Capítulo 01: Estranhos
DUZENTOS E QUATROCENTOS ienes. Um teste de gravidez.
A garganta de Yoru Amemori ardia com o amargor da ansiedade, e seus olhos se enchiam de lágrimas com os suspiros dolorosos que ela dava diante da prateleira. O teste era caro, e ela hesitava, indecisa se deveria levar um ou não. Até porque, nunca, em seus humildes dezessete anos de vida, imaginara que estaria ali, gastando o pouco que tinha com algo assim. Tinha tantas perguntas.
Mordeu o próprio lábio, lembrando-se de que na verdade tinha o dinheiro necessário para efetuar a compra. Ainda assim, tentava convencer a si mesma do contrário — uma mentira criada pelo medo que a consumia. Não havia motivo real para questionar o preço; os ienes estavam seguros na palma de sua mão suada, entregues pelo próprio namorado para que ela pudesse finalizar aquilo.
Reclamar sobre o custo, fingir não ter os meios, tudo não passava de um subterfúgio para evitar encarar a verdade: a vergonha de estar ali, de ser flagrada naquele corredor tão pequeno, mas que agora parecia uma vitrine aberta para todos os olhares. E o medo era imenso. Não do preço, mas de ser vista. De ser julgada. Ela não se sentia mais não à garota que acreditava ser.
Yoru se esforçava para conter os suspiros, mas sentia que sua respiração ofegante parecia ecoar por toda a farmácia, que estava tão silenciosa que o único som ao redor era o zumbido insuportável da luz azul, tornando impossível acreditar que ninguém a notava. Qualquer um ali poderia estar ouvindo, poderia estar olhando para ela hesitar em pegar o teste de gravidez. Gravidez... Será que ela estava mesmo grávida?
O pensamento a esmagava. Queria desaparecer só de imaginar essa possibilidade. Queria chorar, esconder-se, sumir. Sentia vergonha de tudo: de talvez estar grávida, de ser adolescente, de estar ali, de namorar, de pegar um teste que parecia pesar toneladas na prateleira à sua frente.
Era patética, sabia disso. Não havia como fugir do que sentia — ou do que temia.
Já passava das onze da noite, e Shinjuku continuava pulsando, tão cheio de vida quanto qualquer outra noite. As luzes de neon dançavam nas poças d'água do asfalto, e as vozes misturavam-se num burburinho interminável. Para Yoru, parecia outro mundo, um mundo do qual ela não fazia parte.
Ela precisava ir para casa. Tinha um teste de matemática no dia seguinte. Maldito teste. Não estudou, não porque não quisesse, mas porque simplesmente não conseguia. Abrir o caderno e revisar o conteúdo era como se o peso do mundo se jogasse sobre seus ombros, e ela não entendia nada, não conseguia compreender, nem focar. Então, fechava os olhos, tentando fugir da própria vida, mas só encontrava o vazio. E agora, no único momento em que estava realmente acordada, não dormindo nem fugindo, estava ali. Numa farmácia.
Quanto tempo já havia passado? Minutos? Talvez horas? Não sabia. Só conseguia lembrar da figura da funcionária, que já havia perguntado algumas vezes se ela precisava de ajuda. Yoru sabia que deveria responder, dizer qualquer coisa, mas da sua boca, nada saía.
━ Perdão.
Uma voz áspera arrancou Yoru de sua mente que não parava em silêncio. Ela se sobressaltou, como quem desperta de um sonho ruim, e cedeu passagem quase sem pensar. Seus olhos, ainda confusos, procuraram pela funcionária que antes a abordara. Mas a mulher não estava lá. Em vez disso, Yoru viu um rapaz.
Ele tinha os cabelos tão escuros quanto os dela — negros como a noite que envolvia Shinjuku. Por um momento, ela o encarou, não por curiosidade, mas porque sua mente parecia precisar de algo em que se agarrar, algo fora de si mesma. E, ainda assim, ele não era o que ela procurava.
Yoru voltou os olhos para o chão. Era mais fácil se esconder ali, entre as sombras e os ladrilhos da farmácia, do que encarar outra pessoa.
Ela apertou novamente o dinheiro com força na palma da mão, crispando os lábios e fechando os olhos. Foi então que um detalhe retornou à sua mente, algo que ela não havia notado antes.
O rapaz.
Ele carregava um antidepressivo receitado na mão, o rótulo parcialmente escondido por seus dedos longos. Mas o que chamou sua atenção foi o fato de ele estar parado exatamente ali, na seção com remédios para dores de cabeça que curiosamente — ou talvez ironicamente —, ficava ao lado da prateleira com os testes de gravidez.
Suas bochechas, que antes estavam congeladas pelo frio, se aqueceram com a ideia relâmpago que surgiu em sua mente. Yoru só podia estar ficando louca, mas não conseguia pensar em mais nada, então se deixou ser impulsionada pelo desespero. E o desespero... Ele tinha algo de humilhante, ainda mais quando ninguém estava ali para segurar sua mão ou dizer que tudo ficaria bem. E, naquele momento, Yoru se sentiu mais sozinha do que nunca.
Ela sabia que era desesperada. Daquelas que faziam coisas sem pensar, movidas pelo impulso. E foi exatamente isso que a levou a caminhar em direção ao rapaz, justo quando ele estava prestes a se retirar.
━ Desculpe incomodar, senhor, mas... posso pedir licença? ━ começou, tentando manter a calma, embora fosse difícil disfarçar o nervosismo.
Yoru sentia seu rosto arder, tão vermelho que mal conseguia olhá-lo, quanto mais agir de forma natural.
━ Eu... eu preciso comprar um teste de... gravidez. Percebi que o senhor está com um remédio, e ele está exatamente ao lado da prateleira dos testes ━ continuou.
A garota respirou fundo, tentando recuperar o fôlego, ou talvez mais coragem — ela não sabia ao certo. O que sentia era que estava prestes a tomar mais uma atitude errada. Quando, afinal, ela não tomava atitudes ruins? Só o fato de estar ali, comprando um teste para descobrir se estava grávida, já dizia tudo sobre ser péssima tomando escolhas.
━ N-normalmente, são os homens que compram essas coisas para as namoradas, e o senhor é um homem... Com todo respeito, será que o senhor poderia levar o teste até o caixa para mim? Eu... estou morrendo de vergonha, realmente, de estar aqui. Eu vou lhe dar o dinheiro, claro, e o senhor só precisaria levar até o caixa e me entregar. ━ Quando terminou de falar, estendeu as mãos com os ienes, mas ele permanecia inusitado, sem reação.
Para surpresa da já aflita Yoru, o rapaz simplesmente deu de ombros e se virou, pouco se importando com seu pedido desesperado. Mas Yoru ainda estava tomada pelo pânico, precisava daquele teste como se fosse oxigênio. O medo de descobrir uma gravidez só quando já fosse evidente a torturava.
Então, sem pensar, ela correu até ele e puxou seu braço, sem dar espaço para mais palavras.
━ Senhor, por favor, estou desesperada! Meu namorado se recusou a me acompanhar e estou sozinha, cheia de vergonha. Eu o recompensarei, com um lanche, qualquer coisa... mas, por favor, preciso saber se estou... grávida. ━ As palavras saíam entrecortadas, e as lágrimas já ameaçavam cair, tornando Yoru refém de sua própria angústia. Mas também refém do olhar dele, pois, pela primeira vez, sentia uma atração tão forte que se viu obrigada a erguer o olhar e se perder nos olhos dele.
Seus olhos eram tão vazios que pareciam o próprio coração de seu namorado. Um abismo sem sentimento, sem remorso, sem ligar para ela, sem qualquer vestígio de humanidade. Escuros, profundos, desprovidos de tudo. Yoru nunca havia visto olhos tão inexpressivos, tão despojados de vida.
E era muito difícil manter o contato visual com ele. Aquele homem parecia um telepata, a olhando no fundo de sua alma. Yoru jurava que ele estava desvendando cada camada de quem ela era. E essa sensação era incrivelmente desconfortável e sufocante, a ponto de ela sentir que poderia fazer os lábios sangrarem de tanto mordê-los. Ah, e era óbvio que ele diria não. A carranca em seu rosto tornava aquilo claro, e Yoru sentia-se encolher diante dele, pequena, insignificante.
Tudo naquela interação era desconfortável.
Mas então, por algum milagre — um que a fez prender a respiração e, por um instante, estabilizar os olhos nos dele —, ele aceitou o dinheiro de sua mão. Sem uma palavra, pegou um dos testes da prateleira ao lado, virou-se e começou a se afastar, deixando Yoru completamente sem reação.
As lágrimas que escorriam dos olhos de Yoru foram a primeira manifestação de sua emoção. Elas caíam sem controle, mas ela sabia que precisava enxugá-las e se recompor. Tinha que ter certeza de que ele não a enganaria, não sairia com o dinheiro, não gastaria em outra coisa. Não a faria de boba — algo que, no fundo, já se sentia. Mesmo assim, ela esperou ansiosamente a confirmação de que ele faria o que ela tanto havia pedido.
Tentando não chamar atenção, saiu da farmácia da forma mais discreta possível. Lá fora, sentou-se no batente da calçada, ignorando o chão úmido que, inevitavelmente, mancharia seu vestidinho branco.
Ela não sabia ao certo quanto tempo havia se passado – talvez cinco minutos, talvez dois. Então, algo aconteceu. Ele emergiu da farmácia, carregando o que ela tanto havia pedido.
Yoru ficou paralisada por um instante, sem saber o que fazer, até reunir coragem para se levantar. Mesmo ainda temendo ser vista ali, caminhou até ele, que, por sinal, já tinha um cigarro aceso, provavelmente aceso enquanto ela o esperava. Sem desviar o olhar, ele entregou a sacola, e Yoru, igualmente incapaz de se soltar dos olhos dele, pegou o objeto com relutância, trêmula.
━ Agradeço, senhor. Sinceramente, muito obrigada. Não teria conseguido sozinha e provavelmente ficaria a noite toda... ━ Antes que pudesse terminar a frase, ele se virou abruptamente e começou a se afastar na direção oposta. Yoru franziu o cenho, e, novamente, o desespero tomou conta de seu peito. Sua expressão vacilou e, sem pensar, inclinou-se para frente e, com um impulso, gritou: ━ SENHOR, EM RETRIBUIÇÃO, EU TE OFEREÇO UM LANCHE!
Yoru se percebia à beira da insanidade.
Gritar no meio da rua para um estranho que, de forma gentil, comprou algo para ela — algo que nem era da sua conta, muito menos uma obrigação ou interesse — já era uma loucura por si só. E Yoru sentia que estava enlouquecendo há um bom tempo. Não sabia nem quem era aquele rapaz de olhos intensos e boa gentileza, mas ele havia feito algo por ela que, de alguma forma, poderia resultar na vida de um bebê. Por isso, sentia que precisava retribuir, de algum modo. Ela havia sido ensinada assim, e assim seguiria.
Ele, por sua vez, interrompeu seu caminho, e Yoru correu até ele. Estava ainda desconfortável, e era quase certo que ele reagiria com indiferença, mas, se já havia chegado até ali, o que mais poderia fazer?
━ Por que você gritou por mim no meio da rua? ━ Pela primeira vez, ele falou com ela.
Yoru arregalou os olhos, mas a vista lhe doeu. Viu de soslaio as luzes rosas e azuis alternando tons entre eles ao redor, iluminando-os com uma intensidade ofuscante, provavelmente vindas de alguma boate, o que a fazia fechar os olhos de dor.
Nunca tinha notado o quanto Shinjuku era iluminado.
━ O que o senhor fez por mim é algo que eu jamais teria conseguido sozinha. Sinto-me compelida a retribuir, mesmo que o senhor recuse ━ ela disse, meio ofegante, mas tentando disfarçar a insegurança com uma falsa confiança.
Mas ele mal dizia uma palavra, quem diria expressar qualquer reação. Apenas dedicava seu tempo a fitá-la — ou a ela, ou a qualquer detalhe nela. E Yoru sentiu que essa atenção era mais do que seu namorado lhe dera em três anos de relacionamento.
Ele permaneceu assim, impassível, antes de tentar se retirar. Mas Yoru foi mais rápida e o deteve, agarrando seu pulso coberto pelo sobretudo preto. No entanto, ela foi surpreendida por um segundo ato de contenção, desta vez um puxão violento, que a fez piscar duas vezes e estremecer assim que ele a soltou.
Desconcertada, Yoru tombou para trás, o coração batendo mais rápido, observando-o com receio. Seus olhos se encontraram de novo, e, apesar da distância, parecia que a atmosfera ao redor deles se estreitava.
As luzes piscando irritavam suas íris, mas o desconforto era abafado pela tensão crescente entre eles. O caos da rua desaparecia, deixando apenas a eletricidade no ar. Era desconfortável, sim, mas algo dentro dela não queria que aquilo acabasse. Algo fazia com que ela quisesse mais.
Então, com a voz vacilante, mas tentando aparentar decidida, ela tentou novamente:
━ Eu não sei quem o senhor é, mas por favor, deixe-me retribuir o favor.
O CLIMA ERA desagradável.
Yoru decidiu levá-lo até a conveniência onde trabalhava, como forma de retribuir o favor que ele lhe fizera. Mas tudo parecia estranho — muito estranho. Ela tentava ignorar, saboreando seu próprio sanduíche de arroz, mas era impossível não perceber a presença dele. Sentado em silêncio, sem tocar no dorayaki em forma de peixe que pegara quase forçadamente, ele a observava com uma atenção implacável.
A presença daquele homem, por si só, era difícil de suportar, difícil até de respirar perto dele.
━ O senhor não vai comer? ━ indagou ela, a boca cheia do sabor do sanduíche, limpando, sem se importar, o traço de molho que escorria pelo canto de seus lábios.
━ Não estou com fome. Só vim porque você não me deixaria em paz ━ ele proferiu de forma simples, vendo-a engolir em seco e, timidamente, abaixar a cabeça.
━ O senhor pode ir, se quiser. Já paguei o seu doce, e está tarde. ━ Ela o olhou novamente, assim que terminou de comer. ━ De qualquer forma, agradeço imensamente pelo que fez mais cedo.
━ Você não deveria confiar em estranhos.
Curioso.
Yoru sabia que era do tipo de garota que confiava demais nas pessoas, sem saber distinguir quem era digno de confiança. Ela simplesmente acreditava, era assim que funcionava. Mas, ao encarar a situação, percebeu o quanto isso era visível. Ele poderia fazer mal a ela? Talvez fosse isso, no fundo — confiar sem saber o que esperar podia ser tão perigoso quanto se entregar à incerteza. Mas, no fim, Yoru... simplesmente não sabia.
━ O senhor diz isso porque poderia roubar o meu dinheiro ou me fazer alguma maldade agora? ━ ela perguntou, inocente, mas na verdade, nem sabia o que estava dizendo. Apesar de pensar muito, as palavras simplesmente não se formavam, mas tentou: ━ Eu tenho muito medo de morrer. Sei que não é minha hora de ir. Tenho um namorado, um pai e, provavelmente, uma criança. Por sua gentileza, se estiver pensando em algo, eu preciso ficar viva.
Yoru abraçava sua barriga, pequena e discreta, como se tentasse proteger algo que nem mesmo sabia se carregava ali. Mas as náuseas constantes e o primeiro atraso menstrual sugeriam que, provavelmente, estava grávida. E, a cada pensamento sobre isso, Yoru só queria desaparecer.
━ Você não é muito normal, não é? ━ com a pergunta dele, Yoru tombou a cabeça para o lado, formando um "O" com a boca. E quando estava prestes a responder, sua atenção foi desviada pela televisão do estabelecimento.
"A notícia trágica surgiu ontem ao amanhecer, mais um homem encontrado sem vida, seu corpo consumido pelo fogo. A identidade permanece desconhecida, mas as autoridades já iniciaram as investigações." ━ declarava a jornalista diante de um local devastado pelo fogo, e Yoru fez uma careta em resposta à narrativa.
━ Vamos, está tarde. Sua família deve estar te esperando, e já vai dar uma da manhã. ━ Ele se levantou de repente, desviando o olhar da televisão, o que fez com que Yoru, automaticamente, voltasse a focar nele.
Enquanto ele colocava o sobretudo novamente, Yoru notou, por um breve momento, uma pulseira dourada em seu pulso. Mas a observação durou pouco; logo, ele se virou para sair, e a realidade de sua partida a atingiu. Ela precisava ser rápida. Agarrando o dorayaki ainda fechado que ele deixara na mesa, correu para alcançá-lo.
━ Senhor, eu...
━ Irei pagar um táxi para você. ━ Ela entreabriu a boca, surpresa, e agradeceu com um leve gesto de inclinação.
━ O senhor esqueceu isso lá dentro, então peguei para você ━ ela disse, erguendo o doce em direção a ele. Entretanto, sua oferta foi recebida com uma resposta contida, ele mal se moveu.
━ Foi intencional. ━ Yoru piscou duas vezes diante da fala dele, sem saber o que responder, e baixou as mãos. Seus olhos seguiram o movimento dele, sinalizando para um táxi que se aproximava, enquanto ela, confusa, coçava a cabeça com uma das mãos.
O táxi deslizou para uma parada próxima deles, e Yoru dirigiu-lhe um olhar agradecido, curvando-se em sinal de gratidão para o rapaz que retirava dinheiro do bolso interno de seu sobretudo.
━ Agradeço imensamente pela sua generosidade, senhor. Caso deseje alguma forma de retribuição pelo táxi, sinta-se à vontade para me encontrar aqui. É meu trabalho, então costumo frequentar esta área.
© Victoria Melim, 2024
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