
━━ 𝑳𝒐𝒏𝒈 𝑳𝒊𝒗𝒆 𝒕𝒉𝒆 𝑸𝒖𝒆𝒆𝒏
Suas mãos alisaram a parte da frente do luxuoso vestido de veludo, o painel rígido ao redor de sua cintura empurrando seus seios para frente e ressaltando seus quadris largos.
Myris olhou para seu reflexo com um olhar extremamente crítico.
── Talvez uma trança, Princesa? Ou preso em uma coroa? ── Margret, sua criada, começou a escovar as mechas de prata dourada.
── Acho que não. ── Myris fez uma careta com a sugestão. Esses eram mais os estilos de sua mãe do que os seus próprios. ── Deixe solto, por favor.
── Muito bem, Alteza.
Margret escovou os cachos da princesa até que ondas fluídas descessem por suas costas. Myris colocou a mão entre as clavículas, o decote baixo do vestido mostrava mais pele do que o habitual. Sua pele sempre foi tão pálida assim?
Não era comum a Princesa se mexer tanto.
── Você está muito bonita, Princesa. ── a criada a tranquilizou.
Myris ainda não conseguia achar que isso estava certo.
── Você já se olhou no espelho e sentiu como se estivesse olhando para uma estranha?
── Princesa?
── Deixe pra lá. ── suspirou Myris. Ela soltou a mão da base da garganta, percebendo que isso não aliviava o peso ali.
── Haverá muitos jovens cavaleiros nos jogos. ── Margret percebeu sua preocupação. ── Qualquer um deles teria sorte em receber seu favor.
── Não me importo com os cavaleiros.”
── Um lorde, então?
Myris engoliu em seco, envergonhada de admitir que estava mais preocupada com sua aparência ao pensar em encontrar-se com um em particular.
── Talvez um colar? ── ela pediu a outra criada, sentindo-se muito exposta naquele momento.
Margret correu até a caixa de joias, tirando cada fio incrustado de pedras preciosas.
── Eu acho..
As portas de seus aposentos se abriram com um estrondo, sem aviso. Myris se virou, franzindo o cenho para o idiota mal-educado que ousava entrar sem ser anunciado.
── O que...
Rhaenyra estava mal vestida, o simples vestido em que tomaram o café da manhã estava desarrumado em sua pressa. Ela não deu atenção às criadas que se curvaram, correndo diretamente para sua irmã.
── O que você está fazendo? ── Myris afastou a mão que a agarrou.
A princesa mais velha não se deixou abater.
── Estamos perdendo! ── ela puxou Myris pelo pulso, arrastando-a para fora do quarto.
── Perdendo o quê? Você mal está vestida e, pelos Deuses, você cheira a dragão!
── Mãe começou o trabalho de parto!
Os aposentos da Rainha Aemma estavam permanentemente superlotados nesses dias. Nessa ocasião memorável, septãs, parteiras e meistre de todo tipo entravam e saíam do quarto. Somente Sor Harrold, o protetor jurado de sua mãe, guardava o lado de fora da suíte.
Myris o observou atentamente, tentando decifrar o tom do trabalho de parto apenas por sua expressão estoica. Quando ele avistou as meninas, um sorriso discreto levantou seus lábios, uma garantia silenciosa de que, até o momento, não havia motivo para preocupação.
Os ombros de Myris relaxaram com a notícia. Elas passaram sem dizer mais nada.
A p Rainha descansava apenas em sua camisola. Um leve brilho de suor pairava em suas têmporas enquanto exalava através de uma dor aguda. Mesmo os movimentos mais simples eram um grande esforço para ela. A cama de parto onde descansava estava reduzida a nada além de um único lençol para modéstia e uma grande almofada para se apoiar. Ao seu lado, o pai delas rezava de joelhos.
Ele segurava a mão dela, falando palavras de orgulho e incentivo para os ouvidos da esposa.
── Está confortável?
── Não... ── Aemma deu uma risadinha. Que pergunta para se fazer.
O sorriso em seu rosto se ampliou ao ouvir suas filhas discutindo do outro lado da porta.
── Mãe! ── Rhaenyra praticamente empurrou sua irmã para trás, claramente satisfeita por, pela primeira vez, não ser ela a atrasá-las.
── Deixarei você lidar com esses dragões sozinha. Receio que tenho um torneio para comandar.
Aemma resmungou em compreensão, aceitando o beijo que Viserys lhe deu. Afinal, a sala de parto não era lugar para homens.
── Como você está? ── Myris foi rápida em perguntar. As meninas se posicionaram uma de cada lado da mãe.
Aemma riu, claramente de bom humor.
── Tão bem quanto posso estar.
O trabalho de parto havia começado há apenas uma hora; sua bolsa estourara há pouco, e suas dores eram leves em comparação com o que viriam a ser. Era uma bênção que tivessem vindo agora, em vez de mais tarde. Ela queria que suas filhas vissem pouco de seu estado no ponto em que chegaria: gritando, chorando e amaldiçoando os Deuses, velhos e novos, por não permitir que as mulheres tivessem bebês tão rapidamente e prazerosamente quanto os homens derramavam suas sementes.
── Por que vocês não estão vestidas? ── ela olhou de uma filha para a outra. Cabelos soltos e pele sem joias, estavam longe de uma grandiosa representação de sua casa. ── Você estava voando de novo.
A Rainha repreendeu Rhaenyra.
── Não tinha como você saber disso!
── Nunca subestime o nariz de uma mulher grávida.
Ela lambeu o polegar e limpou uma mancha imaginária da bochecha de Myris.
── Você acabou de acordar? Como vamos apresentá-las aos Lordes do Reino nesse estado?
── Queremos ficar aqui com você. ── Rhaenyra segurou a mão da mãe, a empolgação evidente.
── Por favor, não nos mande embora. ── Myris foi mais suave ao falar, quase implorando.
A Rainha sorriu gentilmente.
── Vocês são as Princesas do trono de ferro, meus amores. Se minha beleza não pode encantá-los, a de vocês deve. Fiquem com seu pai. Certamente, vocês sabem que ele não pode perder um torneio que ele mesmo convocou.
── Mais um motivo para ficarmos com você. ── era possível engolir uma pedra com a quantidade de mel que Myris colocou nas palavras.
Aemma riu, inabalada pelas artimanhas de suas filhas. Ela puxou a cabeça da mais nova para seu ombro, beijando-lhe a têmpora.
── Você sempre diz palavras tão doces, minha menina. Mas, infelizmente, todas temos um papel a desempenhar. ── a mais velha ergueu a mão para tocar cegamente o rosto de Myris em afeto, chamando sua atenção para o símbolo real em sua mão.
Lua dourada e falcão, estava quente contra a pele de sua mãe.
── Três dragões de ouro... ── Aemma sussurrou em seu ouvido. Myris quase colidiu suas cabeças com a rapidez com que se endireitou. ── No seu tio para vencer. Mas coloque mais um no cavaleiro que você achar mais bonito.
Rhaenyra riu quando sua mãe piscou para ela.
── Mais bonito que o tio? ── Myris comentou secamente. Como sua mãe, ela sempre se encarregava de humilhar o Príncipe para que seu ego não crescesse demais.
Rhaenyra abriu a boca. Myris a beliscou. Não tinha certeza do que sairia da boca dela, mas já havia decidido que não gostaria.
── Certamente, há alguns. Mantenha um olhar atento sobre eles. Talvez encontre um que chame sua atenção... Talvez o Lorde que segurou sua mão no jantar?
Os olhos de Aemma brilharam com diversão, confirmando que ela de fato havia visto o encontro e escolhido não interferir.
── Ele não ‘segurou minha mão’. ── Myris enfatizou que não era o contexto que sua mãe insinuava. ── Ele simplesmente me ajudou quando eu caí.
── Cavalheiresco e bonito? ── Aemma sorriu, forçando as bochechas de Myris a corarem.
── O filho de Sor Strong. ── Rhaenyra conspirou contra ela.
── Terras Fluviais?! ── Aemma se animou. ── Tenho certeza de que ele a encantou com seus grandes olhos castanhos...
── São azuis. ── Myris corrigiu rapidamente.
Rhaenyra riu enquanto as sobrancelhas de Aemma se erguiam. Myris claramente havia caído na armadilha que sua mãe tecia.
A Rainha estudou sua filha de perto, um sorriso leve iluminando-a quando chegou a uma conclusão silenciosa.
── Aposte uma moeda por mim, então, em gratidão. Aproveitem as festividades e voltem para conhecer seu irmão quando terminarem. ── suas palavras não deixavam espaço para mais argumentos.
── Sim, mãe.
Aproveitando a passividade delas, Aemma informou que já havia escolhido seus vestidos e que as criadas tinham sido instruídas a arrumar seus cabelos.
── Tenho certeza de que nos representarão lindamente.
As Princesas trocaram um olhar de alarme silencioso. Outro aceno de concordância, consideravelmente menos entusiasmado, escapou delas. Se a mãe planejou distraí-las, dando-lhes algo novo com que se preocupar, havia conseguido.
── Sor Harrold. ── a Rainha chamou seu guarda.
Resignada ao seu destino, Myris seguiu Rhaenyra para fora da cama, mas não conseguiu sair.
Isso não está certo, pensou. Algo salgado e amargo coçou seu nariz. Uma sensação de déjà vu que ela não conseguia identificar.
Harrold ajoelhou-se ao lado de Aemma, ouvindo atentamente o que ela sussurrava em seu ouvido. Seus olhos se voltaram para as meninas, claramente o tópico da discussão. Seja lá o que Aemma disse, o deixou em conflito. Uma ruga de preocupação se formou em sua testa.
── Tem certeza, Vossa Graça?
── É onde preciso mais de você. ── Aemma assegurou.
O nariz de Sor Harrold se contraiu enquanto ele aceitava a tarefa, embora claramente discordasse. Ele se endireitou até sua altura total, apenas para se curvar antes de sair.
A jovem Princesa olhou para sua mãe mais uma vez. Seus lábios se entreabriram, ansiosa para falar, embora não soubesse o que dizer. Parecia terrivelmente grosseiro desejar boa sorte à sua mãe, mas Myris não conseguia pensar em outra coisa, enquanto sua mente buscava palavras para expressar essa estranha sensação de ansiedade. Esperança e temor nunca haviam estado tão intimamente entrelaçados.
Aemma encontrou seu olhar atento.
── Você está enrolando.
'Eu sei'. Mas Myris não conseguia encontrar forças para sair.
── Vamos, Princesa. Sua mãe precisa descansar. ── Westerling apoiou uma mão no ombro da jovem, gentilmente a guiando para deixar o quarto.
A Princesa em questão não se moveu, fascinada pela visão de sua mãe.
A Rainha era o retrato da serenidade. Seu queixo estava inclinado para seu peito enquanto olhava para a barriga, seus olhos semicerrados não demonstrando nada além de amor duradouro pelo filho que estava por vir. Suas mãos, quentes e gentis, acariciavam o ventre enquanto ela cantarolava. Era uma melodia familiar que as meninas provavelmente nunca esqueceriam, uma canção de ninar que Aemma cantava desde o nascimento delas para acalmá-las.
Apesar de toda a inquietação que Myris sentia, sua mãe parecia igualmente tranquila. E não havia ninguém em quem ela confiasse mais do que na Mãe. Ela permitiu que Westerling a conduzisse para fora da próxima vez que ele insistiu, decidindo permanecer em silêncio sobre seus pensamentos e, em vez disso, lembrar-se do mantra que seu pai lhe havia incutido: Tudo ficaria bem.
A Rainha parecia estar bem. Seu pai havia prometido... Então, por que o cheiro de sangue ainda a incomodava?
Os terrenos do estádio tremiam sob o aplauso ensurdecedor da multidão, os tambores e fanfarras quase abafavam o som enquanto o bom Rei se levantava.
O sorriso de Viserys era dado livremente enquanto observava a multidão com orgulho incontido. Nunca um Rei havia sido tão abertamente amado. Seus olhos pararam brevemente apenas no assento vazio à frente do camarote real. Nem mesmo a ausência notável de sua filha poderia apagar seu bom humor em um dia tão alegre.
Ele lançou um olhar questionador para Myris, perguntando uma última vez antes de ser forçado a começar.
── Onde ela está? ── ele articulou com a boca.
── Não está aqui. ── foi a resposta seca de Myris. Pela primeira vez, ela não fazia ideia de onde sua irmã tinha se metido depois que saíram dos aposentos de sua mãe.
A ironia da situação não passou despercebida por ela.
── Encontre-a. ── Viserys ordenou através de seu sorriso. Ele não deixaria o dia se desviar ainda mais.
Um grupo de mantos brancos marchou rapidamente em direção à porta.
Sor Harrold agarrou um cavaleiro pelo braço, puxando-o para perto para sussurrar um conselho antes de mandá-lo embora. Ele voltou ao seu posto na parte de trás do camarote real, recusando-se a encontrar o olhar questionador de Myris.
O pequeno caos no camarote se dissipou, e com ele, a paciência de Viserys.
── Sejam bem-vindos! ── as palavras do Rei, embora curtas, foram suficientes para silenciar a multidão. ── Muitos de vocês viajaram longas léguas para estar nestes jogos. Mas prometo que não ficarão desapontados! Quando olho para os nobres cavaleiros nestas listas, vejo um grupo sem igual em nossas histórias...
A pausa em seu discurso fez Myris franzir a testa. Ela se virou para investigar o que poderia tê-lo interrompido.
A cabeça de Rhaenyra estava inclinada humildemente enquanto ela entrava no camarote real. Ela passou pela pequena multidão com o máximo de furtividade que sua posição e vestido vermelho brilhante permitiriam. Absolutamente nenhuma.
Pelo menos, ela teve a decência de parecer envergonhada, admitindo silenciosamente que sua tentativa de passar despercebida poderia ter sido melhor executada em sua pressa.
Seu pai se recuperou sem problemas, retomando seu discurso com apenas um olhar de desaprovação em sua direção.
Rhaenyra rapidamente deslizou para o seu assento na frente do camarote. Endireitando as costas para igualar a postura régia de sua irmã e de seu pai, ela tentou acalmar seu coração.
Lady Alicent cobriu a boca para esconder o constrangimento de segunda mão, enquanto Myris ficou boquiaberta abertamente.
── Dragões poderiam pousar com mais sutileza.
── Vá se ferrar. ── sussurrou Rhaenyra, suas orelhas vermelhas brilhantes denunciando seu constrangimento. ── Duvido que alguém tenha notado.
Myris lançou-lhe um olhar incrédulo, mas não teve tempo de retrucar.
Atrás delas, seu pai vibrava com energia palpável. Com um suspiro e uma risada, ele afastou as preocupações do mundo.
── E este grande dia foi tornado ainda mais auspicioso pela notícia que estou feliz em compartilhar, a Rainha Aemma começou seu trabalho de parto!
A multidão explodiu de excitação com a notícia.
Alicent olhou para suas companheiras, aplaudindo com hesitação. Com máscaras reais firmemente fixadas, apenas uma amiga tão próxima conseguiria ver a preocupação em seus olhares. Elas estavam longe de se sentir eufóricas.
Com um último gesto de entusiasmo, Viserys sinalizou para o início do torneio, apenas suas filhas pareciam hesitantes em participar.
── O que te atrasou? ── Myris perguntou a ela assim que a fanfarra parou, com um tom que carregava um leve tom de reprovação.
── Eu... ── engolindo seu nervosismo, Rhaenyra limpou as palmas suadas na saia. ── Perdi a noção do tempo.
── Ah, por favor, Nyra...
Rhaenyra desviou o olhar para a terra à sua frente, pensando na expressão de choque da septã quando a encontrou no corredor. Embora fossem ‘seguidoras’ dos Sete, ela não ousaria chamá-las de praticantes da fé. Apesar disso, Rhaenyra pediu à septã que acendesse uma vela para sua mãe e rezasse.
── E seu irmão? ── a septã colocou isso como uma oferta. Rhaenyra ficou mortificada ao perceber que ele não havia passado por sua mente.
── Claro...
Ela olhou para seu pai atrás dela, recebendo apenas um olhar passageiro enquanto ele apostava no jogo à frente. O contraste gritante entre sua calma e seus nervos à flor da pele era quase insuportável.
Uma mão segurou a dela.
Assustada, Rhaenyra se virou, afastando o olhar do pai e seguindo o braço da mão que a segurava.
Myris.
Seus dedos firmemente envolvidos em torno dos de Rhaenyra, instigando-a a parar de mexer nervosamente. De lado, ela parecia a imagem da calma. A ilusão só foi quebrada quando seus olhares se encontraram.
Uma inquietação igual residia em ambas. Um sentimento que sabiam pesar apenas sobre elas.
Quantas vezes já tinham esperado? Quantos pequenos pacotes silenciosos haviam sido levados e queimados? Quantos mais?
Myris deu seu famoso sorriso, suave e apaziguador até para o mais carrancudo dos senhores. Esse pode ser diferente, dizia. Acalmava Rhaenyra, mesmo em sua falsidade. Rhaenyra apertou mais os dedos para demonstrar sua gratidão. Sua irmã apertou de volta.
As meninas voltaram sua atenção para o combate em jogo, ambas ansiosas por uma distração.
Um caçador vermelho em campo verde representava o cavaleiro Tarly, seu competidor: um brasão desconhecido de vermelho e preto. O primeiro confronto resultou em um empate; o segundo foi uma vitória unilateral. O cavaleiro Tarly foi atingido diretamente no peito, o jovem Sor levantado e arrancado de seu cavalo como se tivesse sido puxado, antes de cair de traseiro no chão.
As meninas abafaram suas gargalhadas.
Tendo entregue um golpe tão limpo e impressionante, o cavaleiro misterioso circulou diante do camarote real com confiança reforçada. Ele parecia se orgulhar de encantar as jovens damas e o Rei, fazendo uma reverência grandiosa aos que estavam acima dele em dedicação.
Sua entrada grandiosa convidou os olhos críticos dos mais altos lordes e damas do reino, incluindo os das Princesas.
Myris rapidamente notou que sua armadura estava muito mais danificada do que a de seus competidores.
Amassada e enferrujada ao longo dos arranhões, ela não exibia o mesmo orgulho dos outros lordes. Um sinal de que ele não tinha os dragões de ouro necessários para substituí-la após danos. Claramente não era de alta linhagem, Myris teorizou. Rhaenyra parecia igualmente intrigada, sua pergunta não dita bastante evidente enquanto seus olhares se encontravam e retornavam ao brasão desconhecido.
Dez pelotas pretas em um escudo escarlate. Simples, direto e completamente esquecível. Os olhos de Myris se estreitaram em contemplação.
── Um cavaleiro misterioso? ── ela sugeriu. Não seria o primeiro Lorde a falsificar seu brasão na esperança de imparcialidade.
── Não, um Cole das Terras da Tempestade. ── Alicent corrigiu.
Myris murmurou em desprezo.
── Que brasão imaginativo eles têm... ── ela sorriu, genuinamente, quando Alicent esbarrou seu joelho no dela. Como se os Hightowers tivessem espaço para falar.
Rhaenyra ergueu as sobrancelhas enquanto suas companheiras riam em zombaria inofensiva.
── Nunca ouvi falar da Casa Cole. ── um leve interesse floresceu enquanto ela observava o cavaleiro com mais atenção.
── Uma casa baixa, mordomos no máximo, eu acredito. ── Alicent fez questão de lembrá-las.
── Os Sete Reinos são vastos, irmã, e ainda cheios de surpresas.
O Lorde instigou seu cavalo a seguir adiante antes de sua investida, parando tão rapidamente que sua égua empinou. Isso chamou a atenção que ele queria.
── Princesa Rhaenys Targaryen! ── Lorde Boremund chamou. ── Eu humildemente peço o favor da Rainha Que Nunca Foi.
Uma declaração ousada, de fato. Mas não menos esperada de um Baratheon. O Lorde Boremund não vacilou sob os olhares severos do camarote real enquanto aguardava uma resposta. Treze anos depois, os teimosos Veados ainda lamentavam abertamente o julgamento do Grande Conselho.
A Princesa Rhaenys teve a decência de parecer descontente com o título. Ela olhou para o marido, Lorde Corlys, como se discutissem silenciosamente sobre isso. Corlys apenas sorriu, encorajando-a.
A velha Princesa sorriu timidamente enquanto sua coroa de flores escorregava pela lança.
── Boa sorte para você.
O Senhor Cervo parecia satisfeito.
── Eu aceitaria de bom grado, se achasse que precisaria. ── e, como sempre, barulhento. Descaradamente, Lorde Boremund inclinou a cabeça para o Rei, como se ignorasse seu insulto.
Viserys, em seus momentos de euforia, parecia totalmente imperturbável. Ele dispensou as palavras de ação de Otto Hightower, lembrando-lhe que línguas tagarelas não arrancavam a coroa de sua cabeça nem roubavam o trono de seu traseiro. Ele não precisava expressar seu desagrado pelo Lorde, pois as jovens à sua frente o fizeram por ele.
Homens mais bravos já haviam fugido sob os olhares devastadores das damas.
── Que homem arrogante. ── a Hightower olhou para o Lorde que se retirava, repreendendo sua falta de decoro. ── Totalmente inaceitável.
── E ainda assim perdoado. ── a jovem Princesa respondeu.
── Pai perdoa tudo hoje em dia.
── Mamãe não esqueceria.
As duas garotas compartilharam um olhar conspiratório, uma distinta melancolia invadindo ao lembrar-se de sua ausência. A mãe delas, sem dúvida, teria revidado com uma língua afiada e rápida.
O desconforto delas não durou muito.
O cavaleiro Cole se mostrou ainda mais firme com sua lança, parecendo ter levado o insulto ao Rei de forma pessoal. A multidão explodiu em gritos quando o humilde cavaleiro derrubou o Lorde Baratheon de seu cavalo na primeira investida. A surpresa foi imensa, a multidão torcia e vaiava enquanto o homem barulhento era rapidamente humilhado. Até Viserys riu alto com seu castigo.
O clima ficou leve novamente.
Quem quer que fosse o cavaleiro, ele rapidamente conquistou o apoio inabalável das jovens.
Rhaenyra virou a cabeça ao ver um lampejo de prata em sua visão periférica. Com o levantar de sua mão, a Guarda Real foi silenciosamente convocada. Sor Westerling ajoelhou-se entre as duas irmãs.
── Suas Altezas. ── ele exibiu um raro sorriso.
── O que sabe sobre este cavaleiro Cole, Sor Harrold?
── Disseram-me que Sor Criston é o filho plebeu do intendente de Lorde Dondarrion. Mas além disso, e o fato de que ele acabou de derrubar os dois irmãos Baratheon, não sei dizer muito mais. ── ele ponderou.
Rhaenyra observava o cavaleiro com renovado interesse.
Myris, no entanto, já tinha seus olhos fixos em outro. Ela se endireitou no assento quando o Mestre das Festas entrou no campo. Os vinte cavaleiros competidores alinharam-se atrás dele.
Myris examinou os brasões orgulhosamente apresentados. Blackwood, Manderly, Bracken, Crane... Seu sorriso desapareceu quando não viu a casa que esperava. Sua boca agiu antes que sua mente pudesse alertá-la.
── Lorde Strong?
Com duas palavras, o Mestre das Leis interrompeu sua conversa.
Lyonel Strong era um homem grande e imponente que tinha pouco interesse nos torneios depois de tantos anos de guerra. Seu tempo em Porto Real havia suavizado o velho Lorde; seus braços grossos e ombros largos eram ofuscados por sua barriga redonda, e seus cachos escuros dos Rios, rareando nas têmporas, agora mostravam mechas de grisalho.
Com uma reputação de lutador, a corte inicialmente o considerava bruto devido à sua fala lenta e observação silenciosa. No entanto, foram essas mesmas qualidades que Myris mais apreciava no homem. Como Sor Harrold, ele falava apenas quando necessário e apenas o que sabia ser verdade.
Uma característica rara entre os lordes tagarelas da corte.
Seus olhos castanhos escuros não puderam esconder sua surpresa ao ser convocado pela garota, suas sobrancelhas grossas, que compartilhava com o filho, franzindo-se em sua direção.
── Sim, Princesa?
── Seu filho, Harwin, não está participando dos jogos?
A rara pergunta chamou a atenção de mais do que apenas Lorde Strong.
Viserys observava sua filha e o conselheiro, igualmente surpreso com a curiosidade fora do comum dela.
── Sim, Lyonel. Eu não posso dizer que não estava ansioso para vê-lo. Quebraossos, não é? O homem mais forte dos Sete Reinos. Dizem que ele luta com a força de dez homens e com um temperamento que rivaliza com o de Vermithor. ── o Rei sorriu em tom de brincadeira. ── Eu estava esperando vê-lo em ação.
── Sim... ── Lyonel não disfarçou humildade. ── Mas o rapaz nunca foi fã de exibições. Ele diz que se for lutar de verdade com um homem, é melhor que eles não saibam do que ele é capaz, sua graça.
── Uma boa estratégia! ── Viserys gargalhou. ── Tenho certeza de que Lorde Baratheon teria considerado isso.
Myris não compartilhou da diversão de seu pai. Ela virou as costas para os olhares pesados do Lorde, obviamente não obtendo a resposta que desejava.
Alicent e Rhaenyra não fizeram comentários, mas seus largos sorrisos diziam tudo. O interesse de Myris nos jogos visivelmente diminuiu enquanto ela relaxava sua postura e pegava sua primeira taça de vinho festivo.
Rhaenyra não perdeu a oportunidade de retribuir a provocação anterior.
── Dragões têm mais tato. Decepcionada, irmã? ── ela sussurrou em seu ouvido.
Myris a enxotou como se fosse uma mosca.
── Você não acha cansativo, a monotonia de ver o tio vencer?
── Na verdade, não. Nunca.
Myris revirou os olhos.
── Bem, eu, por exemplo, acharia esses jogos muito mais interessantes se eu não soubesse o resultado antes de começarem. ── era difícil lembrar de uma vez em que Daemon foi superado. ── Eu esperava que um homem da reputação de Lorde Strong pudesse lhe dar um desafio.
── Tenho certeza. ── Rhaenyra cantarolou. ── Certamente sua decepção vem de seu novo interesse pelos jogos e não pelos Lordes que competem. Ou pelo belo que não está.
Atrás dela, as risadas de Alicent incentivaram a Princesa.
── Aquelas eram as palavras dá mãe, não minhas.
── Então você o acha feio?
Os olhos de Myris se estreitaram em aviso, mesmo enquanto ela corava. Rhaenyra a conhecia muito bem para que ela mentisse.
── Você é insuportável. ── murmurou.
── E você está apaixonada.
A boca de Myris se abriu para retrucar, mas nenhuma palavra saiu.
── Sem resposta afiada desta vez? ── Rhaenyra provocou.
Myris virou a cabeça bruscamente, recusando-se a continuar a conversa. Rhaenyra era teimosa assim, se recusava a largar um brinquedo, mesmo quando Myris já estava cansada do jogo.
Myris manteve o tratamento silencioso durante outra taça de vinho festivo e mais três rodadas. Irritada, Rhaenyra começou a cutucá-la a cada oportunidade.
Ela sempre era desagradável quando estava preocupada. Infelizmente, dessa vez, era sua própria irmã quem parecia suportar o peso disso.
── Se você fica assim ao falar sobre ele, Deuses ajudem se algum dia desejar falar com ele... ── ela não poderia ter sabido que sua irmã estava pensando nele naquele exato momento enquanto tomava um gole de vinho, refletindo sobre a má impressão que provavelmente havia deixado.
Myris se virou, sua boca se abrindo no que Alicent previu ser uma língua cruel e afiada, a que a jovem Princesa era predisposta a usar.
Com arrependimento instantâneo, o sorriso de Rhaenyra desapareceu, reconhecendo talvez que havia ido longe demais.
Gentil, embora um pouco desajeitada, Alicent se lançou no meio da conversa para desviar a atenção da garota confusa. Se Rhaenyra precisava de algo para se concentrar, Alicent forneceria isso com prazer.
── Ouvi dizer... ── ela inclinou-se em direção a elas para interromper Myris. ── O filho de Lorde Boremund deveria chegar tarde ao torneio, mas se perdeu no caminho. Pai diz que ele não conseguiu ler as placas da Estrada do Rei.
Por um instante, as duas garotas apenas encararam sua interrupção. Era amplamente comentado que o jovem Lorde ainda não havia dominado as letras aos dezessete anos.
Myris soltou uma risada antes de cair em risos ofegantes.
O lábio de Rhaenyra se levantou em um sorriso torto enquanto ela observava Alicent com um olhar apreciativo. Ela logo entendeu o jogo da Lady.
── Você sabia que a filha de Lorde Stokeworth está prometida ao jovem escudeiro Tarly? ── a princesa abaixou a voz para que só suas companheiras ouvissem, enquanto acenava para o homem com o brasão do arqueiro.
── O filho de Lorde Massey?!
── Mm-hmm. ── Rhaenyra murmurou enquanto brincava com seu colar. ── Mamãe insinuou que eles vão se casar assim que ele conquistar sua cavalaria.
Um dos primeiros e mais surpreendentes arranjos da última temporada social.
Os olhos de Alicent se arregalaram. O filho de Lorde Massey era um homem de dezessete anos, escudeiro há quase três. A filha de Lorde Stokeworth: uma jovem fina de trinta e três.
── É melhor se apressarem. ── Alicent bufou. Lady Hightower inclinou-se para mais perto das irmãs, ansiosa para rebater. ── Ouvi dizer que Lady Elinor está escondendo uma barriga inchada debaixo do vestido.
Os olhos das irmãs se arregalaram, incapazes de acreditar.
── Você está brincando? ── Myris sussurrou, inclinando-se sobre Rhaenyra. A dama em questão estava noiva de um ótimo cavaleiro do Vale. ── Ela está noiva...
── Mas não casada. ── Rhaenyra lembrou.
── Bem, certamente já está treinada.
Alicent fez o possível para manter a expressão rígida, mas um sorriso apertou seus lábios. Ela acenou com a cabeça, jurando que era verdade. De um lado para o outro, as três trocaram sussurros e fofocas enquanto os cavaleiros competiam no torneio.
Somente um aumento no alvoroço forçou sua atenção para o campo.
O segundo homem mais poderoso do reino, invicto e incomparável, sempre soube como fazer uma entrada.
── O Príncipe Daemon da Casa Targaryen, Príncipe da Cidade, agora escolherá seu primeiro oponente!
Seu tio entrou no campo em seu cavalo negro, em uma entrada grandiosa. A multidão enlouqueceu com gritos de excitação.
Ele passou pela tribuna real antes de dar meia-volta para encarar seus desafiantes com um olhar ameaçador. Diferente de seus concorrentes, a armadura de Daemon era enegrecida pelo fogo e escamosa. Seu elmo era esculpido em forma de dragão alado, ainda mais adornado por joias vermelhas no lugar dos olhos. Era um elmo adequado apenas para o Príncipe Rebelde.
Rhaenyra inclinou-se para frente, mal conseguindo se conter em seu assento enquanto aplaudia. Seu tio era, até então, incomparável. E qualquer oportunidade de ver sua habilidade com a espada era considerada um presente.
O aplauso de Myris era desinteressado em comparação com a feroz animação de sua irmã.
O Príncipe em questão seguiu lentamente pela fila de cavaleiros. Os olhos de Daemon fixaram-se no Lorde com capa verde sobre um cavalo branco. Seu próprio elmo era modelado a partir da infame torre de onde ele vinha.
Daemon sorriu cruelmente.
── Você. ── ele apontou sua lança. Para seu primeiro desafio, escolheu Gwayne Hightower, de Vilavelha, o filho mais velho da Mão.
Rhaenyra, cega pela empolgação, parecia ser a única alheia à crescente tensão entre seus pares. Otto balançou a cabeça com desdém, enquanto Alicent mordia uma unha. Nenhum bem viria de tal confronto.
Myris cutucou sua irmã com força.
── Você não consegue ao menos tentar parecer imparcial? ── Myris repreendeu, mesmo que fosse apenas por consideração à sua companhia.
Suas palavras caíram em ouvidos surdos. Rhaenyra puxou a mão de Alicent de sua boca, forçando-a a parar de roer as unhas antes de segurá-la. Ela não conseguiu, no entanto, conter sua risada alegre.
A multidão aplaudiu junto com ela, mas Myris suspeitava que não fosse pelo Príncipe.
Os métodos de Daemon para refinar a Patrulha da Cidade sob seu comando tinham sido... Extremos. Decisões foram tomadas, e justiças executadas que nem todos os Lordes aprovaram. Muitos homens desejavam vê-lo ser derrubado de seu cavalo alto metafórico. Um cavalo físico serviria perfeitamente.
Mas teriam de esperar mais.
Hightower acertou um golpe direto no peito de Daemon. O Príncipe inclinou-se para trás, mas manteve-se montado. Ele se recuperou rapidamente enquanto Hightower pegava outra lança e retornava. Daemon igualou-se à velocidade. Ele não seria atingido duas vezes.
O Príncipe Dragão esperou pelo tempo perfeito no momento final. Ele inclinou sua lança para enredar as pernas do cavalo, esquivando-se graciosamente do ataque do outro lorde. A lança de Lorde Hightower errou o alvo, e ele foi arremessado do cavalo que caía.
A multidão ofegou e gritou em aplauso. Alicent cobriu a boca para conter seu grito. O elmo de Sor Gwayne tinha sido arrancado na queda, deixando-o de bruços na terra. Um ato de igual constrangimento e preocupação para a Casa Hightower.
A tribuna real estava em silêncio tenso enquanto a multidão aplaudia dispersamente.
Ninguém ousou se mexer.
Dois escudeiros correram para o cavaleiro caído, revivendo-o.
── Uma vitória para o Príncipe da Cidade!
Sob a declaração do Mestre, os dolorosos gemidos do jovem lorde foram ouvidos enquanto ele era arrastado para fora do campo. Sangue cobria o lado de seu rosto e escorria por seu peito protegido. A cabeça de Sor Gwayne balançava inerte, e seu ombro estava dobrado de maneira anormal; seu cavalo branco levantou-se e mancou na direção oposta, igualmente lastimável.
Os aplausos da tribuna real careciam do entusiasmo da multidão. Embora o movimento fosse perfeitamente legal, era considerado abaixo de um homem do status de Daemon.
── Uma jogada perigosa para começar seus jogos. ── comentou um Lorde atrás deles.
── Você esperava algo menos do que isso de um delinquente? ── outro resmungou.
A orelha de Myris tremeu diante das declarações ousadas que ouviu, mas ela se sentiu incapaz de contradizê-las. O apelido de Daemon, Príncipe Rebelde, talvez fosse a forma mais charmosa de rotulá-lo pela ameaça que representava. Nunca o homem se esquivou de tomar o caminho mais sangrento quando lhe era oferecido.
O Príncipe sorriu quase infantilmente em sua vitória ao olhar para onde os membros da realeza estavam sentados. Myris tinha certeza de que não era Viserys quem ele olhava com tanto orgulho, mas sim o Lorde ao lado dele. Sutileza, como vergonha, era uma qualidade que ele ainda precisava aprender.
Myris espiou os homens atrás dela para confirmar suas suspeitas.
O rosto de Otto Hightower estava sombrio e insultado. Ele observava com veneno enquanto o Príncipe orgulhosamente se aproximava da tribuna real. Nada no caráter de Daemon mostrava arrependimento por ter usado uma tática subversiva para ferir seu herdeiro.
O fato de Otto não ter rosnado era um testemunho de seu autocontrole.
Rhaenyra correu para encontrar seu tio na beira da varanda.
── Muito bem, tio. ── seu favoritismo era desavergonhado.
Daemon sorriu com o elogio.
── Obrigado, Princesa. ── ele virou sua atenção para Lady Hightower com um sorriso diabólico. ── Agora, tenho quase certeza de que posso vencer esses jogos, Lady Alicent. Mas ter o seu favor praticamente garantiria isso.
Ele apresentou a ponta de sua lança em sua direção, aguardando sua resposta.
Alicent olhou para o pai em busca de orientação. Otto não cedeu nada, encarando o Príncipe como se ele fosse uma aranha que ele observava subir pela parede. Desgosto e desinteresse enrugavam suas sobrancelhas em igual medida.
Havia apenas uma resposta adequada em situações como essas, e Daemon, Alicent e Otto sabiam disso.
Embora ele tivesse acabado de ferir seu irmão, Lady Hightower retirou seu próprio favor: uma coroa de pequenas flores brancas aninhadas entre grandes folhas verdes.
── Boa sorte, meu Príncipe. ── sua voz continha pouca sinceridade enquanto seu favor deslizava pela lança dele.
── Cuidado, minha dama. Um sorriso tão brilhante pode me cegar. ── provocou Daemon.
Rhaenyra e Myris riram de sua ousadia descarada, enquanto Alicent lhe dava o mesmo olhar de desprezo que costumava dar ao Lorde Baratheon.
Elas voltaram aos seus assentos enquanto os jogos continuavam. Alicent estava sombria e ansiosa, cutucando as unhas até que Myris temeu que elas começassem a sangrar. Qualquer outra dama torceria para que seu campeão tivesse sucesso como Daemon. No entanto, Alicent parecia cada vez mais retraída a cada aplauso entusiasmado por ele.
Os papéis se inverteram rapidamente; eles tentaram animá-la. Além de um ombro quebrado e uma cabeça machucada, o orgulho de seu irmão havia sofrido o ferimento mais grave. Bem diferente dos aleijados e cadáveres que às vezes eram arrastados...
── Seu irmão pode ficar mais bonito por isso, ainda. ── Myris refletiu. ── Ele ainda não cresceu no nariz torto, talvez a queda tenha endireitado de volta.
A isso, Alicent riu.
── Você é terrível! ── uma piada vista pelo que era, já que Gwayne não tinha falta de admiradores.
── Eu sou honesta.
── E otimista demais. ── Rhaenyra franziu o nariz, duvidando que algo ajudaria o nariz malformado do jovem.
As humildes vestes do Meistre estavam fora de lugar em meio a tamanha finura festiva. E, no entanto, poucos prestaram atenção enquanto ele se aproximava discretamente para sussurrar ao ouvido da Mão. A mandíbula de Otto pareceu tensionar enquanto ele respirava profundamente. O que quer que tenha sido dito, ele passou ao Rei com igual discrição.
Viserys não compartilhou do autocontrole. Ele saltou de seu assento e fugiu antes que qualquer Lorde pudesse se levantar com ele. Seus guardas não receberam ordens de seguir ou permanecer em sua pressa.
Apenas um cavaleiro agiu rapidamente.
── Fique com elas. ── Sor Westerling ordenou a Sor Darren. Ele fez um gesto para as três donzelas, que não tinham ideia do que estava acontecendo, antes de seguir rapidamente atrás de seu Rei. Os outros membros da Guarda Real o seguiram.
O olhar severo de Otto Hightower foi implacável enquanto ele observava seus colegas do conselho. A ordem silenciosa era clara e inflexível para os Lordes e Senhoras. Ninguém deveria alertar as Princesas sobre esse acontecimento.
As damas não perceberam o assento vazio enquanto voltavam à conversa.
Elas bebericavam seus cálices de vinho enquanto comiam frutas e bolos. A conversa permanecia leve e cheia de risos. Até seus primos, Laenor e Laena, se juntaram a elas, exagerando nos bolos de limão e discutindo calorosamente sobre nomes de dragões.
── Pelo menos montamos nossos dragões. ── Rhaenyra rebateu sua irmã.
── Pelo menos você tem um dragão. ── Laena bebeu sua água com uma expressão desanimada. Vendo os olhares de piedade que lhe lançavam, ela se endireitou e sorriu com orgulho glorioso. ── Não se preocupem comigo, eu vou reivindicar Vhagar! O mais velho e maior dos dragões.
A garota de doze anos falou com uma convicção firme, como se tivesse um compromisso distante e não apenas uma chance deixada ao destino.
Seu irmão Laenor zombou de forma brincalhona.
── Se você conseguir encontrar essa garota. Como um dragão tão grande simplesmente desaparece?
Myris riu enquanto se inclinava sobre seu primo, divertindo-se. Laenor sugeria teorias cada vez mais absurdas, deixando-a cada vez mais vermelha.
Os pensamentos sombrios se dissiparam, e uma nova esperança floresceu quando o grupo de jovens cavaleiros de dragão começou a contar história após história. Rhaenyra e Myris floresceram no conforto familiar de sua família e dos dragões.
Quão infeliz era que o derramamento de sangue apenas tivesse começado. No campo, o terreno do torneio ansiava por tributo.
O cavaleiro Blackwood empurrou o escudeiro que tentava ajudá-lo. Furioso, ele tirou o capacete e caminhou em direção ao cavaleiro Bracken que o havia derrubado do cavalo.
── Desgraçado! ── ele puxou Bracken do cavalo e o jogou no chão. Começou uma disputa de armas.
O aço cantava enquanto as armas eram sacadas e chocadas. Blackwood derrubou o jovem cavaleiro e o prendeu contra a cerca. Bracken se recusava a ceder, mesmo sob a bota e a lâmina. Com um grito surpreendente, ele agarrou a perna de Blackwood e a puxou com toda a sua força. Bracken avançou, bloqueando o machado de Blackwood antes de enfiar a espada em sua perna.
A multidão aplaudiu a carnificina.
A teimosia dos senhores do Rio era um espetáculo à parte. Blackwood estava aleijado. E, no entanto, nenhuma oferta de rendição escapava de seus lábios. Ele caiu de joelho e golpeou com força igual a panturrilha de Bracken.
── Eles vão aleijar um ao outro! Por que ele não se rende?
── Você teria mais sorte convencendo uma pedra de que é um pássaro do que um homem do Rio de que está derrotado.
A tribuna real observava.
── E o dia fica feio. ── a princesa Rhaenys refletiu atrás deles.
── Me pergunto se essa é a maneira de celebrarmos o nascimento de nosso futuro Rei? ── seu marido Corlys ponderou em voz alta. ── Com violência gratuita...
A brutalidade diante deles não tinha o objetivo de exibir a habilidade ou coragem das casas. Em vez disso, era uma violência nascida de um ódio mais antigo que os próprios Sete Reinos. Senhores do Rio em sua melhor forma.
Onde Brackens e Blackwoods se encontram, sangue será derramado.
Bracken estava caído de costas, com a panturrilha esquerda praticamente arrancada. Indefeso, ele só pôde gritar enquanto Blackwood se levantava, apoiando-se na cerca de justa. Sem hesitar, Blackwood levantou seu machado de batalha e o desceu sobre a carne macia do rosto de Bracken.
Um som repulsivo silenciou o grito do cavaleiro. A cabeça de Bracken explodiu como uma uva madura sob a força.
Os jovens na tribuna empalideceram com a brutalidade inesperada. Laena e Alicent pareciam prestes a vomitar.
Uma briga após outra eclodiu entre os homens, com o duelo entre Blackwood e Bracken estabelecendo o padrão para derramamento de sangue diante da derrota.
Atrás deles, seus pais refletiam em voz alta sobre a reviravolta sombria que o dia havia tomado.
── Já se passaram 70 anos desde o fim do rei Maegor. Esses cavaleiros são verdes como a grama de verão. ── Rhaenys avaliou a brutalidade feroz exibida. ── Nenhum deles conheceu uma guerra de verdade. Seus senhores os enviaram ao torneio com punhos cheios de aço e culhões cheios de semente, e esperamos que eles ajam com honra e graça...
A carnificina parecia não ter fim.
A lama marrom do campo assumiu uma tonalidade vermelha, absorvendo o sangue tão livremente oferecido a ela. Cinco homens foram ao torneio prestar homenagem ao Príncipe, suas vidas sendo o preço.
No final, apenas dois homens tiveram bom senso.
Uma trégua foi chamada entre eles antes que ocorresse o desmembramento. Os corpos de seus concorrentes caídos foram arrastados, seus brasões indistinguíveis sob a lama e vísceras que os cobriam.
Suor e sangue mancharam o ar. A brisa fria do outono carregava gritos e clamores, intensificados pelos aplausos. Uma sinfonia distante de torneio que foi silenciada por um único som.
── Myris. ── sua mãe a chama.
Ela reconheceria o som em qualquer lugar, como uma planta conhece o sol.
É o instinto, mais do que a razão, que a forçou a olhar.
Myris se endireitou do ombro de Laenor, quase saltando de seu assento ao se virar. Ela não teve chance de procurar sua mãe, pois seus olhos foram atraídos para o assento vazio de seu pai.
── Prima. ── Laenor puxou sua mão.
── Mys?
── Princesa, você está bem?
A preocupação deles caiu em ouvidos surdos. Tudo o que Myris podia ouvir era o som de seu próprio sangue zumbindo em seus ouvidos enquanto olhava para o assento vazio. Com uma rapidez quase predatória, seus olhos cortaram para Sor Darren, o único manto branco restante. Algo primal zunia em suas veias. Havia uma inquietação que exigia não ser mais ignorada.
── Por favor, não... ── isso arranhava como garras no fundo de sua mente. Um grito de angústia horrível enterrado sob outra rodada de aplausos.
Mamãe.
Myris saiu correndo de seu assento, juntando a saia em suas mãos enquanto subia agilmente os degraus com pressa. Apenas Sor Darren impediu sua fuga.
── Princesa. ── ele ficou diante da entrada, cumprimentando-a como se não estivesse bloqueando sua passagem.
── Saia da frente.
O cavaleiro flexiona a mão sobre sua espada, claramente sem saber o que fazer naquela situação.
── Eu não posso, alteza. Fui ordenado a garantir que sua irmã e você aproveitem as festividades.
── Você acha que eu pareço feliz, Sor?
O olho de Darren tremeu enquanto ele encarava seus olhos flamejantes. Ele achava que ela parecia provocada e preocupada, muito parecida com os dragões de sua casa. Como algo tão esguio poderia carregar tanto peso?
── Sua mãe solicitou que Sor Harrold ficasse aqui até que o parto dela terminasse.
── E onde está Sor Harrold? ── ela desafiou. ── Porque ele não está aqui.
── Com o Rei, alteza.
── Com minha mãe? ── embora sua voz tenha permanecido baixa, as palavras soavam como se fossem gritos. Elas exigiam uma resposta.
Sor Darren engoliu em seco e desviou os olhos. Lidar com o temperamento da garota não fazia parte de seu treinamento.
── E-Eu... Eu não sei, alteza. Só sei das ordens que recebi.
A mudança de malícia fria para aceitação desolada fez Darren abaixar a cabeça. Myris sabia que não tinha esperança de movê-lo das ordens de seu pai.
── Por favor. ── Sor Darren parecia genuinamente arrependido. ── Volte para seu assento, Princesa. Tenho certeza de que ele voltará em breve.
As unhas de Myris se cravaram em punhos tão apertados que ela sentiu que poderia rasgar sua saia. As suposições equivocadas dele só aumentaram sua irritação.
── Espero que sim, Sor.
Ela voltou para seu assento com a cabeça erguida. Para os outros, parecia que ela apenas precisou fazer uma pergunta.
A festa a acolheu de volta com entusiasmo, embora com alguma hesitação. O olhar violeta correspondido de Rhaenyra estava cheio de preocupação enquanto ela lançava um olhar igualmente astuto para a cadeira vazia.
── Você está bem? ── a mão de Alicent pousou sobre a dela.
── Nosso pai foi cuidar de nossa mãe. ── sua voz parecia a de uma estranha.
── Você sabe o que isso significa? ── a dama sorriu.
As garras, os dentes, a cauda da pequena criatura bestial que assombrava suas noites vieram à sua visão. Myris piscou para afastar a visão.
── Seu irmão chegou!
Myris permaneceu desolada, apesar da alegria ao seu redor.
── Que belo final para os jogos, seu pai, o Rei, apresentando seu irmão à multidão! ── Laenor estufou o peito, sempre atraído por grandes espetáculos. ── O Príncipe...
── Baelon. ── Rhaenyra acrescentou. ── Myris tinha certeza de que o pai escolheria esse nome.
── Príncipe Baelon! ── ele continuou rapidamente. ── Herdeiro do trono, defensor do reino! Ah, a multidão iria à loucura!
Laenor gesticulou para a visão que ele imaginava.
── Sua mãe deve estar tão orgulhosa.
── E com seu tio prestes a vencer, também! Os Sete sorriem brilhantemente para você neste dia!
Myris permaneceu em silêncio. Um sentimento indescritível tomou conta da Princesa. Tanto estranho quanto familiar, ele se enroscou em seu estômago e subiu por sua garganta, fazendo morada em seu peito. Sua expressão abalada e olhar vazio foram atribuídos à violência que se desenrolava diante dela.
Um cavaleiro da Casa Arryn havia lutado bravamente, mas não foi páreo para a mira precisa de Sor Cole. Myris observou enquanto seu corpo inerte era arrastado para fora do campo. Um presságio, se é que ela já viu um.
Suas unhas arranharam a madeira de sua cadeira, seu aperto firme e impiedoso enquanto ela se ancorava. A mão suave de Rhaenyra caiu sobre seu pulso, apertando de excitação. Ela não notou a mudança.
── Sor Criston Cole agora enfrentará Sor Daemon Targaryen, Príncipe da Cidade!
Finalmente, o Mestre das Festividades chamou para a última partida.
Myris engoliu o mal-estar que a dominava. Tudo está bem, ela repetia para si mesma, novamente e novamente. Seu mantra virou uma oração.
Ela decide que Laenor está certo; seu pai foi ver o novo bebê. Para nomeá-lo, para que ele possa apresentá-lo após o torneio. O pai terá seu desejo e sua mãe não será mais sobrecarregada.
Myris se agarra a esse pensamento, mesmo quando ele deixa um gosto rançoso em sua boca. Ela se concentrou nos jogos, como se sua atenção pudesse fazer com que passassem mais rápido. Ela veria sua mãe em breve.
Ela desejou que Daemon despachasse Sor Criston com a eficiência que teve com os outros. Que azar Cole não compartilhava de seus sentimentos.
Em um momento mal cronometrado, o Príncipe Daemon finalmente encontrou seu adversário.
O cavaleiro das Terras da Tempestade conseguiu fazer o que nenhum outro homem havia feito. Ele derrubou o Príncipe Rebelde em sua terceira investida. A lança atingiu tão solidamente o peito do Príncipe que se despedaçou com a força. Por algum milagre, Daemon evitou que a madeira estilhaçada atingisse seu pescoço enquanto ele caía de lado. Com o pé preso no estribo, ele foi arrastado indefeso ao longo da divisória até cair no final.
Sete Infernos. Rhaenyra e Myris ficaram boquiabertas com o ataque.
Teimoso como era, Daemon rolou de volta para os pés. Sem fôlego, mas longe de ser derrotado.
Ele pediu sua espada.
── Sor Daemon deseja continuar em uma competição de armas!
Rhaenyra apertou o braço de Myris com mais força, empolgada por finalmente ver a habilidade de seu tio com a espada em ação. Pela primeira vez, Myris compartilhou de sua alegria.
Daemon avançou com Irmã Sombria enquanto Cole recuperava seu mangual. Incensado, sua sede de sangue era aparente. Seu tio era uma força a ser temida enquanto se movia com rapidez e propósito. Cole se manteve firme, atacando com força punitiva. Daemon recebeu cada golpe do mangual sem vacilar, seu escudo se quebrando lentamente sob os impactos.
Daemon jogou os tristes restos do escudo no rosto de Cole. O golpe foi tão forte que Cole recuou. Daemon não desperdiçou a vantagem. Ele plantou um pé no peito do cavaleiro e o chutou ao chão.
O temperamento do Príncipe se mostrou em sua plenitude.
Cole conseguiu rolar para fora do caminho da Irmã Sombria por um triz, o aço rangendo ao encontrar a armadura.
── Seu tio quer sangue.
── Claro que quer. ── Myris justificou. ── Nenhum outro o desmontou antes. Você acha que ele deixaria isso acontecer de novo?
O temperamento do Príncipe o tornava igualmente impiedoso e imprudente.
Daemon riu enquanto Cole lutava para pegar seu mangual, chutando areia no cavaleiro como se o estivesse expulsando do campo. Isso só levou Cole a uma maior desesperação.
Daemon recuou quando o mangual se enrolou em Irmã Sombria. A disputa de poder amarrou os dois homens juntos, nenhum conseguindo se libertar. Daemon sorria enquanto seu temperamento se inflamava.
── Oh Deuses... ── Alicent cobriu a boca enquanto o Príncipe decidia abandonar sua arma. Em vez disso, ele golpeou impiedosamente o rosto do cavaleiro até que seus punhos estivessem cobertos de sangue e o elmo de Sor Criston fosse arrancado de sua cabeça.
A multidão ficou refém da brutalidade. Um grandioso final para o torneio, Daemon insistiu em entregar uma performance impressionante. Ninguém conseguia desviar o olhar.
Cole se libertou, puxando seu mangual e jogando Irmã Sombria longe. O Príncipe desviou do golpe lançando o escudo miserável em seu rosto ensanguentado. Ele teria vencido o cavaleiro com as próprias mãos se precisasse.
Cole caiu no chão, atordoado, enquanto Daemon avançava sem misericórdia. Ele chutou o homem prostrado nas costelas, jogando-o no chão.
Os gritos da multidão salvaram o pobre cavaleiro de uma brutalização ainda maior.
Exultante com os gritos de seu nome, Daemon voltou sua atenção para a multidão. Suas mãos erguidas em vitória, proclamando triunfos junto a eles. Mais um ano invicto. Ou assim parecia...
Daemon havia passado tanto tempo sem ser desafiado que esquecera as regras do duelo: Um homem que ainda não estivesse morto e que não tivesse rendido ainda poderia continuar.
Cole se levantou com novo vigor e devolveu a brutalidade do Príncipe. Esmagou as costas armaduradas de Daemon, roubando-lhe o fôlego, assim como ele havia roubado o de Cole.
As Princesas não conseguiram esconder seu choque quando o tio caiu de joelhos. Daemon rastejou em busca de sua espada descartada, seus instintos de batalha retornando. Cole a chutou para longe.
A derrota nunca esteve tão próxima.
Daemon riu com desprezo enquanto sacava uma lâmina de sua bota e tentava golpear o desgraçado ardiloso. Cole prendeu o ombro de Daemon sob seu pé e ergueu a espada novamente.
Os homens se encontraram em uma posição precária. Daemon poderia cortar a panturrilha de Cole e se libertar, mas não antes de Cole lançar a espada que segurava, pronta para o golpe final. Da mesma forma, Cole poderia encerrar a luta ali, mas não antes de ser aleijado e se tornar alvo da coroa.
Escolhas, escolhas...
Os homens as ponderaram em um silêncio agonizante.
── Renda-se. ── Cole não cometeria o mesmo erro. O cavaleiro das Terras da Tempestade não tinha intenção de matar o Príncipe e fazer inimigos da coroa. Ele ofereceu uma saída mais uma vez. ── Renda-se!
O Príncipe continuava sorrindo, como se não fosse ele quem estivesse deitado no chão. Seu olhar vagou até pousar na tribuna real. Rhaenyra estava quase sendo contida enquanto Myris olhava incrédula. O Rei não estava à vista.
Daemon revirou os olhos, sinalizando sua aceitação. A palavra em si nunca passaria por seus lábios, não seria genuína se o fizesse. Ser Criston ofereceu sua mão para ajudar o Príncipe a se levantar, cavalheiresco, apesar da feiura anterior. Daemon a afastou com um tapa.
Que melhor final do que ver o grande Dragão abatido? Myris olhou de soslaio para a multidão que aplaudia. Coisas volúveis, agora aclamavam Cole com a mesma admiração e adoração que antes era reservada exclusivamente para seu tio.
Quão rapidamente a cidade se vira contra seu amado Príncipe.
Seu sucessor se aproximou da tribuna real com ousadia, dando às damas a primeira boa olhada no cavaleiro misterioso. Se tivessem cumprido a aposta de sua mãe, Daemon as teria feito perder três dragões de ouro, mas Ser Criston teria ganho um de volta.
Ansiosa para observar melhor, Alicent puxou Rhaenyra para ficar de pé, forçando Myris a se juntar a elas enquanto se apoiavam na varanda.
── Deuses, ele é dornês... ── Alicent sussurrou, um toque de encanto em suas palavras. Não sem razão, ao que parecia. Havia poucos homens na corte tão... Bonitos.
A pele bronzeada de Ser Criston era quente e rica. Seu cabelo, negro como a noite, repousava grosso no topo de sua cabeça e caía suavemente sobre os ombros. Um queixo forte, sombreado por uma barba por fazer, complementava seus lábios cheios. Nem mesmo seu rosto machucado e boca ensanguentada conseguiam diminuir sua beleza.
── Vossa Alteza. ── Cole ergueu o pescoço sem um cavalo para espiá-las. Ele deu um sorriso encantador, sem se importar que isso rasgasse ainda mais seu lábio ensanguentado. ── Eu esperava pedir o favor da Princesa.
Seu olhar escuro fixou-se unicamente em Rhaenyra.
Os lábios da Princesa se curvaram em divertimento diante de sua ousadia. Momentos atrás, ele usurpara o legado de seu tio e agora vinha pedir elogios? Ousado, de fato... Rhaenyra não se intimidou com o pedido. Em vez disso, recuou sobre os calcanhares, encantada.
O campeão foi deixado esperando em suspense enquanto o sorriso de Rhaenyra crescia.
── É tradição.
Ela pegou sua grinalda de folhas vermelhas exuberantes e rosas negras, ignorando a avaliação afiada de sua irmã sobre o cavaleiro abaixo.
── Desejo-lhe sorte, Ser Criston. ── Rhaenyra inclinou-se sobre o parapeito e lançou seu favor.
Ser Criston não escondeu o sorriso eufórico que floresceu enquanto ele a segurava. Ele a segurou com cuidado, admirando-a como o prêmio que era. Fez uma reverência às damas acima antes de se retirar.
── Ele correspondeu às suas expectativas, irmã?
Um final inesperado que ela desejara e um final inesperado que recebera. Myris não comentou.
Com os jogos agora concluídos, logo estariam livres dessas malditas festividades. Restava apenas que as declarações e honrarias fossem feitas. O polegar de Myris tamborilava impacientemente no parapeito que ela segurava levemente, seu olhar astuto instigando o Mestre das Festividades a se apressar.
── Você parece insatisfeita, Myris.
── Distraída. — respondeu.
Alicent sorriu gentilmente ao se aproximar. Apenas um mistério restava naquela noite: qual Dama da alta corte seria coroada Rainha do Amor e da Beleza.
── Você está linda. ── Alicent interpretou erroneamente a origem de sua ansiedade. ── Eu não ficaria surpresa se os homens ficassem sem palavras ao pedir seu favor.
── Como se ela fosse concedê-lo. O único cavaleiro em quem ela mostra interesse não estava nas listas. ── o tom de Rhaenyra era apático, apesar da provocação, distraída enquanto observava os cavaleiros receberem seus elogios e prêmios com entusiasmo. Agora, com a idade aceitável de quinze anos, a Princesa certamente seria coroada Rainha do Amor e da Beleza, com Daemon derrotado e Aemma, a quem ele tão descaradamente costumava premiar, na cama.
Myris suavizou ao ver a excitação mal contida de sua irmã, uma coisa juvenil que Rhaenyra provavelmente nunca admitiria ter ansiado. Mesmo que não fosse o homem que ela pensava que a coroaria naquele ano.
Cole era ousado, mas não tolo o suficiente para pedir o favor de uma Princesa apenas para coroar outra.
── Eu não esperava que você se apaixonasse tão facilmente...
── Eu não faço ideia do que você está falando.
── Alicent. ── Otto chamou por sua filha.
Algo mudou no ar.
Alicent ofereceu um sorriso apologético, rapidamente recuando para atender seu pai. Myris a seguiu com os olhos, apenas para se sentir isolada pela cena que se desenrolava.
Olhares sombrios e lábios cerrados eram tudo o que a saudava. Ser Harrold, agora retornado, encontrou seus olhos apenas para desviar rapidamente. Um ato tímido demais para um homem que esteve ao lado de Reis.
O coração de Myris despencou à medida que a sobriedade se espalhava entre os homens em sussurros que ela podia ver, mas não ouvir. Como sangue manchando um lençol, a escuridão se espalhou de homem para homem até que a leve alegria da corte fosse sufocada pelas notícias.
Ela sabia o motivo daqueles lábios curvados para baixo antes mesmo de processá-los.
Seus olhos ficaram vazios enquanto ela olhava para o campo manchado de sangue abaixo. Os Sete como testemunhas, ela jurou que podia sentir o perfume quente de âmbar de sua mãe misturado ao forte cheiro metálico.
── Você prometeu. ── as palavras escaparam de seus lábios sem que ela quisesse, atraindo a atenção de sua irmã.
Rhaenyra colocou a mão gentilmente sobre o aperto de Myris, que estava branco como a neve, e implorou para saber o que a estava perturbando. Com um olhar indagador para trás, Rhaenyra engoliu seco.
Sua alegria também foi sufocada pela nuvem negra que os cercava. Alicent foi chamada por seu pai enquanto a Princesa Rhaenys afastava seus primos. Lorde Corlys ficou em silêncio, com a cabeça abaixada em respeito, enquanto mantinha vigia sobre seus parentes.
O restante dos Lordes e damas se retiraram. Havia muito a ser feito.
Rhaenyra colocou ambas as mãos sobre as de Myris, enquanto ela tentava se afastar da verdade.
── Princesa. ── a voz de Westerling era suave e simpática ao se aproximar para proteger o outro lado de Myris. Ele tentou pegar sua mão livre, mas a encontrou imóvel em seu aperto.
A cabeça de Myris balançou levemente, agarrando-se à negação.
Por trás de seus olhos fechados, ela via o rosto de sua mãe, sorridente e alegre, apesar do suor que brotava em suas têmporas e ruborizava suas bochechas. Sua risada ecoava acima do zumbido agudo que começava a obstruir seus ouvidos.
Bolos de limão, ela se lembrava. Bolos de limão e o sabor do vinho de verão. Peras e as risadas de seus primos. Tão recentemente, as coisas eram perfeitas enquanto debatiam o nome que poderiam dar ao dragão de seu novo irmão. Ela implorava aos Deuses para levá-la de volta àquele momento, para nunca sair dali.
Westerling forçou seus dedos a se soltarem do corrimão, trazendo-a de volta à realidade. Seus dedos se curvaram ao redor dele em um aperto punitivo por sua traição.
── Meu irmão? ── Rhaenyra queria que as palavras fossem ditas claramente.
── Não aqui, Princesa. ── Westerling escoltou as meninas para longe dos olhares curiosos da multidão e em direção à Mão do Rei, que as aguardava nas escadas.
A mandíbula de Myris doía pela força com que ela cerrava os dentes. Otto esperava estoicamente na entrada, seu olhar perspicaz enquanto ordenava que Westerling as levasse de volta à Fortaleza. Ela se soltou do aperto de Ser Harrold, colocando-se atrás de sua irmã enquanto se recusava a entrar no túnel escuro.
Rhaenyra estava irritada com a demora em receber as notícias.
── Fale claramente, o que aconteceu com o bebê? ── ela tentava suprimir as lágrimas que surgiam, seu coração doendo pelo irmão que tanto ansiava conhecer.
── Um menino, Princesa. ── as palavras alegres não explicavam a seriedade da corte.
── Um menino?!
── Ele deu apenas um suspiro antes de seguir sua mãe.
Myris deu um meio passo para trás, atingida pelas palavras mais profundamente que por qualquer lâmina.
Agonia.
Não havia como descrever o peso que caiu sobre ela ao ouvir aquelas palavras. Ele comprimia seu ser, segurando-a como refém enquanto espremia lágrimas de seus olhos. Apenas uma vez antes ela se sentira assim.
Quando criança, ela havia caído nas águas da Baía da Água Negra após cair de seu dragão. Ela jamais esqueceria a dor ao atingir a água, a inutilidade de seus membros enquanto o mar a envolvia, consumindo-a até o ponto em que quase se afogou. Ela voltaria de bom grado para lá se isso significasse trocar aquela dor por está.
Sua boca se abriu, desesperada por respirar, mesmo que seus pulmões atordoados se recusassem a funcionar.
Rhaenyra piscou, uma lágrima descendo por seu rosto relaxado.
── Minha... Minha mãe? ── uma consequência que ela jamais havia considerado.
── É com grande pesar que devo informar que a Rainha faleceu. Seu irmão estava em posição transversal, e o esforço... ── Otto suspirou ao pronunciar a palavra ── Foi demasiado para ela. Nenhum dos dois sobreviveu. Seu pai tem...
Otto continuou a falar, mas ela não ouviu mais nenhuma de suas palavras. Por um momento, tudo ficou em silêncio. Myris se encontrou ouvindo apenas o bombeamento de seu sangue, enquanto ele pulsava em seus ouvidos, seu coração batendo contra suas costelas com crescente intensidade, lembrando-a de que ela ainda estava viva, mesmo quando sentia que estava morrendo.
Não poderia haver outra explicação para essa agonia.
Myris foi engolida pelas ondas de luto, sua mente correndo com todos os avisos que ela tão tola e repetidamente ignorara. Ela sabia. Sabia que algo estava errado e o dissera sempre que podia. Gritara, implorara e se humilhara aos pés de seu pai com súplicas desesperadas por ajuda, apenas para ser recompensada com ridículo e remédios como se tivesse enlouquecido.
Até mesmo sua mãe, sua mãe gentil, bela e amorosa... A recordação do rosto sereno de Aemma roubou as poucas forças que restavam.
Myris desabou sob o peso de seu fracasso, mal conseguindo se segurar com as mãos e os joelhos no chão.
── Mys! ── Rhaenyra soluçou, assustada. A Princesa se jogou sobre sua irmã, agarrando-se desesperadamente enquanto afastava o cabelo do rosto de Myris. ── Fique comigo.
Um lamento desesperado apenas para os ouvidos de Myris, enquanto Rhaenyra escondia seu queixo trêmulo enterrando-o nas costas imóveis de sua irmã. Um medo primitivo de que, de alguma forma, ela também fosse tirada dela.
Os apelos de sua irmã a trouxeram de volta à superfície da consciência, estimulando seus pulmões a funcionarem. As respirações de Myris vieram em lufadas desesperadas, até que se transformaram em respirações rápidas e curtas. Mesmo respirando, essa dor horrível não a deixava. Ela não conseguia recuperar o fôlego.
── Ajude-a! ── Rhaenyra implorou aos homens ao redor. Eles ficaram em silêncio, desviando os olhos do luto delas. Rhaenyra lançou um olhar de ódio aos covardes através de suas próprias lágrimas, amaldiçoando-os em voz baixa.
Apenas um homem ousou se mover. Ser Harrold estendeu o braço ao avançar rapidamente, ordenando silenciosamente que os outros homens dessem espaço, enquanto enviava um para buscar um Meistre.
── Respire, Princesa. ── ele encorajou. Sua mão pousou sobre o ombro dela, tentando acalmar suas respirações rápidas, sem sucesso. O coração dela batia como um beija-flor sob sua mão.
Myris apertou os olhos com força, sentindo que poderia vomitar. Um soluço estrangulado escapou enquanto algo escuro e quente a atravessava, crescendo em seu estômago e subindo até seu peito. Grosso como cinzas e mel, sufocava suas lágrimas. Seus lábios se puxaram por conta própria enquanto sua boca se abria.
Ela gritou.
Em partes iguais de pranto e fúria, o som desumano rasgou sua garganta. O silêncio caiu sobre o campo do torneio, interrompendo as comemorações.
Em algum canto de sua mente, Myris percebeu que o som monstruoso que a assombrava em seus sonhos não era ninguém além de si mesma.
Ela havia expressado com um único grito o que os lordes ao seu redor não podiam.
A Rainha estava morta.
💙 ׂׂૢ་01: Bom... Acho que acabei me empolgando um pouquinho demais na escrita, hehe.
💙 ׂׂૢ་02: Sofrimento a parte, o que acharam do capítulo? Espero que tenham gostado. Infelizmente nossa amada Rainha Aemma se foi, mas ela com certeza me marcou conforme a escrevia nesses capítulos.
💙 ׂׂૢ་03: Até próximo capítulo!
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