Capítulo 03: Kazutora, O Corajoso
O NOME DE KAZUTORA, que ostentava a grandiosidade do significado 'tigre', símbolo de coragem e bravura, contrastava drasticamente com a realidade íntima do próprio Kazutora, onde a coragem raramente encontrava morada.
Ele frequentemente se via lutando para entender por que lhe deram um nome tão poderoso, uma dúvida que alimentava sua insegurança. Muitas vezes, preferia ser conhecido apenas pelo sobrenome, como se isso pudesse aliviar o peso das expectativas que seu nome carregava.
Para Kazutora, a coragem parecia uma sombra distante, sempre fora de seu alcance. Apesar de sentir-se desprovido dessa virtude, sua mãe e seu falecido avô mantinham uma visão diferente. Desde cedo, eles lhe ensinaram que seu nome representava uma força interior latente, e que se ele foi agraciado com tal nome, era porque, em algum momento, essa coragem emergiria e seria vital para sua jornada de vida.
Agora, prestes a completar dezoito anos, Kazutora questionava se a coragem, sempre esquiva, algum dia se manifestaria. Considerando que, se essa qualidade havia escapado de sua vida até então, por que deveria aparecer de repente?
A falta de coragem deixava um vazio profundo em seu coração. Em vez de um guerreiro destemido, ele se via como um garotinho assustado, buscando desesperadamente a segurança dos braços maternos que sempre lhe ofereciam amor e proteção.
Suspirando enquanto se perdia em devaneios, o rapaz encontrava-se cada vez mais absorvido pelas horas monótonas das aulas, dedicando grande parte de sua atenção à enigmática garota de cabelos azuis, Gênesis Perbl.
Observando-a, ele notava o quanto ela parecia isolada e distante, uma figura marcante em meio à multidão, mas presa em sua própria esfera de solidão. Apesar disso, o japonês sabia que não tinha o direito de julgá-la. Entre os poucos direitos que possuía, o de emitir juízos sobre Gênesis não estava incluído. Talvez ela fosse tão insegura quanto ele, apenas com um nome tosco e exótico.
E era quase isso, visto que 'Gênesis' não era um nome muito comum, especialmente no Japão. Talvez as pessoas achassem estranho e evitassem falar com ela por causa disso também.
Ele também não tinha muitos amigos para oferecer-lhe companhia; se Gênesis se sentia sozinha, ele compartilhava desse sentimento. E, se não fosse pelo temperamento explosivo de seu melhor amigo, Baji, e pela aura de carisma modesto de Chifuyu, sua solidão seria ainda mais profunda. Havia também Yuzuha, mas ela passava a maior parte do tempo viajando com a família.
Embora seus pensamentos infantis o fizessem suspeitar que sua mãe, de alguma forma, subornasse seus três amigos para que se tornassem seus amigos, ele se perguntava por que a situação com Gênesis não era a mesma — não a parte do possível suborno, mas a parte onde, apesar de tudo, ele ainda tinha amigos.
A fama de Gênesis Perbl como assassina e órfã por parte materna não impelia Kazutora a afastar-se. Pelo contrário, essa reputação apenas aguçava sua curiosidade e o instigava a buscar uma amizade com ela. A verdadeira história por trás do mistério que a cercava permanecia oculta, guardada como um segredo profundo, e ninguém parecia conhecer o que realmente havia acontecido. Ninguém nunca perguntou.
Ela parecia se isolar do mundo, ou talvez o mundo a isolasse. Kazutora nutria a esperança de que Gênesis nunca percebesse os olhares curiosos que ele lhe lançava, e, para sua surpresa, isso parecia ser verdade. Ela não parecia notar ou, pelo menos, nunca demonstrava se importar.
E, de fato, o Hanemiya preferia essa dinâmica. Ele desejava que a enigmática Gênesis permanecesse indiferente à sua presença, como se fosse invisível aos seus olhos.
Na verdade, era ela quem possuía o verdadeiro superpoder da invisibilidade. Parecia um espectro, desaparecendo de qualquer lugar, não apenas aos olhos dele, mas também aos de todos ao seu redor. A pergunta permanecia: quem era realmente essa garota?
Ela continuava sendo um enigma insondável para o japonês, que se esforçava para decifrar sua linguagem corporal, mesmo com o mínimo que ela demonstrava. Mas Gênesis era uma verdadeira caixa de segredos, uma presença impenetrável, constantemente imersa em seus próprios pensamentos, muitos dos quais pareciam sombrios ou distantes. Sua expressão facial revelava muito pouco.
Havia uma desordem na ordem que deveria ser a cabeça de Kazutora Hanemiya quando se referia à ela.
━ Terra para Kazutora! ━ A voz de um dos amigos o trouxe de volta dos devaneios, e ele se virou imediatamente para encarar o responsável pela interrupção.
━ Ah, oi, Fuyu. ━ Kazutora tentou esconder o constrangimento com um sorriso nervoso. Chifuyu balançou a cabeça em desaprovação, atraindo a atenção de Baji, que, ao limpar os óculos redondos com o pano de seu uniforme, virou-se para observar a cena.
━ Ele fez de novo? Lamentável, colega. ━ Hanemiya franziu o cenho, perdido sobre o que estavam discutindo, enquanto Baji deu duas palmadinhas em suas costas e soltou uma risadinha ao seu lado.
━ Cara, você já está de olho na Perbl há dias! Se quer convidá-la para o baile, é só ir lá e falar com ela, não precisa ficar a encarando feito um lunático. ━ Baji falou, dirigindo-se apenas a Kazutora e Chifuyu, que acenou com a cabeça em concordância.
━ Não é isso, é só que...
━ Sabe que não precisa mentir para a gente, né? Se está com vergonha de ir lá falar com ela, a gente resolve isso para você. ━ Baji acrescentou com convicção. ━ Até porque, ela não é vidente para adivinhar que você quer ir com ela para a festa.
━ É isso aí! Fica tranquilo, Kazu. Deixa que eu e o Baji descolamos ela para você.
━ Não, pera aí ━ Kazutora suspirou. ━ Esquece isso de "baile" e eu, não vai rolar. E, cara, como assim 'descolar'?
━ Observe e aprenda. ━ Kazutora, por alguns instantes, ficou atônito, sem saber o que esperar. Mas logo entendeu quando viu Keisuke Baji e Chifuyu se aproximando da misteriosa garota de cabelos azuis, que estava sentada sozinha em um banco do pátio, imersa na leitura de um livro durante o intervalo.
Sem hesitar, o rapaz se levantou sem pensar nem duas vezes, atraindo alguns olhares curiosos que rapidamente se desviaram. Ao perceber a impulsividade de sua ação, ele hesitou um momento, refletindo sobre o que havia feito, antes de se sentar novamente.
Tentou sinalizar discretamente com as mãos para seus amigos e irmãos, a quem às vezes chamava de idiotas, pedindo que recuassem e mudassem de direção. No entanto, Chifuyu apenas o olhou por cima do ombro e deu um sinal de positivo, antes de seguir em frente.
O japonês franziu a testa, sacudiu a cabeça levemente e, com a mão na testa, esforçou-se para concentrar sua atenção nos dois amigos que se acomodaram no banco ao lado de Gênesis.
Num momento de desespero, desejou fervorosamente poder escapar da situação, como se pudesse reverter os acontecimentos com um simples estalar de dedos.
━ Traíras... ━ murmurou, sua voz carregada de frustração.
NO TERRAÇO DO COLÉGIO, Kazutora Hanemiya estava acomodado em uma cadeira de metal, equilibrando um caderno de desenhos sobre suas pernas cruzadas. A brisa leve fazia o caderno balançar um pouco, mas ele não se importava. Entre os dedos, descansava um maço de cigarros já aceso, da qual uma espiral de fumaça se erguia lentamente, dissipando-se no ar fresco do entardecer.
Kazutora sentia-se cada vez mais desconfortável, como se o chão sob seus pés estivesse se abrindo. Seus amigos pareciam se deliciar com cada momento embaraçoso que ele enfrentava, uma diversão cruel para eles. A tradição de tentar arranjar-lhe uma namorada, que se arrastava há anos, era um tormento constante. Eles celebraram com entusiasmo e até fizeram um bolo quando souberam que ele havia dado seu primeiro beijo.
No entanto, a verdadeira fonte de sua inquietação não era a pressão dos amigos ou as celebrações inconvenientes, mas a constante preocupação sobre o que eles poderiam estar compartilhando sobre sua vida pessoal com ela.
Gênesis não era uma pessoa comum.
Após o trágico evento que marcou a morte da matriarca de sua família — uma tragédia que muitos especulavam ter sido um suicídio com intenção de levar a própria filha, enquanto outros acreditavam que Gênesis havia interferido na hora em que sua mãe dirigia, fazendo-a perder o controle — a jovem Gênesis tornou-se o centro de rumores sinistros. A pequena cidade de Kamakura estava repleta de boatos inquietantes, sugerindo que o espírito da mãe ainda assombrava Gênesis, como uma sombra persistente a seguir seus passos."
O sobrenome Perbl tornou-se sinônimo de mistério e inquietação na cidade.
Kazutora tinha apenas seis anos quando os eventos aconteceram, e sua memória era nebulosa. Entretanto, ele recordava os sussurros que percorriam a cidade e as conversas de sua mãe sobre a trágica morte da mãe de Gênesis. A curiosidade e o medo que permeavam as discussões da cidade não passaram despercebidos para ele.
A cidade entrou em caos após o evento, atordoada e sem respostas claras. Ninguém sabia ao certo o motivo por trás do acidente fatal que levou a matriarca, apenas que o casamento conturbado dos Perbl parecia ter sido um fator.
Gênesis foi cruelmente isolada em uma comunidade pequena e desconfiada aos seis anos.
━ Você queria me ver? ━ Uma voz suave cortou o silêncio do ambiente, a mesma voz que o impediu de tirar a própria vida. Hanemiya apertou os olhos com força, desejando desesperadamente desaparecer, e soltou um suspiro resignado.
━ Gênesis! ━ Ele forçou um sorriso, mantendo os olhos fechados e tentando exibir uma expressão simpática. A figura baixa e imperturbável de Gênesis ao seu lado fez com que ele soltasse o ar que havia prendido na garganta, retornando à sua expressão neutra. ━ Como soube que eu estava aqui?
Ele perguntou enquanto apagava a ponta do cigarro no chão e fechava cuidadosamente o caderno de desenhos.
━ Dois passarinhos me contaram. ━ Gênesis respondeu finalmente expressando uma feição, um sorrisinho, antes de se acomodar ao seu lado.
━ Claro, dois passarinhos... ━ Kazutora murmurou, sua voz carregada de ceticismo.
Uma pesada quietude tomou conta do espaço ao redor. A atmosfera, já densa, parecia aprofundar-se com cada segundo que passava. Ambos lutavam para encontrar as palavras certas, cientes de que qualquer tentativa de comunicação poderia fragilizar ainda mais o delicado equilíbrio entre eles.
Sem a presença dos amigos de Kazutora, que geralmente funcionavam como uma distração bem-vinda, eles estavam deixados à própria sorte para lidar com a situação. Alguém precisava tomar uma atitude.
━ Olha, Gênesis... ━ Kazutora começou, hesitando.
━ Por que você vem me observando? ━ Gênesis interrompeu, sua voz firme e direta.
Kazutora engoliu em seco, sentindo-se novamente sem respostas ou reações, exatamente como no dia da ponte, quando Gênesis havia capturado cada palavra que ele tentara articular.
O peso da realidade atingiu Kazutora com força, revelando o quanto ele havia subestimado a perspicácia de Gênesis. Ele havia presumido, erradamente, que ela não perceberia seus olhares furtivos. Agora, confrontado com a realidade, via que Gênesis era muito mais perspicaz e atenta do que ele imaginava.
━ Desculpe, não sabia que havia uma proibição específica contra olhar para a "esquisitinha". ━ Gênesis o encarou com os olhos arregalados, e o pedido de desculpas soou mais como um insulto do que uma tentativa de reconciliação. Kazutora deu um tapa na própria testa, lamentando sua língua solta e impulsiva. ━ Não, espera, que merda. Desculpa, não era isso que eu queria dizer...
Ele suspirou profundamente, sua sinceridade transparecendo. A impulsividade era uma constante em sua vida, um traço que frequentemente lhe causava problemas.
━ Relaxa, eu entendi, já estou acostumada com esse tipo de coisa. ━ Gênesis respondeu com um sorriso sem graça. ━ Não é que eu me ache o centro das atenções ou algo assim, mas às vezes é irritante. Parece que há algo no meu rosto que faz as pessoas ficarem obcecadas, então sempre corro para o banheiro para conferir.
Kazutora abriu a boca em um gesto de epifania, deixando Gênesis observando-o com um olhar confuso.
━ Então é para o banheiro que você vai quando some como um fantasma?
━ Quem sabe eu não seja um fantasma... ━ Gênesis piscou, com um toque provocativo.
━ Apesar do que dizem, eu saberia se você fosse um fantasma. Me respeite, sou formado em filmes de terror.
━ Desculpa aí, Ray Stantz! ━ Gênesis riu, e Kazutora juntou-se a ela entre risos baixos. No entanto, logo ele se lembrou do assunto sério que precisava abordar com a garota, agora que parecia um pouco mais à vontade.
Ele balançou a cabeça levemente, decidindo voltar ao tema principal com uma expressão de determinação.
━ Sobre o que aconteceu na ponte... Eu realmente gostaria que você esquecesse. ━ Kazutora assumiu, com uma sinceridade que refletia o peso de suas palavras. ━ Eu estava fora de mim e com...
━ Com aquela sensação incerta de estar perdido, ao mesmo tempo que anseia pela vida e deseja a morte? ━ Gênesis completou a frase de Kazutora, seus olhos profundos fixos nos dele, oferecendo uma compreensão que parecia quase sobrenatural.
━ Sim, é exatamente essa sensação ━ Kazutora confirmou, desviado o olhar para suas próprias mãos, que ele observava com timidez. ━ Acho que minha primeira impressão foi realmente péssima.
Ele soltou uma risada que soava mais como um lamento.
━ Você tem razão. Mas, considerando tudo o que as pessoas dizem sobre mim e o que vi na ponte, acho que estamos no mesmo barco. Então, está tudo bem, Kazutora. ━ Gênesis disse, com uma leveza que contrastava com a profundidade do assunto. Kazutora levantou as sobrancelhas ao ouvir seu próprio nome saindo dos lábios dela e a olhou com curiosidade.
━ Eu te disse meu nome? ━ Ele perguntou, surpreso.
━ Seus amigos me contaram quando mencionaram que você queria ir ao baile comigo.
© Victoria Melim, 2022
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