24-A Verdade que ninguém me contou
10:50 da manhã.
Iduna caminhava pelos corredores banhados pelo sol que entrava através das grandes janelas e afastava as cortinas com o leve vento.
Desta vez não estava com armadura e trança como sempre, mas sim com um vestido verde silvestre bem justo no corpo de mangas longas, feito do mais fino veludo.
Os cabelos escuros feito a noite, foram totalmente ondulados e balançavam conforme ela andava.
Exalando nervosismo e ansiosa, as mãos se cutucavam entre si e a respiração descompassada.
— Não fique nervosa, vai correr tudo como previsto. — Ouviu a voz da governante de corte atrás de si e virou-se.
— Não tenho nenhuma certeza. — Balbuciou sem conseguir controlar o próprio pé batendo ansiosamente sob o piso — dentro da sandália escuro que usava.
Ierra mexeu no cabelo macio como pelo de ovelha e sorriu para ela com ternura.
— Se acalme sentinela. — Sugeriu estendendo a mão para a companheira de vigia.
Iduna estranhou e hesitou por segundos, todavia logo cedeu a desconfiança e agarrou a mão aberta de Ierra.
A mulher negra puxou a cintura da sentinela e a colocou na frente do próprio corpo onde dava para ter vista perfeita do lado de fora.
— O que você vê? — Apontou o horizonte à frente do olhar da sentinela, ainda confusa.
— O horizonte. — Respondeu o óbvio, já pensando que era alguma gracinha da companheira.
Ierra soltou uma risadinha.
— Não... O que você vê. — Repetiu acariciando os cachos escuros e lisos da morena.
Iduna suspirou impaciente.
— Vejo um misto de cores, onde o sol ganha destaque e guia todo o brilho sob a natureza. — Explicou mais profundamente a guerreira.
Demorou segundos para perceber que aquilo era algum tipo de conversa mais séria entre elas.
O nó na garganta surgiu.
— É assim que você tem que fazer... Só você, pode tomar as rédeas da sua própria vida. — Iduna a trouxe para mais perto e encostou o nariz no pescoço dela abaixo da orelha, respirando com prazer seu cheiro bom, ato este que fez Iduna arrepiar enquanto refletia sobre o que foi lhe dito.
Estava toda arrumada e perfumada para uma escolha, não qualquer escolha...e sim a escolha do melhor ou a melhor guerreira de corte durante mais de 10 anos em Sportarend.
Dava a pele e a alma para proteger o reino... Passou a vida toda sendo sentinela Leal... Merecia mais do que qualquer um.
Amenade só tinha elogios para a amiga e nem que a odiasse, não poderia dizer que era uma guerreira meia boca... Jamais, ninguém poderia.
— Como estou? — Perguntou se afastando e mostrando a roupa que vestia.
Não tinha costume de vestir coisas mais sutis e refinadas como o veludo, usava a armadura o dia todo e o peso já nem fazia mais sua coluna doer por tanto tempo que esteve usando.
Ierra a olhou de cima a baixa com aquelas íris de relâmpago e mordiscou o lábio inferior.
— Está deslumbrante. — Elogiou com toda sinceridade.
Apesar da confirmação da outra, ela não parava de se auto avaliar e o nervosismo ansiosos engolindo o estômago permaneceu incomodando.
Ierra avançou alguns passos com a armadura bronze pesada e ergueu o queixo da sentinela com o indicador levemente.
As íris das duas encontraram-se profundamente ali naquele corredor.
— Eu confio em você. — Ierra deu um selinho nos lábios da guerreira que ainda digeria aquilo.
Não tinha palavras para dizer à dona dos seus pensamentos recorrentes.
As duas sorriram sincronizadas e Ierra passou a caminhar rumo ao jardim, mas parou e voltou para trás onde Iduna ainda suspirava de costas para ela.
— E, não tire o vestido depois da cerimônia. — Sussurrou no ouvido dela e o hálito quente em sua orelha fez Iduna estremecer.
— Quero rasga-lo quando se deitar na minha cama hoje à noite. — Proferiu apalpando a bunda da sentinela que teve um leve espasmo em reação.
Dizendo isto, a irmã da rainha sumiu de vez, deixando a imponente guerreira destemida com as pernas bambas.
Amenade havia acordado e a cabeça doía muito, talvez pela quantidade de bebida ingerida no dia anterior.
Qualquer som que entrasse no receptor sonoro fazia piorar a situação.
— Bom dia. — Cumprimentou Tito, ao sentar do lado esquerdo na mesa.
— Bom dia. — Disse ela baixinho ainda massageando a têmpora.
Servindo-se, ele notou que algo não estava como deveria ser normalmente.
— Está se sentindo mal? — Sabia a resposta nítida na expressão dela, porém, perguntou mesmo assim.
— Sim, estou péssima pela noite passada. — A rainha replicou sentindo a ânsia atingir a garganta.
Tito mastigou um pedaço de pão após tirar um fio de linha do cobertor que ficou no seu cacho após acordar da bela noite de sono.
— Ontem mandei Iduna verificar como estava seu pai e seus irmãos. — Tito gelou e quase engasgou com o comentário.
Foi tanto acontecimento ontem que se esqueceu deste "detalhe".
— Estão todos bem. — Perguntou arranhando a garganta com dor.
— Sim, estão saudáveis... Também ordenei que levassem roupas e comida e mantimentos à eles. — A voz soou com bondade, a bondade que nunca esvaía da feérica.
Nad tomou para si um pouco de leite morno na xícara de porcelana e bebericou o líquido com serenidade.
— Quer vir comigo para a colheita? — Nad abaixou a xícara dos lábios e direcionou o olhar à ele.
— Colheita de frutos. — Deduziu ainda não totalmente convicto.
— Sim, vamos ao pomar e em seguida as videiras. — Tito aprovou a ideia, poderia ser benéfico entrar em contato com a natureza exuberante daquelas terras.
— Ah! E também em seguida eu irei até o santuário, caso queira... — Informou a titã passando a mão pela própria bochecha contendo um rosado saudável.
Diferente das profundas olheiras de Tito e sua desnutrição severa que estava sendo preenchida por bons alimentos durante o dia no local... Ou, começaria a estar, pela confusão toda e a euforia, nem sequer parou para se preocupar em preencher o estômago.
— Fica localizado aonde? — O humano disse, assim que terminou de beber um gole de chá de camomila.
— No vale das almas. — Replicou a titã gentilmente.
— Aceito o convite. — Tito sorriu de modo bonito e ela também imitou a expressão encarando-o profundamente com aquela neblina cinzenta das íris.
Após banhar-se e vestir roupas leves e brancas de linho, o rapaz partiu com Amenade rumo ao vale.
Recusou a oferta de ajuda das serviçais esquisitas da rainha, negando a aceitar que aquelas esquisitas o vissem nu de novo.
Nos pomares de Sportarend.
Aquele era o lugar mais lindo que já tinha contemplado da natureza. Com toda certeza.
— É magnífico. — Murmurou admirado por tanta beleza flora ao redor dele e da mulher alta do seu lado.
Os raios de sol tinham preferência em relação a que lugar agraciar com seu brilho e calor... O pomar tinha vida e cor, o vermelho remetia ao coração e o verde a esperança... Estranhamente aquilo lhe deu uma sensação de conforto indescritível.
Outros féericos colhiam maçãs e brincavam debaixo das sombras das árvores ali, livres feito pássaros divertindo-se à beça.
— Tome. — Disse ela, lhe entregando uma cesta de tamanho proporcional para humanos à ele.
— Não consigo alcançar. — Resmungou Tito notando que a árvore de qualquer jeito era do tamanho proporcional aos titãs e não a ele.
Amenade deu risada.
— Venha, eu te ajudo. — Estendeu as mãos deixando o próprio cesto no chão e ele estranhou, mas acatou.
Amenade o pegou pela cintura e o colou em seu ombro, feito um acessório.
Tito ficou a altura das maçãs penduradas e engoliu a seco quando sua visão balançou.
— Fique à vontade. — Nad sorriu indicando que ele pegasse as frutas com calma.
Tito sentia que estava sendo um pouco folgado demais, porém foi ela quem se dispôs a colocá-lo no ombro para colher as maçãs daquela árvore muito mais alta que ele.
De volta para casa.
As risadas invadiram os corredores e ecoaram por toda extensão quando os dois entraram no palácio, a diversão foi causado por um tombo desastroso de ambos.
— Vou me banhar almoçar, me espere na sala. — Avisou tomando fôlego por causa da risada constante que lhe tirou.
Tito assentiu em silêncio e foi parando de gargalhar aos poucos.
Iduna e Ierra não deram nem sinal de estarem no lugar, então a paz reinava nele.
Pouco depois.
A mesa já estava servida, porém Amenade estava demorando demais para voltar e isto foi suficiente para despertar a preocupação do amigo.
Adentrando o corredor que dava acesso ao banheiro, Tito foi interrompido por um rosnado e um bater de pés violento.
— MALDIÇÃO. — Xingou a sentinela furiosa, mal sabendo que rumo tomar enquanto caminhava de tanta ira.
Tito recuou alguns passos a distância.
— O que houve com você? — Tito queria tentar ser amigável.
Iduna ergueu o olhar e o fuzilou.
As íris mudaram de cor, agora estavam quase totalmente pretas.
— NÃO. É. DA. SUA. CONTA. — Pronunciou palavra por palavra contendo a imensa vontade de matar alguém e cerrando os dentes num sorriso forçado.
— Como sempre. — Tito resmungou revirando os olhos, nem soube por quê se deu ao trabalho.
A guerreira respirou fundo e virou o olhar para as janelas, tentando buscar calma suficiente para raciocinar e seguir em frente.
— Por que está tão irritada? — Nad apareceu dando um susto em Tito.
— Não... apenas não fale comigo agora. — Iduna lançou uma olhar feroz feito uma besta selvagem à amiga, seja o que for que tiver acontecido, lhe deixou muito mal.
Amenade mexeu os ombros desconfortável.
— Pode por obséquio tentar se acalmar? — Pediu calmamente a rainha gesticulando com as mãos ao lado das coxas grossas aparentes pelas fendas do vestido branco de sempre.
Iduna ficou ereta e sombria feito a morte.
— Ah! Ha ha, Amenade... Não seja sonsa. — O tom sarcástico fez Iduna semicerrar as pálpebras incrédula.
— Como é? — Replicou Nad, sem acreditar naquela ofensa.
— Quando vai contar à ele? Quer cobrar algo de mim quando não tem nem sequer coragem de dizer a verdade à este tonto. — Apontou Tito com desdém.
Amenade ficou mais pálida que o normal, estática.
Ierra surgiu mais distante da sentinela caminhando apressada, como se quisesse impedir algo.
— Iduna... Por favor. — Pediu a irmã da rainha com hesitação.
Os olhos percorrendo com ansiedade o ambiente.
Parecia com pena de Tito quando lhe dirigiu o olhar.
— O que está acontecendo. — Quis saber o humano confuso.
— Ah! Ela não te contou? — Perguntou com deboche já sabendo a resposta.
Os olhos oliva arregalaram de forma bizarra.
— Seu idiota... — Ierra agarrou o braço direito dela, a fim de impedir que prosseguisse soltando veneno, entretanto a sentinela desvencilhou do toque da feérica bruscamente a deixando sem jeito.
As paredes parecem tomar uma coloração cinza macabra.
— Eu a proibo de dizer mais uma só palavra. — Avisou Nad, fria e determinada.
— Hipócrita! É uma MENTIROSA. — Iduna fez questão de proferir a última palavra lentamente.
A mente dele prestes a explodir sem entender nada.
— O tratado era falso seu burro! Achou mesmo que Amenade tinha feito uma reunião e nos questionado para que tivesse acordo e a sua raça miserável tivesse igualdade? Só você mesmo, patético. — O desprezo das palavras e a violência da verdade deixaram ele paralisado.
— CHEGA IDUNA. — Vociferou Ierra, e Tito com uma onda agressiva tirando o ar do seu pulmão.
— Você mentiu para mim? — Dirigiu o olhar ao chão, esperando a resposta dela.
— Eu ia te contar, Tito... Eu tentei dizer. — Gesticulando, Tito pediu que ela parasse.
— Este tempo todo...Era tudo mentira. — A decepção partiu o coração dele em cem pedaços.
— Você não tinha este direito. — Nad proferiu quase num sussurro para a amiga ainda revoltada respirando descompassado.
— NÃO É MINHA CULPA SE VOCÊ MENTIU, VOCÊ... SÓ VOCÊ AMENADE, NÃO TEVE CORAGEM DE CONTAR E SE ACOVARDOU. — Iduna apontava o dedo para a Titã perplexa e arrasada em sua frente.
Ierra lhe agarrou pela cintura por trás afim de fazê-la parar de descontar sua frustração em Tito e sua irmã.
— Perdão... Eu sinto muito...
— PARA. — O mortal cortou sua frase antes que completasse, e a rainha calou-se.
Culpada.
Tito ficou destruído, por depositar confiança na Titã e ela jogar ao vento como cinzas, por ela ter feito toda aquela encenação e depois o feito acreditar que tudo corria do modo certo quando na verdade... Estava apenas o fazendo distrair-se, dando comida e roupas e levando-o a lugares deslumbrantes que o deixavam maravilhado naquelas terras feéricas... Manipulado sua bondade.
— Eu não vou te perdoar. — Sussurrou a mulher dos cabelos brancos feito neve, a cabeça baixa e a voz falha.
— Vai escolher entre nós dois? Então o faça! Mas antes... — Num puxão, Iduna agarrou o corpo de Tito o fazendo ficar colado no seu e pressionou uma adaga prateada no pescoço dele.
Amenade entrou em pânico, sua boca abriu para proferir algo... Mas, o pavor impediu.
Ierra entendeu o perigo rondando o espaço e que qualquer movimento brusco seria fatal para a fúria da sentinela ser suficiente para passar a lâmina pela pele fina do pobre infeliz.
— Iduna, solte esta adaga imediatamente. — Amenade disse, a calmaria amedrontada fazendo a voz ir diminuindo até virar um agudo abafado.
O corredor espremia os ossos dele que estavam anestesiados por desgosto e tristeza..Sequer reagiu a violência da sentinela.
— EU, foi sempre eu, que esteve do seu lado! Não ele... eu.... Estive aqui este tempo todo. — As palavras saíram cortando a garganta da criatura indignada ameaçando rasgar a garganta do humano.
— Você errou drasticamente comigo... Quebrou minha confiança. — Amenade replicou, fria feito um túmulo e cruel feito os vendavais destruidores que assolavam os chalés da aldeia.
— Então... observe o que eu faço com o seu protegido. — Proferiu de forma letal e vicerina.
Num gesto tão rápido quando um piscar de olhos, Iduna feriu a pele do humano fazendo um risco no pescoço dele, Amenade sequer pode pensar em gritar quando o corpo do pobre coitado que nem fez objeção ou lutou... Ou esperou ansioso por ser ferido... Caiu sob o piso estatelando.
O sangue fresco na lâmina era a glória e satisfação da guerreira cruel — e o olhar vazio da expressão do humano fez Amenade cair de joelhos e gritar até ficar rouca, um grito sem pausa e extremamente arrasado por causa do que seus olhos acabavam de presenciar.
Ierra levou as mãos a boca, horrorizada.
O grito foi tão intenso que os vidros estouraram e uma ventania avassaladora jamais vista antes invadiu todo o ambiente.
O desespero e arrependimento bateram com força nas paredes do coração dela.
Iduna ergueu o queixo ainda com a crueldade sensata (somente para si própria) estampando os olhos, e o desprezo por Tito, era o pior que qualquer um podia ter por ele.
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