13 | PERTO DEMAIS.
NA SEGUNDA-FEIRA de manhã assim que cheguei ao colégio, segui até a sala de Rick como havíamos combinado. Na sexta-feira eu estava péssima com a idéia de precisar conversar com Rick sobre a reunião, eu não queria chegar até sua sala e dizer o quão horrível havia sido. Porém, depois daquela série de eventos... curiosos e estranhos que aconteceram com Negan, eu estava me sentindo muito melhor.
Contei a Tyra sobre a noite que tive com ele na manhã seguinte. Ela não parou de encher meu saco e de dizer como aquilo era a coisa mais fofa que ela já ouviu em toda a sua vida. Eu precisei me trancar no quarto com os meus fones de ouvido para me livrar dela por um tempo.
Bati discretamente na porta e Rick mandou que eu entrasse. Assim que ele me viu seu rosto se iluminou com um sorriso e eu sorri de volta. Fechei a porta e me aproximei de sua mesa.
— Ei, bom dia – Falei cumprimentando-o.
— Bom dia – Ele respondeu. – Você parece de bom humor. Sinal de boas notícias?
— Na verdade não, a reunião foi horrível e traumatizante – Eu falei enquanto puxava a cadeira e me sentava de frente para ele com um suspiro. Olhei para ele e ri, Rick franziu as sobrancelhas parecendo confuso, então eu acrescentei: – Ele não aprovou quase metade do trabalho e eu vou precisar refazer.
— Eu sinto muito, Kira - Ele disse. - Como está se sentindo?
— As primeiras horas foram bem difíceis, mas eu tive ajuda de alguém e agora já me sinto melhor.
Rick ergueu uma sobrancelha.
— Alguém?
— Negan, especificamente – Respondi. Não haveria motivos para mentir ou esconder dele quem estava comigo. Sei dessa richa entre os dois, e eu até gosto de provocar Negan usando esse lance deles, mas eu não preciso esconder nada do que faço ou com quem eu faço um do outro.
A expressão de Rick mudou levemente. Ela parecia levemente... decepcionada?
— Oh... isso é realmente uma surpresa. Como Negan a faria se sentir melhor?
— Ele conversou comigo, e ele foi gentil, algo que eu pensei que ele tivesse se esquecido de como funciona. Nos encontramos por acaso em um estacionamento, eu estava... com dificuldades para lidar com o que aconteceu e ele soube bem quais palavras usar para me acalmar.
Eu sei que Rick está surpreso com uma atitude gentil vinda de Negan. Eu estava também.
— Então são amigos outra vez? Não achei que fossem se reaproximar – Rick comentou pensativo.
— Como assim? – Eu ergui uma sobrancelha.
— Bom... todo mundo sabia que ele era o seu professor favorito, mas depois do jeito como ele agiu com você quando voltou, eu imaginei que isso tivesse mudado.
— Eu não estou mais no ensino médio então acho que eu não teria um professor favorito de qualquer maneira – Falei, achando estranho aquele apontamento dele. – E, sim, ele foi um babaca naquele dia e eu mesma pensei que não fossemos nos dar bem, mas as coisas mudam, não é? Ele até se desculpou por como agiu.
Rick concordou com um aceno leve de cabeça, mas algo me dizia que ele não estava levando essa conversa tão bem quanto estava tentando fazer parecer.
— Negan pedindo desculpas por algo... É acho que você pode ter razão. As pessoas podem mudar – Ele fez uma pausa. – Eu só espero que você esteja consciente de que Negan não é exatamente uma boa influência.
Eu tentei não revirar os olhos, mas falhei na missão e acabei fazendo. Olhei para Rick:
— Certo, vamos estabelecer que eu não tenho 12 anos – Comecei. – Então não é como se Negan fosse realmente me influenciar sobre alguma coisa.
— Sim... claro, você tem razão – Ele disse parecendo um pouco constrangido. - Tudo bem, eu entendi o recado. Você pode se cuidar sozinha, certo?
Eu sorri para ele.
— Isso mesmo, cowboy.
Ele riu de volta e então deixou o assunto "Negan" de lado, voltando a falar sobre a reunião com o orientador. Nós passamos um tempo conversando, até que ele me liberou e eu deixei seu escritório para ir para minha sala.
Juntando a conversa com Negan e agora essa com Rick, posso dizer que me sinto muito melhor. Eu sempre levei muito em consideração a opinião de pessoas mais velhas, e esse era o motivo. Algumas delas sabe realmente o que dizer em momentos difíceis.
Ao deixar a sala de Rick, estava um pouco distraída e pensativa, até ver Negan passando ao meu lado. Ele passou diretamente, sem olhar para os lados. Imaginei que ele estivesse tão absorto quanto eu em pensamentos e não tenha notado minha presença. Caminhei até estar ao lado dele.
— Bom dia, Treinador – Falei, meu tom era alegre. Eu nem lembrava de como era conversar assim com ele no colégio.
— Dia – Ele resmungou enquanto continuava andando.
— Certo, alguém está de mau-humor. Hoje é segunda-feira então deixe-me adivinhar... você está de ressaca.
Eu mantive o tom humorado. Me lembrei do fato de que desde que voltei, não houve uma segunda-feira a qual Negan não estivesse de ressaca.
Ele estava indo em direção ao ginásio, eu decidi acompanhá-lo.
— Quem me dera se eu estivesse – Ele resmungou.
Entramos no ginásio e seguimos até a sala dele. Negan não me expulsou, então eu supus que a minha presença não fosse algo negativo. Ele foi direto para a cadeira dele atrás da mesa e eu examinei a sala primeiro. As memórias daquela noite do baile me invadiram com força. Senti meu corpo despertar com algumas das sensações. Será que ele também sentia o mesmo?
— Então qual é o problema?
Perguntei, procurando manter minha mente focada em outra coisa. Meus olhos esbarraram no taco de basebol encima do armário em um suporte. Lucille.
Negan relaxou o corpo na cadeira e esfregou o rosto. Ele parecia cansado.
— Tudo. Tudo é a porra de um problema, garota – Ele resmungou.
Eu me sentei de frente para ele, percebendo que talvez ele estivesse precisando de alguma ajuda.
— Negan, você sabe que... eu estou aqui para ajudar, não sabe? – Eu pergunto. – Eu... sei que não me mostrei muito aberta a isso para você, mas...
Ele ergueu uma sobrancelha e eu revirei os olhos.
— Eu ainda sou a orientadora do colégio, é meu trabalho – Falei. – Os outros professores me procuram e parecem gostar de conversar. Então, se você estiver com algum problema, você pode só me falar.
— Eu não sou o tipo que fala, garota...
— Kira – Eu o corrigi com um suspiro. Negan balançou a cabeça.
— Kira – Ele disse. – Não sou o tipo que fala.
— E qual é o seu tipo?
— O tipo que segue em frente.
Eu o olhei e por um momento não soube se ele estava falando sobre algo mais banal, ou se estava falando daquilo que Tyra me falou. Claramente Negan está em um processo complicado de luto até hoje. Mesmo depois de pelo menos 4 anos, ele não conseguiu processar a dor da perca. Talvez ele não seja tão do tipo "seguir em frente" quanto ele acha que é.
— Me fala o que você tá sentindo.
Pedi em voz baixa.
Estávamos em um silêncio esquisito. Negan estava calado, os olhos encarando algum ponto acima da minha cabeça. Eu conseguia ver algo cruzando seus olhos, mas eu não conseguia identificar o que era.
Ele me olhou por alguns instantes.
— O que eu tô sentindo? – Ele repetiu e riu baixo. Não era uma risada alegre, era seca e sarcástica. Quase um fantasma da original. – O que estamos fazendo aqui? Terapia?
— Não seria tão ruim – Dei de ombros. – Mas não, não é uma terapia. Eu só quero ajudar você... sabe, da mesma maneira que você me ajudou semana passada.
— Eu não preciso de ajuda – Ele negou.
— Eu também achei que não precisava – Falei. – Eu o mandei embora, lembra? Eu até gritei com você, mas você não foi. Você deixou que eu gritasse, e então você ficou e conversou comigo. Você usou aquelas metáforas de esporte que eu detesto porque nunca sei o que querem dizer, e ainda assim você fez com que eu me sentisse melhor. Eu acho que preciso retribuir de algum jeito.
Ele ficou em silêncio novamente. Eu acho que ele está sentindo o mesmo que eu. Nessa sala, sentados desse jeito. É quase como uma viagem ao passado. Negan esta jogado na cadeira, até desleixado, enquanto eu estou sentada diante dele com o corpo duro e uma postura reta.
— De qualquer maneira... – Ele começou. – Eu não saberia como começar.
— Pode ser curto e rápido, como arrancar um curativo – Eu sugeri. Muitas pessoas sentem uma profunda dificuldade e expor o que estão sentindo. As vezes, falar de uma vez é a solução. Negan sempre foi muito bom em ir direto ao ponto.
Ele ergueu seus olhos para mim.
— Hoje é aniversário de morte da Lucille.
Certo, não é muito diferente daquilo que eu estava pensando. Eu balancei a cabeça levemente.
— Eu lamento.
Falei, meu tom era amêno, mas sem ser complacente. Eu sabia que ele não queria minha piedade.
— Eu sei. Todos sentem.
Ele esfregou a barba e afundou mais na cadeira.
— O que você costuma fazer nessa data? – Eu perguntei.
Eu sabia que perguntar a ele como estava se sentindo quanto a isso ou demonstrar mais compaixão, não dariam certo. Negan parece ser um homem que odeia esse tipo de conversa.
— Levo flores – Ele deu de ombros. – Vejo o programa favorito dela na TV, essas coisas estúpidas.
— Isso não é estúpido, Negan.
Eu falei olhando-o fixamente nos olhos. – É a sua maneira de enfrentar o luto.
Ele virou o rosto e eu pensei que ele só estivesse fugindo do meu olhar, mas na verdade ele estava encarando aquele taco de basebol. A cabeça de Negan é um mistério para mim. No final, depois de fitar Lucille por um tempo, ele voltou os olhos para mim.
— Tenho uma aula agora.
Eu entendi o recado. Tudo o que ele conseguia falar sobre o assunto já havia sido dito. Eu não iria forçar a barra.
— Ah, claro – Falei e então me levantei. – Tente não forçar muito os pobres garotos, hoje é segunda-feira.
Eu falei com um pouco de humor em minha voz. Negan balançou a cabeça.
— Aqueles merdinhas vão suar nos lugares mais escuros, garota.
Eu sorri levemente enquanto passava pela porta.
— É Kira – Falei por cima do ombro.
— Eu sei – Ele respondeu em tom de deboche.
Fechei a porta e segui pelo ginásio fazendo o caminho até minha sala. Meus pensamentos ainda estavam nele, e em como ele não está nada bem. Eu queria poder ajudá-lo, assim como ele fez comigo. Acontece que o luto é algo sério demais e... acho que não somos amigos, pelo menos acho que ele não vê dessa maneira. Sua esposa morta não é uma área que eu possa entrar, e mesmo que me fruste vê-lo mal e não poder fazer nada, eu tenho que aceitar como as coisas são.
🌙
AQUELA SEGUNDA-FEIRA se arrastou tanto quanto todas as outras. Eu havia me recuperado do baque de sexta e agora estava de volta à minha tese, trabalhando nela para que ficasse perfeita.
Terça-feira de manhã eu estava descendo às pressas e passando pela cozinha como um furacão quando Tyra me perguntou se eu poderia emprestar meu carro a ela no dia seguinte, já que ela precisaria ir até a cidade vizinha bem cedo. Eu concordo sem problemas, seria quarta, mas eu poderia sair um pouco mais cedo de casa e ir caminhando até o trabalho.
Quando cheguei no colégio, as coisas pareciam tranquilas. Os professores estavam tomando café como sempre e não vi nenhum sinal de Negan por ali. Eu estava preocupada com ele por ontem, não o vi pelo restante do dia e queria saber como ele estava. Eu poderia passar no escritório dele mais tarde e checar.
Fiz isso no horário do almoço, porém ele não estava lá. A sala estava trancada e nenhum sinal de que ele estava voltando. Quando cheguei na sala dos professores, perguntei a Rose se ela sabia dele.
— Ele não apareceu hoje – Ela respondeu. – Algo que quisesse falar com ele?
Rose sempre foi curiosa, mas eu não me importo que ela tenha perguntado.
— Ontem nós conversamos brevemente sobre Lucille – Falei. – Negan parecia abatido. Era o aniversário de morte dela e eu pensei em conversar com ele novamente hoje.
Ela me olhou e sorriu docemente.
— Querida, eu entendo que queira ajudá-lo. Você sempre foi assim com todos, não me surpreenda que tenha optado por essa profissão. Acontece que... – Ela fez uma pausa. – Negan não quer ser ajudado. Confie em mim, todos nós já tentamos. Até mesmo Rick já tentou.
— Tentaram?
Perguntei franzindo as sobrancelhas.
— No começo todos demos muito apoio a ele. E depois, continuamos sendo compreensivos, mas... com o tempo, Negan se tornou uma personalidade intragável. Eu sei que é cruel, mas ninguém além de Simon consegue suportá-lo mais do que o necessário. E não digo só pela boca suja, isso ele sempre teve. Negan gosta de provocar e ofender os outros. Ele afastou todos de si mesmo.
— Talvez isso seja exatamente a razão pelo qual ele precise de ajuda, Rose – Eu a olhei. – Negan... está além do sofrimento. Ele se bloqueia tanto para não sofrer, que agora ele está profundamente adoecido.
— E você acha que ele gostaria de se curar?
— Ele não precisa se curar. Ele precisa se permitir voltar a sofrer. É da natureza humana, o sofrimento... ele nos leva a transformação. Negan está paralisado, adoecido. Ele não quer sair desse ciclo, não quer mudar.
Ela sorriu e colocou uma mão em meu ombro.
— Eu entendo o que quer dizer, querida, entendo mesmo – Ela deu um pequeno suspiro. – Mas acho que ele não vai permitir que nenhum de nós chegue perto o suficiente para ajudá-lo.
Eu balancei a cabeça devagar. Talvez eu possa... ou talvez não. Não somos amigos, acho que ele nem quer que sejamos um dia. Também não sei o que ele espera de mim agora. Como eu devo agir? Como se àquela sexta-feira nunca tivesse acontecido? Como se, assim como passou várias vezes pela minha cabeça naquela noite, ela tenha acontecido em uma dimensão paralela e agora acabou?
Àquela noite quebrou boa parte da minha resistência contra ele. Negan conseguiu me acessar muito mais só com aqueles gestos do que com o sexo e as provocações. Eu me senti próxima dele e agora acho que alguma coisa mudou. Eu quero ajudá-lo. Não é sobre ter um relacionamento com ele, é sobre fazer por ele o que ele fez por mim.
O sinal tocou e anunciou o final do horário de almoço. Rose se despediu e seguiu para sua aula. Eu voltei para minha sala, escrevi uma boa parte do relatório semanal, mas minha mente parecia em um loop de pensamentos. Foi quando decidi ir embora um pouco mais cedo do que o habitual. No entanto, eu não queria ir para casa e ficar sozinha com esses mesmos pensamentos. Foi então que decidi ir até o bar encontrar com Tyra para conversar um pouco.
🌙
O BAR NÃO estava cheio, ainda mais considerando a hora. São pouco antes da cinco da tarde de uma terça-feira. É de se esperar o baixo movimento.
— Ei! – Cumprimentei Tyra quando me aproximei do balcão.
— Oi – Ela sorriu enquanto limpava alguns copos. – Que surpresa você por aqui no meio da semana.
— O quê? Não posso fazer uma visita ao trabalho da minha prima favorita?
Perguntei erguendo uma sobrancelha.
— Sou sua única prima, Kira, você não tem opções melhores – Ela também ergueu uma sobrancelha e lançou um olhar atento em minha direção. – Qual o problema?
— Nenhum, relaxa – Falei dando de ombros. – Eu só...
— Aí está! – Ela exclamou. – Eu sabia.
— Nem é comigo – Eu falei. – É com Negan.
Ela se inclinou em minha direção.
— O que aconteceu?
— Ele estava mal pela esposa – Falei. – Mas é claro que se esforçou ao máximo para não demonstrar nada. Isso foi ontem... e hoje, ele não apareceu no trabalho.
— E isso está perturbando você.
Foi uma afirmação.
— Está – Falei. – Porque por mais babaca que ele tenha se tornado, ainda não me conformo em ver aquele cara tão cheio de vida em uma situação dessas.
— Kira, o Negan... é assim agora. Não temos muito o que fazer - Ela suspirou e me serviu uma dose de whisky. – Você diz o tempo todo que mudou. Que não é mais aquela garota de seis anos atrás. Talvez você deva aceitar que Negan também não é mais o cara de seis anos atrás.
Eu a olhei e balancei negativamente a cabeça.
— Não é a mesma coisa, Tyra. Eu mudei porque eu envelheci. Eu vivi experiências, eu estudei, conheci pessoas. Foi orgânico, entende? Foi natural. Com Negan... foram as circunstâncias cruéis que o deixaram assim. Não é como uma adolescente que se torna adulta, é como um adulto que sofre um trauma.
— Você está certa – Ela murmurou depois de uma pausa. – Mas não é como se tivesse muito o que fazer, é? Ele é adulto, então você não pode mudar nada nele a menos que ele queira.
Ela estava enganada em um ponto. Eu não quero mudar Negan. Eu quero ajudá-lo, é diferente.
Eu estava distraída bebendo meu whisky quando Tyra saiu para os fundos do bar e depois voltou com uma expressão exausta.
— O que aconteceu?
Perguntei preocupada.
— A porcaria do tanque de chopp transbordou outra vez – Ela disse, depois me olhou. – Ei, você pode ficar atrás do balcão um pouco enquanto resolvo o problema lá atrás? O turno de Jenny só começa mais tarde, e eu estou sozinha aqui.
— Claro.
Concordei me levantando e dando a volta no balcão, ficando atrás do mesmo e apanhando um avental.
— Sabe, eu já trabalhei em alguns pub's. Então não é uma grande missão.
— Obrigada, obrigada, obrigada – Ela agradeceu uma série de vezes enquanto corria para o depósito.
Eu sorri e balancei levemente a cabeça. Dois caras de aproximaram do balcão e pediram cervejas. Eu me virei para buscar e depois quando voltei havia mais um encostado no balcão. Era Negan, ele não estava na companhia dos outros dois, parecia estar sozinho. Entreguei a bebida aos dois e eles saíram.
— Não sabia que trabalhava aqui agora.
Negan comentou quando me aproximei dele. Ele se sentou em um dos bancos do balcão.
— Não trabalho, Tyra precisou de um reforço – Falei. Apontei para ele: – Whisky puro?
Ele concordou com a cabeça.
— Você é boa nisso.
Eu sorri e comecei a preparar a bebida. Olhei para Negan quando entreguei o copo.
— Não apareceu no colégio hoje – Comentei.
— Veja só, alguém sentiu minha falta.
Ele disse em tom zombeteiro. Eu revirei os olhos.
— É, eu senti falta de alguém para lamber minha bolas hoje.
Resmunguei e apoiei meus cotovelos no balcão. Isso fez Negan rir.
— Lingua afiada, garota.
Eu inclinei minha cabeça e o olhei mais séria.
— Aconteceu alguma coisa?
Perguntei.
— É sério? Papo de barman comigo? – Ele perguntou depois de dar um gole na bebida.
— Bom, eu não posso ser sua terapeuta, mas sempre dizem que o garçom costuma fazer esse trabalho nos bares por aí – Eu dei de ombros e o ofereci um sorriso malicioso. – O que acha? Hoje eu sou seu garçom, então você pode desabafar.
Ele me olhou com o canto dos olhos.
— Eu estava de ressaca e mal humor, então achei melhor não ir.
Sua resposta foi curta e objetiva. Eu balancei a cabeça. Pensei em fazer alguma piada com o fato de que esse é o estado de espírito natural dele, mas achei melhor não.
— E agora você está aqui outra vez.
Comentei. Negan me olhou.
— Nada melhor do que uma nova ressaca para curar uma velha.
Ele estendeu o copo vazio e eu o servi novamente.
— Está assim por causa de Lucille, não está? – Perguntei depois de tampar a garrafa e deixá-la de lado.
Inicialmente Negan não disse nada. Cheguei até a pensar que ele não falaria. No entanto, diferente de ontem que estávamos no colégio com todo aquele clima de "orientadora terapêutica", hoje ele parece mais inclinado a me falar as coisas. Acho que o lance de garçom funciona bem com ele.
— É, é por causa dela sim – Negan confirmou. – Fui ao túmulo dela, levei flores, depois eu voltei para casa e...
— Ficou incrivelmente bêbado – Completei quando sua pausa foi longa demais.
— Acertou – Ele balançou a cabeça, depois deu um gole na bebida.
— Isso não é muito saudável, você sabe – Comentei.
— Eu não me importo muito com saúde.
— Vindo de um cara dos esportes, isso soa um pouco antiético.
Rebati, Negan riu baixo, mas não foi um som humorado.
— E você poderia estar me falando essas coisas, terapeuta?
Ele me perguntou.
— Eu não sou sua terapeuta, sou seu garçom – Rebati. – Então posso dizer o que eu quiser.
Ele se inclinou no banco e fez uma nova pausa.
— Por que está aqui nesse horário?
— Sai mais cedo, não conseguia me concentrar – Respondi sendo honesta. – Não parava de pensar em outra coisa.
— E em que não parava de pensar?
Eu o olhei.
— Em você.
Negan balançou o copo entre os dedos.
— Mau sinal – Ele murmurou.
Eu suspirei.
— Não gosto de te ver abatido – Falei. – Não gosto de vê-lo nessa situação, acho que até prefiro aquela sua versão babaca fodão...
— E quem não prefere?
Ele me interrompeu. Eu revirei os olhos, mas acabei sorrindo daquilo.
— Eu estou falando sério, Negan – Continuei. Aproximei meu rosto do dele, ele não se afastou. – Não gosto de ver você desse jeito. Quero ajudar você. Principalmente porque você também me ajudou quando eu precisei.
— Eu não preciso de ajuda, boneca – Ele balançou a cabeça como se fosse bobagem. – Sinceramente, acho que eu não tenho jeito.
— Você não deveria falar assim de si mesmo.
— Eu não estou me flagelando, só estou sendo honesto – Ele secou o copo mais uma vez.
— Então vai ser assim para sempre? - Pergunto. – Ressaca atrás de ressaca. Sexo com desconhecidas todas as noites. Afastar qualquer um que estiver perto demais...
Ele ergueu os olhos para mim e me encarou fixamente.
— E o que você entende disso? Acha que porque fez faculd...
— Viu? – Eu o interrompi antes que terminasse aquela frase que com certeza iria me magoar de alguma maneira. – Você está fazendo exatamente o que eu disse. Então eu cheguei perto demais agora?
Ele ia se levantar, eu coloquei uma mão em seu braço.
— Fica, Negan – Pedi. – Por favor.
Eu não queria que ele fosse embora, não agora. Eu gosto de conversar com ele e de alguma maneira eu sinto que se deixar ele ir, o vale entre nós vai voltar e ficar muito maior. Ele voltou devagar e se sentou. Negan indicou a garrafa com a cabeça e então eu o servi novamente.
— Você soube do baile dos regressos?
Perguntei baixo depois de alguns minutos. Rick estava planejando um baile de ex-alunos. Eu não tinha ido muito com a cara dessa idéia, me parece um pouco idiota, no entanto, o último baile foi uma surpresa. Talvez esse também reserve algo especial.
— Ah, sim, eu ouvi algo sobre – Ele resmungou.
— E suponho que você não vá – Comentei.
— E eu deveria ir?
Ele ergueu uma sobrancelha.
— Pode ser divertido – Dei de ombros. – O último baile foi.
Ele me olhou e então riu baixo. Eu me inclinei levemente no balcão e peguei seu copo. Dei um gole na bebida, marcando meu batom exatamente no mesmo lugar que ele estava bebendo. Coloquei o copo de volta.
— Normalmente os garçons não bebem no trabalho.
Negan riu.
Eu ouvi a porta abrir atrás de mim e olhei por cima do ombro, vendo Tyra se aproximar. Eu lancei um olhar travesso para Negan.
— Meu turno acabou.
— Ei, obrigada de verdade... – Tyra me agradeceu. Eu tirei o avental. – Uhn, oi, Treinador Smith.
Ela cumprimentou Negan. Ele sorriu levemente para ela.
— E ai, garota.
Ele a cumprimentou.
Eu dei a volta no balcão.
— Bom, acho que é hora de ir – Falei.
— Posso te dar uma carona para casa – Negan falou limpando a garganta.
— Meu carro está lá fora, então... – Tyra me cutucou no ombro, me fazendo parar de falar e olhar para ela.
— Você pode deixar ele, seria ótimo se eu não precisasse voltar de ônibus hoje.
Ela me olhava esperançosa. Eu pensei um pouco e então dei de ombros. Peguei as chaves no bolso.
— Até mais tarde – Falei, deslizando as chaves e o dinheiro da bebida que eu havia tomado.
Negan também pagou pelos seus drinks e então se levantou. Sua mão foi parar nas minhas costas, e em seguida nós deixamos o bar.
— Você parece gostar de ser meu motorista – Eu comentei quando chegamos ao estacionamento.
Olhei em volta, mas não vi o carro dele. — Onde está seu carro?
— O que acha de uma experiência um pouco diferente hoje?
Ele perguntou indicando uma moto enorme estacionada não muito longe da entrada.
— Não sabia que você tinha moto.
Comentei enquanto nos aproximavamos.
— Eu não saio sempre com ela por aí – Ele deu de ombros e levantou o assento tirando dois capacetes. Negan me entregou um. – Vai precisar de ajuda para subir?
Eu revirei os olhos.
— Hilário.
Resmunguei e então coloquei o capacete. Negan subiu na moto e eu também sem nenhuma dificuldade ao contrário do que ele pensou.
— É melhor segurar firme, boneca.
Eu o escutei falar e então o motor da moto roncou alto. Com um impulso assustado eu envolvi meus braços envolta da cintura dele, o apertando com força. – É assim que eu gosto.
— Cala a boca.
Mandei, mas não o soltei.
Negan saiu com a moto. Ele realmente gosta de velocidade, pois assim como com o carro, ele pilotava velozmente. A diferença é que estando na moto eu consigo sentir muito mais os efeitos dessa velocidade. Acabei me segurando aínda mais firme contra o corpo dele, e considerando a forma como seu abdômen tremia as vezes, eu tenho certeza de que esse bastardo está rindo e adorando essa situação toda.
Mesmo assim, eu estava gostando. Eu nunca gostei muito de motos, mas a sensação de liberdade andando nessa coisa é inegável. Acabei reunindo coragem o suficiente para erguer a cabeça e olhar em volta. A paisagem passava rapidamente a nossa volta e a moto parecia apenas acelerar cada vez mais. Porém, meu medo apenas diminuía.
Quando Negan começou a diminuir a velocidade, o rugido do vento havia diminuído consideravelmente. Ele era agora apenas um ruído de fundo. Conseguiu perceber outras coisas, como por exemplo o fato de que estávamos em uma parte da cidade a qual eu não conhecia muito bem.
— Negan? – Chamei alto. – Onde estamos indo?
— Para casa – Ele respondeu alto, me olhando rapidamente por cima do ombro.
— Esse não é o caminho da minha casa, Negan!
Eu exclamei. De repente ele virou uma esquina e então parou em frente a uma casa tipicamente americana, daquelas dos filmes e tudo mais.
Negan desligou o motor e então tirou o capacete, seu sorriso com covinhas estava enorme em seu rosto quando ele me olhou.
— Oh, não a sua casa, a minha casa. – Ele disse. – Eu disse que a levaria para casa, não que seria a sua.
Eu saltei da moto e tirei o capacete.
— Não acredito que você fez isso – Falei, olhando-o perplexa. – Por que fez uma coisa dessas?
— Se eu tivesse convidado, você teria vindo?
Ele perguntou descendo da moto.
— Claro que não! Você já trouxe metade da cidade aqui, é praticamente um abatedouro – Falei cruzando os braços irritada.
O sorriso de Negan se alastrou.
— Então, foi por isso que eu não falei – Ele fez uma pausa. – Anda, vamos entrar e beber um pouco. Depois eu levo você para casa – Ele fez uma pausa e seu sorriso se alargou ainda mais. – Para a sua casa.
Eu continuei no mesmo lugar, também não o respondi. Ele desceu da moto e guardou seu capacete.
— Kira – Ele chamou em tom baixo. Sua voz soou sedutora. Eu gostava quando ele falava meu nome. – Vamos entrar, logo vai esfriar.
— Eu não gosto quando me manipulam, Negan – Eu falei. Ele soltou um suspiro e envolveu meus ombros com seu braço longo.
— Certo, o que você quer ouvir? Um fodido pedido de desculpas? Tudo bem então, me desculpe por isso.
Eu o olhei com uma sobrancelha erguida.
— Agora eu tenho dois pedidos de desculpas vindos de você? Uau, acho que é um recorde.
Ele revirou os olhos.
— Vamos entrar agora?
Eu desfiz o bico que estava fazendo e então concordei.
— Certo, vamos.
🌙
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