02 | UMA GRANDE CHANCE.
DOIS DIAS SE passaram e a sexta-feira havia chegado. Depois de ter a quarta e a quinta-feira de licença para descansar, eu não acho que esteja preparada para voltar ao colégio. Principalmente quando sei que todos não vão parar de cochichar sobre mim o tempo inteiro.
Ainda em casa, enquanto tomava café da manhã, eu estava terminando o dever de casa acumulado. Foi quando uma notificação me avisou de que um novo e-mail havia chegado. Normalmente eu não verifico minha caixa de emails logo cedo, mas por alguma razão eu senti que deveria olhar.
O e-mail começava extremamente formal e quando meus olhos passaram rapidamente pelo cabeçario, eu quase cospi todo o café que estava na minha boca.
Era uma bolsa.
Era uma bolsa de estudos para um colégio de Londres.
Comentei a ler o e-mail freneticamente sentindo meu cérebro derreter.
Deus... como? Eu não havia me inscrito para nenhuma bolsa! Meu queixo caiu quando finalmente entendi o que havia acontecido.
O diretor Grimes...
Ele era um contato do diretor dessa outra escola. Este diretor havia solicitado recomendações de alunos com excelente histórico e excelência escolar. O sr. Grimes enviou meus ensaios de literatura, juntamente com trabalhos de outras matérias e meu histórico escolar.
Eu estava sem palavras.
Enquanto relia o e-mail pela quinta ou sexta vez, ouvi o barulho do ônibus escolar do lado de fora e acabei largando tudo encima da mesa como estava e saíndo correndo para não me atrasar. Eu me sentia entorpecida enquanto caminhava em direção ao ônibus e depois durante todo o caminho até o colégio.
🌙
DEPOIS DA MINHA primeira aula, eu corri até o escritório do diretor. Eu precisava falar com ele, eu precisava entender tudo melhor. Por que eu?
Existem outros alunos melhores, com históricos melhores. Alunos que faziam parte de grupos de debates e da equipe de atletas de matemática.
Foi exatamente o que eu disse ao homem quando me sentei diante dele.
— Não se trata disso, Srta. Brown – Ele disse. Seus olhos azuis brilhantes me fitando atenciosos. – Você é a aluna que tem a melhor relação com os professores. Todos gostam de você.
Ele sorriu e inclinou a cabeça, continuando em seguida:
— Você tem as melhores notas e nunca se mete em problemas. É exatamente o tipo de aluno que meu colega precisa. Eu admito que será uma grande perda para nós, mas eu não poderia pensar em oferecer essa oportunidade a qualquer outro aluno que não fosse você.
Eu o encarei totalmente paralisada. Eu não sabia o que dizer. Não era a pessoa com o melhor nivel de auto-estima que conheço e ouvir alguém dizer coisas desse tipo para mim me desperta dúvidas... mas o que eu poderia dizer contra?
— Tenho uma semana para aceitar ou recusar – Falei pensativa.
— Pense com cuidado, não tenha pressa.
— Eu não terei... é uma decisão bem difícil.
Falei. Eu gostava daqui. Tinha meus pais e, apesar de não ter outros colegas alunos no colégio, eu gostava de passar tempo com meus professores. Com um deles em especial. Eu estaria sendo estúpida deixando essa minha paixão platônica idiota pelo treinador Negan emergir enquanto penso a respeito de algo tão decisivo na minha vida?
Talvez....
Só que é inevitável.
Durante esses dois dias, eu não conseguia parar de pensar nele. O dia todo e a noite toda. O jeito como ele foi cuidadoso e atencioso. O jeito como ele me apertou contra o peito dele.
Eu costumo passar um tempo no escritório dele. Nós conversamos e eu gosto de encher o saco dele sobre o quanto odeio educação física. Ele costuma dizer que vai me convencer do contrário. Tudo isso começou com uma detenção no 1° ano, quando ele me apanhou matando sua aula no vestiário. Negan não costuma aliviar nem para os novatos.
As conversas com ele não são filosóficas ou sei lá o que como são com os outros professores, elas são leves e divertidas. Depois de um tempo eu percebi que não conseguia ficar sem elas e comecei a usar desculpas para ir a seu escritório e apenas... conversar. Passar um tempo com ele.
Na verdade, isso é o tudo o que eu poderia ter dele.
Enquanto deixo o escritório do diretor Grimes, não consigo parar de pensar em certas coisas. Jenny e outras garotas do grupinho dela... elas sempre jogam indiretas e as vezes até mesmo diretas sobre coisas que aconteceram com o treinador.
Eu não sei se acredito que ele já tenha transado com alguma delas, mas elas sentam atrás de mim na maioria das aulas e nunca param de falar. Principalmente Jenny. Depois do treino de torcida dela, depois que os garotos terminaram no campo e o vestiário está vazio...
Eu não gosto de pensar nisso. Meu estômago embrulha só de pensar sobre algo assim. Eu queria poder dizer que não existe nenhum indício de que Negan tenha realmente fodido uma delas, mas ele é sempre tão... provocador, com aquela pinta de mulherengo e aquela boca suja. Não deveria ser uma possibilidade tão impossível. Além disso, também existem as várias fofocas por aí.
Mesmo assim eu continuo negando, me forçando a não acreditar, me forçando a ignorar. Na maioria das vezes é quase impossível.
🌙
O FIM DO PERÍODO estava chegando e eu já havia escutado muita piadinha para um dia só. Além disso, eu aínda sentia que minha cabeça iria explodir de tanta dor.
Eu tinha educação física hoje, já que são duas vezes por semana, sempre às terças e sextas. Seria a primeira vez que eu estaria na frente de literalmente todos os alunos que viram tudo o que aconteceu, já que metade deles não tem outra aula comigo.
Acontece que, definitivamente, eu não queria participar da aula, no entanto, eu ainda queria ver o treinador.
Decidir ir direto para o escritório dele, antes que o restante da turma chegasse. Considerando que ele estava tão preocupado comigo no outro dia, talvez se eu me fizer de coitadinha posso conseguir me livrar de participar da aula.
A sala dele não estava trancada, ele provavelmente saiu faz pouco tempo. Me sentei na cadeira enfrente a mesa dele e olhei em volta, me lembrando de todos os dias em que vim para cá depois da aula apenas para passar algum tempo conversando com ele sobre coisas idiotas. Se eu aceitar a bolsa, isso não vai mais acontecer.
Estava tão absorta em meus pensamentos, que nem mesmo me dei conta de que a porta foi aberta:
— Kira?
Meu corpo todo tremeu quando ouvi meu nome. Ele não me chamava pelo primeiro nome, na maioria das vezes era meu sobrenome ou algum outro apelido que ele usa com todos. Eu me virei para ele e ri um pouco sem graça, parecia até que eu havia sido pega fazendo algo de errado.
— Ei, Treinador...
Eu falei me levantando.
— Eu ouvi que você voltaria hoje, então não a vi no ginásio e achei que estivesse se escondendo.
— E acertou – Eu concordei. Ele cruzou os braços.– Por favor, não me faça ir lá.
Eu praticamente supliquei.
— Você ainda está com dor? – Ele perguntou e eu consegui perceber àquela faísca de preocupação em seus olhos.
— Um pouco – Falei, e não é de todo mentira. A humilhação realmente dói.
— Está usando isso como desculpa para não fazer a aula?
Ele perguntou, mas estava claro que ele não precisava de uma resposta, pois ele já sabia qual era.
— Um pouco.
Repeti minhas palavras anteriores e meus ombros caíram.
— É só hoje, por favor – Pedi.– Eu não quero ter que ir lá na frente de todo mundo, eu já ouvi piadas o bastante para uma vida toda. Eu cumpro detenção, o que acha? Eu posso dar 30 voltas na pista de corrida, ou pagar 50 flexões. Só por favor... não me faz ir lá.
Eu estava tremendo um pouco. Eu sabia o que aconteceria se eu deixasse essa sala, principalmente com toda a turma reunida lá fora. Seria insuportável.
Entre os caras do time e a maioria dos alunos, Negan é visto como um babaca insensível, mas ele já se mostrou diferente comigo antes, então não é possível que ele não vá me entender dessa vez.
— Certo, garota, tudo bem.
Ele cedeu e então indicou o sofá.– você pode passar o tempo de aula aqui, mas depois nós vamos conversar.
Eu concordei com a cabeça.
— Obrigada, treinador.
Ele resmungou alguma coisa sobre estar ficando "velho e mole", depois deixou a sala.
Eu me joguei no sofá e respirei fundo, agradecendo por não ter que ir lá fora. Eu não me importo que ele me deixe na detenção ou sei lá o que depois, pelo menos eu não vou precisar encarar a turma inteira.
🌙
QUANDO A AULA acabou e eu escutei o sinal liberando todo mundo, esperei ansiosamente pelo momento em que ele entraria pela porta. Não tardou a acontecer e logo ele estava alí.
— Aproveitou bem?
Ele perguntou enquanto se sentava em sua cadeira atrás da mesa de madeira.
— Sim e outra vez... obrigada, treinador.
Eu agradeci novamente enquanto me levantava e ia até a cadeira de frente para a mesa.
— Você sabe que em algum momento vai precisar enfrentar essa merda toda, não sabe?
Ele me pergunta.
— Eu já passei o dia inteiro ouvindo piadas, treinador, minha cota de enfrentamento está esgotada por hoje – Eu falei cansada, então ergui o olhar para ele. – E ai, qual é a detenção? Flexão ou abdominais?
— Você não vai precisar pagar detenção hoje.
Ele respondeu simplesmente e eu o encarei surpresa.
— Como assim? – Eu perguntei confusa.
— Eu posso ser um bastardo na maior parte do tempo, mas eu não vou te obrigar a fazer esforço, pelo menos não dessa vez. Você bateu a cabeça e mesmo que esteja bem... eu não quero ter que levar você a emergência outra vez.
Balancei a cabeça devagar em sinal de compreensão. Eu nunca ouvi falar que ele havia aliviado para nenhum aluno. Na verdade, a punição mais leve que ele tinha era obrigar o aluno a polir o seu taco de basebol por horas até que estivesse tão limpo quanto um espelho.
— Bem, eu... agradeço – Falei devagar.– E eu prometo não contar a ninguém que o Treinador Smith é um cara legal.
Ele me olhou de canto e riu baixo.
— Garota, você é bem sortuda, sabia? – Ele perguntou e eu dei de ombros.
Eu queria contar a ele sobre a proposta da bolsa e perguntar a ele o que ele achava. Eu sempre conto grande parte das coisas e pergunto se ele tem algum conselho. As vezes, por mais torta que seja sua resposta, ela é realmente útil.
Então eu percebi que ele estava me olhando por tempo demais e que por algum motivo ele estava mordendo seu lábio inferior.
Eu inclinei a cabeça e aquele silêncio estava ficando estranho. Eu sei que poderia ir embora agora, mas eu não queria.
— E o que aconteceu com Jenny e a trupe?
Perguntei curiosa. Eu não fiquei sabendo se elas ficaram de detenção ou algo assim.
— O diretor deu dois dias de suspensão para todas – Ele respondeu tranquilamente.
— Uau, elas ganharam férias.
— Pode até ser que achem isso, mas também ganharam uma bela mancha no histórico.
Ele falava bastante indiferente. Não parecia que se importava com o que acontecia com qualquer uma delas. Ainda assim aquela pulga atrás da minha orelha continuava me questionando se as fofocas que elas contavam não era realmente verdade.
— De qualquer maneira, a escola deve ter ficado um ambiente bem menos tóxico durante esse período.
Eu resmunguei enquanto arrastava a cadeira para trás e me levantava. Apanhei minha bolsa e a joguei por cima do ombro.
— Até terça-feira, Treinador Smith – Me despedi caminhando em direção a porta. O treinador acenou levemente com a cabeça.
— Até terça, garota.
Quando estava perto da porta, eu me virei para ele.
— Treinador?
— Uhn?
Ele respondeu atento. Eu abri e fechei a boca várias vezes como um maldito peixe fora d'água. A verdade é que eu queria perguntar a ele sobre o que fazer com relação a bolsa, e se eu deveria aceitar. Acontece que se ele me dissesse para aceitar sem nem mesmo pestanejar, eu me sentiria mal por finalmente cair na real, a realidade de que eu sou só outra aluna pra ele.
Eu prefiro manter minha fantasia absurda de que eu sou especial.
— Não... esquece, não é importante.
Falei e então abri a porta.– Até semana que vêm.
Ele parecia confuso, mas respondeu um simples "até".
🌙
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