
Entre cicatrizes e cinismo
Acordar nunca foi algo que me incomodasse, mas às vezes, tudo o que eu queria era abrir os olhos sozinha na minha cama, sem uma mão pousada na minha cintura ou o corpo marcado e machucado. Isso, sim, seria meu verdadeiro sonho. Não só de felicidade, mas de liberdade. Levanto devagar, vendo-o virar para o lado. É repugnante perceber que minha própria mãe sabe do que eu passo e, mesmo assim, considera normal a filha tomar o lugar da esposa. Às vezes, eu queria só pegar uma faca e dar um fim nisso, mas sei que não seria tão fácil. Vou até o armário, pego meu uniforme da escola e sigo direto para o banheiro. Tranco a porta, mesmo sabendo que ela não me protegeria se ele decidisse entrar.
Tomo um banho longo, mas a sensação de sujeira não vai embora, nem com o cheiro doce do meu shampoo de chocolate. Visto minha roupa e fico no banheiro até chegar a hora de sair. Parece difícil, eu sei, mas com o tempo, quando você se acostuma, as coisas param de doer.
Saio de casa com um único pensamento: o inferno que me espera no fim do dia. Mas sou puxada de volta pelos gritos de Angela, me chamando. Vou até ela, coloco meu melhor sorriso e tento parecer animada.
— Fe, você não vai acreditar! Eu tenho a matéria perfeita para o jornal da escola! — ela diz, cheia de entusiasmo. — A filha do xerife vai estudar com a gente a partir de hoje!
Ela está tão animada que até me sinto um pouco contagiada.
— Será que ela é legal, Anjo? — murmuro, com uma voz baixa e um toque de sarcasmo.
Somos interrompidas pelo som de um carro se aproximando. Ou melhor, um monstro de carro. Ele atravessa o estacionamento e para numa vaga, de onde sai uma garota meio desajeitada, claramente deslocada. Dou uma olhada nela e me despeço de Angela, indo direto para a sala.
Tenho aula de espanhol hoje, e dizem que um dos Cullens — ou melhor, os ricos, como eu os apelidei — vai estar nessa turma. Eles sempre chamam atenção, mas nunca se misturam.
Entro na sala e vou direto para o fundo, minha mesa de sempre. Ali, pelo menos, ninguém vai me irritar ou me pedir favores.
A aula de espanhol começa como qualquer outra, até que percebo um olhar em minha direção. Damien, o “fantasma” da escola, que aparece quando bem entende, está sentado perto de mim. Ele me encara, e eu finjo que não percebo.
— Você tá bem? — ele pergunta, a voz suave, o que me surpreende. Homens geralmente não têm essa gentileza comigo, pelo menos não sem segundas intenções.
Reviro os olhos, resistindo ao impulso de responder com alguma ironia, mas ele continua me olhando com uma gentileza desconcertante, quase como se pudesse ver algo além.
— Tô ótima — retruco, tentando soar indiferente.
Ele ergue uma sobrancelha e murmura: — Não parece. Os seus olhos… são a janela da sua alma, sabe?
Minha paciência esgota-se. — Cuida da sua vida, Damien. Eu cuido da minha.
Ele só me encara com aquele olhar intrigado, mas eu ignoro e volto minha atenção para o professor, me fechando ainda mais.
Quando o intervalo chega, vou para a mesa onde já estão sentados Jessica, Angela e alguns outros. Logo, a conversa muda para os Cullens. Como sempre, Jessica está empolgada em detalhar a vida da família.
— Sabe, Damien Cullen é tipo... um fantasma. Só aparece quando quer, mas é o melhor aluno da escola — ela diz, lançando um olhar admirado para ele, que está no outro lado do refeitório.
Reviro os olhos e penso em como eles parecem se achar superiores, ricos e adotados, como se fossem mais especiais que o resto de nós. Em algum ponto, minha mente começa a vagar até que Bella pergunta sobre Edward, e Jessica responde rapidamente:
— Ah, você não tem chance, Bella.
Caio de volta à realidade, vendo o rosto de Bella meio desapontado. Sinto um impulso estranho e acabo falando antes que possa me controlar:
— Claro que você tem chance. Só porque a Jessica tá com ciúmes e ele não quer nada com ela, não quer dizer que você não possa tentar.
Jessica me encara, irritada, mas apenas dou de ombros. Logo me levanto e aviso a Angela que vou voltar para a sala, mesmo antes de o intervalo acabar. Prefiro a solidão.
Passo pela mesa dos Cullens e,quando estou quase saindo do refeitório, ou o a voz de Damien me chamando. Paro por um segundo e me viro,já sem muito paciência, encontrando aquele sorriso confiante que parece achar graça de tudo,que me irritar .
— Felicity! — ele diz, como se fosse irresistível.
Faço uma cara de tédio e cruzo os braços.
— Quer um conselho? Vai cuidar da sua vida, Damien, e me deixa em paz.
Sem esperar resposta, dou as costas, saindo dali enquanto sinto o peso do olhar dele nas minhas costas, mas sem dar a mínima.
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