
━━ 𝒔𝒆𝒓𝒆𝒏𝒆 𝒏𝒊𝒈𝒉𝒕
Anoitecia quando Myris retornou à Fortaleza de Maegor. Ao pôr do sol, os conselheiros do Rei se apressavam em direção à câmara do conselho, ocultos em sombras parciais e passos cautelosos. Intrigada por uma reunião tão tardia, Myris decidiu segui-los.
Ela desejou não ter feito isso.
── Todos rezamos aos Sete para que a Rainha trouxesse ao mundo um herdeiro homem para suplantar Daemon. Mas não foi o caso. Se os Deuses trouxerem mais alguma tragédia sobre você, seja por desígnio ou acidente...
── Não serei forçada a escolher entre meu irmão e minha filha.
── Não seria necessário, Vossa Graça.
A dor em sua cabeça não era nada comparada à torção de seu estômago vazio. Ela se moveu rápida e decididamente, com uma aura de determinação que deixava claro que não deveria ser interrompida.
── ...ris! Myris! ── uma voz a chamava. Myris estava muito imersa em seus pensamentos para notar. ── Irmã!
O grito a tirou de sua tormenta.
Myris olhou por cima do ombro quando Rhaenyra se apressava para alcançá-la.
── Você não vai fugir desta vez! ── Rhaenyra a acusou quando Myris não parou para esperá-la.
── Eu não estou fugindo, estou andando. Talvez suas pernas sejam muito curtas para acompanhar.
Rhaenyra bufou enquanto observava o corredor. Colocando seu orgulho de lado, ela correu mais rápido para alcançá-la.
── Ah, por favor, você se esconde e anda por aí como um rato, ultimamente. ── ela respondeu à ofensa com outra ofensa. ── Até Westerling desistiu de tentar te encontrar na maior parte do tempo.
── Nosso pai parece achar melhor que fiquemos entregues ao nosso próprio luto. É isso que estou fazendo.
Rhaenyra puxou a mão de Myris para detê-la.
── Não de mim. ── seu rosto melancólico mostrava sua discordância. ── Eu queria sair para cavalgar...
── Então cavalgue.
── Com você! ── ela enfatizou.
── A esta hora? ── Myris desdenhou, embora seu tom sugerisse que ela não se importava muito.
── Eu queria ir mais cedo. ── Rhaenyra deu um sorriso doce que traía a tristeza em seus olhos. ── Mas você não estava em seus aposentos. Tentei te encontrar no jantar, mas você também não estava lá.
── Eu não estava com fome.
── Então agora servirá. Vamos, parece que faz séculos. Só nós duas... ── as lágrimas surgiram no olhar suplicante de Rhaenyra.
Myris não podia dar o que sua irmã procurava. Ela puxou sua mão, rompendo o último fio de esperança ao qual Rhaenyra ainda se agarrava.
── Não. ── sua resposta foi firme. Myris não se deteve, continuando em direção às cozinhas.
Rhaenyra piscou para afastar as lágrimas que surgiam, a garganta apertada forçando suas palavras a saírem ásperas.
── E por que não?!
── Estou com fome. ── Myris respondeu. Ela podia ouvir os passos rápidos de sua irmã, mais pesados em sua marcha irritada atrás dela.
── Você acabou de dizer que não estava...
── Isso foi antes. Agora é agora. ── Myris não diminuiu o passo enquanto descia uma escada em direção à entrada dos servos. ── Griselda deve ter feito pães frescos para a troca de guarda, tenho certeza. Seria um sacrilégio não comê-los quentes.
Rhaenyra não deixou sua irmã ir longe, perseguindo a garota mais jovem com um olhar furioso.
── Você prefere pães a dragões?
── Eu não posso muito bem comer um dragão, posso?
Rhaenyra não gostou da provocação.
── Qual é o seu problema?! ── ela gritou antes que Myris pudesse fugir para dentro das cozinhas.
── Meu problema?! ── o rosto de Myris se contorceu de perplexidade ao se virar para a irmã. Não era ela quem estava sendo perseguida pelo castelo?
── Você me evita a cada oportunidade. Não fala comigo. Não come comigo, ou aparentemente nem come, e quando eu te chamo, você está em todo lugar, menos onde eu preciso de você... O que eu fiz para merecer esse tratamento?!
O rosto da jovem princesa caiu em uma máscara de indiferença.
── O mundo não gira ao seu redor, Rhaenyra.
── Não seja uma vadia. ── Rhaenyra a chamou. Isso não era típico de Myris, e ambas sabiam disso.
Mas assistir a isso era como ver uma rocha se desprender de uma montanha, algo para ser testemunhado, mas impossível de impedir.
Myris ignorou o comentário rude e virou as costas para sua irmã. Ela abriu a porta dos servos para a cozinha e entrou.
Rhaenyra segurou a porta para evitar que ela se fechasse.
── Ela era minha mãe também! ── Rhaenyra disse. ── Ela odiaria a pessoa que você se tornou... ── Rhaenyra sabia que as palavras iriam cortar mais fundo se ditas com raiva. ── Graças aos Deuses que ela não viveu para ver isso.
Ela não queria dizer isso. Myris sabia que não, porque compartilhavam a mesma língua afiada quando estavam irritadas. As palavras a feriram de qualquer maneira.
Um jarro de água de prata foi lançado pelo ar sem aviso. Teria acertado sua irmã no rosto se Rhaenyra não tivesse batido a porta ao fugir. Myris não disse nada enquanto o metal caía no chão com um barulho irritante.
Essa raiva iria consumi-la, carne e osso. Desesperada, ela tentou conter sua fúria com respirações profundas, permitindo que suas unhas se cravassem nas palmas de suas mãos com punhos cerrados.
Ela se recusava a chorar. Nunca mais, havia prometido a si mesma. Lágrimas, como orações, não faziam diferença aqui.
── Vossa Alteza? ── uma voz tímida sussurrou.
A Princesa limpou as mãos na saia ao se deparar com uma plateia inesperada.
Homens da Patrulha da Cidade e da Guarda Real estavam sentados ao redor das mesas, reunidos para sua ceia antes de iniciar seus turnos noturnos. Embora cada um fosse duas, alguns até três vezes, o tamanho dela, e armados com espadas ou adagas, poucos ousaram tirar os olhos dos pratos.
Eles se levantaram à sua presença. Um cavaleiro se destacou por ser mais alto que os outros. Os olhos escuros de Sor Harwin a observaram debaixo da sobrancelha, com a cabeça baixa.
── Eu não queria interromper seu jantar. ── Myris engoliu em seco. Ela desviou o olhar de Harwin, envergonhada. ── Por favor, continuem.
Os guardas da cidade, homens com quem ela pouco ou quase nunca interagia, pareciam desconfortáveis em sua presença.
Sua raiva deu lugar à vergonha. As palavras de sua irmã, somadas ao olhar de medo dirigido a ela, despertaram algo terrível em seu interior.
── Minha doce menina... ── seu estômago revirou ao se lembrar do tom encantador de sua mãe. Ela não achava que poderia esquecer isso, mesmo que tentasse. ── O que você está fazendo?
Myris avançou rapidamente, pegando um pão na grelha de resfriamento apenas por princípio.
── Princesa? ── a mesma voz tímida a interrompeu. A realeza tentou sorrir em resposta, ela não sabia o nome daquela jovem da cozinha. ── Senhorita Griselda disse que aqueles eram para você, se chamasse para o jantar. Com mel extra.
A serva apontou para outra grelha mais alta.
── Obrigada. ── Myris corrigiu seu movimento, pegando dois pães por hábito.
Percebendo seu erro, ela parou ao lado da jovem cozinheira, estendendo um dos pães para ela.
── Pode pegar. ── ela incentivou. Não esperou pelas reverências ou agradecimentos antes de sair da cozinha com a mesma rapidez com que havia entrado.
Sem apetite, Myris jogou o pão para um guarda que passava no corredor.
Ela não conseguia respirar naquele lugar amaldiçoado.
A luz das chamas que delineava as muralhas tremeluziu quando o Capitão da guarda passou em disparada. Seu corpo largo e a pesada armadura pouco faziam para reduzir sua pressa.
── Ela pousou há vinte minutos. ── disse um de seus homens enquanto ele se aproximava do topo do Portão de Ferro.
── Qual delas? ── ele olhou para a praia fora das muralhas da cidade. Seus olhos azul-escuros vasculharam a noite, procurando o dragão em questão.
── Não sei. O preto?
── É noite, todos parecem pretos...
── Eu sei disso! Mas esse era preto e vermelho, tenho certeza. Ele voou sobre o portão quando pousou!
── Vhaelor. ── Quinn, nascido em Porto Real, esclareceu para ele. ── Princesa Myris.
── E nenhum guarda a acompanha? ── o Capitão franziu a testa em questionamento. Ambos os guardas balançaram a cabeça.
── O que devemos fazer? ── Gillen, o mais jovem de seus homens, parecia nervoso. Embora qualquer um ficaria com um dragão pousando inesperadamente do lado de fora de seus portões. ── Mandamos chamar o Comandante?
── E dizer o quê? ── Quinn o repreendeu, ── Que ele tem que sair da cama porque uma Princesa saiu da dela? Pense, seu imbecil.
── Ei! ── Gillen se aproximou. ── Acho que seria melhor que fosse a cabeça dele do que a minha se ela sair e se afogar na baía. Ouvi dizer que a filha do Rei Jaehaerys fez o mesmo anos atrás.
Quinn bufou para o novato.
── Isso é apenas um boato, seu idiota! Todo mundo sabe que ela morreu de Febre dos Calafrios!
── Oi? Está disposto a apostar sua cabeça enrugada nisso?!
── Chega. ── o Capitão Strong silenciou.
Sor Harwin colocou as mãos no topo da muralha, apoiando-se enquanto se inclinava para observar a garota com curiosidade. Os outros homens ficaram em silêncio, esperando as ordens do Capitão. Harwin não deu nenhuma.
Uma visão prateada permanecia imóvel, banhada pela luz da lua na praia diante deles, um fantasma imóvel à beira-mar.
Myris respirou o ar do oceano, percebendo que faltava a fumaça que ela tanto desejava encontrar. O mar era diferente ali. A areia também. Seu olhar baixou para observar os grãos refinados suavizando-se sob as ondas que se espalhavam pela enseada.
Uma rocha revelada pela maré chamou sua atenção. Pegando a pedra do tamanho da palma da mão, ela a girou com curiosidade. Embora a rocha vulcânica preta tivesse sido suavizada pelas ondas em sua jornada até ali, Myris a reconheceria em qualquer lugar. Escama de dragão.
Ela esfregou a areia da escama enquanto contemplava o que fazer com tal achado raro. Sua mãe teria ficado eufórica ao ser presenteada com isso, ela pensou. Engraçado, não era? A Rainha dos Sete Reinos extasiada por uma escama de dragão...
Myris a apertou com força na mão. Seria um belo presente, em sua opinião, mas ela não conseguia pensar em ninguém que o apreciaria.
Rhaenyra? Não, ela provavelmente jogaria de volta na sua cabeça depois desta noite.
Alicent? Talvez, já que provavelmente apenas o guardaria por bondade.
Ou talvez o seu pai...
Myris atirou a pedra de volta ao mar.
Com uma distância inesperada, a escama voou para frente. Bateu contra um dos montes marinhos áridos na água, tilintando musicalmente pela colina antes de desaparecer novamente na maré.
── Quando cheguei a Porto Real. ── uma voz familiar quebrou seu silêncio. ── Me avisaram para ter cuidado com seu charme.
Myris olhou por cima do ombro com olhos semicerrados. Parecia que ela não conseguia ficar muito tempo sem ser encontrada.
── Mas deveriam ter me avisado sobre sua mira impressionante.
Sor Harwin encontrou seu olhar sem medo enquanto caminhava pela praia em sua direção. Ele ainda parecia especialmente temível na armadura da Patrulha da Cidade, sem o capacete e o manto dourado. Isso o fazia parecer ainda maior, se é que isso era possível.
Sua cabeça se inclinou rapidamente em uma saudação curta.
── Uma pedra no oceano? ── Myris voltou a olhar para as ondas. ── Você tem padrões lamentáveis, Sor, ou seu elogio está mal colocado.
── Eu estava me referindo à cozinha. ── ele corrigiu.
O cavaleiro estava relaxado, mantendo uma distância respeitável ao seu lado. Uma cabeça e meia mais alto que ela, ele não queria intimidá-la. Sua mão repousava no punho da espada, sem abandonar completamente o ato de um cavaleiro em serviço. Ele olhou para baixo, estudando a Princesa pelo canto do olho.
──Hmm, sim. Bem... eeu tive prática com ela. ── Myris encontrou o olhar dele com astúcia.
Harwin virou sua atenção para frente, tentando esconder um sorriso. Terras Fluviais ou Ocidentais, nobres ou reais, parecia que irmãos seriam irmãos, independentemente. Harwin era inteligente o suficiente para não fazer mais comentários sobre o assunto.
── A hora é bastante tarde, Princesa. É perigoso estar aqui sozinha.
── Mas eu não estou sozinha. ── ela olhou para ele.
A princípio, Harwin achou divertido que ela se referisse a ele, mas então a Princesa virou a cabeça, convidando Harwin a seguir seu olhar.
Um dragão, preto como a noite, estava deitado contra o topo do penhasco no escuro à frente. Sua cabeça se erguia, cortando o céu estrelado. Enorme e monstruoso, sua capacidade de se esconder na escuridão, além do alcance da luz das chamas, o tornava ainda mais sinistro.
Apenas a silhueta fez Harwin apertar o punho da espada com mais força.
O cavaleiro mudou-se nervosamente. Ele não conseguia ver os olhos da besta, mas alguma parte primal o alertava para permanecer imóvel. Como presa em campo aberto, ele sabia que estava indefeso contra algo tão colossal.
── Não tenha medo. ── Myris o tranquilizou. ── Vhaelor é temperamental e teimoso, mas leal.
A princesa soltou um som de admiração. A cabeça do dragão voltou a se abaixar para continuar deitada, à espera.
── Embora eu esteja um pouco surpresa de ele não ter feito alarde quando você se aproximou.
── Talvez ele goste de mim?
── Ou ele ficou preguiçoso. ── Myris soltou uma risada com a ousada suposição dele.
Rhaenyra estava certa, Myris tinha ficado receosa da criatura ultimamente. Não de Vhaelor em si, mas do que ele era capaz. Nunca antes ela se sentira tão irritada e assustada, temia o que o dragão poderia fazer se fosse compelido a agir com base nos impulsos violentos que ela encontrava dentro de si, reprimidos.
Vendo-a perdida em algum pensamento sombrio, Harwin sentiu-se culpado por sua interrupção. Ele não gostava de sua quietude. Não quando vida e ousadia lhe caíam melhor.
Para fazer as pazes, ele avançou para deixá-la em sua contemplação. Ajoelhou-se e recolheu um punhado de pedras planas na areia ao redor deles. Ele as ofereceu em silêncio.
Myris olhou para sua mão estendida como se fosse algo estranho.
O cavaleiro não vacilou sob o olhar hesitante dela. Ela pegou algumas, embora de forma desajeitada, para manter na própria palma. As pedras que repousavam facilmente nas mãos dele ocupavam toda a extensão das dela.
Sentindo-se observada, ela direcionou seu olhar investigativo para a muralha atrás deles. Harwin seguiu com o próprio.
Quinn e Gillen estavam parados como idiotas, olhando para os dois, apesar das rondas que ele os havia mandado continuar.
Eles acham que planejo me afogar na baía como Gael. ── Myris teorizou. ── Quão decepcionados eles ficarão ao descobrir que meus planos não são tão notáveis.
── Sua segurança está longe de ser uma decepção, Princesa. ── Harwin os dispensou com um olhar silencioso. Os dois capas douradas rapidamente se afastaram de sua ira.
Quando ele se virou de volta, encontrou-se sendo observado. Harwin não vacilou sob o olhar avaliador dela.
Os lábios de Myris lentamente se curvaram enquanto sua boca se abria suavemente em surpresa. Uma Princesa recém apresentada ao mercado matrimonial e um cavaleiro com a brutal reputação de Harwin, sozinhos em uma praia, e ele havia dispensado seus únicos acompanhantes.
Oh, Alicent teria um ataque com isso.
Ela não sentia medo, apenas uma estranha excitação. Perguntou-se se deveria informar o nobre da quantidade de protocolos que ele estava quebrando, antes de decidir que não se importava. Seus modos não ortodoxos eram uma lufada de ar fresco. Seu olhar observador caiu no ombro dele, mais próximo de seu nível ocular.
── Já virou Capitão, Lorde Strong? ── ela se referiu ao brasão dourado que denotava seu posto. ── Bem merecido, imagino, já que a Patrulha da Cidade pouco se importa com sangue ou títulos.
Harwin ficou um pouco mais ereto sob o olhar dela. O elogio dela tinha esse efeito nos homens.
── Eu gosto de pensar que sim, Princesa. ── Ele deixou as palavras por isso mesmo, sem elaborar.
Myris olhou para ele como se esperasse ser entretida com todas as suas maravilhosas façanhas de força e bravura. Harwin não ofereceu nenhuma.
── E o que alguém faz para merecer uma promoção tão rápida? ── ela queria saber. A curiosidade sobre um homem feito de contradições crescia nela como raízes de uma videira.
── Meu trabalho, Princesa. ── Harwin jogou sua pedra na água, ela passou longe de seu alvo, sem a precisão de Myris. Ele tentou de novo, mas esta caiu antes. ── Pedra ridícula... ── ele murmurou baixo.
Myris sorriu apesar de si mesma, seu rosto se inclinou para baixo para esconder o humor. Encorajada pelas falhas dele, ela lançou uma das pedras que ainda segurava na mão.
Harwin a olhou com admiração quando a pedra atingiu o topo da montanha no mar. Ele foi rápido em elogiar sua pontaria mais uma vez.
── Minha mãe me ensinou.
── A jogar pedras?
Myris riu.
── Arco e flecha. ── ela esclareceu enquanto lançava outra. ── É um orgulho da Casa Arryn, isso e a falcoaria, embora minha irmã e eu não tenhamos sido treinadas no último. Mamãe era considerada muito boa na juventude. Provavelmente apreciou o treinamento em paciência quando chegou a hora de lidar comigo e com minha irmã.
Os olhos de Harwin suavizaram em simpatia.
── Você era muito devota à sua mãe. ── foi uma observação, não uma pergunta. A maneira como ela falava cada palavra sobre sua mãe com a maior reverência não passou despercebida.
Um momento de silêncio confortável passou entre eles.
── Acho que sempre serei. ── ela admitiu suavemente. Uma honra e um medo. Ela não sabia como olhar para seu pai sem aquele sentimento de angústia. Amor e ódio nunca estiveram tão próximos.
── Não há vergonha nisso. ── Harwin garantiu enquanto se ajoelhava mais uma vez. ── Ela era uma mulher de sorte, por ser tão amada.
A Princesa estremeceu com a amarga lembrança do que havia ouvido naquela noite.
── Minha mãe era a mulher mais amada de Westeros. ── ela concordou. ── E ainda assim Otto Hightower pressiona meu pai a se casar novamente antes que a poeira se assente em suas coisas.
Ela não revelou o desespero da Mão para impedir que seu tio se tornasse herdeiro. Ela não daria crédito a acusações tão vis quanto as que ele insinuava sutilmente.
Seu único conforto era o quanto seu pai os defendeu veementemente.
── Minha esposa e meu filho estão mortos! ── su pai amaldiçoou o conselho com uma fúria que ela não sabia que ele era capaz. ── Não vou tolerar corvos que vêm para se banquetear com seus cadáveres!
── Nem mesmo uma quinzena após sua morte e eles procuram substituí-la. Acham que ela é tão facilmente substituível?
Harwin se levantou de onde recolhia pedras. Foi uma revelação chocante, mas não totalmente inesperada em suas circunstâncias. Em momentos como esses, ele desejava ter o conhecimento e o talento de seu pai para as palavras. No entanto, Harwin era apenas um cavaleiro, então ofereceu-lhe tudo o que podia.
── Sinto muito.
Myris piscou para ele, seus cílios molhados das lágrimas que se recusava a deixar cair.
── Eu me lembro quando meu próprio pai anunciou seu plano de se casar novamente. ── ele lhe entregou uma pedra, na esperança de distraí-la de sua tristeza novamente. ── Meu irmão tinha medo de que nossa nova mãe o expulsasse, mas eu... Eu fiquei com raiva da ideia de que alguém pudesse ser comparável. Então, fugi de casa e me escondi nas ruínas do castelo por três dias.
── E depois?
Harwin fez uma careta divertida ao lembrar, um assobio baixo escapando de seus lábios.
── Meu pai me encontrou. Ele me colocou de joelhos, eu era bem menor na época... ── ele esclareceu desnecessariamente, usando as mãos para ilustrar.
── Eu imaginei. ── ela riu, apesar das lágrimas que ameaçavam.
── E ele me bateu até eu chorar. Nunca mais fugi.
── Porque você ficou com medo?
── Não. Porque percebi que ele também não queria se casar de novo. Mas os Lordes têm expectativas deles... Assim como os Reis, imagino.
── E quando você parou de ficar com raiva? ── Myris não olhou para ele enquanto segurava a pedra na palma da mão.
── Do meu pai?
── Da morte de sua mãe. ── seu queixo se ergueu enquanto ela o olhava em busca de orientação.
O cavaleiro congelou sob aquele olhar tão intenso. Ela o olhou com olhos grandes e cheios de lágrimas, implorando por uma resposta de quando sua agonia acabaria. Harwin sabia que quaisquer palavras que ele dissesse a decepcionariam. Ele não disse nada, recusando-se a dar falsas promessas.
── Minha irmã acha que eu estou muito zangada. ── Myris confessou às ondas quando recebeu apenas silêncio. ── Ela exige saber porque, mas temo que seja impossível dar voz a isso."
── O luto é estranho de tal forma. A raiva é mais fácil.
Uma lágrima escapou da Princesa enquanto ela segurava um soluço. Ela acenou em concordância.
Na verdade, ela temia por sua irmã. Era uma maldição, saber o que sabia. Myris não poderia colocar a mesma raiva em Rhaenyra que seu pai havia gerado nela.
Seu pai, amoroso e carinhoso, um farol de tudo o que poderiam aspirar em um casamento e em uma vida, havia mostrado sua verdadeira natureza. Crescer além dessa fantasia e vê-lo por sua ganância era como perder uma religião.
Ela não acreditava mais em seu pai. Matar sua irmã seria mais gentil do que incutir a mesma traição.
── Meu pai é tudo o que ela tem. ── Myris disse para si mesma.
── Isso não é verdade. ── firme e seguro, o tom de Harwin desmentiu essa noção ridícula. ── Ela tem você.
── Eu fui horrível com ela.
── Você a ama.
── Eu a abandonei.
── Então vá se desculpar. ── para cada desculpa autodepreciativa que ela dava, Harwin correspondia com uma correção igualmente rápida e inabalável. Ele não mostrava hesitação em discutir e ordenar para ela, sem se preocupar com a cortesia ou obrigação.
O coração de Myris pulsava de excitação. Ela queria mais. Mais conversas francas, mais informações retidas, mais daqueles olhos azul-escuros, quase negros à noite, olhando para ela com uma estranha clareza.
Ela queria mais dele.
Mas, por enquanto, ela ainda não havia conseguido o que queria.
── Alteza! ── Sor Harrold gritou dos baluartes com raiva mal contida, chamando a atenção deles.
O rosto severo do velho guarda se apertou ainda mais, como se se forçasse a não soltar uma repreensão ali mesmo.
── Sor Harrold! ── Myris respondeu no mesmo tom, embora sem a urgência de seu guardião. Ela jogou a última pedra na mão, errando em sua pressa.
── Tem ideia de que horas são?!
── Tarde demais para tanto escândalo, eu imagino. ── Myris mecheu o pescoço como se estivesse se preparando para uma batalha. Com um suspiro, ela virou as costas para o cavaleiro e começou a subir a margem. ── Nem um momento de paz...
Harwin a seguiu fielmente. Myris achava a presença dele reconfortante, em vez de incômoda.
── Obrigada, Sor. ── Myris se sentiu gananciosa ao tentar preencher o silêncio. Ela queria mais da distração bem-vinda que ele proporcionava. O portão que se aproximava sinalizava o fim do tempo juntos.
Sua boca se abriu enquanto ela contemplava dizer algo mais. Harwin não tirava os olhos dela enquanto ela se virava para espiá-lo por sobre o ombro.
── Aprecio sua franqueza. É uma gentileza que falta neste lugar.
O cavaleiro não teve chance de responder, exceto com uma reverência de aceitação.
Westerling os encontrou no portão, ao pé da muralha. Uma veia pulsava em sua testa enquanto ele cerrava a mandíbula. Myris teve a ousadia de sorrir agradavelmente para ele.
── Cama vazia. Dragão desaparecido. Nenhuma notícia de onde você estaria... ── ele lançou um olhar furioso à tentativa dela de pacificá-lo.
── Não percebi que o meu dragão era tão fácil de perder. ── ela retrucou.
Ela havia se tornado mais ousada desde a morte de sua mãe, não escondendo mais suas observações sob elogios velados ou sorrisos adocicados. A coleira de Aemma sobre suas filhas não as prendia mais.
── Você vai me levar a um túmulo precoce, garota. ── Harrold, de todos, tinha o direito de repreendê-la assim. O sorriso de Myris suavizou quando ela teve pena do velho cavaleiro cansado.
── Āmāzinon, Vhaelor. ── grosseira e elegante, a língua valiriana alta fluía dela lindamente. Isso despertou algo em Harwin, que ficou mais ereto.
(Voe, Vhaelor.)
O dragão em questão emitiu uma risada baixa e sombria em resposta. Ele se ergueu em toda sua altura com um resmungo de discordância antes de se lançar do penhasco. A envergadura de suas asas se desdobrou, três vezes o comprimento de seu corpo enquanto voava. Como trovão, elas retumbaram ao se juntarem para subir mais alto. A cabeça de Harwin se inclinou para trás para observar a magnífica criatura voar acima dele. Não havia palavras para descrever tal horror e maravilha.
Myris não se demorou no esplendor, Harwin percebeu, quando sua atenção voltou ao chão. O descanso deles havia chegado ao fim.
Ele se moveu para segui-la de volta pelo portão, mas o braço de Westerling bloqueou seu caminho. Apesar de serem quase iguais em altura, nenhum parecia disposto a ceder ao olhar severo do outro.
Harwin não se deixava intimidar.
── Algum problema, Westerling?
── O que estavam discutindo antes? ── o guarda perguntou. O olhar de Harrold se aprofundou quando Harwin se recusou a responder. ── O que quer que você esteja procurando, garoto, não vai encontrar aqui.
── Procuro apenas voltar ao meu dever, Sor. ── Harwin empurrou Harrold um passo para trás, removendo-o do portão que ele bloqueava. ── E talvez praticar minha mira.
O rosto de Westerling ficou vermelho de indignação com tanta insolência. Ele percebeu o que Strong havia pressionado contra ele; a pedra lisa só o deixou ainda mais confuso. Harrold a jogou de lado com um olhar de desgosto.
── Talvez comece com suas maneiras, Strong! ── ele gritou atrás.
Harrold percebeu com medo por que Myris havia esperado fora da carruagem. Sua atenção estava fixa no manto dourado que se afastava, que ignorava seu aviso com uma risada. Um sorriso afetuoso iluminou os lábios dela, enquanto um olhar apreciativo suavizou seus olhos, um olhar de interesse que o velho guarda não via nela há muito tempo.
── Que os Deuses sejam bons... ── ele orou. Temia que não seria a última vez que encontraria o Strong.
Myris viajava mais por passagens secretas do que por corredores, era o que parecia nos últimos dias.
A Princesa havia permitido que Sor Harrold a acompanhasse até seu quarto sem mais luta. No entanto, ela não havia prometido ficar lá. Com o sono ainda fugindo dela, não conseguia parar de pensar nas palavras de Sor Harwin.
Myris saiu de sua cama e entrou em um dos túneis de Maegor mais uma vez. Ela temia que apenas uma coisa pudesse acalmar sua mente agitada.
Rhaenyra se sentou na cama ao ouvir o ranger da porta secreta. Pelo que sabia, apenas outra pessoa conhecia aquele lugar. Como esperado, a cabeça de Myris apareceu timidamente. Ao ver sua irmã acordada, ela entrou.
Myris fechou a porta o mais suavemente possível, virando-se nervosamente para ver sua irmã observando-a com um olhar apático da cama.
O silêncio pesava entre elas, as irmãs antes inseparáveis agora distantes pela raiva. Myris começou a desmoronar sob a tensão. Isso não era comum entre elas, e ela não queria que se tornasse parte delas.
── O que foi? ── Rhaenyra perguntou, não de forma indelicada.
── Eu... ── o arrependimento e o medo a sufocavam. Por onde ela sequer começaria?
Implacável, Myris tentou novamente, enquanto Rhaenyra se movia para encontrá-la no final da cama.
── Eu não... ── as lágrimas vieram rápidas e pesadas. ── Eu não sei onde colocar a raiva. ── ela finalmente confessou. Suas lágrimas, não mais contidas, começaram a escorrer por seu rosto. ── Me fale... M-Me fale onde colocar a raiva.
Um soluço escapou dela enquanto Rhaenyra se ajoelhava na beira da cama para puxá-la para seus braços.
Elas estavam privadas de tal conforto por tempo demais.
── Me desculpe. ── Myris chorava em seus braços.
Rhaenyra a apertou com mais força, suas lágrimas molhando o pescoço de Myris enquanto ela fungava. Não se importava com o pedido de desculpas, só queria sua irmã de volta. Naquele momento, ela jurou que nunca permitiria que fossem separadas novamente.
Isso seria tanto uma bênção quanto uma maldição nos anos que se seguiriam.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro