13. Magia Ainda Mais Profunda de Antes Da Aurora do Tempo
Não foi preciso procurar muito para que vissem para onde Aslam ia. Primeiro viram o brilho de tochas na distância e pensaram que talvez houvessem dado a volta e retornado ao acampamento, mas perceberam que não era nada daquilo quando ouviram os sons, como se montes de animais selvagens fizessem alguma festa.
As quatro se abaixaram atrás de uma moita e viram uma miscelânia de criaturas fiéis à Feiticeira reunidas ao redor de um grande bloco de pedra lapidada que ficava diante de um pórtico que dava para lugar nenhum exceto a noite escura.
Aslam subia os degraus até a Mesa de Pedra e a multidão de criaturas se dividia para que ele passasse. Ele parecia tão fora de lugar ali que as meninas simplesmente não conseguiam desviar os olhos. Era como se Aslam fosse uma fonte de luz num mar de escuridão.
E enquanto o Grande Leão não apresentava qualquer sinal de agressividade – parecia quase completamente manso –, ainda assim as criaturas pareciam temê-lo.
Por um momento, a atenção das meninas foi para a Feiticeira, vestida de preto e em pé sobre a Mesa de Pedra, segurando uma faca de pedra negra em suas mãos.
– Observem. – disse ela antes de soltar com desdém: – O Grande Leão.
Aslam permaneceu parado enquanto o anão Ginabrik e o general Otmin, o minotauro, se aproximavam armados e ameaçadores. Tinham medo de Aslam, sim, mas também tinham medo de sua mestra.
Otmin cutucou o lado de Aslam com a ponta de seu machado. O leão rosnou baixo em desconforto, mas permaneceu pacífico e mudo. O general olhou brevemente para sua mestra antes de, com uma violência desnecessária, acertar Aslam com o cabo do machado, o derrubando de lado.
As meninas alcançaram as mãos umas das outras enquanto os seguidores da Feiticeira comemoravam. No fundo, elas todas aguardavam o momento em que Aslam iria se levantar rugindo e acabar com todos eles.
Esse momento nunca veio. O Grande Leão continuou ali deitado, compassivo.
– Por que ele não reage?! – murmurou Lúcia indignada.
– Talvez ele queira que o subestimem, assim quando ele reagir vão todos se assustar. – disse Clarissa, e nunca esteve tão errada.
– Amarrem o animal! – mandou a Feiticeira.
Com uma coragem que não existia alguns segundos atrás, as criaturas surgiram com cordas negras e amarraram Aslam com uma brutalidade de rasgar o coração.
– Oh, eu não posso olhar! Simplesmente não posso! – soluçou Sofia com os olhos marejados e fazendo seu melhor para não chorar, cobrindo o rosto com as mãos.
Qualquer capacidade que a Redfield mais velha tivesse de impedir a si mesma de olhar se foi quando a Feiticeira falou novamente:
– ESPEREM! Tirem todo o pelo dele.
Ginabrik se aproximou em passos rápidos desembainhando sua adaga, e sem o menor cuidado arrancou um chumaço da resplandecente juba dourada de Aslam. A multidão comemorou e o anão jogou os fios dourados para o alto.
Punhais, adagas e tesouras apareceram, fazendo um zip-zip insistente, e a cada mecha dourada que caia no chão, mais as meninas choravam. Susana desviou o rosto.
– Podem trazê-lo a mim! – ordenou a Feiticeira ao ver que a maior parte da juba de Aslam se fora.
Brutamente, violentamente, o Grande Leão foi arrastado por suas amarras para cima da Mesa de Pedra enquanto as criaturas o xingavam, zombavam, riam e cuspiam nele. Pequenos rastros de sangue ficaram no chão de pedra, vindos dos machucados causados pelas criaturas ao cortar a juba do leão.
– Por que eles precisam ser tão cruéis? – chorou Clarissa, tão triste que sentia como se alguém estivesse sentado sobre seu peito. – Já viram que ele não vai fazer nada!
– Talvez ele vá reagir agora? – sugeriu Lúcia da boca pra fora. Ela não achava que Aslam planejasse reagir.
A Feiticeira estendeu o braço e as criaturas silenciaram. Susana voltou a olhar.
Bruxas posicionadas nos quatro cantos da Mesa de Pedra começaram a bater seus cajados no chão em um ritmo de ritual agourento. Aos poucos as criaturas se juntaram em uma música macabra, do tipo que ninguém nunca queria ouvir.
Sofia tapou os ouvidos, mantendo a mente o máximo que podia na memória delas cantando Somewhere Over The Rainbow para a floresta silenciosa mais cedo e desejou fervorosamente que Aslam também estivesse pensando nisso. Que ele tivesse uma memória feliz naquele momento tão terrível e brutal.
O ritmo da música aumentou e a Feiticeira abaixou-se para falar no ouvido de Aslam. Ele sabia que tudo ficaria bem no final, mas para chegar no final, ele precisava passar por aquele momento horrível, que parecia se arrastar por horas e até mesmo dias.
– Sabe, Aslam... Estou meio decepcionada com você. Mais ninguém será salvo. – ela sussurrou e soltou um riso seco e convencido. – É nisso que dá o amor.
O olhar de desespero do Grande Leão não tinha precedentes, principalmente quando ele conseguiu ver quatro meninas chorosas escondidas nos arbustos não muito longe dali.
A Feiticeira se levantou e falou por cima da música agourenta:
– ESTA NOITE SERÁ SATISFEITA A MAGIA PROFUNDA! MAS AMANHÃ, NÓS TOMAREMOS NÁRNIA... PARA SEMPRE! – ela estendeu o E de "sempre" e o ritmo aumentou ainda mais. O olhar da Feiticeira desceu para Aslam, amarrado, humilhado, machucado e desprovido de sua gloriosa juba. Para ela, derrotado. – Consciente disso, desespere-se e... MORRA!
A Feiticeira desceu a faca de pedra sobre o coração de Aslam. Com um ganido de partir o coração, as últimas pessoas para as quais o Grande Leão olhou foram as meninas, e não havia modos de compreender o tamanho do amor e o tamanho da graça e o tamanho da misericórdia que o levaram a voluntariamente dar sua vida não só por Edmundo, mais por toda Nárnia.
Susana Pevensie, Lúcia Pevensie, Sofia Redfield e Clarissa Redfield ficaram paralisadas e perderam o ar naquele momento que pareceu durar uma eternidade, os olhos fixos no olhar dourado de Aslam. Susana não se lembrou que queria segui-lo para onde quer que fosse. Lúcia não se lembrou do quanto ele era acessível e bom. Sofia não se lembrou de ser sábia ou corajosa. Clarissa não se lembrou de que sempre existia esperança. Tudo o que elas conheciam se resumia àquele olhar dourado conforme toda a vida, todo o poder, toda a majestade e toda a magia se esvaia deles. Foi como se elas houvessem sido apunhaladas no coração, zombadas, cuspidas, machucadas, tido suas coroas arrancadas.
Aslam fechou os olhos soltando seu último suspiro e finalmente o verdadeiro choro as alcançou e as quatro se engalfinharam em um abraço. Uma letargia se espalhou por elas, e sentiam que nunca voltariam a ser felizes. Como poderia existir felicidade em um mundo sem Aslam? Será que o sol se atreveria a nascer no dia seguinte? Será que as folhas e flores secariam e morreriam?
Ali, naquele momento, para elas seria noite para sempre. Seria nublado para sempre. Seria frio para sempre. Elas seriam miseravelmente tristes para sempre.
– O GRANDE GATO ESTÁ MORTO! – anunciou a Feiticeira e aquelas criaturas ousaram celebrar. – General, prepare suas tropas para a batalha!
Em prontidão, general Otmin mugiu alto, como se aquela fosse a trompa que convocava o exército.
– Por mais curta que ela possa ser. – murmurou a Feiticeira, ela mesma mal suportando ver o corpo sem vida de Aslam.
Nem o exército da Feiticeira e nem as meninas perceberam um ao outro quando as criaturas debandaram em frenesi.
Eram as horas mais escuras logo antes do amanhecer quando as meninas finalmente soltaram uma à outra e foram até o corpo de Aslam com aquele sentimento de dormência de entre um choro e outro, os corações pesados de luto.
Lúcia sentou-se na Mesa de Pedra ao lado do leão e após alguns segundos foi acometida por uma ideia, as mãozinhas voando para o elixir em seu cinto.
– É tarde. – disse Susana vendo a irmãzinha desrosquear a tampa do frasquinho de diamante. – Ele já se foi.
As outras meninas também subiram na Mesa de Pedra. Sabiam que Aslam estava morto, mas precisavam estar perto dele de qualquer forma que pudessem.
– Ele sabia o que estava fazendo. – continuou Susana, a voz rouca de choro.
Uma nova onda de choro passou pelas meninas, e todas elas choraram prostradas sobre o corpo de Aslam, até ouvirem chiados e estalares.
Ao levantarem as cabeças para olhar, viram dezenas de ratos e camundongos escalando o leão morto.
Horrorizadas, Sofia e Susana puxaram o ar e começaram a espantar os bichinhos com as mãos.
– Ora, o que estão fazendo? Saiam já daí! – gritou Sofia.
– Saiam todos vocês! – exclamou Susana.
Mas Clarissa e Lúcia perceberam algo diferente.
– Não, olha. – murmurou Lúcia prestando atenção.
– Eles estão roendo as cordas. – disse Clarissa baixinho quando as cordas começaram a estalar e se soltar.
Imediatamente, elas ajudaram os pequenos roedores a fazer seu trabalho, e uma vez que o corpo estava livre das cordas já não parecia assim tão horrível. Mas continuava sendo como um pesadelo, e elas voltaram a chorar, e depois de chorar veio sobre elas uma grande calma, chegaram a ter a sensação de que nada mais lhes podia acontecer.
Chorar ajuda por um tempo, mas depois é preciso parar de chorar e tomar uma decisão.
Susana foi a primeira a perceber isso. Ela levantou a cabeça e olhou para a irmã e as amigas:
– Temos que contar aos outros.
– Mas não podemos deixá-lo. – disse Lúcia.
– E se alguma daquelas criaturas horríveis voltar e fizer alguma coisa com ele? – perguntou Clarissa.
– Meninas, eles precisam saber. – insistiu Susana. – Não há tempo.
– Eu vou. – disse Sofia, e limpou a garganta antes de continuar. – Fiquem aqui. Eu vou voltar. Tenho que voltar. Eu prometi que iria para a batalha com os meninos.
– Tem certeza? – questionou Lúcia.
– Susana está certa, mas vocês também estão. Fiquem aqui. – confirmou Sofia e desceu da Mesa de Pedra. Ela desceu alguns degraus e então parou. Virou-se para as outras parecendo à beira das lágrimas novamente. – Eu não sei o caminho de volta.
Elas se entreolharam por um momento, e então a atenção de Lúcia se voltou para a orla da floresta.
– As árvores!
Como que ouvindo e obedecendo um comando de sua rainha, um vento carregado de magia passou pelas copas verdes e envolveu Sofia, a guiando até a orla da floresta onde dríades a aguardavam.
O choro de Sofia já se tornara silencioso, e silenciosamente as dríades choravam com ela enquanto a levavam de volta para o acampamento.
Quando chegaram à porta da tenda dos meninos, Sofia verdadeiramente duvidou que tivesse coragem de contar o que acontecera. As dríades, salvo uma, foram dar as más notícias ao general e a menina ficou ali, enrolada na própria capa.
Agora, longe da Mesa de Pedra e do corpo de Aslam, parecia que fora tudo apenas um pesadelo.
Ela puxou o ar e contemplou o céu cinzento de logo antes do amanhecer.
– Pedro! Edmundo! – chamou por fim e segundos depois o mais velho apareceu na porta da tenda como se houvesse caído da cama.
Ele franziu as sobrancelhas confuso pelo horário e então notou o olhar infinitamente triste de Sofia, os olhos vermelhos e o rosto manchado de lágrimas.
– Sofia, o que aconteceu?! – Pedro perguntou, mil possibilidades horríveis passando por sua cabeça.
Quando a moça abriu a boca, percebeu quão terrível seria dizer o que vira naquela madrugada em voz alta. A impressão de sonho se fora, e o que sobrou foi aquele luto esmagador lhe roubando o ar e a fala. Só havia uma coisa que ela podia fazer, e foi o que fez: começou a chorar novamente.
Pedro quase caiu com o pulo que deu para frente para segurar a menina pelos ombros e se curvar um pouco para olhá-la nos olhos. Havia um sentimento horrível no peito do rapaz, como se alguma coisa irremediável e pavorosa houvesse acontecido.
– Sofia, o que aconteceu? Onde estão as meninas? Você está machucada? – ele perguntava desesperado por uma resposta.
Foi quando a dríade que ficara se aproximou com um olhar pesaroso, porém tranquilizador.
– Majestade, trazemos más notícias das rainhas e de Lady Clarissa. Essa noite, as rainhas e miladies saíram do acampamento junto com Aslam. – ela relatou em um tom grave e sério. – O Grande Leão foi morto pela Feiticeira.
Assim como mais cedo o mundo das meninas havia desabado, o de Pedro também ruiu ao seu redor, assim como o de Edmundo, que ouvira tudo da entrada da tenda, o queixo começando a bater de choro:
– E-e-ele morreu?
– Não... Não pode ser. – Pedro murmurou antes de soltar Sofia e sair correndo para a tenda de Aslam.
O choro da menina havia se amenizado e ela estendeu a mão para Edmundo, que lutava desesperadamente contra as lágrimas. O menino segurou a mão da mais velha, que o puxou para um abraço de consolo.
– P-por que ele faria algo assim? – gaguejou Edmundo, fungando repetidamente.
– Por amor. – Sofia respondeu simplesmente, a voz muito cansada e abatida.
Era uma resposta muito simples e ao mesmo tempo muito complexa, mas Edmundo a entendeu: amar era uma escolha, e uma vez que se escolhia amar, vinha a responsabilidade sobre quem você ama. Aslam havia escolhido amar Nárnia, e se tornara responsável por ela.
– Sofia? – o menino se afastou um pouco do abraço. – Ele fez isso por mim?
– Ele fez isso por todos nós, Ed. – ela respondeu tirando a franja do menino do rosto e passando o braço pelos ombros dele para irem atrás de Pedro.
Foi uma caminhada pesarosa pela via principal do acampamento que começava a ganhar vida bem antes do amanhecer por conta da mensagem que as dríades haviam espalhado. Quando alcançaram o pavilhão principal, Pedro saía de dentro da tenda do Grande Leão com um olhar terrivelmente vazio e sem vida.
– Ela tem razão. - ele falou parando diante da mesa que continha o mapa de Nárnia com os planos de batalha, evitando olhar para Edmundo, Sofia ou Oreius, que se postava atrás dos dois humanos. – Ele morreu.
Pedro apoiou as mãos contra a cerejeira da mesa, os ombros encurvados como se carregassem o peso de um mundo inteiro.
Edmundo por outro lado, assumiu a postura mais decididamente nobre que Sofia já vira. Ele olhou para o irmão com confiança o bastante para ambos antes de declarar:
– Agora você é o líder. – e diante do olhar desanimado e inseguro de Pedro, continuou. – Pedro, tem um exército lá fora pronto a seguir você.
– Eu não posso! – o tom de Pedro beirava o desespero, mil coisas entaladas na garganta do mais velho dos Pevensie, o peso de tudo parecendo esmagá-lo e esmagar sua confiança, sua fé, tudo o que havia nele.
E foi quando Edmundo disse as palavras mais poderosas que poderia ter dito, com uma presença de espírito além de seus anos que fez Sofia pensar que ali nascia um verdadeiro rei:
– Aslam acreditava em você. E eu também.
– Você não está sozinho Pedro. – Sofia complementou. – Nem nunca vai estar.
O peso finalmente pareceu mais leve porque pela primeira vez Pedro percebeu a razão pela qual eles haviam sido enviados a Nárnia como um grupo: um fardo compartilhado é um fardo leve.
– O exército dela se aproxima, senhor. - disse Oreius finalmente, um olhar de orgulho para seus três aprendizes de espadachim. – Dê as ordens.
Exalando lentamente, Pedro encarou o mapa. Edmundo à direita dele e Sofia movendo-se para a esquerda. O plano veio em sua mente como que sussurrado por mágica, como se a própria voz de Aslam o explicasse.
Além da Mesa de Pedra, os olhos do rapaz pousaram sobre uma extensa pradaria entre o rio Beruna e o Grande Rio, ladeada por paredes rochosas.
– Precisamos de uma grande unidade de arqueiros em terreno alto. – disse Pedro, lembrando-se de todos os livros sobre cavaleiros e grandes batalhas da história e da ficção que já lera. – O nosso exército é pequeno, então precisamos manter o confronto indireto o tanto quanto pudermos.
– Talvez se no meio do conflito direto pudéssemos interromper a luta por um momento para nos reorganizarmos, possamos ter uma chance. – opinou Sofia. – Algo para distraí-los.
– Flechas incendiárias talvez? – sugeriu Edmundo. – Se chegarmos antes no campo, podemos colocar algumas pilhas de lenha na linha de centro. É um pouco circunstancial demais, mas...
– Não precisamos disso para uma parede de chamas. – interrompeu o general Oreius. – Não quando temos uma fênix no nosso exército.
Três olhares de puro deslumbre se voltaram para o centauro antes dos humanos entreolharem-se entre si: talvez tivessem uma chance afinal de contas.
– Que tal organizar a vanguarda numa parede de escudos? – Edmundo foi o primeiro a voltar a falar. – Com lanças bem longas para impedir o choque inicial de ter tanta força?
– E temos muitos grifos no acampamento. Podemos formar uma unidade aérea. – disse Pedro concordando e movimentando os estandartes em miniatura pelo mapa como peças em um tabuleiro de xadrez.
– Oreius temos uma lista dos soldados? – inquiriu Sofia.
Com a ajuda do general, o plano se desenvolveu com rapidez impressionante, as ideias de Pedro, Edmundo e Sofia se complementando de forma notável.
Quando o sol havia terminado de nascer, o exército já fora informado dos planos e os três humanos foram enviados para a tenda de Dunkin, que desejou as condolências da forma mais tocante e sincera antes de animadamente empurrar uma caixa de madeira lindamente esculpida para cada um.
– Kannius e a Sra. Castor me ajudaram com isso. Muito talento foi necessário, mas já haviam tomado medidas de Vossas Majestades e milady para roupas novas e eu pensei "ora por que não?" – tagarelou Dunkin quase tremendo em expectativa.
– Vossas Majestades primeiro. – falou Sofia olhando para os meninos, que se entreolharam em uma decisão unânime de que Pedro deveria ser o primeiro a ver o que quer que havia dentro de sua caixa.
A caixa de Pedro era feita de madeira de carvalho e entalhada com lindos arabescos compostos de folhas de carvalho e folhas de macieira. Quando aberta, revelou uma cobertura interna de veludo terracota e acabamentos azuis, assim como algo envolto em papel de seda branco. Abrindo as folhas de papel com cuidado, Pedro puxou para fora da caixa uma cota de malha digna de rei. A túnica era escarlate, com o dourado leão narniano rugindo no centro. As ombreiras, luvas, joelheiras, caneleiras e cotoveleiras nem sequer rangiam ao se mexer, folhas de carvalho minuciosamente engravadas enfeitando elegantemente cada beirada, tudo brilhando e recém polido. Acompanhava o elmo mais genial que já fora feito, com acolchoamento interno, encaixe perfeito, mais folhas de carvalho e macieira e até mesmo adornos folheados a ouro.
A caixa de Edmundo era igualmente linda, intrincada e composta com folhas de bétula, o interior de veludo azul marinho – a mesma cor que no dia anterior Sofia sugerira que combinava com o menino – revelando uma cota de malha similar à de Pedro, com ornamentos compostos de folhas de bétula e um elmo mais simples, porém igualmente genial.
Finalmente, foi a vez de Sofia, e os entalhes de ramos de oliveira e lírios do vale a emocionaram.
Você vê, à maioria das plantas é atribuído um significado. Folhas de carvalho simbolizam sabedoria e folhas de macieira simbolizam paciência. Folhas de bétula simbolizam proteção, renovação e mudança. E ramos de oliveira simbolizam diplomacia e paz enquanto lírios do vale simbolizam felicidade e boa sorte.
O lado de dentro da caixa era coberto por um veludo de um tom de verde suave que remetia à primavera. Abrindo cuidadosamente o papel de seda, Sofia puxou uma cota de malha que se adaptaria a qualquer vestido que decidisse usar por baixo, mas acompanhando estava um vestido daquele mesmo escarlate narniano com o mesmo leão dourado rugindo no peito, ramos de oliveira dourados bordados pela extensão das mangas longas e justas do vestido. Junto a todo o resto, um corpete de couro vermelho endurecido com adornos de ramos de oliveira de metal folheado a ouro que Sofia desconfiou que eram mais do que enfeites.
– Dunkin... É maravilhoso... – a mocinha murmurou estarrecida.
– Ah sim! Eu me lembrei que milady não tem escudo, por isso esse metal todo no corpete. Mas não se preocupe: metal não precisa ser pesado para ser resistente. – contou o anão, que só não parecia estar tendo o melhor dia de sua vida pelo clima tenso e tristonho que pairava sobre todos. – Eu fiz similares para a Rainha Susana, a Rainha Lúcia e a Lady Clarissa, mas me parece que elas não precisarão agora.
– É uma honra Dunkin. De verdade. – Pedro agradeceu.
– Obrigado. É o presente mais incrível que eu já ganhei, Dunkin. – sorriu Edmundo. – Depois da espada genial que fez para mim, é claro.
Nenhum deles teve tempo de se demorar nos agradecimentos, pois tinham que se preparar.
Conforme o exército se movia para o terreno próximo ao Beruna, ombros tensos, mandíbulas travadas e nós de dedos brancos ao redor de rédeas eram uma visão bastante comum entre as tropas.
Mas nenhum ombro estava mais tenso que os ombros de Sofia. Nenhuma mandíbula estava mais travada que a de Pedro. Os nós de dedo nenhum estavam mais brancos que os nós dos dedos de Edmundo.
Em uma elevação no terreno à frente da vanguarda do exército, Oreius à sua esquerda e Sofia montada em Tophee à sua direita, Pedro estava montado no unicórnio Moonstone e observava Youssuf, grifo comandante da unidade aérea voltar após ter sobrevoado o terreno.
Edmundo havia ficado no terreno mais elevado para liderar os arqueiros junto com Liena, observando tudo cuidadosamente.
Youssuf deu a volta aproveitando-se de uma corrente de vento antes de pousar bem ao lado de Sofia.
– Chegaram, Alteza, em número e armas que superam em muito os nossos. – relatou o grifo com um olhar de preocupação transparente e óbvio.
– Números não vencem batalhas. – declarou Oreius assim que viu a postura de Pedro e Sofia começar a desmoronar.
– Não. – Pedro concordou. – Mas aposto que ajudam.
Uma trombeta desafinada soou e o exército bruto, desorganizado e barulhento da Feiticeira se fez ver na linha do horizonte, uma mancha escura de puro horror e os olhos de Sofia arderam de raiva e pura indignação quando a Feiticeira apareceu.
A falsa rainha usava a dourada e resplandecente juba de Aslam ao redor do pescoço, na cabeça uma coroa de ouro que imitava o crânio de um leão.
– Eu vou arrancar os cabelos dela fio a fio por ousar fazer uma coisa dessas. – a moça sibilou entre os dentes mal acreditando na audácia de Jadis.
– Use esse sentimento em batalha, Milady. Será útil. – concordou Youssouf engolindo em seco.
Pedro parecia perdido em pensamentos. Primeiro ele olhou para Edmundo, e vendo o aceno de cabeça do irmão, o mais velho fez o seu melhor para esconder o acesso de tremedeira que ameaçava acometê-lo antes de desembainhar sua espada e erguê-la.
A trombeta melódica narniana soou, as tropas comemoraram e o exército da Feiticeira avançou, bruta, violenta e sedenta de sangue inocente.
O exército narniano manteve-se firme em sua posição, a espada de Pedro erguida imóvel esperando os adversários atingirem a primeira marcação imaginária que fora feita no campo de batalha. Então, o futuro Grande Rei fez um sinal a frente com a lâmina cintilante ao sol e a até então escondida força aérea alçou voo.
Cada grifo da unidade aérea carregava consigo uma rocha de tamanho considerável conforme avançava sobre o exército da Feiticeira. Com um pio alto de Youssouf, as rochas foram soltas, esmagando os inimigos abaixo. Não demorou, porém, para que os grifos tivessem que começar a desviar de flechas como Sofia previra no planejamento estratégico, e foi quando Youssouf ordenou o recuar da unidade aérea.
Finalmente, a hora havia chegado. Ainda reprimindo o acesso de tremedeira, Pedro olhou para seu general e questionou:
– Você está comigo?
– Até a morte. – Oreius concordou.
E então Pedro olhou para Sofia. Olhou de verdade. Decidiu guardar cada detalhe, cada sarda no rosto e cada fio de cabelo que escapulia do coque trançado dela.
– Corajosos juntos. – ele falou.
– Corajosos juntos. – ela respondeu.
O acesso de tremedeira sumiu sem deixar resquícios, o futuro Grande Rei ergueu sua espada e levantou a voz no primeiro grito de guerra de muitos por vir:
– POR NÁRNIA E POR ASLAM!
***
Olhem só que fantástico: eu estou viva!
Esse tempo sem fim que passei sem postar foi uma loucura completa. Passei por altos e baixos, por testes de resistência, paciência, capacidade. Peguei algumas DPs na faculdade e perdi algumas noites de sono, mas no fim das contas eu como sempre voltei para casa: Nárnia.
E não tenho nem palavras para agradecer pela sua paciência.
Beijinhos, Lady Ari.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro