𝐜𝐚𝐩. 𝐮𝐦
NOVE ANOS DEPOIS
O brilho da lua refletia nas ondas calmas do oceano, lançando sombras ondulantes sobre o convés do navio. Sob uma das cordas principais, Nebula observava o horizonte. Seus longos cabelos azuis, presos em um rabo de cavalo desajeitado, balançavam com a brisa noturna. Seu olhar estava distante, perdido em pensamentos enquanto a vastidão do mar sussurrava segredos que só ela parecia ouvir.
Aos 16 anos, Nebula sentia-se presa. Não fisicamente – ela sabia como manejar uma espada, como navegar em tempestades, como enganar qualquer um – mas emocionalmente. Cansada da companhia das mesmas pessoas, do mesmo navio, das mesmas histórias repetidas em volta de barris de rum. Buggy, o capitão, era uma figura contraditória em sua vida. Ele havia sido como um pai para ela, a acolhendo desde que era pequena. Ele a havia ensinado a sonhar grande, mas agora parecia que aquele navio era pequeno demais para seus sonhos.
Enquanto sua mente vagava, algo no mar chamou sua atenção. Um ponto minúsculo navegava lentamente, iluminado pela luz pálida da lua.
— BARCO À VISTA! — O grito de Nebula quebrou o silêncio da noite, ecoando pelo convés e despertando a tripulação.
As portas do pequeno escritório de Buggy se abriram com força, e o capitão saiu com seu habitual sorriso largo e arrogante. Sua presença era marcante, exagerada até, com seu nariz vermelho e risada caricata que fazia os inimigos rirem... ou tremerem de medo.
— Então vamos trazer todos a bordo — anunciou Buggy, com uma animação que fez os piratas se moverem como um só corpo.
Uma coisa sobre Buggy era certa: se ele queria algo, ele conseguia. E, quando se tratava de Nebula, seu zelo era quase obsessivo. Ele faria qualquer coisa para agradá-la, não importava o custo – roubar, machucar, até matar. Para Nebula, no entanto, isso não era mais uma demonstração de afeto, mas um peso. Ela queria se livrar das correntes invisíveis que a prendiam ali. Ela ansiava por aventuras próprias, mares desconhecidos, liberdade de verdade.
Descendo do seu lugar no cordame, Nebula caminhou até onde a tripulação já estava reunida, em torno de uma grande caixa onde os recém-chegados haviam sido trancados.
— Quem são eles? — perguntou, cruzando os braços e encarando a caixa.
Buggy, sempre teatral, fez uma pausa dramática antes de responder.
— Muitas pessoas vivem no mar, minha lagostinha — disse, cutucando-a de leve, como se a provocasse.
— Mas esses são novos — insistiu Nebula, os olhos estreitados. — Nunca os vi antes. Novos piratas?
— Novos piratas, hein? — Buggy repetiu com um sorriso que era metade diversão, metade perigo. — Isso vai ser interessante.
Enquanto a tripulação começava a abrir a caixa, Nebula se afastou um pouco, observando de longe. Algo em seu peito apertava. Será que aquelas pessoas, quem quer que fossem, poderiam ser a chave para sua liberdade?
Ela olhou novamente para o mar, agora mais inquieta do que nunca. A vastidão azul a chamava, e Nebula sabia que era apenas uma questão de tempo antes de atender ao chamado.
[...]
CINZAS E SANGUE
O cheiro de fumaça ainda impregnava o ar, misturado ao odor metálico de sangue seco. Nebula caminhava pelos restos de um vilarejo que, um dia, devia ter sido bonito e vibrante. Agora, tudo o que restava eram escombros, madeira queimada e corpos abandonados. Cinzas dançavam no vento, cobrindo o chão como um manto fúnebre.
Ela chutou um pedaço de cerâmica quebrada, observando-o rolar até parar ao lado de uma boneca sem cabeça. Algo dentro dela apertou. Este não era o tipo de vida que sonhava, mas era o que a pirataria de Buggy lhe entregava: destruição e mais destruição.
— O preço da pirataria... — murmurou para si mesma enquanto deixava o vilarejo em direção ao grande circo que Buggy havia armado.
O circo era uma visão grotesca em meio ao caos. As tendas coloridas contrastavam com o cenário cinzento, como se zombassem da tragédia ao redor. Nebula atravessou a entrada principal, ignorando os olhares dos piratas que se ocupavam com os preparativos para o "grande show".
— ONDE ELA ESTÁ? — A voz estridente de Buggy ecoou pelo complexo, furiosa e carregada de uma energia impaciente. — EU NÃO POSSO COMEÇAR MEU SHOW SEM MINHA ESTRELA!
Nebula suspirou, ajustando o rabo de cavalo enquanto entrava no espaço principal da tenda.
— Eu estou aqui — anunciou, sua voz cortando o alvoroço. Seus olhos varreram a plateia improvisada, compostas por aldeões capturados e alguns piratas aliados. — Céus, Buggy, descanse um pouco.
Buggy girou em direção a ela, sua expressão dividida entre alívio e irritação. Ele se aproximou com passos rápidos e exagerados, seu nariz vermelho quase tocando o rosto da garota.
— Onde esteve? — perguntou, seu tom carregado de acusação. — Estive procurando por horas, chamando por você!
— Só fui dar uma volta — respondeu com desdém, balançando os ombros. — Relaxa. Estou aqui agora.
Nebula cruzou os braços, desviando o olhar para um grupo de "convidados especiais" amarrados ao fundo da tenda. Eram quatro pessoas, mas um garoto em especial se destacava. Ele usava um chapéu de palha e tinha um sorriso tão grande que parecia não combinar com a situação em que estava.
— Quem são os nossos amigos? — perguntou, apontando o queixo na direção deles.
Antes que Buggy pudesse responder, o garoto de chapéu de palha falou com entusiasmo:
— Sou Luffy! — Ele sorriu ainda mais, como se fosse possível. — E eu vou ser o rei dos piratas!
A risada de Buggy explodiu, alta e debochada, preenchendo todo o espaço como o som de vidro se quebrando. Nebula estremeceu com o ruído estrondoso, mas manteve os olhos fixos em Luffy. Havia algo na convicção daquele garoto que fazia suas palavras parecerem mais que simples bravatas.
— Rei dos piratas? — Nebula repetiu, erguendo uma sobrancelha e esboçando um meio sorriso. — Como você pretende fazer isso?
Luffy levantou o peito com orgulho.
— Eu vou encontrar o One Piece!
Nebula quase riu, mas algo dentro dela acreditava nele, ainda que por um breve momento. Havia uma honestidade em sua voz que a fez pensar que talvez ele pudesse ser diferente de outros piratas que proclamavam a mesma coisa.
— Boa sorte, então — Buggy zombou, abrindo os braços em um gesto teatral. — Mas deixe-me corrigir você, garoto. Eu serei o rei dos piratas!
Luffy o encarou, sorrindo como se soubesse de algo que Buggy ignorava. Antes que pudesse responder, Nebula deu um passo à frente, posicionando-se entre os dois.
— Não vai haver um rei — ela declarou, com um olhar desafiador. — Vai haver uma rainha. Eu serei a rainha dos piratas.
O silêncio tomou conta da tenda por um momento. Todos os olhares se voltaram para ela, inclusive o de Buggy. Ele a encarou por longos segundos antes de sorrir, um sorriso frio e cheio de intenções ocultas.
— Nós seremos reis — Buggy disse, aproximando-se dela. Sua voz era calma, mas carregada de algo possessivo.
Nebula manteve o olhar firme, mas algo em seu peito apertou. Buggy sempre fora assim: protetor, mas ao mesmo tempo controlador. Ele dizia que fazia tudo por ela, mas na realidade, ele via nela um reflexo de si mesmo, algo que ele podia moldar e manipular.
— Não, Buggy — Nebula murmurou, virando-se para os prisioneiros mais uma vez. — Você pode ser o rei no seu próprio mundo. Mas o meu mundo será diferente.
Os olhos de Luffy brilharam, como se reconhecessem a centelha de algo grandioso nela.
— Eu gosto de você — Luffy disse de repente, sua voz cortando a tensão no ar. — Você deveria se juntar ao meu grupo.
Nebula sorriu de canto.
— Talvez. Mas cuidado, Luffy. Eu não perco.
Buggy gargalhou novamente, como se a ideia fosse absurda, mas Nebula não prestou atenção. Pela primeira vez, ela sentiu que estava dizendo algo verdadeiro sobre si mesma.
E pela primeira vez, ela teve a sensação de que seu futuro seria determinado por ela mesma – e não por Buggy.
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