óculos de mergulho e honestidade
Charlotte e Taylor ainda andavam por Shoreditch, evitando ao máximo se despedir. Suas mãos permaneciam entrelaçadas, e Taylor se apoiava em Charlotte o máximo que podia, tentando melhorar a sensação do clima, com o vento frio que enchia o espaço aberto.
A inglesa pensou em como queria que a noite durasse. Taylor recusou o tempo em casa, e então essa pareceu a ideia certa, porque Spike provavelmente já estava de volta ao apartamento e Charlotte não queria ouvir o que o irlandês tinha a dizer. De qualquer forma, ela levou Taylor para um breve passeio pelos locais mais conhecidos de Shoreditch. O House Museum, que foi originalmente um asilo e hospital do século XVIII construído para apoiar a subclasse econômica do East End de Londres. Infelizmente, devido ao horário, o espaço estava fechado, mas pelo menos conseguiram ver o antigo prédio por fora. Depois passaram pelo Electric Cinema em Brick Lane e Charlotte aproveitou para mostrar os murais nas paredes e toda a arte de rua. Por fim, a inglesa abriu caminho até o jardim comunitário do bairro. Ela deu espaço a Taylor para entrar na frente e parou para fechar o portão antes de a seguir. O local estava sempre aberto, e por isso tinha uma entrada direta muito perto de Brick Lane, mas havia uma saída que ligava ao Shoreditch Park, com a inclinação que permitia ver parte da cidade de longe.
No jardim, Charlotte encontrou Taylor olhando para as luzes suspensas entre as árvores. Ainda era final de inverno, mas a iluminação doce permaneceria durante todo o ano, até que em dezembro ganhasse ainda mais vida com os pontos vermelhos, verdes e azuis piscando junto com o restante da decoração natalina. Era realmente lindo de ver.
Naquele dia, as flores estavam muito mais bonitas do que da última vez que Charlotte pisou no jardim. Tudo parecia mais fresco e Taylor parecia hipnotizada. A inglesa aproximou-se lentamente e a mais velha acabou virando-se para olhá-la. Assim que elas ficaram uma ao lado da outra, Taylor se virou completamente e nem esperou uma palavra para simplesmente se inclinar e beijar Charlotte. Não como da primeira vez, dessa vez foi um beijo de verdade e não um simples toque de lábios. A mais nova sentiu a mão de Taylor em seu rosto e instantaneamente a dela foi parar na cintura da garota.
O beijo acabou durando apenas alguns segundos, mas foram segundos suficientes para que deixasse Charlotte com um sorriso idiota no rosto. Ela se afastou de Taylor, mas manteve o aperto delicado em sua cintura. O sorriso da americana também estava presente.
— Belo jardim — a garota comentou em tom baixo, fazendo Taylor rir e dar um segundo beijo em seus lábios, desta vez mais rápido; tão delicado quanto.
— É, eu também achei muito bonito — ela sorriu, e então se afastou, entrelaçando os dedos com os de Charlotte, puxando a garota para outra parte do Jardim.
As duas atravessaram um corredor de flores muito bem iluminado, até chegarem a uma parte aberta. Charlotte apontou para frente, dizendo que seguindo mais alguns passos, elas entrariam de uma vez por todas no Shoreditch Park, mas Taylor não parecia animada em dar os passos em direção ao parque. Pelo contrário. Sua atenção foi atraída por um único banco de madeira, iluminado pelo luar. Havia essa inscrição e quando Taylor puxou Charlotte para que pudessem se sentar, ela apontou para a pequena placa de metal.
— Ei, olha! "Para June, que adorou este jardim em vida. De Joseph, que sempre estará sentado ao seu lado. June Wetherby, 1936 - 2021" — ela queria se controlar, mas acabou suspirando, parecendo emocionada — Algumas pessoas realmente ficam juntas por toda a vida.
*
— Spike! Você viu meus óculos?
— Eu não acho que tenha visto não.
Spike balançou a cabeça e pegou o controle da televisão, desligando-a. Ele havia deixado o ruído de fundo para poder dormir. Ele trabalharia em casa naquela noite, então pensou em apenas dormir à tarde para poder passar a noite, mas parecia muito difícil. Ele estava sem sono, o que o levou à clara realidade de que iria se encher de café assim que a noite caísse.
— Excelente! Isso acontece toda vez que decido ir ao cinema — Charlotte ergueu as mãos, exasperada — Num dia normal meus óculos estão por toda parte, em todos os lugares que olho lá estão eles, os óculos! Agora, nos momentos em que realmente preciso, simplesmente desaparece. Essa é uma das crueldades da vida, e isso eu lhe digo, Spike.
— Crueldade como os terremotos na Ásia ou mesmo câncer testicular? — perguntou o garoto. Ele ainda estava deitado no sofá enquanto segurava uma revista de arte sobre o peito. Fumando Lucky Strike, estava tentando não fazer bagunça. Como sempre, havia também suas roupas estranhas. A escolha desta vez foram shorts azuis com pequenas ilustrações de Thomas the Train. Ele usava também uma camisa preta no torso, com o logotipo dos Jonas Brothers e meias rosa neon nos pés.
Charlotte se aproximou do amigo, ainda procurando pelos óculos, e foi quando acabou focando no relógio digital do assistente virtual que estava equipado na estanten da televisão. Ela se atrasaria se não saísse de casa nos próximos cinco minutos.
— Merda, já está tão tarde assim? — a garota suspirou fundo — Ok. Eu preciso ir.
— Aqui, aqui — Spike acenou, tirando de trás de si os óculos de mergulho que nos últimos quatro ou cinco dias tinham sido sua companhia para tudo — Leva isso. É bem melhor do que nada.
Charlotte acenou cansada. Aqueles óculos eram realmente melhores do que nada e, por um tempo, deveriam servir. Claro, levar eles a mão no caminho a pé do flat até o Electric Cinema não foi uma experiência tão divertida. Eram óculos de mergulho e ela estava indo ver Licorice Pizza de Paul Thomas Anderson não A Vida Marinha Com Steve Zissou de Wes Anderson.
De qualquer forma, a garota não se incomodou em reparar nos olhares quando ela se sentou na cadeira da sala de cinema. Ela e Taylor se encontraram do lado de fora, e então acharam o próprio caminho até duas das cadeiras em lugares bons, segundo Taylor. Não tão ao fundo, mas também nem tanto colado à frente. Charlotte colocou os óculos e, com uma certeza, ela pôde dizer, a visão diante deles era melhor do que sua armação usual.
*
— Admito, eu nunca assisti filme junto de alguém que estivesse usando óculos de mergulho — Taylor riu e Charlotte acompanhou, nem um pouco sem graça e cem por cento aberta ao fato de que, na verdade, tinha sido uma boa experiência. Foi um momento estranho, claro, mas preciso. Ela assistiu ao filme como tinha de ser visto, ao invés de ver apenas borrões de um lado a outro da tela.
A garota se ajeitou na cadeira, e então passou uma das mãos no cabelo. Taylor olhou atentamente, e a viu dizer com cuidado: Eu não queria me atrasar, não estava encontrando meus óculos, e os óculos de mergulho tem grau. Eles funcionaram bem.
— Com licença — a voz do garçom cortou o momento. Ele ainda assim se aproximou com cuidado, retirando os pratos da mesa e deixando a conta que Taylor tinha pedido minutos antes ali mesmo na mesa, saindo segundos depois. Taylor, que tinha tirado o braço do apoio do tampo, voltou a se inclinar. Dessa vez ela mexeu no seu cabelo, um pouco nervosa, antes de falar qualquer coisa.
— Então... — ela começou — Você estava falando do seu último relacionamento enquanto estávamos vindo para cá, mas meu motorista te cortou e eu fiquei com isso na cabeça a noite inteira.
— Isso...?
— A história do seu término, do casamento. Quem deixou quem?
— Ah, isso... — Charlotte tomou espaço, suspirando suavemente enquanto tentava organizar o próprio pensamento — Bem, ela me deixou.
— E por quê?
— Ela me viu por completo — a garota foi honesta — A minha história com a minha ex mulher foi complicada e é verdade, ela realmente me viu por completo. Quero dizer, ela viu todas as minhas manias, meus defeitos, qualidades, meus momentos felizes e os tristes também e então simplesmente decidiu que não aguentaria ficar comigo porque para ela a vida tinha que ser uma constante aventura feliz, e no fim eu sou só uma garota da loja de discos em Brick Lane. Que gosta de passar os dias na mesma rua, comendo no mesmo café, assistindo aos mesmos filmes antigos e conversando besteiras com os mesmos amigos.
— Acho q-que — Taylor tropeçou um pouco no que queria dizer — Acho que eles sempre vão embora quando descobrem que as pessoas são muito mais do que transparecem superficialmente, ou algo assim — ela deu de ombros.
Charlotte acenou com a cabeça, concordando, e logo pensou em mudar o assunto porque aquele parecia bem como o tópico certo para pesar o clima. Ela não queria aquilo. Na verdade, ela queria apenas falar algumas bobagens e rir um pouco antes que pudesse entrar em outros assuntos. Era como as coisas deveriam caminhar, pelo menos ela pensava. Ainda era o primeiro encontro, então deveria parecer um primeiro encontro. Mas, sem realmente esperar, e antes mesmo que Charlotte pudesse abrir a boca e desviar o assunto, a voz masculina vinda da outra mesa chamou sua atenção - e a atenção de Taylor também.
— Não, não, não — Charlotte encarou o homem de cabelos claros. Ele não deveria ter mais do que trinta anos, e estava rindo como se tivesse ouvido a piada mais engraçada do mundo — Me dê um dia, apenas um dia, com a Taylor Swift.
A garota mais nova olhou para Taylor que, sem surpresa, parecia interessada no assunto assim que seu nome foi citado. Ela não virou o olhar, mas inclinou o rosto um pouco, apenas para que conseguisse prestar atenção com clareza no que diziam.
— Eu não gostei da última música dela, o clipe ficou extremamente apelativo — um outro cara falou — I Bet You Think About Me? Que besteira! Ela realmente não esquece os caras com quem fica, e aquele clipe é um exemplo disso.
— Sabe, eu não me preocupo muito com o que a música dela diz contanto que eu veja aquele corpo em clipes sensuais. Eu sinto falta disso, cara... — um outro homem comentou, revirando os olhos no processo. Ele bebeu parte do drink que tinha pedido antes de continuar — Veja, ela em Bad Blood ou mesmo naquele momento da música em que ela é uma estrela de cinema. Vamos lá...
— Ah, não. Ela não é o meu tipo. Eu prefiro alguém mais... doce, cheia de classe. Alguém que me faça ter um orgasmo toda vez que eu a leve pra tomar um café em Paris. De preferir uma mulher que não seja mais alta do que eu. Alguém como... — ele se interrompeu, como se procurasse a pessoa certa.
Taylor sorriu de onde estava. Ela encarou Charlotte, e a inglesa mal sabia o que pensar, porque naquele ponto estava tentando entender como Taylor parecia tão bem ouvindo tudo aquilo. A loira então abriu a boca, e em um sussurro contido, falou junto dos caras da outra mesa: Ariana Grande!
Como se soubesse bem a escolha deles e tudo que viria seguir. Como se aquilo não fosse tão incomum, e ela já tivesse passado pela mesma situação mais vezes do que poderia contar.
— Isso, Ariana Grande! — um outro homem reforçou, e todos os outros riram, de um jeito que parecia bem como se a coisa toda tivesse mesmo sido muito engraçada — Ei, fiquei sabendo que a Taylor tem problemas com drogas.
— Todos tem.
— Pois é, cara. Ouvi que ela estava em uma clínica de reabilitação tempos atrás, talvez esteja lá hoje mesmo, enquanto conversamos. Esse pessoal da mídia, a gente nunca sabe.
— Você sabe, algumas garotas não fazem o que Taylor faz nas músicas e nos clipes. Ela faz qualquer coisa, e vocês não sabem mas em 50% das línguas do mundo, as palavras "Cantora" e "Atriz" são sinônimos de prostituta — Charlotte terminou revirando os olhos ao ouvir a mesma voz, a voz do cara que iniciou o assunto. E então, para quem tinha estado com o mesmo sorriso desde o início, a expressão de Taylor se fechou — E ela é definitivamente alguém que você consegue levar pra cama fácil, quero dizer, vocês já viram as coisas que ela fala, essa besteira de amor...
Taylor desviou o olhar, ponderando se diria qualquer coisa, mas mal conseguiu pensar quando viu Charlotte se levantar. Ela, no entanto, acabou sendo mais rápida e puxou a garota consigo. O movimento atraiu bastante atenção e então a mesa de alguns passos atrás, que tinha estado focada em falar sobre Taylor, viu a americana e o que tinha de cor em suas expressões sumiu de vez. Taylor se esqueceu, por alguns segundos, de quem era e onde estava, então colocou as mãos no rosto de Charlotte e apenas murmurou que elas estavam indo embora.
Ela deixou a conta paga antes de se afastar, com mais dinheiro dentro do porta conta do que tinha realmente consumido, mas aquilo mal importava quando ela tinha uma garota estranhamente irritada por algo que nem mesmo era sobre ela. Taylor não queria soar como uma idiota dizendo isso em voz alta, então ela apenas ficou quieta até que elas estivessem do lado de fora do restaurante.
— Ok, eu não iria fazer nada — Charlotte se defendeu.
Ela estava mentindo, claro. Ela mal sabia o que teria feito, mas teria feito algo porque parecia apenas desonesto que alguém se sentisse confortável o bastante para falar de outra pessoa daquela maneira.
— Não, está tudo bem — Taylor falou, ainda arrastando a garota até que elas estivessem dentro de seu carro, no banco de trás — Eu amei que você tentou. Em outro momento eu teria feito o mesmo, mas esse tempo passou. Eu honestamente não estou me importando com o que estão falando de mim por aí.
*
— Então, aqui estamos — Taylor falou assim que o carro parou na entrada da casa alugada em Primrose Hill. Tinha muito sobre aquilo que ela ainda não tinha contado. Em uma situação normal, aquela casa ficaria vazia durante a noite porque Taylor estaria com Joe, mas ela tinha dito que iria trabalhar através do facetime com Jack e precisava de um pouco de calma. Joe ficou no apartamento dele, e Taylor saiu junto com Charlotte. Ela não tinha um horário, porque tinha uma desculpa, então pensou sobre isso — Você quer... Não sei, talvez entrar?
— Hm, parece ter muitas razões para que eu não entre — a inglesa falou. E realmente tinha muitas razões. Elas estavam mergulhadas em um mundo próprio, e a noite tinha sido maravilhosa, mas isso em algum momento teria que acabar. Charlotte não queria apressar as coisas e então sentir que fez o movimento errado. Ela estava tomando cuidado.
— É, existem muitas razões para que você não entre — Taylor falou — Mas... Você quer entrar?.
A resposta parecia óbvia, e os minutos seguintes foram complicados. As duas desceram do carro e então entraram em casa com as luzes apagadas. Taylor saiu acendendo o que conseguiu, até dizer para Charlotte que ela deveria se sentir em casa. Ela sumiu pelo corredor e Charlotte ponderou se sentava no sofá ou apenas esperava que ela finalmente voltasse. A resposta para isso acabou ficando de lado, quando Taylor apareceu, exasperada. Ela tinha esse semblante cansado e muito diferente do que sustentava até alguns minutos atrás. Charlotte pensou em perguntar se algo tinha acontecido, mas mal precisou, quando escutou a voz da americana soando estressada.
— Você precisa ir embora — ela disse.
— Porquê? — Charlotte quis saber.
A resposta breve era uma desculpa qualquer sobre um imprevisto sem nome. A resposta honesta, que foi a que Charlotte recebeu, foi a de que Joe tinha comprado comida no Bouchon Racine, o restaurante preferido de Taylor. Ele preparou uma mesa de jantar no jardim dos fundos, ligando as luzes suspensas. Tinha flores na mesa. Mas Taylor não estava em casa, então ele apenas se deitou no quarto, e ainda estava lá, dormindo porque apagou completamente enquanto a esperava.
— M-meu namorado, que eu achei que estava no apartamento dele ensaiando para um teste de cena que ele tem amanhã, está no quarto — Taylor disse, se odiando um pouco no caminho. Joe tinha deixado isso de lado também para que pudesse ficar com ela. Claro que Charlotte mal sabia disso. Primeiro, ela mal sabia que Taylor tinha um namorado.
— Seu namorado?
— Sim — Taylor passou as mãos pelo cabelo, abaixando o tom de voz como se não quisesse que o mínimo barulho acordasse Joe. E, na verdade, era exatamente isso.
Charlotte mal sabia o que dizer. Ela quis revirar os olhos, mas deixou isso de lado e então perguntou para si mesma, silenciosamente, como não tinha ideia sobre aquele detalhe que parecia tão importante. A garota que ela beijou três vezes, com quem saiu para um encontro. A mesma que conheceu seus amigos. Bem, essa garota tinha um namorado. Charlotte era um pouco desconectada de tudo, e admitia que sabia muito pouco de Taylor à parte de quem ela era e de suas músicas, mas... Bem, talvez ela esperasse que Taylor não escondesse algo como aquilo.
— Ok — Charlotte ajeitou o próprio casaco, por puro nervosismo — Acho que e-eu. Hm, eu acho que preciso ir embora.
Taylor a olhou com tristeza estampada na própria expressão, mas também não disse nada. Ela pensou em dizer qualquer coisa que melhorasse as coisas. Se ela fizesse isso, bem, então estaria ainda mentindo porque não havia maneiras de melhorar aquilo.
Aquela era um jeito estranho de enfrentar a realidade, e foi isso que Charlotte falou para si mesma enquanto deixava aquela casa que mal conhecia em um bairro que quase nunca frequentava.
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