
𝟬𝟭𝟭 ، INTRUSIVE THOUGHTS.
CAPÍTULO 11 :
PENSAMENTOS
INTRUSIVOS.
TW: menção à
auto mutilação.
ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤHAWKINS, 1984
AS FÉRIAS DE PRIMAVERA DAS ESCOLAS DE HAWKINS durariam um pouco mais de uma semana. Alguns alunos iriam viajar, outros apenas aproveitariam daquele tempo de folga das aulas para sair e se divertir com os amigos, ali mesmo em Hawkins ou nas cidades vizinhas, diversas ideias sendo planejadas e executadas e haviam se passado apenas dois dias e meio.
Eram dois dias e meio que Andrea Hopper não saía do trailer.
Após a conclusão da reforma na escola e o retorno normal das aulas após o ataque ── que havia sido encoberto com a desculpa de uma explosão de gás ──, Andrea esperava que sua vida se tornasse um pouco mais simples já que tudo havia enfim acabado e o monstro havia sido morto, mas estava sendo o completo oposto. Além de mal falar com o delegado após a briga, Nancy e Steve pareciam estar vivendo o melhor romance da vida deles, o que levou Andy a se afastar um pouco da Wheeler por motivos que apenas total sentido em sua cabeça: ela não queria atrapalhar a harmonia do casal, além de também não se sentir uma amiga adequada naquele momento, não quando cada pensamento em sua cabeça pareciam escuros demais.
Quando via Nancy nas poucas aulas que tinham juntas, Andrea sentia como se algo entre eles duas estava quebrado, ou ainda pior: perdido. Nos primeiros dias após a volta das aulas, apenas estar nos corredores deixavam a Hopper em pânico e era ainda pior nas salas de aula. Sua mente trapaceira sempre lhe fazendo pensar que a noite do ataque estava acontecendo novamente; seus olhos inquietos se fixavam na porta, esperando por algo que não vinha e aquele ciclo acabava se repetindo todos os dias, não importando quantas vezes ela precisasse se furar a palma da mão com o lápis para ter certeza de que não era um pesadelo e que estava tudo bem porquê Eleven havia se sacrificado para matar a criatura.
E então ela lembrava de Barb e a vontade de chorar era quase impossível de segurar. Continuar sua vida miserável ali enquanto sua amiga não teve a mesma sorte de sobreviver era como ser cúmplice de um crime horrendo e manter aquilo em segredo, sem poder contar nem mesmo os pais de Barbara ── maldito seja o acordo que seu pai fez com os agentes do governo ── era ainda pior; lhe deixava cansada e culpada, principalmente após passar dias indo até a casa dos Holland e os ouvir lamentando sobre o desaparecimento da única filha. O risco de falar qualquer coisa sobre os acontecimentos que se passaram na semana do desaparecimento de Will poderia lhe levar para a cadeia ou até pior; vai saber o que eles fariam para manter aquele segredo guardado.
Ela também era medrosa demais para arriscar trazer justiça para Barbara, mesmo que parecesse errado seguir sua vida sem a amiga.
Além disso, ela tinha outros problemas para lidar, o que, de alguma forma, parecia ocupar sua mente. Sua cicatriz que ── apesar de ter curado rapidamente de um dia para o outro ── não desaparecia, os pesadelos com o demogorgon, os agentes na escola e aquela outra criatura esquisita ── que ela ainda não sabia bem o que era mas estava lhe assombrando ── e, para piorar tudo, suas crises de ansiedade constantes estavam tornando difícil de se concentrar nas aulas, o que fez suas notas caírem consideravelmente apesar de seu esforço. Consequentemente, aquilo diminuía suas chances de entrar em uma boa faculdade e ir embora dali de vez; ainda era seu segundo ano, mas se Andy não se esforçasse após às férias de verão, talvez fosse hora de começar a organizar um plano reserva.
A conselheira da escola, senhorita Kelly, havia lhe dito que era comum caso ela sentisse que não estava preparada em seguir com sua rotina normal após o desaparecimento de sua amiga e o 'ataque de animal' ── que parecia ser o que todos dizia sobre a hospitalização dela e seu machucado, que vez ou outra ela esquecia de cobrir ── e que talvez o recesso de primavera fossem o suficiente para que ela se recuperasse e voltasse ao seu 'velho normal'.
Andy interpretou aquilo como uma espécie de isolamento social e mesmo não sabendo se uma semana sem contato humano poderia lhe ajudar em qualquer um de problemas escolares que tinha, ela tentava acreditar naquilo porquê não lhe restava mais nada. A adolescente queria poder achar que o que quer que estivesse acontecendo com ela iria passar com alguns dias de descanso, tratando aquilo como as mães tratam dos resfriados dos filhos.
Ironicamente, Allison nunca havia cuidado muito bem de Andrea quando estava doente, o que fez a adolescente repensar sua analogia cuidadosamente, mas então ela lembrou de Jeff e como ele havia carinhosamente colocado cereal e suco de laranja em uma tigela em uma das vezes em que o corpo dela doía tanto que até mesmo respirar lhe dava calafrios. Ela não chegou a comer ── por estar vomitando tudo que comia mas também por achar a mistura um pouco exótica demais ── mas sabia que ele havia feito com carinho por estar preocupado com ela e talvez fosse isso que ela precisasse: um pouco de carinho. Naquele cenário, o melhor que conseguiu foi um cobertor, almofadas e a televisão.
Pensar em seu irmão costumava ajudá-la a se acalmar quando ficava difícil de respirar normalmente após acordar gritando, mas como um trem sem controle, seus pensamentos lhe levavam para Walter e no que teria acontecido na floresta caso ela não tivesse matado ele naquela noite, todas os possíveis cenários passando em sua cabeça como um filme. Ela provavelmente não teria se mudado para Hawkins, nem se envolvido naquela confusão de Will, Barb, Eleven e o governo. Ela não estaria com tantos problemas como agora.
Ou talvez ela estaria morta, quem sabe? Andrea não tinha dúvidas de que as possibilidades de Walter ter lhe matado naquela noite eram enormes e às vezes, quando os pesadelos não lhe deixavam dormir durante a madrugada, ela realmente queria que ele tivesse feito aquilo. Talvez fosse o único cenário onde sua dor não duraria muito e, além disso, teria lhe poupado de muita coisa.
Andrea se perguntava se sua mãe iria chorar quando os policiais descobrissem o corpo na floresta, mesmo que fosse um choro falso para manter as aparências. Se o Hopper iria aparecer no funeral, por pena ou por culpa, e se ele chegaria antes do caixão ser coberto por areia; se o seu lado detetive iria notar que havia algo de errado nas circunstâncias da morte da adolescente e tentaria descobrir o que aconteceu de verdade, adsim como ele fez com o desaparecimento do Will.
Ela gostava de pensar que sim. Que ele se importaria o suficiente para aparecer e dizer adeus mesmo tendo ignorado ela durante aqueles anos. Que ele choraria como chorou por Sara. Que ele ficaria de luto. Mas então, como se para lhe acordar dessa fantasia que inventava, ela lembrava:
─── Ele não é meu pai. ─── sussurrou para o espelho, cuspindo a pasta de dente. Uma verdade cruel vinda da boca de um homem cruel, mesmo que ambos soubessem ── 'como' era uma boa pergunta ── que as chances daquilo ser verdade fossem extremamente baixas. Acreditar em uma mentira parecia muito mais simples do que lidar com o relacionamento complicado entre o delegado e sua cópia de dezessete anos.
Aqueles pensamentos intrusivos não pareciam corretos na mente de uma adolescente que deveria estar na melhor fase de sua vida, mas, novamente, Andrea estava cansada. Não apenas dos pensamentos, mas de sua vida.
O controle balançava em sua mão enquanto ela mudava os canais, procurando por algum programa que fosse lhe manter entretida por alguns minutos até cansar e repetir tudo novamente, sabendo muito bem que não iria demorar para cochilar. Ela havia levantado daquele sofá apenas duas vezes naquele dia: para comer algo e ir ao banheiro, mas pareciam ter sido as tarefas mais difíceis de sua vida.
Sua mão, que antes sangrava e tinham cortes, agora apenas ardiam com o peso e movimento do controle; o que restou foi apenas uma mínima cicatriz que ela sabia que ia desaparecer pra valer nos próximos dias. Fazia um tempo que ela não via aquela coisa, então, quando notou a sombra atrás dela no espelho, como costumava acontecer, sua primeira reação foi socar o vidro. Claro, não adiantou muito, apenas fez com que cortasse os nós dos dedos e passasse o resto do dia com dor. Não havia como machucar algo que estava em sua cabeça.
Andy ainda não sabia o que ele queria e temia que ficaria sem respostas por muito tempo já que nada que via ultimamente parecia fazer sentido.
Batidas na porta fizeram a morena desviar lentamente o olhar da tela para o relógio em cima da televisão, vendo que marcava 5:48PM. Ela se perguntou se já era sábado e havia esquecido de ir buscar sua mesada semanal na delegacia, mas então lembrou que havia ido lá três dias atrás. Sua noção de tempo estava péssima ultimamente.
A segunda rodada de batidas na porta foram insistentes, fazendo-a suspirar baixo e levantar enquanto procurava cegamente por suas pantufas, sentindo suas costas doer pela posição que estava deitada antes.
─── Já vou! ─── ela gritou, prendendo o cabelo e caminhando antes a porta. ─── Pelo amor de Deus... ─── destrancando a fechadura, ela girou a maçaneta, observando a figura baixa que se encontrava ali no deck, com sua desgastada mochila esverdeada nas costas e um boné azul velho na cabeça. ─── O que você tá fazendo aqui? ─── Andrea perguntou para Jeff, confusa com a presença do irmão em sua porta.
─── Vim te visitar, ué. ─── ele deu de ombros como se fosse óbvio, apertando os lábios em um sorriso que teria sido reconfortante se não fosse pela situação em que se encontravam.
A morena deu um passo para a pequena varanda em frente à porta, olhando ao redor em busca de mais alguém ── Allison, o pai dele, qualquer pessoa ── mas estava calmo e silencioso, como sempre.
Ele passou por ela sem esperar ser convidado, entrando no trailer e colocando sua bolsa próximo do sofá enquanto olhava ao redor, analisando o local. ─── Seu pai não tá em casa?
Ela se virou para ele com a boca entreaberta, ainda confusa e tentando juntar as peças sobre o que estava acontecendo ali. Respirando fundo e reorganizando seus pensamentos para não assustar o garoto com nenhuma reação inesperada, a Hopper passou a mão pelo rosto com apenas uma pergunta em mente, temendo a resposta que poderia receber.
─── Jeff, você veio sozinho?
O garoto encolheu os ombros, desviando o olhar com certa culpa; o mesmo olhar que ele deu quando os biscoitos feitos por Allison para a reunião mensal do bairro desapareceram e Andy confessou ter comido, mesmo que soubesse que fosse ficar trancada no quarto sem comer pelo resto do dia. O mesmo olhar que costumava deixar ela de coração mole e perdoa a bagunça que ele fazia.
As circunstâncias eram diferentes agora.
─── Não exatamente.
─── E o que diabos isso significa?!
─── Eu peguei um ônibus!
─── Você... ─── ela bufou e apertou a mão nos olhos, não acreditando que ele havia sido capaz de dar uma desculpa tão esfarrapada. ─── Você pegou um ônibus. Sozinho.
Ele balançou a cabeça com um meio sorriso no rosto, negando.
─── Tinha outras pessoas lá...
─── Jeff, pelo amor de Deus! ─── Andrea falou, sua voz um pouco mais alta que o usual; respirando fundo, ela sentou no encosto do sofá e o fitou. ─── Onde tá-
─── Eles se separaram pra valer, sabia? ─── ele interrompeu; seu tom não era acusatório, apesar dela ter levado assim, afinal, a morte de Walter que causou tudo aquilo. ─── Papai foi pra San Luis e me levou junto porque a vovó tava doente, mas agora que ela morreu, ele vendeu a casa dela e vai usar o dinheiro pra ir pro Canadá. Muita coisa aconteceu enquanto você tava aqui.
A adolescente ergueu a cabeça, fechando os olhos por um momento enquanto respirava fundo. Se inclinando e empurrando a porta, ela esperou até ouvir o click para se levantar e arrumar as almofadas no sofá antes de sentar, batendo levemente no espaço ao seu lado, pegando o controle da televisão e desligando.
─── Eu não quero voltar pra lá, Andy. ─── ele sussurrou, os olhos fixados na irmã mais velha.
─── Você não deveria ter vindo sozinho. É perigoso.
─── Eu sei... mas senti sua falta. Você parou de ligar.
Andrea mordeu o lábio, desviando o olhar para a televisão enquanto sentia sua garganta se fechando e as lágrimas se formando no canto dos olhos.
Você parou de ligar.
Como Jeff poderia entender os motivos que a fizeram se afastar? Ele tinha apenas dez anos, como ela explicaria que havia dias em que estava tão cansada que se tornava negligente a ponto de querer ficar sem comer, sem levantar da cama, e até higiene básica se tornava um desafio?
─── Eu sei. Desculpa. ─── sussurrou, sabendo que qualquer tentativa de conversar ou mudar de assunto levaria ela a chorar tudo que estava guardado naqueles meses e Andy não sabia se conseguiria fazer isso, pelo menos não naquele momento.
Mais tarde, enquanto ele dormia na cama dela pensando no quão sortudo era pela irmã ter acertado o pedido dele de ficar ali, a Hopper sentou no sofá com a bolsa dele em mãos, procurando pela agenda que obrigou ele a carregar desde que o garoto começou a estudar, onde continha o número de casa, da escola e dos serviços de emergência. Era uma precaução que ela o obrigou a tomar, caso ele se perdesse e não soubesse como voltar para casa ou, nos piores casos... ela nem mesmo queria pensar naquilo.
Parecia errado estar mexendo ali quando havia visto a felicidade no rosto dele quando disse sim ao seu pedido, mas mesmo que ela quisesse que ele ficasse ali, não era certo para nenhum dos envolvidos, principalmente com o pai dele, por quem ela ainda tinha o mínimo de respeito, mesmo que não fosse merecido ou recíproco; se fosse o filho dela que tivesse fugido de casa, Andrea gostaria que fizessem aquilo.
─── Bom dia! ─── o rapaz falou ao adentrar na sala na manhã seguinte, vendo que estava um pouco mais limpa.
Os lençóis que estavam no sofá fora dobrados e os pratos sujos da mesa de centro haviam desaparecido. Do outro lado do cômodo, ele pôde ver sua irmã com os fones de ouvido enquanto mexia em algo no fogão; seus cabelos ainda molhados anunciavam que ela havia tomado banho a pouco tempo.
Ele se aproximou do balcão e sentou em um banco, o cheiro de panquecas sendo o suficiente para fazer seu estômago roncar. A morena se virou e vendo que o mais novo já estava de pé, abriu um pequeno sorriso, depositando o prato com panquecas na frente dele e abaixando os fones.
─── Dormiu bem?
─── Até que sim.
Ela franziu as sobrancelhas, inclinando a cabeça. ─── O que isso significa?
─── Seu colchão é estranho. ─── ele resmungou com uma careta. ─── Parece velho, mas dá pro gasto.
A adolescente revirou os olhos, ouvindo o som de um veículo se aproximando lá fora. Ela respirou fundo e fechou o roupão que usava por cima do pijama velho, batendo seus dedos no balcão algumas vezes antes de tomar coragem suficiente para ir até lá e enfrentar uma parte de seu passado que ela queria que estivesse morta.
─── Termina de comer e troca de roupa, ok? Eu já volto. ─── ela pediu, dando um beijo na testa dele antes de ir até a porta, olhando para o garoto uma última vez antes de sair.
─── Você só muda pra melhor, Andrea. Ainda mais parecida com a sua mãe. ─── Gabriel falou ao olhá-la de cima à baixo, parando próximo do veículo com as mãos na cintura enquanto olhava ao redor.
A garota conteve uma careta, enojada com tais palavras.
─── Infelizmente não posso dizer o mesmo sobre você. ─── a morena sussurrou com um sorriso falso, cruzando os braços. ─── Mais parecido com um pedaço de lixo com o passar do tempo.
─── Cadê o moleque? ─── questionou, com certa impaciência pela atitude da garota.
─── Tomando café-da-manhã, ele acabou de acordar.
O homem suspirou, balançando a cabeça com desprezo. ─── Manda ele se apressar, eu quero chegar lá antes do almoço.
─── O que tá acontecendo? ─── Jeff perguntou após abrir a porta e ver o pai ali.
A morena se virou ao ouvir a voz de seu irmão, fazendo-a suspirar e passar a mão pelos olhos. Era difícil algo ir certo para ela? Andrea queria fazer aquilo da maneira mais rápida que pudesse; era como arrancar um curativo.
─── Eu pedi pra você trocar de roupa, Jeff. ─── sussurrou, encostando o quadril no corrimão de madeira.
─── Andy, por que ele tá aqui?
─── Esse passeio já foi longe demais, moleque. É hora de ir pra casa, vem.
─── Que casa?! ─── o garoto gritou da porta, se sentindo confiante o suficiente com a presença da irmã para contrariar o próprio pai, para surpresa dos dois mais velhos. ─── Aquele apartamento que você comprou no Canadá? Aquilo não é minha casa! Eu não vou!
O Montgomery mais velho deu alguns passos na direção de Jeffrey, mas notando a repentina mudança de atitude do homem, Andrea cruzou os braços e endireitou o corpo, descendo alguns degraus e usando seu corpo para barrar o acesso.
─── Sai da frente, eu quero falar com o meu filho. ─── ordenou entredentes.
─── Você pode muito bem falar com ele daqui. Eu juro por deus, Gabriel, se você pôr as mãos no meu irmão, eu vou ter um prazer enorme em ligar pro meu pai e deixar você apodrecer nessa 'cidadezinha esquecida no mapa'. Era assim que você dizia, não é? Tão esquecida que você não vai conseguir comprar ninguém pra te livrar da porra da cadeia. ─── a Hopper deu um sorriso de lado, inclinando a cabeça. ─── Agora, se afasta ou vai se arrepender.
O homem a encarou por alguns segundos, seus dedos se fechando em punho antes dele desviar o olhar para o filho, que parecia assustado ao lado da porta. Respirando fundo para tentar conter qualquer atitude estúpida quando estava em óbvia desvantagem, o homem deu três passos para trás e ergueu as mãos em rendição, forçando um sorriso antes de apontar para Jeff.
─── Nós vamos embora agora. ─── ele pronunciou entredentes.
─── Não! Eu quero ficar!
─── Jeffrey... ─── Andy chamou por cima do ombro, sem saber o que fazer. De repente, tudo aquilo se tornou uma má idéia, mesmo quando ela apenas tentava fazer o bem.
─── Você acha mesmo que ela te quer aqui, Jeffrey? Ela me ligou, pedindo- pedindo não, mandando que eu viesse te buscar. Sua irmãzinha não pode cuidar de você, Jeff. Eu sou seu pai, seu guardião legal, você goste ou não.
─── Você tá mentindo! Andy, diz pra ele. ─── ele pediu, seu lábio tremendo enquanto segurava as lágrimas. ─── Diz que eu posso ficar.
─── Jeff. ─── ela sussurrou, se virando para ele e apertando os lábios em um sorriso leve. ─── Eu queria muito, mas sou menor de idade, não posso me tornar cuidar de você, pelo menos não agora... desculpa.
O garoto olhou entre os dois, vendo o pai caminhar impaciente até o carro, se encostando no veículo e acendendo um cigarro enquanto observava aquela cena dramática como se estivesse no cinema.
─── Mas a gente não precisa fazer nada oficial agora. Nós- nós podemos dizer que minha mãe tá doente e eu tô aqui por enquanto ou- ou alguma outra desculpa! ─── ele pediu segurando a mão da irmã, desesperado e com medo do que poderia acontecer mais tarde caso ele entrasse naquele carro com o pai. ─── Por favor, Andy...
Gabriel xingou alto, fazendo os dois se virarem assustados pelo som. Observando o homem caminhar até a traseira do carro, ele tirou uma bolsa avermelhada de dentro e a jogou no chão próximo do trailer, sem se importar com delicadezas.
─── Quer saber? Não dou a mínima pro que vocês vão fazer, mas eu cansei dessa merda. ─── ele resmungou, fechando o porta-malas e indo até a porta do motorista. ─── Se divirtam fingindo ser uma família feliz, eu não poderia me importar menos.
─── E você vai só abandonar seu próprio filho aqui, assim?
─── Que porra você quer que eu faça?! ─── ele gritou, batendo a porta do carro. Seu rosto tomou um tom avermelhado e seu tom de voz fez a garota estremecer, dando um passo para trás enquanto seu coração batia acelerado no peito. ─── Eu tô cheio desse moleque, de você e da vagabunda da sua mãe. Vocês três poderiam morrer que eu não daria a mínima. Ele quer ficar? Perfeito. Eu ia dar um jeito de me livrar dele de qualquer forma. Contanto que esse problema saia das minhas mãos, eu não ligo. Agora não se atreva a me ligar quando perceber o quão difícil é criar esse merdinha.
Andrea apertou os dentes para conter a raiva que crescia em seu peito, erguendo o queixo e engolindo em seco. Balançando levemente a cabeça, a adolescente pôs o sorriso mais largo nos lábios antes de falar.
─── Ah, não se preocupa com isso! Eu te desejo uma boa viagem e espero que dê tudo que errado na sua vida!
O homem deu um riso, incrédulo com a audácia da garota de ainda dizer algo. Ele fez menção de falar mas ela o interrompeu quando pegou a bolsa jogada e entrou dentro do trailer ao lado do irmão, trancando a porta e fechando as cortinas. Levou alguns segundos até ouvirem o som do carro se afastando, fazendo-a enfim respirar aliviada. Seu peito doía e ela precisou de alguns segundos à mais para poder entender o que havia acabado de fazer. Ela detestava discussões, lhe deixavam agoniada e querendo chorar.
─── Você tá bem? ─── Jeffrey questionou baixo ao ver a irmã paralisada no chão, com as costas contra a porta e a cabeça entre os joelhos, como se pensasse em algo; no fundo, ele temia que ela já estivesse arrependida. ─── Andy?
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AS FOFOCAS EM HAWKINS SE ESPALHAM COMO PRAGA em plantação ── Andy, que havia sido o foco três vezes em menos de um ano, sabia bem ──, então não era de se estranhar que os poucos assuntos rodando na cidade fossem sobre a família nova que havia se mudado para uma casa próxima do centro há alguns dias atrás.
Andrea tentava não dar muita atenção, diferente do resto do pessoal, principalmente porque não tinha informações o suficientes para opinar sobre tal assunto; o mínimo que ela tinha conhecimento lhe foi dito por Nancy em uma das tardes em que a Wheeler passou na loja onde a Hopper estava trabalhando atualmente. A relação entre as duas ainda parecia um pouco frágil, mas elas estavam se esbarrando mais que o normal após as férias de verão e a morena conseguia notar que a Wheeler parecia se esforçar para mantê-la entretida em uma conversa por mais de cinco minutos.
Talvez a reaproximação tivesse algo a ver com o aniversário chegando e a família da Holland ainda não ter descansado em buscar por respostas sobre o que aconteceu com sua única filha. Andrea se culpava pelas diversas tentativas falhas de Nancy em relação à amizade delas duas, afinal, a Wheeler já havia perdido uma amiga, não era justo perder outra que ainda estava ali, mas com as constantes noites sem dormir, o trabalho (que iria piorar quando as férias de verão acabassem) e ainda ter que cuidar de Jeff sozinha não lhe davam muito tempo para se importar com socialização e não havia muito o que fazer para mudar aquela atitude; ela tentou diversas vezes. Tanto por Nancy, uma vez sua melhor amiga, mas também à pedidos de seu irmão ── que ela não sabia se estava sendo influenciado por Will, Mike, Lucas e Dustin ou se ele estava apenas preocupado com as habilidades sociais dela porquê, fora o trabalho, ele era a única pessoa com quem ela interagia genuinamente e parecia ter paciência.
Mas apesar da sua óbvia falta de habilidades sociais, Andy estava feliz que estava sendo diferente para Jeffrey, que havia feito amigos tão rapidamente. Ainda que temesse que os meninos ── principalmente Dustin ── tenham acolhido o Montgomery apenas pelo o que passaram no último ano com os cientistas bizarros e a criatura de outro mundo, ela ficou feliz em ver que eles estavam mesmo se dando bem e o fazendo se sentir acolhido na cidade; ele precisava daquilo depois de ter ouvido as coisas cruéis que Gabriel disse, mesmo antes do garoto ter fugido. Seu irmão até havia aprendido à jogar D&D e ainda tentou lhe ensinar, entusiasmado com a nova descoberta; Andy ouviu pacientemente ele lhe explicar, mesmo já sabendo tudo que podia sobre aquele jogo.
─── Os meninos vão se fantasiar de caça-fantasmas para o Halloween. ─── o Montgomery comentou sentado ao lado de sua irmã no sofá, comendo seu café-da-manhã e assistindo televisão. Seus lábios estavam pressionados enquanto continham um sorriso, como se esperasse uma pergunta específica para algo que ele tinha na ponta da língua.
─── E você já sabe o que vai usar?
─── Um fantasma!
Ela inclinou a cabeça, um pouco confusa com a escolha. De todos os personagens que ele poderia escolher, logo um fantasma? Por que?
Além da praticidade e da falta de dinheiro, obviamente.
─── Você tem certeza? Não parece tão divertido assim. Aposto que eles vão ter fantasias combinando, por que você quer um fantasma?
─── Eu nunca assisti o filme, mas aquele marshmallow gigante parece irado!
A morena o fitou por alguns segundos antes de rir, balançando a cabeça. Ainda que se preocupasse que a razão fosse mesmo outra, a escolha parecia genuína demais para ser forçada.
─── Tudo bem. Você vai querer a fantasia clássica de lençol branco ou vai querer mesmo ser um marshmallow gigante?
─── É uma boa pergunta... eu preciso decidir agora?
─── Uh-uh. ─── negou, levantando e indo colocar a louça suja na pia, sendo seguida por ele. ─── Apenas me avisa quando escolher, tá bem?
─── Tudo bem. ─── ele parou ao lado dela, observando-a lavar as mãos. ─── Eu posso ir pra casa do Lucas agora? O quarto já tá arrumado e já tomei café... você disse que eu poderia ir...
Apertando os lábios em um sorriso, ela riu fraco e balançou a cabeça em concordância, virando a cabeça para fitá-lo.
─── Claro que pode... mas vai ver o Lucas ou a Erica? ─── implicou, fazendo-o revirar os olhos.
─── E você, vai falar com a Nancy ou não?
Andrea arregalou os olhos e limpou a garganta antes de força uma risada, jogando água nele ao ver o sorriso cínico que o mais novo tinha nos lábios, o que acabou lhe fazendo soltar uma gargalhada genuína.
─── Não tá mais aqui quem falou. ─── ela encerrou após parar de rir, erguendo as mãos antes de voltar para sua tarefa ainda com um sorriso e ver ele ir em direção ao quarto, que antes era dela.
─── Eu vou indo. ─── o garoto anunciou, se aproximando dela novamente e ficando na ponta dos pés para deixar um beijo na bochecha da mais velha.
─── Me avisa pelo rádio quando-
─── Quando chegar lá, eu sei, eu sei. Não se preocupa. ─── ele murmurou enquanto ia para a porta, acenando levemente antes de sair.
A Hopper suspirou baixo quando ele enfim saiu, abaixando a cabeça enquanto esperava a tontura pelo calor passar. Mesmo que o doutor Owens tenha lhe dito que as ameaças ── no plural, o que deixou ela ainda mais assustada ── tenham sido controladas e exterminadas, a jovem não conseguia acreditar nisso e também não conseguia acreditar que o delegado parecia ter engolido aquilo também.
Não quando a razão de tudo aquilo ter acontecido ainda estava ali.
Era ainda mais difícil levar as palavras dele à sério ── ou de qualquer outro cientista dali ── quando sentia essa estranha sensação de angústia crescente no peito, não tão intenso como das últimas vezes em que esteve em perigo, mas muito mais recorrente. Andrea tentava acreditar que isso não estava relacionado com o laboratório ou o que quer que acontecesse ali, mas ela conseguia ver através da mentira descarada que o médico insistiu em lhe dizer nas poucas vezes em que esteve lá em busca de ajuda para seu problema.
─── É apenas ansiedade, Andrea. ─── Owens disse uma vez, com a voz calma após ouvir ela falar por quase meia hora sobre o que estava sentido, como se tentasse acalmar uma criança. ─── Você passou por uma experiência traumática, foi atacada e quase morta por aquela criatura tentando proteger seus amigos. É compreensível que não se sinta segura aqui na cidade, mas acredite em mim, nós temos tudo sob controle.
─── Eu aposto que também disse isso quando um portal para outra dimensão foi aberto. Ou quando aqueles agentes estavam dispostos à matar um bando de crianças pra pegar a Eleven de volta. Ou quando minha amiga foi morta pelo animal que vocês deixaram escapar e agora iludem a cabeça dos pais dela com essa mentira.
─── Andrea, eu sinto muito pelo o que aconteceu com Barbara, mas-
─── NÃO! ─── ela gritou revoltada, se levantando da cadeira que estava e batendo sua mão em punho na mesa dele, fazendo alguns canetas ali em cima tremerem. ─── Você continua dizendo que têm tudo sob controle mas o pais dela ainda acham que a única filha deles fugiu de casa e estão gastando o dinheiro que não tem pra tentar encontrar ela, então não me diga que tá tudo sob controle ou se atreva a dizer o nome dela tão facilmente como se a culpa disso tudo não fosse sua ou desses idiotas de jaleco branco!
─── Ok... por que você não senta e se acalma um pouco, hum? ─── ele pediu, levantando da cadeira e apontando para a cadeira que ela estava antes, fazendo-a soltar uma risada irritada e confusa pela maneira que ele insistia em falar com ela.
─── Sabe, eu vim aqui achando que vocês poderiam me ajudar já que aquele maluco do Brenner morreu, mas eu me enganei, nada mudou. Vocês são parte do problema. Não tem como buscar ajuda aqui.
Aquela havia sido a última vez que ela havia tentado buscar ajuda com o laboratório (ou qualquer outra pessoa). Era inútil, afinal de contas. Os cientistas lhe manipulavam para fazê-la acreditar que aquilo era apenas estresse e se Andrea dissesse aquilo para qualquer outra pessoa, ela sabia que o apelido idiota 'EsquizoAndy' voltaria e não se sentia pronta para passar por aquilo novamente.
No fim, guardar para si era a melhor opção. Ela já estava acostumada, de qualquer forma.
O problema era que ela não sabia se poderia fazer aquilo com ele atrás dela.
voltamos com chave de ouro e cinco mil palavras! isso que é animação.
black out days bateu 10k de leituras e eu não poderia estar mais feliz, gente. juro, muito obrigada por todo o apoio!!!! pra comemorar essa marca, tô pensando em postar ou uma série de headcanons da fanfic (com possíveis spoilers) ou memes ou algum capítulo especial com uma temática escolhida por vocês. o que preferem?
agora, pontos importantes:
• nesses dois primeiros atos eu vou abordar bastante o estresse pós-traumático e depressão que a andy passa depois do abuso e também pelo ataque, então poderão ter menções de pensamentos suicidas e auto mutilação. pode ser que em algum momento eu esqueça de notificar no início de cada capítulo então já peço desculpas.
• o jeffrey, que antes era só mencionado de tempos em tempos, vai se tornar recorrente, yeeeh!
não esqueçam de comentar e votar, isso faz uma grande diferença!
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