
002. TRÉGUA DA GUERRA.
—— EU VOU TER QUE SAIR MAIS CEDO —— Carl avisou com a voz apressada, pegando as chaves no balcão. —— Tenho que ir na casa da minha irmã dar os remédios dela. Boa sorte, Byers.
—— Melhoras pra sua irmã, Sr. Smiths! —— desejei, observando-o sair quase correndo da loja.
Suspirei e deixei o silêncio tomar conta por um segundo. Logo coloquei uma música para tocar, algo animado, dançante, que desse ritmo à rotina.
Arregacei as mangas e comecei uma faxina caprichada enquanto atendia os poucos clientes que apareciam. Cuidar da loja não era tão difícil quanto eu imaginava.
Até que estava dando conta.
Não demorou até que meu colega de trabalho chegasse, indo direto para a bancada dos toca-discos para trocar as agulhas com a profissionalidade de um relojoeiro.
Foi aí que eu vi, e sorri como não sorria há um bom tempo.
—— Dustin!? —— exclamei ao ver a figura conhecida na entrada da loja.
—— Meu Deus! Sam! —— ele gritou, correndo em minha direção.
—— Eu volto já! —— avisei para meu colega antes de sair às pressas e encontrar Dustin do lado de fora. Ele me abraçou com força, apertando como se quisesse ter certeza de que eu era real.
—— Eu senti tanta falta! —— falei enquanto caminhávamos juntos, como nos velhos tempos.
—— Pelo menos você sentiu, né... —— ele disse mais baixo, quase como um desabafo. Algo havia acontecido com ele, isso era certo.
Alguns minutos depois, estávamos na Scoops Ahoy. Dustin comia sorvete com tanta vontade que parecia nunca ter visto doce antes.
—— Ah, impossível, melhor que a Phoebe Cates! —— Steve exclamou, incrédulo, encarando o garoto.
—— Dessa vez eu vou ter que concordar com o Harrington. Tem certeza que essa garota não é só da sua cabeça? —— perguntei, brincando, enquanto encostava a mão na testa dele como se fosse medir sua temperatura.
—— Sim! E ela não liga que minhas pérolas ainda vão nascer. Ela diz que beijar é melhor sem dentes. —— Dustin respondeu com orgulho genuíno.
—— Você concorda, Samantha? —— Steve perguntou com um tom irônico.
—— Cala a boca, Harrington —— rebati, antes de me virar para o garoto. —— Eu tô orgulhosa, Dustin. Isso é até que bem romântico.
Ele apenas sorriu, tímido, voltando ao sorvete como se fosse a melhor parte do dia.
—— Isso é muito legal... Você pode comer quanto sorvete quiser? —— Dustin perguntou, curioso, olhando para Steve.
—— Posso, mas não é tão bom pra mim, sabe? Tenho que manter a forma pras garotas —— Steve respondeu, ajeitando o cabelo com um ar de galã.
—— Em compensação, o ego dele é obsesso —— comentei, provocando, enquanto Dustin ria baixinho.
—— Ignora ela —— Steve disse, tentando manter a pose.
—— Vocês continuam iguais. Não mudaram nada —— Dustin comentou, sincero.
Eu e Steve trocamos um olhar rápido. Era verdade. Por mais que a gente implicasse um com o outro, a dinâmica seguia igual, presos no mesmo ciclo por causa de um bando de crianças geniais e impulsivas.
—— Cadê os outros pirralhos? —— perguntei, tentando mudar de assunto.
—— Me abandonaram. Mas relaxa, eles vão se arrepender quando eu tiver minha glória —— Dustin respondeu com a boca cheia.
—— Glória? Que glória? —— Steve franziu a testa.
—— Ontem à noite, tentando me comunicar com a Suzie, interceptei uma transmissão dos russos —— Dustin cochichou, como se estivesse compartilhando um segredo de Estado.
—— Tá, e o que isso significa? —— Steve perguntou, cético.
—— Que podemos ser heróis, Steve. Grandes heróis americanos —— Dustin falou com brilho nos olhos.
—— Não mesmo. Isso significa que a gente vai se enfiar em mais problemas —— interrompi, cruzando os braços.
—— Pensa só, Steve. Você ia pegar todas as meninas que quiser —— Dustin seguiu ignorando minha fala.
—— Eu gosto de meninas —— Steve deu de ombros, pensativo.
—— Vocês só podem ser idiotas —— resmunguei, já quase me levantando.
—— Não se preocupa, você pode pegar uns rapazes legais também, Sam —— Dustin disse, todo solícito.
Steve apenas revirou os olhos.
—— A Sam tem razão. Ideia estúpida —— ele murmurou, como se tivesse acordado do transe.
—— Eu vou sair daqui. E parem com essas ideias malucas —— declarei, me levantando e deixando a sorveteria para voltar à loja de discos.
Mais tarde, quando a loja fechou, eu caminhei um pouco pelo shopping silencioso, observando as outras lojas encerrando o dia. A Scoops Ahoy ainda estava aberta.
—— Descobrimos a tradução, Sam! —— Dustin correu até mim, animado como sempre.
—— E qual seria? —— perguntei, curiosa.
—— "A semana é longa. O gato prateado se alimentará quando o amarelo e o azul se encontrarem no oeste." —— Robin, Steve e Dustin disseram em uníssono.
—— Isso não faz o menor sentido —— comentei, franzindo a testa.
—— Gente, não dá. Não pode ser isso —— Steve balbuciou, trancando a loja.
—— Mas é isso —— Robin insistiu.
—— Sinceramente? Eu achei ótimo —— disse Dustin, todo empolgado.
—— Como? Isso não faz o menor sentido! —— falei, em sincronia com Steve. Nosso desespero era quase cômico.
—— É óbvio que é um código —— Dustin rebateu.
—— Um código?
—— Sim! Um código secreto, ou sei lá —— ele insistiu.
—— Tá forçando a barra, hein —— Steve resmungou. Eu e Robin apenas trocamos um olhar de exausto ceticismo.
—— Até que faz sentido —— murmurei, mais pra mim mesma. —— Sei lá, não acho que diriam algo tão estranho se não fosse importante.
—— Eu tenho certeza que a minha tradução tá certa. O gato prateado deve ser algo importante. Por que usariam um código se não fosse? —— Robin argumentou, firme.
—— Meu Deus, vocês são esquisitos —— Steve comentou, balançando a cabeça. —— Agora eu tô andando com nerds esquisitos.
—— A vida é uma piada. Igual a você —— retruquei, dando um leve sorriso.
Enquanto Dustin e Robin seguiam animados na frente, Steve e eu ficamos um pouco atrás, como dois figurantes no próprio filme.
—— Você pode me levar pra casa? —— perguntei com certa timidez. —— Liguei pra Joyce e nada, e o Jonathan deve estar no trabalho ainda.
—— Claro, eu te levo —— Steve respondeu num tom mais calmo do que o normal. Seguimos juntos, até ele parar diante de um daqueles cavalinhos de brinquedo.
—— Você não tá velho demais pra isso? —— provoquei, rindo.
—— Tem uma moeda? —— ele perguntou. Joguei uma pra ele, e Steve logo a colocou na máquina, subindo com um esforço dramático.
—— Quer ajuda pra subir? —— Robin tirou sarro, mas Steve pediu silêncio com um "shhh" teatral.
—— Vocês estão ouvindo? —— ele disse de repente, sério. Dustin puxou o gravador e colocou a fita russa pra tocar de novo.
—— Talvez tenha um cavalo desses na Rússia —— Robin brincou.
—— Não... esse código não veio da Rússia. Veio daqui —— Steve falou, e todos nós ficamos em silêncio por um momento.
—— Ok, esse código tá deixando vocês malucos —— suspirei, voltando a caminhar.
A noite já estava mais fria quando o carro do Steve parou em frente à casa dos Byers. O motor silenciou e o mundo pareceu mais calmo por um segundo.
—— Última parada: casa da Sam —— Steve disse, encostando a cabeça no banco com um suspiro.
—— Penúltima. Ainda tem que voltar pra sua casa —— retruquei, tirando o cinto.
—— Me deixa dormir aqui hoje —— ele soltou, com aquele sorriso preguiçoso.
Revirei os olhos, mas acabei rindo.
—— Não começa. Eu não sou uma das garotinhas do ensino médio que caem aos seus pés, Harrington —— rebati, puxando a maçaneta da porta.
—— Eu sei. Você é diferente —— ele disse com um tom sarcástico... mas havia algo ali? algo sincero.
Ele hesitou por um segundo.
—— Quer saber? Vamos dar uma trégua. Até o fim do verão. O que acha?
Fiquei em silêncio. Uma trégua. Até o fim do verão. Isso significava que ele realmente achava que a gente ainda ia estar juntos... seja lá o que o Dustin estivesse tramando.
—— Ok. Trégua da guerra —— aceitei, pegando minhas coisas.
Antes de sair, olhei para ele uma última vez. Steve sorriu tímido, desajeitado, e então deu partida no carro.
E foi embora.
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