EM ALGUM MOMENTO NA GRÉCIA ANTIGA, ouviu-se falar sobre os Anjos Sacrificiais. Seres de pura luz e entrega, criados em amor, ensinados com bondade, cuidados como relíquias divinas, até que, um dia, fossem chamados a dar suas vidas em guerras sangrentas e implacáveis.

Eles não hesitavam. Dedicavam-se por completo àquilo em que acreditavam, entregando-se por fé e amor. Seus exércitos venciam, banhados no sangue dos seus próprios anjos, salvos pelo sacrifício daqueles corações puros.

Mas como reconhecer um anjo?
Essa talvez fosse a parte mais difícil.

Anjos Sacrificiais eram sensíveis, compassivos, protetores até o último fio de esperança. Tinham um amor tão puro que parecia impossível existir. Com o tempo, enquanto a humanidade se tornava cada vez mais corrompida, os anjos desapareciam, um por um.

Alguns eram corrompidos, usados para fins errados. Davam poder a quem jamais deveria tê-lo.

E apenas um Anjo Sacrificial pode destruir outro.

—— Ele me mostrou coisas que ainda não aconteceram —— minha voz soava quase como um sussurro. Eu estava sentada na poltrona da casa de Max, os olhos de todos presos em mim. —— Eu vi uma nuvem escura se espalhando por Hawkins... O centro pegando fogo, soldados mortos... E uma criatura gigante. E ela não estava sozinha. Havia um exército.

Senti um arrepio me atravessar. O coração batia como um tambor em guerra. Cada imagem voltava com violência à minha mente.

—— Ele mostrou minha mãe... o Will, o Jonathan... e eles estavam... —— minha voz falhou. Eu apertei os punhos. A garganta ardia para conter o choro.

—— Ele só quer te assustar, Sam... Isso não é real —— Steve disse, tentando me acalmar, mas eu balancei a cabeça.

—— Ainda não é. —— olhei para ele. —— Mas havia mais. Ele mostrou quatro portais, aqui em Hawkins. Eles estavam se expandindo... E não era no mundo invertido. Era aqui.

—— Quatro badaladas... o relógio do Vecna. —— Max comentou, parada na porta da cozinha, os olhos distantes.

—— Eu também ouvi. —— Nancy se pronunciou, e todos se viraram para ela.

—— Sempre quatro. —— murmurei.

—— Era o plano dele. Esse tempo todo ele estava nos dizendo. —— Max completou.

—— Quatro mortes. Quatro portais... O fim do mundo. —— Lucas murmurou.

—— Se for isso... então só falta uma. —— Dustin disse.

E então todos nos entreolhamos. Nenhuma palavra foi dita, mas a resposta estava no ar, sufocando a sala.

Era eu... ou Max.

—— Tenta de novo! —— Steve ordenou. Max correu até o telefone, discando mais uma vez.

Meus olhos procuraram os de Steve, que encarava o chão, os pés batendo nervosamente. Quando nossos olhares se cruzaram, algo em mim partiu.

—— Nada? —— Dustin perguntou, ao ver Max abaixar o telefone frustrada.

—— Tem certeza de que discou certo? —— Steve perguntou.

—— Eu não liguei errado! —— Max respondeu, impaciente.

—— Steve, ela sabe usar um telefone! —— Dustin interveio.

—— Só tô dizendo que ela pode ter errado sem querer... —— Steve tentou justificar.

—— A Joyce trabalha com telemarketing. O telefone dela tá sempre ocupado, o Mike reclama disso o tempo todo. —— Dustin explicou.

—— Não é a Joyce. Ela tá em viagem de trabalho. —— falei, encarando o vazio. —— O telefone tá ocupado há três dias. E isso não faz sentido.

—— O que tá acontecendo em Hawkins... tem ligação com Lenora. Eu sei que tem. —— Nancy disse, olhando pela janela. —— O Vecna não pode machucar eles. Não se morrer primeiro.

—— A gente tem que voltar. —— disse, de repente, me levantando.

—— Nem pensar, loirinha. —— Eddie protestou, ao mesmo tempo que Steve.

—— Calma, não! A gente precisa pensar direito! —— Steve insistiu.

—— O que tem pra pensar!? —— gritei, exausta.

—— A gente mal saiu vivos! Você só saiu viva porque ele deixou! —— Steve rebateu.

—— Dessa vez a gente vai preparado! Equipamento certo, proteção de verdade! —— minha voz se elevava com urgência.

—— Ele não tem medo da gente, Sam. Nós vamos morrer lá. —— Steve falou com dor na voz.

—— E nem precisa! —— Robin interrompeu. —— A gente tava errado sobre ele. Vecna, Henry, 001, seja lá quem for. Ele é uma versão distorcida da El. Ele vira a gente do avesso num estalar de dedos. Não é uma luta justa!

—— Mas é aí que tá! —— Dustin entrou na conversa. —— A gente conhece o poder dele. E também as fraquezas.

—— Fraquezas? —— Erica levantou uma sobrancelha.

—— Pra El viajar pelas mentes, ela entra em transe. Talvez com ele seja igual.

—— Igual ao que ele fazia no porão. —— comentei, mais calma.

—— Exato! Quando ele for atacar a próxima vítima, o corpo dele vai estar vulnerável. A gente pode atacar.

—— E os morcegos? —— Steve apontou para as cicatrizes no pescoço.

—— Precisamos de uma distração. —— Dustin respondeu.

—— E como a gente vai conseguir uma? —— Eddie questionou.

—— Ainda não sei. Mas vai dar certo. É como matar o Drácula dormindo no caixão.

—— O plano é ótimo na teoria. Mas a gente não sabe quem ele vai atacar. Nem quando. —— Robin ponderou.

—— Sabe sim. —— Max disse. —— Eu ainda sinto a presença dele. Ainda tô marcada. Amaldiçoada. Ele deixou a Sam viver por algum motivo, mas tentou me matar logo de cara.

—— Max, ele vai te matar. —— Lucas disse, se aproximando.

—— Eu só preciso distraí-lo. Enquanto vocês entram no covil e... sei lá, cortam a cabeça dele.

O silêncio caiu sobre nós de novo. Mas algo queimava no meu peito. Eu precisava dizer.

—— Tem um problema com esse plano. —— falei. —— Ele não tá sozinho. Ele tem outro corpo que mantém ele de pé.

—— Quem? —— Max perguntou, assustada.

—— Charlie. —— murmurei.

Todos me encararam.

—— O seu irmão morto? —— Dustin perguntou, confuso.

—— É. Que eu achava que tava morto. —— suspirei. —— Ele deu o corpo dele pro Vecna. E o Vecna tá usando o resto da alma dele como âncora pro outro lado. Tem algo no Charlie... algo muito poderoso.

—— Então... a gente precisa encontrar o Vecna. E o Charlie. —— Steve falou, quase sem acreditar.

—— E matar os dois. —— finalizei.