' „ 🧭 𝐀𝐅𝐓𝐄𝐑 𝐃𝐀𝐑𝐊
CAPÍTULO 28
━━━━━━━ A noite em que
nos conhecemos.

𝐎 𝐔́𝐋𝐓𝐈𝐌𝐎 𝐃𝐈𝐀

𝗨𝗠𝗔 𝗕𝗥𝗜𝗦𝗔 fresca predominava aquela tarde, logo o azul escuro tomaria conta do céu. Eu já estava acordada há algum tempo, apenas observando a parede e me relembrando de todas as coisas que teria de fazer naquele dia.

Atrás de mim, um sonzinho de papéis me chama a atenção. Virei-me, curiosa, desejando ainda ter os colchões que foram roubados por Negan. Carl sentava no canto do quarto, ele usava um livro para apoiar alguns papéis e rabiscava algo neles. A luz da janela bateu em seu rosto, seu rosto úmido me fez notar que estava chorando.

━━━ Ei, o que houve? ━━ perguntei, me arrastando até ele. Segurei seu rosto entre minhas duas mãos e limpei as lágrimas de suas bochechas.

Carl engoliu seco, mordeu os lábios e fechou os olhos. Sua cabeça deitou sobre meus ombros, enquanto eu o ouvia chorar como uma criancinha. Meus dedos acariciaram seu cabelo até que ele não chorasse mais. Não sabia o motivo pelo qual estava chorando, mas tinha algo em relação aos papéis que rabiscava.

· · • • • ✤ • • • · ·

Estávamos prontos para sair, acabar com Negan e os Salvadores. A noite era fria e escura como nunca tinha visto antes. Tudo ia de acordo com o plano… não completamente. O som alto e rouco de um megafone ao lado de fora me chama a atenção. Era Negan. Seu assobio perturbador já me doía a cabeça. Pensamos que tínhamos deixado os Salvadores presos. Estávamos enganados.

Carl nos conduziu ao esgoto. Escondidos no subsolo, eu esperava que Rick descesse a qualquer instante. O calor que sentimos ali dentro evidenciava que Alexandria estava em chamas. Todos nós suamos, mas Carl suava mais. Seus lábios estavam pálidos quando o vi.

Eu sabia o que era. Apenas repetia para mim mesma que não era verdade. Eu me recusava a encarar aquilo.

Rick e Michonne desceram ao esgoto após um tempo. Rick, coberto de suor, via todos que estavam ali conosco. Parecia que ele também sabia o que estava acontecendo quando seus olhos caíram em Carl. Eu já estava chorando, mas não percebi.

Carl levantou a barra da camisa, abaixou o curativo e lá estava. Todos os pesadelos tomaram conta da minha cabeça. De repente, me senti tonta. Fiquei tanto tempo com os olhos abertos que as lágrimas acumuladas tornaram minha visão embaçada. Carl foi mordido. Foi mordido quando fomos buscar mais gasolina. Eu sabia, mas ele não demonstrou nem por um instante. Tudo estava desmoronando e eu não conseguia consertar.

Ficamos em silêncio por um tempo. As bombas explodiam em cima de nós, mas não prestamos atenção nisso. Minha atenção estava focalizada na mordida coberta de sangue no abdômen de Carl. Eu encarava sem querer acreditar. Mais uma vez, eu falhei.

Poeira caía sobre nós, Carl tossia. Cada tosse o tornava mais fraco. A cada segundo eu gostaria de não estar mais viva. Eu soluçava, chorava como nunca antes.

Encostei minha testa na dele, não me importei que estava quente como fogo. Seu suor molhava minha pele, minha mão segurava a dele.

━━━ Não chore, eu odeio vê-la chorar ━━ diz ele, quase como se falar fosse tortura.

Não consegui formar uma palavra. Meu rosto já estava completamente úmido com as lágrimas e o suor. Rick e Michonne decidiam o que fariam, mas eu não prestava atenção naquilo. Se aqueles fossem meus últimos minutos com Carl, eu passaria apenas com ele, sem me preocupar com mais nada.

Mais tarde, quando Carl estava a apenas um passo de perder a consciência, decidimos que iríamos tirá-lo dali. Carl não morreria em um esgoto. Sair do subsolo e ver Alexandria inteira coberta com chamas era avassalador. A noite estava coberta de terror, e meus olhos cobertos de lágrimas. Carl não tinha morrido ainda, mas eu só conseguia desejar que o tempo voltasse para a noite que nos conhecemos.

Uma das poucas casas não atingidas pelas bombas foi para onde o levamos. Ele suava cada vez mais. A iluminação alaranjada do fogo clareava o lugar da pior maneira possível.

━━━ Obrigado por me trazerem aqui… ━━ agradece Carl, sua voz quase some entre as cordas vocais fracas.

Rick e Michonne se despediram dele, eu sentia meu coração tornar-se cada vez mais pequeno. Eu ouvia suas palavras como facadas em meus ouvidos. Desejava nunca mais ter que sentir algo assim novamente. Carl estava desaparecendo, mas ele nunca iria desaparecer das minhas memórias.

━━━ Grace ━━ ele me chama. Com dificuldade, me sento ao lado dele. Ele segura a minha mão. ━━━ Eu te amo. Uma vez, eu lhe disse que você era a minha melhor amiga e que eu não conseguia imaginar a minha vida sem você. Ainda penso assim. Você vai ser eternamente a primeira garota que eu conheci que gostava do Homem-Aranha. Não se esqueça de mim. Você sempre foi muito boa em esconder sentimentos, não faça isso, não se impeça de viver e aproveitar as coisas boas da vida.

━━━ Eu vou te ver depois da escuridão, Carl, eu prometo ━━ solucei, apertando sua mão com a minha.

· · • • • ✤ • • • · ·

Mais tarde, sentada ao lado do túmulo de Carl, já não tinha lágrimas o suficiente para colocar para fora. Sempre pensei que tinha o amado com a maior intensidade que podia, mas agora não poderia evitar pensar que não o amei o suficiente.

Ali sentada, eu segurava aquele maldito papel entre os dedos. O papel cujo meu nome estava escrito em caneta preta, que foi dobrado duas vezes.

As regiões em que as lágrimas atingiram minha pele — praticamente todo o rosto e metade do pescoço —, já estavam secas e incômodas. Meus pensamentos voltaram a Lily por um instante. Ela não tem ideia do que está acontecendo, ela não sabe de nada.

Em uma luta contra mim mesma e a carta, decidi lê-la. Respirei fundo — se é que eu ainda sabia fazer aquilo —, engoli seco e desdobrei o papel. Passei o dedão nas letras da primeira frase "Minha linda Sophie Grace Jenner". Eu era incapaz de chorar mais, o que foi pior, pois tive quase certeza de que vomitaria.

𝐀 𝐂𝐀𝐑𝐓𝐀

Minha linda Sophie Grace Jenner,

Eu sinto muito que tenhamos terminado desse jeito. De todas as formas que achei que isso acabaria, esta não estava na lista. Você estava comigo quando a mamãe morreu. Mesmo quando eu agi como um idiota com você, você me abraçou.

Ainda me lembro do dia que te conheci. Parece bobo dizer, mas me apaixonei por você naquele momento, naquele momento que você me disse que tinha todos os gibis que eu gostaria de ler.

Acho que você nunca percebeu que eu notava quando me encarava, quando ficava observando meus olhos. Eu percebia, porque sempre prestava atenção em tudo de você.

Você estava comigo no pior dia da minha vida. Você ouviu quando minha mãe disse que eu venceria este mundo. Eu não venci, mas você vai. Você é a única esperança deste mundo voltar ao normal. Você consegue, Grace. Eu não sei como vai fazer isso, mas você vai. Eu confio em você. Eu ouvia você resmungar enquanto dormia, dizendo que era tudo culpa sua, que tinha falhado. Você não falhou comigo, Grace. Isso não é culpa sua.

Eu te amo, Grace.

Seu Cowboy, Carl.

Meu coração apertava-se até ficar minúsculo. Meu corpo inteiro doía. Eu não poderia abraçá-lo, sentir o cheiro caloroso de sua pele, admirar a cor azul do seu olho, seus lábios rosados e suas pequenas sardinhas espalhadas pelo rosto. Carl estava longe de mim para sempre e eu não pude salvá-lo.

Dobrei a carta mais uma vez, encarei meu nome escrito na caligrafia dele e, quando eu pensei que não fosse possível, chorei mais um pouco. Eu estava sozinha em Alexandria, ninguém iria me ouvir. Era apenas eu e… Carl.

━━━ Eu vou fazer tudo que eu posso, Carl, eu prometo ━━ sibilei, apertando a carta contra o peito.

Passei a tarde caminhando por Alexandria, vendo os destroços deixados. Meu peito doía, assistindo aquele lugar de cabeça para baixo. Era demais ao mesmo tempo. Respirar era um esforço gigante para mim. Meus joelhos cederam eventualmente. Ajoelhada no asfalto, encarei o céu e senti o sol esquentar minha pele. Eu tinha tudo de Carl e mais um pouco, agora nada dele.

Minha consciência ardia, meus olhos também. Meu coração estava emaranhado. Eu o amava. Amava mais que qualquer coisa.

· · • • • ✤ • • • · ·

Joguei meu arco e flecha no banco do passageiro e deslizei para dentro. Respirei fundo e tentei me lembrar de todas as instruções que Rick havia me dado sobre direção. Minha mão alcançou o quebra-sol, libertando a chave do carro de lá.

Acontece que eu era melhor motorista do que esperava ser. Era mais fácil quando não havia nada nas ruas. Me sentia mal deixando Alexandria para trás, mas era preciso. Precisava ficar longe de tudo aquilo. Precisava ir embora e descobrir como vencer esse mundo.

Por mais que meu olhar estivesse na estrada, era como se eu estivesse vendo apenas a memória de Carl com os lábios pálidos e o corpo suado. O que me fez despertar foi o estrondo do corpo de um fedorento voando por cima do carro.

Puxei o freio de mão com força, me esforçando para colar minhas costas no banco. Deslizei para fora do carro, puxando meu arco e flecha comigo. O zumbi, que antes estava desvencilhado no chão, se erguia, começando a rosnar para mim. Puxei a corda do arco e soltei uma flecha. Corri para o corpo moribundo do fedorento e mexi em seus bolsos, procurando algo útil. Minha mão tocou algo duro, puxei um walkie talkie de lá. Um rádio… P!

Lembrei-me do rádio que peguei naquela lojinha de eletrônicos. Era tarde demais, ele provavelmente estava queimado e destruído como tudo em Alexandria.

Testei o alcance do aparelho. Era baixo. Não deveria chegar a mais de 2,5 km. Arremessei o rádio para longe e me joguei para dentro do carro novamente. Dei partida com o carro e segui conduzindo o volante até Hilltop.

Estacionei o carro a alguns metros significativos do portão. Segui o restante do caminho andando. Jesus permitiu minha entrada, Lily me agarrou assim que entrei. Aquele era o abraço que eu precisava sentir. Agarrei sua cintura, afundando meu rosto na curvatura de seu pescoço.

━━━ Onde o Carl está? ━━ pergunta ela. Algo em seu tom de voz me dizia que ela suspeitava de algo.

Quando não respondi, apenas deixando os olhos cobertos de lágrimas e os lábios contraídos fazerem o trabalho, Lily começou a chorar também.

Meu fim de tarde em Hilltop não teve outro resultado além de ficar deitada no quarto de Lily. Quando a noite caiu, tive de deixar o quarto, pois Enid havia chegado. Lily insistiu que eu ficasse, mas precisava de um tempo sozinha.

Questionei Jesus sobre algum rádio na comunidade e ele me levou a sala que antes pertencia ao Gregory. A sala era gigantesca com papéis de parede belíssimos e elegantes. Tudo em Hilltop parecia estar intocado e seguro, mas eu não ficaria lá por muito tempo. Sairia ao amanhecer.

Sintonizei o rádio. Era parecido com o que havia pegado na lojinha de eletrônicos, exceto que era bem mais potente. Sintonizei até que alcançasse 16.3 MHz.

━━━ P, sou eu, Sophie Grace ━━ falei, me aproximando do microfone. ━━━ Não sei se pode me ouvir. Meu grupo… Está tudo em desgraça. Eu perdi uma pessoa hoje, uma pessoa especial. Eu não aguento mais tudo isso. Eu preciso acabar com esse surto, e eu sei como. Precisa me dizer as coordenadas de sua comunidade. Fale com quem precisar, talvez me coloque para conversar com a pessoa no comando.

Fiquei em silêncio por alguns instantes, apenas esperando alguma resposta. Ela veio mais rápida do que imaginei. Um ruído arranhou a caixinha de som do rádio até que a voz rígida de P ecoou por ela.

━━━ Sabe mesmo como acabar com isso? ━━ pergunta ela.

━━━ Sei. Deveria ter feito isso há muito tempo, mas tudo estava indo bem… não achei que fosse precisar.

━━━ Que garantia eu tenho de que você realmente sabe como acabar com esse surto?

━━━ Meus pais, eles trabalhavam no CCD. Minha mãe era como um Einstein no ramo… eu estava sempre lá, ajudando, estudando sobre tudo. Confie em mim, eu sei como acabar com isso.

P ficou calada por alguns instantes, me perguntei se ainda estava ali, se ainda estava no mesmo canal que o meu. Então…

━━━ Se sabe como acabar com isso… Por que não fez nada antes?

━━━ Eu tentei… Nós tentamos. A vida na estrada não é fácil. A falta de recursos também não.

Silêncio mais uma vez. Em duas conversas com P, notei que ela ficava em silêncio frequentemente. Eu não precisava me desesperar, temendo que fosse desligar bruscamente.

━━━ Escute bem, anote em um papel. Só vou dizer uma vez ━━ diz ela, sua voz rígida e apertada arranhava a garganta.

Me debrucei contra a mesa para alcançar um lápis e um papel do outro lado, os coloquei a minha frente e aguardei pelas coordenadas. Agradeci por ter compreendido tudo corretamente. Rabisquei o papel com as informações e o dobrei, guardando-o no bolso da calça.

━━━ Venha sozinha. Não teste o pessoal daqui, não são pessoas na qual você gostaria de irritar. Te vejo mais tarde, Sophie Grace. Será uma longa viagem.

Faltavam apenas três horas para o amanhecer. Pedi alguns suprimentos para Jesus, os joguei para dentro de uma mochila. Garanti que levaria além do meu arco e flecha comigo, guardando facas e pistolas na mochila. Tentei dormir um pouco, mas não consegui nem pregar o olho.

Com apenas uma hora restante para o amanhecer, quando os primeiros sinais da manhã coloriam o céu, entrei de fininho no quarto de Lily. Toquei o braço dela, suavemente. Observei o movimento que os olhos esverdeados dela fizeram conforme abriam.

━━━ Lily, fiz uma promessa ao Carl. Eu disse que salvaria o mundo desse surto. Eu sinto muito, mas preciso ir ━━ sussurrei, esperando não acordar Enid.

━━━ Sophie, não. Eu já perdi Carl, não quero perdê-la também. ━━ Ela sentou-se na cama, segurando minhas mãos. Seus olhos cobertos de lágrimas me faziam desejar estar morta.

━━━ Você não vai me perder. Eu vou voltar, eu te prometo isso. A gente vai se encontrar de novo. ━━ Toquei sua bochecha, então a abraçei. Puxei da mochila o papelzinho escrito o nome de Lily com a caligrafia de Carl e o coloquei sobre a mesa de cabeceira. ━━━ Leia. Carl gostaria que fizesse isto.

Então, encarando os últimos momentos de Hilltop, a caligrafia de Carl no nome de Lily, os cabelos vermelhos da Greene que eu tanto amava, eu parti. Parti em busca de um significado maior. Ou em busca de um grande talvez.

00) Oiê! Espero que tenham gostado desse capítulo.

01) É o último capítulo do ato dois, que emoção 😭😭😭

02) Interajam nos comentários, isso motiva demais.

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05) Obrigada por estar lendo até aqui ♡

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