01. one
SINTO-ME BREVEMENTE OBSERVADA, decidindo erguer meu olhar apenas para encontrar um par de olhos me observando através de sua janela. Ao perceber meu olhar para ele, Peter rapidamente desviou, parecendo envergonhado apesar de resistir à suas reações. Presto atenção em sua mão, seus dedos se mexendo levemente sobre o papel rabiscado, provavelmente realizando algumas contas de matemática que eu, jamais poderia entender facilmente.
Desvio meu olhar, abaixando meus olhos para meus dedos cheios de anéis prateados, alguns que tinham corações pequenos e delicados desenhados. Brinco com o objeto, girando-o em meu dedo indicador.
Me sinto culpada, às vezes. Peter era uma criança tão legal, pelo o que eu me lembro. Não queria ter me afastado dele, apesar de não ser necessariamente culpa de ninguém. Às vezes eu apenas culpo minha tia April por ter uma doença.
Lembro-me perfeitamente do dia em que tivemos que socorrer ela em seu antigo apartamento, depois que meu pai se foi. Ela passou a morar com a gente, e minha mãe precisou de minha ajuda. Adam era pequeno, e Amélie já passava tempo demais cuidando da minha tia para cuidar de mim e de um bebê de apenas alguns meses.
Foi tão de repente. Em um dia brincávamos à noite no quintal de casa, e em outro eu já nem saía direito.
Eu ia para a escola, é claro. Mas nada além disso, me sentia na obrigação de cuidar de tudo em casa, até mesmo quando Amélie estava fora. Por outro lado, nunca quis cancelar minhas aulas de ballet, e ainda tinha tempo para aulas de natação aos domingos, quando o meu pai me levava.
Ah, meu pai.
Não que ele fosse um pai ruim, mas ele havia mudado tanto. Ele prometeu nunca mudar, prometeu sempre estar lá por mim e no começo ele cumpriu, mas depois tudo desandou. Fingi não me importar, ainda visitava ele aos finais de semana, mesmo Amélie não querendo mais ir. A casa dele era diferente da minha, o cheiro de cerveja misturado com tabaco deixava meu estômago embrulhado. Ele havia desistido do emprego, não era mais um policial que lutava por sua cidade, ele só era... Um pai alcoólatra.
Respirei fundo quando a voz irritante de Adam gritou do outro lado da porta.
— Loira do banheiro, a mamãe está te chamando para o café da manhã, disse que vai se atrasar se continuar aí. — Adam avisou, escolhendo usar mais uma vez aquele apelido ridículo que ele havia aprendido ouvindo algumas histórias na escola.
Rapidamente me levantei, pegando minha mochila que estava em cima da cama. Quase a derrubei, no entanto fui mais rápida, abrindo a porta em segundos, Adam pareceu assustado pela maneira que a porta foi aberta abruptamente, e deu um passo para trás.
— Eu já disse para não me chamar assim. Você também é loiro, seu idiota. — respondi à ele, sem paciência pela manhã.
Desci as escadas rapidamente, temendo levar uma bronca de minha mãe pela manhã. Odiava atrasar ela e odiava ainda mais saber que todos da casa estavam ouvindo ela brigar comigo por motivos bestas e que eu poderia ter evitado. Quase tropecei em meus próprios pés, e por um acaso aquilo foi motivo de riso para Amélie, minha irmã mais velha.
— Bom dia? — ela falou ironicamente, um sorriso brincando em seus lábios.
— Bom dia. — respondi, sem dar muita trela. Mamãe me observou com aqueles olhos claros e me desejou bom dia também.
Enquanto colocava o leite na tigela, acabei me assustando com um som alto de sirene. Meus olhos se direcionaram à minha mãe, que apenas deu de ombros, pegando sua bolsa e colocando seu distintivo no peito.
— Amélie vai levá-la para a escola, Adam vai ficar com a April em casa. E eu vou com um amigo. — ela disse sem nos dar abertura. Ou seja, não tive tempo de perguntar sobre o tal e mais novo amigo da minha mãe.
Evitei demorar, sabia que estava atrasada e, eu odiava atrasos, principalmente da minha parte.
Dei um beijo em tia April, baguncei o cabelo de Adam e brinquei um pouco com Max antes de sair. Max, meu cachorro vira-lata.
O caminho para a escola foi leve, Amélie ouvia algumas de suas músicas que eu não gostava mas não ousei proferir nenhuma palavra. Sabia que ela poderia apenas me deixar no caminho para ir apé ao invés de simplesmente tirar sua música. Acho que eu seria assim também, se tivesse um carro.
Quando chegamos na escola, me despedi dela e caminhei para outro lado. Amélie era incrivelmente linda, conhecida e popular. Ela era simpática, doce, educada e acima de tudo, inteligente. As pessoas gostavam dela, e não havia nenhum problema nisso.
Não era como se as pessoas me odiassem, mas eu não era conhecida, era invisível.
Pelo menos eu era inteligente. Eu não precisava de ninguém quando tinha meu cérebro brilhante. Não preciso receber elogios sobre minha aparência física, preciso receber elogios sobre meu cérebro.
Eu pisquei, levantando meu olhar quando senti alguém me encarando. Aquela mesma sensação que senti quando percebi Peter me encarando pela janela de seu quarto.
Então eu o vi.
Seus olhos estavam escondidos pelo objeto em sua mão, seus lábios levemente entreabertos, enquanto ele segurava sua câmera em direção à mim. Não entendia se ele estava tirando uma foto minha ou só olhando a câmera.
Então eu sorri.
Não sei porquê.
Mas sorri.
Ele pareceu perceber na imagem da câmera o que eu fazia, e então afastou levemente o objeto de seu rosto, me deixando finalmente ver seus olhos.
Talvez eu quisesse apenas ser simpática com ele. Ou talvez, no fundo, eu esperasse que ele tivesse tirando uma foto minha. Eu imaginei como ficaria aquela foto, se eu estaria feia na câmera dele, o que ele faria com a foto depois? Provavelmente tirando foto da grama e eu apenas atrapalhando tudo.
Deus, eram milhares de pensamentos que eu gostaria de afastar de mim.
Uma multidão se formou atrás de mim. Virei minha cabeça, enxergando nada além de um círculo de pessoas, como se fosse uma seita. Peter começou a andar, seus olhos abandonando os meus. Eu não queria ir atrás dele, e não estava nem aí para o que estava acontecendo. Provavelmente era Flash se metendo em mais uma briga boba com outro valentão.
Até que Amélie apareceu diante da minha vista. Ela estava ofegante, vermelha, parecendo um pouco brava.
— Flash está dando uma surra no nosso vizinho, Felicity! Anda, temos que ir.
Eu não havia tido tempo de processar nada, Amélie apenas me puxou bruscamente pela mão. Tropecei em meus próprios pés, empurrando alguns ombros até que estivesse de cara com Flash e, jogado no chão, Peter. Torci meus lábios levemente, uma mania minha.
Então, enquanto Flash ainda estava distraído, gritando para Peter se levantar e enfrentá-lo, mesmo sabendo que já ganharia, eu andei para perto dele, pegando o leite de caixinha do novato e derramando diretamente em seu jeans claro. Então, eu toquei seu ombro algumas vezes, finalmente atraindo a atenção dele para mim. Ele sorriu, provavelmente achando que eu estava orgulhosa por sua atitude de merda.
— Flash, acho que Peter acabou socando sua bexiga. — eu disse, erguendo as sombrancelhas. Flash me olhou confuso, mas acompanhou meu olhar.
Em seguida, escutei diversas risadas, pessoas adorando a vergonha que Flash estava passando na frente de praticamente todas as pessoas da escola. Engoli um sorriso que se formaria em meus lábios, ainda mantendo meus olhos em Flash, ele parecia envergonhado. Pela primeira vez na vida.
— Vocês dois me pagam, Felicity. — avisou, antes de esbarrar propositalmente em meu ombro
— Ótimo! Claro que pego uma calça nova para você nos achados e perdidos. Mas faça assim mesmo, vá ao banheiro. A situação tá feia, Flash. — eu falei alto, para que ele soubesse que eu não tinha medo dele.
De forma alguma, eu jamais teria medo de Flash e de suas ameaças toscas.
O que ele poderia fazer comigo? Minha mãe era Sheriff. Um garoto batendo na filha da Sheriff não iria cair bem para a ficha escolar dele e muito menos para seus pais.
Quando o pátio começou a se esvaziar, pessoas indo para suas salas, finalmente enxerguei Peter. Encarei seus olhos, ele parecia um pouco... Surpreso? Orgulhoso? Grato? Confuso? Com dor? Eu não sabia. Eu não sabia ler Peter, talvez não fosse tão fácil quanto ler o restante das pessoas.
— Você está bem? — foi o que eu perguntei. Minha voz falhou levemente no começo, pensei que não seria capaz de falar com ele. As primeiras palavras depois de tanto tempo.
— Sim... — ele hesitou, mas respondeu. Talvez ele se sentisse como eu.
— Que bom.
Não esperei pela outra palavra dele, sabia que ele diria "obrigado". Peter era educado, ele havia sido muito bem criado por seus tios. Mas eu realmente estava bastante atrasada para a aula, então me sentei no meu lugar.
Felizmente, ou infelizmente, minha aula era com Peter. Ele entrou na sala como se fosse completamente invisível, todo mundo prestando atenção no quadro para colocar seus olhos nele. Mas eu havia percebido sua presença.
Me virei para ele, meu cabelo louro médio caindo de meus ombros e parando em minhas costas como uma cascata. Meu olhar procurou o dele, e então, eu torci os lábios antes de perguntar:
— Tudo bem mesmo? Você deve ter batido a cabeça. Algo grave pode ter acontecido. Seria melhor se fosse à enfermaria. — eu disse, mal dando tempo para ele responder. Falava rápido, várias palavras de uma vez só. Acho que a maioria das pessoas odiava isso em mim. — Qual é o seu nome?
— Você não sabe meu nome? — ele perguntou, franzindo levemente sua sombrancelha, um ato quase imperceptível.
Sorri para ele.
— Não. Eu sei seu nome. — respondi. — Quero saber se você sabe seu nome.
E se ele tivesse batido muito forte a cabeça? Poderia se esquecer de coisas simples. Como o nome dele, por exemplo.
— Peter. — ele disse. Um sorriso puxando levemente o cantinho dos lábios dele. — Parker.
— Lembra do meu nome? — perguntei, ainda sustentando o sorriso que antes havia aparecido em meus lábios.
— Felicity. Felicity Easter, como a Sheriff. — falou tão facilmente, como se meu nome fosse falado com frequência. — Eu estou bem.
— Só te testando. — respondi, desviando meu olhar e virando a cabeça para frente.
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