47-Martírio
Iduna olhava Tito feito um animal caçando sua presa, ela não precisava de armas para matá-lo, apenas seu poder telepata, mesmo assim, queria vê-lo sangrar, molhar suas botas naquele sangue mortal, e audacioso.
Amenade se recuperou, abrindo os olhos que ainda ardiam, e estavam embaçados depois de terem sido atingidos pelo ácido.
Tito estufou o peito e não se acovardou.
— Antes de te matar, me livrar de você de uma vez por todas, vou deixar Amenade lhe contar algumas coisas, imbecil. — Iduna moveu-se tão rápido quanto um vulto e agarrou Tito, pelos cabelos escuros, num puxão doloroso que o fez gemer de dor.
Nerfa gritava com a alma atordoada, Ierra lutava contra o aprisionamento daquela que dizia amá-la, que jurou nunca a ferir daquele modo... Aquilo foi uma traição.
— Conte ao seu brinquedinho humano, Nad! — Iduna balançou a adaga apontando para Amenade, que erguia o corpo do chão.
O palácio foi tomado por uma escuridão sobrenatural e horrenda que vinha de Iduna. Amenade tinha o semblante diferente de tudo que Tito já a viu transparecer em sua pele negra clara.
Iduna chutou a parte de trás da perna direita do rapaz, o fazendo ceder ao chão, soltando seus cabelos de maneira violenta.
Tito estava respirando cheio de dor, como se um peso estivesse quebrando seus ossos do peito, de joelhos, a espada surgiu magicamente na mão esquerda de Iduna e ele sentiu o metal gelado encostar em sua nuca, porém se manteve firme, não chorou —, morreria com coragem, a cabeça poderia ser arrancada em um movimento da espada pesada que reluzia, um segundo.
Amenade tinha violência no olhar, revolta e algo muito maligno jamais previsto.
— Baltazar, não quer nos atacar, Tito. — A titã falou já completamente de pé, firme.
Os gritos de Nerfa e das outras irmãs rasgavam o coração bom dele, sem piedade alguma... Tito não podia fazer nada...
— Quando a guerra aconteceu, eu ainda era nova, eu estava no campo, lutando contra os humanos, fui forçada por meus pais. — Ela contava, deu uma pausa para respirar.
Iduna esperava ansiosa pela continuação.
Queria ver Tito sofrer. Lentamente.
Tito relutava contra a imensa vontade de chorar, seus ouvidos ardiam tanto, seu corpo não podia se manter de pé, mesmo que não fosse forçado a ficar no chão, pois estava completamente fraco, bambo.
Amenade se odiou por ter que dizer aquelas confissões em tal situação.
— Havia uma tenda, e vários guerreiros e guerreiras lutando, quando eu me dei por conta, havia uma mulher grávida, desesperada para fugir dali e proteger a criança e a si em seu ventre, eu corri pela areia do solo quando percebi o que aconteceria... Eu não consegui não sentir humanidade, não ter piedade daquela mulher. — Amenade continuou, olhando nos olhos de Tito, profundamente.
Iduna mantinha o semblante vicerino.
Como uma cobra se deliciando com a agonia de sua presa diante de si.
— A família de Baltazar, a mãe e a irmã dele, avançaram contra aquela mulher, e eu tive que tomar uma decisão naqueles segundos; ou escolhia minha raça, ou a sua, e escolhi a sua, escolhi salvar aquela grávida — Nad se entregou ao choro.
Tito começou a assimilar as possibilidades.
— Eles não tinham um pingo de condolência, então a matariam, eu me transformei em outra criatura... Não podia deixar que a matassem, pelos céus, era tanta crueldade, eu não conseguiria suportar o tormento que seria, ter a morte dela em minha alma, em minha mente. — Iduna sorria achando aquilo esplêndido.
Tito se rendeu ao choro e aos soluços.
Amenade avançou um passo e a guerreira moveu a espada, ameaçando decapitar a cabeça do jovem humano, caso tivesse ousadia de dar mais um passo ali.
A amizade, toda dinastia que elas construíram, desmoronou no momento em que as três irmãs de Amenade, pararam de gritar em extrema tortura, findou-se o martírio, silêncio perturbador e mortífero tomou todo o ambiente em que estavam.
— Eu matei a irmã e a mãe de Baltazar, em seguida o pai delas tentou me matar, ainda no campo de batalha, e minha traição foi considerada a mais suja e imperdoável para a raça titã, se eu não fosse nascida em berço titã, estaria morta há muito tempo. — Continuou a voz falha da mulher alta.
Iduna chutou o abdômen de Tito violentamente, como se ele fosse uma pedra insignificante, o fazendo atingir o outro canto da coluna de gesso da sala, ele sentiu seus ossos se quebrarem e a dor invadir o corpo, sangue invadindo sua boca toda. Ela não tinha nada a perder.
Não tinha nem forças para reagir.
Amenade fecho as pálpebras com força, arrasada com as atitudes da amiga. Embora não tivesse nenhum vestígio de arrependimento por ter salvado aquela mulher humana durante a guerra.
— Aquela mulher era sua mãe, Tito... Eu descobri anos depois, e não foi por isso que eu te escolhi, pois me afastei de qualquer humano e coisas ligadas à vocês, a escravidão do seu povo não foi parte disto, eu passei a escraviza-los para que minha raça não tomasse a iniciativa de fazer muito pior e me impedir de meter o dedo nesta imundície toda, fiz para provar de que lado estaria definitivamente, eu juro pela minha vida, que não imaginava que um dia você viria para cá e tudo aconteceria. — Amenade explicou detalhadamente, secando as lágrimas quentes que desciam em sua face.
Iduna achou aquilo patético e dramático.
Tito chorava tanto que mal ouvia os próprios pensamentos, sua coluna se curvou com mais um gesto da mão direita da guerreira impiedosa e injusta.
— Eu mandei te buscarem sim, para fazermos aquele maldito tratado, como forma de me redimir pelos meus erros, o que seu povo estava sofrendo... Perdão, perdão por não ter dito antes, eu queria tanto... Não sou digna de ter seu perdão, tampouco que me olhe nos olhos depois de tudo isso.. Só quero que saiba, que me arrependo de não ter lhe contado antes. — Amenade ceifou a dor dele com magia, e olhou para Iduna com tanta dor, dor pela forma como nada do que elas viveram durante anos importou, dor por ver o quanto Iduna feriu as irmãs dela, sentiu desprezo e amaldiçoou a guerreira morena.
A visão do rapaz já pálido, caído sob o piso frio que lhe causava arrepios, foi ficando turva, tudo começou a girar.
O que mais doía era saber que Nerfa não emitia mais nenhum som, nenhum grito, nada... Poderia estar morta, assassinada... Ele não pode fazer nada para impedir.
— Maldita, maldita. — Balbuciou a rainha dos cabelos brancos, a voz virou um sussurro falho diante daquelas sombras escuras que pairavam sob o salão real.
Trovões começaram a quebrar o solo do lado de fora do palácio, Iduna atirou a espada que saiu quicando pelo piso claro cheio de desenhos levemente coloridos.
Os lustres estouraram, a ventania iniciou.
— A culpa é toda sua, por ter enfiado essa raça imunda, dentro das nossas terras, ter destruído minha confiança em você! — Iduna esbravejou avançando alguns passos. Amenade quase rosnou, furiosa.
A ira de sete mares invadiu aquela alma.
— Você sabe muito bem que eu teria que fazer isso para não ser expulsa ou até morta pelos titãs, sabe muito bem que eu nunca quis ferir ninguém, não foi escolha! Ele é só um rapaz... — Amenade se enfureceu tanto que perdeu o controle dos poderes, disparando um raio diretamente no tórax da sentinela que voou longe.
A visão de suas irmãs caídas no chão, sangrando por olhos, boca e nariz, destruiu sua bondade, sua piedade e qualquer sentimento que pudesse ter por Iduna, sentimentos bons foram cuspidos no infinito. Magia envolveu todo o ambiente.
Iduna saltou do chão rapidamente, como uma felina preparada e astuta.
— Escolheu ele, ao invés de mim, escolheu um imbecil que sequer teve consideração por você antes de cair nos braços da sua própria irmã! É patético ver como é burra em tuas escolhas! — Amenade escutou as palavras afiadas que cortaram seu coração, envenenando mais seu lado maligno que despertava. Havia chegado a hora de mudar destinos, de tomar decisões de novo.
Tito não resistiu, desmaiando.
— Você sabe muito bem que Baltazar, não podia me atacar ou se vingar até que as leis titãs findassem, a lei diz que não se pode atacar sua própria raça, antes que se passem... anos, independentemente do que tenha acontecido, por isso ele esperou até agora! E reuniu forças! Conquistou aliados! — Amenade lançou três rajadas de uma vez na ex-amiga que gritava de dor ao ser atingida pela magia roxa da rainha titã.
Ninguém ousaria meter um dedo naquela luta... Ou melhor... Acerto de contas?
— A conta chega! Estou pouco me fudendo para o que este humano ou o que aquela grávida inútil, ou a família dele passaram! Tampouco para o que passam! Quando é hora de escolher, eu escolho salvar minha própria pele! Escolho a minha raça! — Amenade sentiu cada pedaço de sua pele explodir magia em descontrole, começou a ferir a outra féerica com tanta fúria, que parte das estruturas dos palácios vieram abaixo, desmoronando assim como as rachaduras quebravam os campos e o solo que compunha Sportarend.
Iduna reagiu quando tentou usar seus poderes telepata fortíssimos contra Nad, porém, não funcionou... Nad foi mais forte, erguendo seus escuros mentais com tanta precisão que a magia de Iduna richocheteou e atingiu a si própria, experimentando da própria tortura, Iduna caiu de joelhos gritando atormentada.
— Guerreiras! — Convocou Nad, vendo a féerica se contorcer de dor sobre o piso.
A tropa das guerreiras temeu pelo motivo daquele chamado, pois nunca viram aquela ocasião antes, tampouco o lado maligno e perverso da rainha de Sportarend surgir.
Iduna havia matado a mulher que dizia amar intensamente, havia matado as irmãs da amiga de infância, da irmã de consideração, de guerra, havia ferido um inocente por sua ganância absurda, por sei espírito vingativo e desprezível.
Não haveria perdão.
— Eu só não te mato agora, porque você será minha isca. — Declarou a rainha, com a voz tão fria que poderia cortar uma alma.
Os trovões cessaram, a imensidão do céu ainda permanecia totalmente roxa pela magia dela que se espalhou feito uma erva daninha pelos céus, incluindo o lado humano atrás da muralha, Amenade moveu os pulsos e abriu um buraco no teto do palácio, usando sua magia intensa para manter o portal que levaria até seu próximo destino, aberto.
— Amo vocês, não vou deixá-las para trás. — Amenade sussurrou trêmula, seu coração sangrava em ver as três irmãs mortas e Tito tendo sua vida ceifada aos poucos, dolorosamente, enquanto era torturado pela última visão que teria caso aqueles segundos fossem letais... A de sua amada morta, e a de Amenade lutando contra Iduna, que destino mais injusto.
A rainha féerica abalada demais, em ruínas por dentro, fechou os olhos e entrou no portal aberto por sua magia vinda da alma.
Alma esta, destruída.
Só restavam três corpos estirados sob o piso em parte rachado pelo impacto do corpo de Iduna o atingindo por causa do poder de Amenade que lhe feriu, e Tito também desmaiado e sangrando tanto que uma poça se formou ao redor do rosto lívido dele, ossos quebrados, coração dilacerado.
Seria este o fim que ela mereceria? Seria este o fim que suas irmãs teriam? A culpa era dela... A culpa era dela? O que viria a seguir? Somente o destino poderia dizer...
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