𝕮𝖆𝖕𝖎𝖙𝖚𝖑𝖔 1: O Chamado para a Morte
O início de uma competição mortal que mudará tudo.
Ayla sempre ouvira sua mãe dizer que ela precisava ser diferente. Não apenas porque ela era pouco feminina ou porque seu comportamento era impetuoso, desenfreado, sem filtros. Era algo mais profundo. Desde a morte de seu pai, a garota doce e gentil que ela foi desapareceu, e uma nova Ayla tomou seu lugar. Não foi uma escolha. A dor da perda transformou-a. A partir do momento em que testemunhou a morte de seu pai diante dos seus olhos, algo dentro dela se partiu e uma versão mais dura de si mesma tomou forma.
Naquela época, o país atravessava seu pior momento. As ruas estavam tomadas pelos sons de batalhas distantes e o ar carregava o cheiro de destruição. Enquanto os ricos prosperavam com a venda de armamentos, as classes mais baixas, como a de Ayla, eram forçadas a cumprir metas impossíveis por um salário miserável que mal cobria o básico.
O pai de Ayla, sobrecarregado pelo peso das dificuldades, aceitou mais trabalho do que poderia suportar. Cada dia era uma luta para garantir sua sobrevivência e a de sua família. Mas, como o destino sempre foi implacável, perderam sua única fonte de renda. Seu nome foi excluído da lista de montadores e, em um piscar de olhos, a família se viu sem emprego e sem um único anis para se alimentar.
Ayla recordava de tudo com uma clareza assustadora. Seu pai andava de um lado para o outro pela casa, os dedos grandes passando pelos cabelos ruivos de forma automática, como se o gesto fosse o último remanescente da sanidade que lhe restava. Ele sempre fora forte, imponente, e Ayla havia herdado muitas de suas características: seus cabelos ruivos e lisos, sua pele branca e sua altura, a maior de toda a família.
Naquele dia, ela acabara de completar doze anos, e ainda via seu pai como seu herói. Mas naquele momento, algo em seus olhos mudou. Um fogo ardente, uma raiva que ele não sabia como conter. Era a raiva de quem já não sabia mais o que fazer, de quem se sentia impotente diante de um mundo implacável.
— Revans, querido, o almoço está na mesa — a mãe de Ayla chamou, tentando suavizar o ambiente com um sorriso forçado. Seu olhar estava sombrio, mas ela tentava manter a esperança para os filhos.
Ele parou por um momento, os olhos verdes fixos nela, e balançou a cabeça com indignação.
— Só tem uma panela de lentilha, Laura. Coma você e as crianças.
A mãe tentou protestar, mas ele a interrompeu, como se suas palavras já não tivessem mais valor.
— Não discuta, amor. Por favor...
Com um suspiro resignado, sua mãe se afastou, mas seus olhos revelavam o peso da dor. Bianca, a caçula, começou a chorar, pedindo mais comida. O som dos soluços dela cortou o ar, e algo dentro de seu pai se quebrou. Naquele momento, a raiva tomou conta dele, quebrando o que restava de sua resistência.
— Vou resolver essa situação, Laura! — exclamou ele, socando o batente da porta com tanta força que a madeira tremeu.
— Como? Não faça isso, querido, por favor! — sua mãe implorou, mas ele não a ouviu. Já estava fora de casa.
O desespero tomou conta de Ayla, e com um olhar desesperado para sua mãe, ela correu atrás dele. O ar estava denso, carregado, como se o próprio céu estivesse a ponto de desabar. Seus pés descalços batiam contra o chão, e cada passo parecia uma eternidade. A dor nos pés era insuportável, mas nada poderia pará-la.
Ela o viu à distância, seu pai caminhando rapidamente, com passos largos, decididos, em direção ao centro da cidade. Ayla sabia que ele estava indo para lá, e o que mais a assustava era o fato de que ela não sabia o que ele faria lá. Ela precisava alcançá-lo.
Quando finalmente se aproximou, viu-o com um saco de arroz e algumas latas nas mãos. Ele havia roubado. Ayla parou, o choque invadiu seu corpo, mas ela não teve tempo para processar. Seu pai estava prestes a cometer algo irreversível.
— Pai! — ela gritou, mas sua voz se perdeu no barulho ao redor.
Ele se virou por um momento, os olhos verdes de encontro aos dela. Um olhar de dor, de desespero.
— Vá embora, Ayla... — ele sussurrou, com os lábios tremendo, os olhos cheios de sofrimento.
Antes que ela pudesse fazer qualquer coisa, os guardas apareceram. Eles estavam em todos os lugares, prontos para abater qualquer um que ousasse desafiar a ordem. Com brutalidade, eles agarraram seu pai, derrubando-o no chão e começando a espancá-lo sem misericórdia. Os sons dos socos e dos gritos de dor se espalhavam pelo mercado, ecoando como trovões na mente de Ayla.
As pessoas ao redor apenas observavam, algumas murmurando entre si, outras balançando a cabeça como se estivessem condenando mais um homem derrotado. Ninguém fez nada.
Ayla queria gritar, mas sua voz desapareceu. Seu corpo congelou. Não havia mais movimento, apenas lágrimas que escorriam pelo seu rosto sem que ela pudesse detê-las.
Foi então que algo, no silêncio absoluto daquele momento, aconteceu. Ela viu nos olhos de seu pai o exato momento em que a vida deixou seu corpo. Ele caiu como um mártir, sem honra, sem redenção, no meio da rua. E, naquele instante, a garota que ela foi também morreu. Algo dentro dela se partiu, e nos cinco anos seguintes, nunca mais foi a mesma. Seu coração se endureceu, se fechou para o mundo, erguendo uma muralha impenetrável para proteger o que restava de si mesma.
Mas Ayla não sabia ainda, o que o destino lhe reservava. A dor e a perda a tornariam mais forte, mas também a desafiariam a enfrentar o que estava por vir. E ninguém, nem ela mesma, sabia se essa muralha seria capaz de resistir aos desafios que estavam por vir.
O céu estava limpo, e as nuvens pareciam obras-primas que embelezavam o azul do firmamento. Louise deitou-se ao lado dele na grama verde, segurando sua mão. Seu sorriso era estonteante, como sempre, e sempre fazia as melhores partes dele se acenderem de felicidade. Cada momento ao lado dela trazia uma sensação de paz imensurável.
Ela olhou nos olhos dele e disse:
— Eu te amo tanto. Vamos ter um bebê.
A cada palavra dita, o coração dele pulsava mais forte, e a felicidade o dominava por completo. Mas, de repente, o céu que antes parecia claro ficou negro, um tom sombrio que tomou conta do mundo ao seu redor. Ele olhou para o lado, mas Louise estava parada, imóvel. Ele segurou sua mão, mas o que antes era quente agora estava gelado. O sorriso de Louise desapareceu, e sua face se tornou vazia, sem vida.
Ele começou a gritar por ajuda, mas ninguém apareceu. Chorou desesperadamente, mas ela já estava morta, e ninguém veio socorrê-lo. Lágrimas escorriam pelo seu rosto enquanto a dor o consumia por inteiro. Ele olhou novamente para Louise, mas ela já não estava mais ali. Sumiu. Desapareceu.
— Socorro! — gritou, mas estava completamente sozinho. Não havia ninguém para salvar-lhe da escuridão que, lentamente, o engolia.
Ele acordou com um sobressalto, respirando ofegante. O lençol estava encharcado de suor. Os pesadelos o atormentavam todas as noites, e ele já não sabia mais o que fazer para se livrar daquela dor.
Andou até a sacada do seu quarto e se encostou ali, observando as estrelas. Elas sempre o acalmavam nas piores noites, mas os sonhos terríveis traziam à tona as lembranças mais dolorosas da sua vida.
Aos dezesseis anos, ele conheceu a garota mais linda que já havia visto. Seu pai, o rei Richard, havia decidido dar um baile de boas-vindas ao rei da Rússia. Louise usava um vestido vermelho com uma máscara dourada. Seus cabelos negros e seus olhos cinzas como o céu nublado a faziam parecer uma deusa. Sua pele dourada brilhava à luz das velas. Cada traço da princesa roubou o coração dele por completo.
Com o tempo, começaram a conversar e descobriram tantas afinidades. Louise era mais do que bela. Era inteligente, doce e fascinante. Um ano se passou, e o pai de Louise firmou uma aliança política com o reino dele. Atlanta estava no auge, antes de a guerra eclodir contra a Rússia.
Logo, ele e Louise começaram a namorar. A aliança entre os reinos se fortaleceria ainda mais com o casamento deles. Dois anos se passaram. Ele fez dezenove, Louise, dezoito, e ele a pediu em casamento. As famílias celebraram com alegria, e o povo fez festa durante uma semana inteira após o anúncio do noivado. Louise decidiu então voltar à Rússia para escolher o vestido de noiva.
— Não precisa. Você pode escolher um aqui, em Atlanta — ele disse.
Mas ela insistiu:
— Só se casa uma vez na vida.
Essas foram as últimas palavras de Louise antes de embarcar naquele maldito avião. O avião que a levou de volta à Rússia... e à sepultura.
Ele recordava com dor e tristeza. Passou um ano em luto. Nada mais importava para ele. Na visão dele, a vida parecia não valer a pena. Tudo o que mais amamos é arrancado de nós assim que a vida tem a chance de fazê-lo.
Ele não comia, começou a abusar do álcool e não saia mais de seu quarto. Sua mãe o viu nesse estado lamentável e foi quem o salvou da morte — literalmente.
Uma noite, em meio à angústia, ele tomou todos os remédios do quarto e misturou-os com o álcool. Sua mãe, preocupada, encontrou a porta trancada e gritou, mas ele não respondeu. Já havia desmaiado.
Ela contou depois que aquele foi o pior momento de sua vida — ver seu filho à beira da morte. Quando ele acordou no hospital, no dia seguinte, ela implorou:
— Lute por mim, por favor. Se você me ama, continue vivendo.
Foi então que sua mãe, a rainha, o trouxe de volta à realidade. Embora ele nunca tenha se recuperado da morte de Louise, aprendeu a esconder o que sentia. As pessoas jamais entenderiam o que é perder alguém que se ama até que isso aconteça com elas.
Agora, aos vinte e um anos, ele se preparava para assumir o trono. O peso da responsabilidade o pressionava, e ele sabia que precisaria de uma esposa. Mas nunca conseguiria substituir Louise. Ela seria para sempre a única mulher em seu coração.
Sua família, ciente da dor que ele carregava, decidiu organizar uma competição para encontrar uma esposa que fosse digna do trono e de seu legado. A competição foi chamada de "Coroa de Diamante". As jovens mais talentosas e belas de cada setor seriam selecionadas para passar por testes e, aquelas que se destacassem, ficariam no castelo por um mês.
A competição pela Coroa de Diamante não era uma simples disputa de habilidades e beleza. Ela era, acima de tudo, um teste de força, inteligência e, em muitos casos, resistência à dor. O objetivo da competição era encontrar uma mulher que não apenas possuísse a graça e a elegância de uma princesa, mas também a coragem e a tenacidade para enfrentar os desafios implacáveis do mundo de Atlanta. A Coroa de Diamante era um símbolo de poder, e quem a conquistasse se tornaria a companheira do futuro rei, ajudando-o a governar o reino em tempos de incertezas e violência.
Logo após a seleção das participantes, as jovens eram levadas para uma arena isolada, onde começava o primeiro grande teste. Elas eram forçadas a provar sua habilidade em diversas provas que desafiavam tanto seu corpo quanto sua mente. A competição não era para as fracas de espírito.
O primeiro desafio consistia em uma corrida através de um campo de minas. As participantes precisavam atravessar uma área cheia de armadilhas letais e alcançar o ponto final antes que as explosões acontecessem. O medo e a tensão eram palpáveis no ar, e cada passo dado poderia ser o último. Muitas caíam nas minas, e o som das explosões ecoava pela arena, marcando o fim de suas trajetórias. As que sobrevivessem ao campo de minas teriam que lidar com os ferimentos e seguir em frente.
O segundo desafio era uma luta corporal. As participantes eram emparelhadas para lutar até a exaustão, usando apenas suas mãos e habilidades de combate. Não havia regras quanto à violência; socos, chutes e imobilizações eram permitidos. O sangue rapidamente cobria o chão da arena, e as meninas eram testadas não só em sua força física, mas também em sua resistência psicológica. Muitas caíam de exaustão ou cederiam à dor intensa, mas a vencedora da luta tinha que manter sua postura, pronta para o próximo teste.
Em um dos desafios mais temidos, as competidoras eram colocadas em um labirinto escuro, onde precisavam escapar de uma série de predadores treinados para caçá-las. A cada erro, o perigo se tornava mais real. As jovens se arrastavam entre as sombras, tentando evitar os ataques ferozes dos animais selvagens, que eram soltados em intervalos aleatórios. Quem fosse capturada ou ferida gravemente era eliminada. As competidoras mais audaciosas usavam o ambiente a seu favor, escondendo-se e surpreendendo os predadores para avançar.
Para o último teste, as participantes que restaram eram forçadas a atravessar uma ponte de corda suspensa sobre um abismo profundo, enquanto enfrentavam uma chuva de flechas disparadas por arqueiros de elite. O vento forte e a tensão no ar tornavam o teste ainda mais difícil, e cada movimento preciso era uma questão de vida ou morte. Apenas as que tivessem coragem e uma habilidade sobrenatural de controle sobre o medo conseguiam terminar essa prova.
Aqueles que assistiam à competição estavam em silêncio absoluto, observando as jovens lutarem não apenas por uma chance de se tornar rainha, mas por suas próprias vidas. Aqueles que falhassem ou se mostrassem fracos eram descartados sem piedade, sem chance de recomeçar.
E, mesmo que o sofrimento fosse grande, a cada desafio vencido, as participantes começavam a perceber que a Coroa de Diamante não era apenas um prêmio. Era um símbolo de resistência, de força inquebrantável e de coragem absoluta. Apenas uma poderia ser escolhida, e aquela mulher não só tomaria o lugar de uma princesa, mas assumiria a responsabilidade de enfrentar os maiores perigos que o reino pudesse oferecer ao lado do futuro rei. Mas até lá, muitas vidas seriam perdidas no caminho, e o sangue derramado na arena se tornaria parte da história que definia o futuro de Atlanta.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro