão.
━━━ É você mesmo, Teri... - ele disse, a voz sentimental, mas firme, olhando atentamente para a loira.
Scar conseguiu sussurrar, com a voz trêmula e baixa, mas suficiente para Vi captar o som.
━━━ Irmão?
sim, estou viva! e não, não me matem.
bloqueio criativo é uma desgraça, e metade do cap já estava pronta antes mesmo do dia 31, mas por algum motivo eu simplesmente não me sentia confortável com o final que estava planejando e nem mesmo conseguia finalizá-lo - inclusive, ainda acho que não está bom o suficiente -, mas não quero deixar vocês esperando tanto por atualizações. enfim, me desculpem pelo atraso e vamos tentar voltar com a mesma frequência.
um beijo, e até o próximo capítulo! <3
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